Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS DE CAMPOS LOBO | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO IRREGULARIDADE PODERES DO JUIZ CELERIDADE PROCESSUAL | ||
Data do Acordão: | 04/18/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I – A máxima da economia processual, entendida como a proibição da prática de atos inúteis / supérfluos / desnecessários / estéreis, o qual impõe a todos que evitem / abstenham / atalhem a prática de passos que não surtindo o menor efeito na substância / mérito do processo, apenas encerram o puro efeito de o complicar / emaranhar / protelar, com acolhimento no artigo 130.º do CPCivil, não tendo normação direta equivalente no CPPenal, tem aqui aplicação por força do plasmado no seu artigo 4.º. II - Percorrendo o ordenamento processual penal vigente, há claros afloramentos ao referido brocardo em diversas normas, mormente nos artigos 311.º, n.º 2, alínea a), ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e 420.º, n.º 1, alínea a), que prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência. III - Tendo-se procedido à notificação da acusação ao arguido, por via postal simples com prova de depósito, para uma morada diferente da indicada no Termo de Identidade e Residência para efeito de notificações, nenhuma dúvida subsiste que foi praticado um ato processual à revelia do estatuído no n.º 6, do artigo 283.º do CPPenal. IV – Tal, não configurando nulidade insanável nem nulidade dependente de arguição nos termos do plasmado, respetivamente, nos artigos 119.º e 120.º do CPPenal, parece constituir uma irregularidade com previsão no n.º 2 do artigo 123.º do CPPenal, uma vez que, estando em causa uma situação passível de afetar / diminuir o espaço de garantia de direitos fundamentais, como seja o reagir atempada e prontamente a uma acusação e, nessa medida, esta ter que chegar devidamente ao seu destinatário, emerge situação em que o julgador deve intervir oficiosamente por não ter havido arguição tempestiva. V - Podendo o juiz ordenar ex officio a reparação / correção de qualquer irregularidade, não tem o mesmo o poder de determinar que o Mº Pº a repare, sendo que de todo o regime consignado no artigo 123.º do CPPenal, tendo o tribunal, oficiosamente, detetado a irregularidade, não está o mesmo impedido, antes o reclamam os princípios da economia e celeridade processuais, de a reparar / corrigir, sem necessidade de dar sem efeito a distribuição e de ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para que o fizesse. VI – Estando os autos na esfera de apreciação do juiz para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade de notificação da acusação aos arguidos, é também da competência do juiz a ordem para o seu suprimento, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência. VII - Por seu turno, apelando ao princípio da economia processual e ponderando a máxima da celeridade, estando o processo no domínio do juiz, nada ressaltando da lei que o proíba de o fazer, e tratando-se de um processo de natureza urgente, recomendam a cautela / ponderação / razoabilidade, que se determine a imediata reparação do vício, evitando-se delongas com devoluções, baixas de distribuição, recursos e, consequentemente a prática de atos inúteis sem qualquer vantagem / peso / interesse na realização da justiça material. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1. O processo de inquérito com o nº 535/22.4GESLV , que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público – Departamento de Investigação e Ação Penal – Secção de ..., culminou com acusação deduzida contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea d) e 2, alínea a) do CPenal. 2. Sequentemente, foi notificado o arguido da acusação deduzida e, não tendo sido requerida a instrução foram os autos remetidos ao Tribunal, para os efeitos do estatuído no artigo 311º do CPPenal. Recebidos os autos, veio a ser proferido despacho que, considerando ter havido irregularidade na notificação da acusação ao arguido, determinou a remessa daqueles aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes. 3. Inconformado com este despacho, veio o Digno Mº Pº recorrer, defendendo o que se extrai das respetivas conclusões: (transcrição) 1.O objecto do recurso é o despacho que julgou verificada a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido AA e que determinou, em consequência, a remessa dos autos ao Ministério Público a fim de a reparar, dando, a Mm.ª Juiz a quo baixa na distribuição. 2.Após dedução da acusação foi dado cumprimento ao disposto no art. 277.º, n.º 3, aplicável ex vi do art. 283.º, n.º 5, ambos do CPP. No entanto, o arguido não foi notificado na morada constante do TIR. 3.Remetidos os autos à distribuição, a Mm.ª Juiz a quo considerou que a falta de notificação da acusação ao arguido integrava uma irregularidade processual nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 2 do CPP. 4.Na verdade, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 61.º, alínea g), 283.º, n.º 5 e 123.º, n.º 2, todos do CPP, estamos perante uma irregularidade, o que não se contesta. 5.Contudo, salvo melhor opinião, uma vez que a Mm.ª Juiz conheceu, oficiosamente, tal irregularidade, devia ter determinado que a respectiva secção judicial diligenciasse no sentido da sua reparação, nos termos do disposto no art. 123.º, n.º 2, do CPP e não ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público para esse efeito. 6.Efectivamente, quando da irregularidade toma conhecimento, o Tribunal deverá reparar tal irregularidade nos próprios serviços e secção judicial, em obediência aos princípios da economia e celeridade processuais, quando está a apreciar os autos nos termos do disposto no art. 311.º, do CPP. 7.Neste sentido, apenas a título de exemplo: a.O Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 05/12/2016, no âmbito do processo nº 823/12.8PBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt: “Na verdade, pese embora a notificação que o tribunal a quo entendeu estar em falta devesse ter sido efetuada com a acusação e, por isso, na fase de inquérito, tendo os autos sido distribuídos para julgamento e, desde logo, por razões de celeridade e de economia processual, tal notificação deve ser feita pela respetiva secção judicial”. b.O Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 08/09/2020, no âmbito do processo nº 3276/18.3T9SXL.L1-5, disponível in www.dgsi.pt: “Encontrando-se os autos sujeitos à apreciação do juiz para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade de notificação da acusação aos arguidos, é também da competência do juiz a ordem de suprimento da irregularidade detectada, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência, não podendo ser executada pelos serviços do MºPº, os quais são autónomos em razão do princípio constitucional da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz”. 8.Salvo melhor opinião, o art. 123.º, n.º 2 do CPP impõe, aliás, que a “entidade” que toma conhecimento da irregularidade seja a mesma que providencia pela sua reparação, reunindo, assim, a prática dos dois actos num único “momento”. 9.Se o tribunal a quo ordenasse a reparação da irregularidade em apreço pela respectiva secretaria judicial, aquando do despacho proferido em 21/12/2022, aquela seria sanada e reparada de forma imediata, com verdadeiro benefício para a economia e celeridade processuais, sem provocar o trânsito de processos entre secretarias e Magistrados. 10.Razão pelo qual o Tribunal a quo, no despacho recorrido, violou o disposto nos arts. 123.º, n.º 2, 311.º e 312.º do CPP. Nos termos e pelos fundamentos expostos, entendemos que deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro em que o Tribunal a quo determine a reparação da verificada irregularidade à secção judicial e, consequentemente, dê cumprimento ao disposto no n.º 1, do art. 312.º do CPP. Porém, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA! 4. Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso. 5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se também no sentido da procedência do recurso, acompanhando o posicionamento tido pelo Ministério Público na 1ª instância, referindo (s)omos do parecer que o recurso interposto (…) se mostra pertinente e acompanhamos a respectiva motivação e conclusões tiradas[1]. 6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Thema Decidendum Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de pronunciamento, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. 2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição) Compulsados os autos verifica-se que foi deduzida acusação contra AA, tendo o mesmo sido notificado por via postal simples com “prova de depósito” (cfr. fls. 137) para a Rua ... – ..., ..., ... ....
2.2. Da questão a decidir Todo o dissídio envolto no processo recursivo em exame, como adiante se verá, parece reclamar um estridente apelo a um dos princípios basilares da tramitação processual, que não é mais que o da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de atos inúteis / supérfluos / desnecessários / estéreis, o qual impõe a todos que evitem / abstenham / atalhem a prática de passos que não surtindo o menor efeito na substância / mérito do processo, apenas encerram o puro efeito de o complicar / emaranhar / protelar. III - Dispositivo Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Digno Mº Pº e consequentemente, decidem: Carlos de Campos Lobo – Relator Ana Bacelar – 1ª Adjunta Renato Barroso – 2º Adjunto __________________________ [1] Cfr. fls. 5. [2] Artigo 28.º Celeridade processual 1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos. 2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal. [3] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06/02/2017, proferido no Processo nº 540/14.4GCBRG.G1, citado no articulado recursório, disponível em www.dgsi.pt. Ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/04/2009, in CJ XXXIV, tomo II, p. 294. [4] Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p. 371. [5] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31/01/2007, proferido no Processo nº 417372, onde se pode ler A falta de notificação da acusação ao arguido constitui mera irregularidade, a ser tratada nos termos do nº 1 do artº 123º do CPP98 (…) Trata-se por isso de uma mera irregularidade e esta, segundo o art.º 123.º, n.º 1 só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tivessem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele a que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, disponível em www.dgsi.pt. [6] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2009, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p.312. [7] Neste sentido GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I – artigos 1º a 123º, 2022, 2ª Edição, Almedina, p. 1343. [8] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/12/2016, proferido no Processo nº 823/12.8PBGMR.G1, citado no articulado recursório, onde consta (…) conforme resulta do n.º 2, do artigo 123.º, do CPP <<pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado (…) Extrai-se deste normativo que o tribunal a quo pode oficiosamente ordenar a reparação de uma irregularidade, no momento em que dela tomou conhecimento, ou seja, pode por sua iniciativa ordenar aquela reparação mas através dos seus próprios serviços, da secção judicial (…) pese embora a notificação que o tribunal a quo entendeu estar em falta devesse ter sido efetuada com a acusação e, por isso, na fase de inquérito, tendo os autos sido distribuídos para julgamento e, desde logo, por razões de celeridade e de economia processual, tal notificação deve ser feita pela respetiva secção judicial. disponível em www.dgsi.pt [9] Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/11/2013, proferido no Processo nº 304/11.7PTPDL.L1-9, onde se pode ler I- A omissão da notificação do despacho de arquivamento/acusação ao mandatário do denunciante configura uma irregularidade (art. 118.º, n.º 2, do CPP), com reflexos no exercício de direitos do denunciante, afectando dessa forma a validade de todos os actos processuais posteriores. II- Tal irregularidade é de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 123.º do CPP, dado que não se mostra sanada.III- Deverá, porém, a Sr.ª Juíza do tribunal a quo ordenar a reparação da irregularidade em causa, da qual conheceu oficiosamente, pelos seus próprios serviços e não ordenar a remessa dos autos aos serviços do MP, como o fez, com essa finalidade, dando sem efeito a distribuição, decisão essa que afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz, de 08/09/2020, proferido no Processo nº 3276/18.3T9SXL.L1-5, de onde se retira O Juiz do tribunal a quo pode conhecer oficiosamente da irregularidade relativa à falta de notificação da acusação, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 123.º do CPP na medida em que tal omissão pode vir a afectar a validade de todos os actos processuais posteriores e não se mostra sanada (…) (e)contrando-se os autos sujeitos à apreciação do juiz para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade de notificação da acusação aos arguidos, é também da competência do juiz a ordem de suprimento da irregularidade detectada, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência, não podendo ser executada pelos serviços do MºPº, os quais são autónomos em razão do princípio constitucional da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz. [10] Neste sentido, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal – II, 2008, $º Edição Revista e actualizada, Editorial Verbo, pp. 103-104. |