Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
760/13.9TMFAR-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A prisão preventiva do progenitor não configura situação de incapacidade que torne inexigível a prestação de alimentos a filhos menores.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente/Requerente: (…)

Recorrido/Autor: (…)

Trata-se de ação judicial intentada com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais da jovem (…), nascida em 01/03/2005.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação, no que respeita a alimentos, conforme segue:
«8. Caso o pai auferira rendimentos, contribuirá a título de alimentos com a quantia mensal de € 100,00 devida à filha, a qual será entregue à mãe por transferência bancária, cheque, vale postal ou em mão mediante a emissão de recibo de quitação, até ao último dia útil de cada mês a que disser respeito a prestação.
9. A quantia referida em 8. será anual e automaticamente atualizada a partir de janeiro de 2019, segundo o aumento da taxa de inflação prevista pelo Instituto Nacional de Estatística, relativa ao ano anterior.»

Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que elimine a condição de pagamento da pensão de alimentos apenas quando o pai auferir rendimentos. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual fixou o regime de exercício das responsabilidades parentais da filha da ora Recorrente.
II. Mais precisamente, o presente recurso versa sobre a decisão do Tribunal a quo de condicionar a obrigação de pagamento da pensão de alimentos à efetiva receção de rendimentos por parte do pai, o que impede a Recorrente de peticionar ajuda junto do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
III. Tal decisão, com todo o respeito por opinião contrária e no entender da ora Recorrente, viola um dos mais importantes princípios constitucionais que é a obrigação dos pais proverem pela subsistência dos seus filhos (artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa).
IV. Por subsistência deve entender-se todas as despesas inerentes ao normal crescimento, educação, saúde, habitação e vestuário e não apenas uma obrigação alimentícia.
V. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo apenas teve em consideração os custos alimentícios da filha da Recorrente, olvidando-se de todos os restantes custos de subsistência, tais como habitação, higienização, vestuário, saúde, educação, etc.
VI. Ora, nos termos dos artigos 1878.º e 1879.º do Código Civil, os pais estão obrigados a prover ao sustento dos seus filhos até que estes tenham capacidade de o fazer.
VII. Por seu turno, o artigo 2004.º do Código Civil estabelece uma relação de proporcionalidade entre as necessidades de quem precisa de alimentos e daquele que os tiver que prestar, dando-se sempre primazia na lei aos superiores interesses das crianças.
VIII. No caso sub judice, ficou provado que a Recorrente apenas aufere a quantia mensal de € 391,50 a título de pensão de invalidez. Tal quantia é manifestamente insuficiente para fazer face às despesas de subsistência da Recorrente e da sua filha, ainda que residam em casa própria.
IX. Efetivamente, passados 14 anos (idade da filha), a Recorrente peticionou ao Tribunal a quo a fixação de um regime quanto ao exercício das responsabilidades parentais, precisamente para poder recorrer à ajuda do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores já que o pai tem estado a maior parte do tempo de vida da filha preso.
X. Porém, com a decisão recorrida, o Tribunal a quo impede a Recorrente de alcançar os seus objetivos de socorrer-se do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
XI. A Recorrente tem perfeita noção que o Recorrido se encontra preso preventivamente, mas tal facto não pode, de todo, contender com o direito que a sua filha tem em receber alimentos do seu pai ou, alternativamente, do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
XII. O pai não aufere rendimentos única e exclusivamente porque se colocou voluntária e conscientemente numa situação de impossibilidade, ao praticar ilícitos criminais puníveis com pena de prisão.
XIII. Os tribunais superiores têm entendido, quase de forma unânime, que em casos como o dos autos (de progenitor preso preventivamente), é de fixar uma pensão de alimentos para possibilitar o acionamento do Fundo, se necessário.
XIV. A prisão preventiva não pode ser considerada uma incapacidade permanente e involuntária.
XV. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser o Recorrido condenado no pagamento imediato da pensão de alimentos, ainda que se mantenha preso.»

O Requerido, notificado que foi do recurso interposto e do teor das alegações apresentadas, não se pronunciou.

O Ministério Público pugna pela improcedência do recurso, sustentando que assenta no resultado de todas as diligências de prova realizadas pelo Tribunal, não se podendo admitir decisões baseadas em ficções.

Cumpre apreciar se existem fundamentos para fixação de prestação de alimentos a cargo do mesmo Recorrido, sendo estes devidos ainda que este não aufira rendimentos.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância

1. A criança (…) nasceu em 1.03.2005 e encontra-se registada como filha da requerente (…) e do requerido (…) – (cfr. fls. 5).
2. No dia 29.10.2013 deu entrada neste Tribunal processo de promoção e proteção, onde foi pedida a aplicação da medida provisória de acolhimento institucional a favor da criança (…) – (fls. 2 a 8 do apenso de PPP).
3. Para o efeito o Ministério Público alegou os factos constantes de fls. 2 a 8 do referido apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Em 30.10.2013 o Tribunal aplicou a favor da jovem (…) a medida provisória de acolhimento institucional (despacho de fls. 14 a 18 do PPP).
5. Solicitado o CRC de (…), indivíduo que à data habitava na mesma casa da aqui progenitora, constatou-se ter o mesmo registado no seu cadastro várias condenações, nomeadamente pelos seguintes crimes: furto qualificado, roubo, tráfico de estupefacientes, tráfico de menor gravidade, passagem de moeda falsa, detenção/tráfico de armas proibidas, condução sem habilitação legal (cfr. fls. 27 a 43 do PPP).
6. Solicitado o CRC de (…), pai da jovem, constatou-se ter o mesmo registado no seu cadastro várias condenações, nomeadamente pelos seguintes crimes: consumo de estupefacientes, introdução em casa alheia, furto qualificado, burla, tráfico de estupefacientes, evasão (cfr. fls. 56 a 66 do PPP).
7. Em 4.11.2013 a jovem (…) foi acolhida no CAT a "…" (cfr. fls. 67 do PPP).
8. Em 10.12.2013 a técnica da segurança social elaborou o relatório, constante de fls. 76 a 81 do PPP, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em 11.12.2013 foi celebrado acordo de promoção e proteção subscrito pela progenitora e pela técnica gestora, onde foi aplicada a medida de acolhimento em instituição da jovem … (cfr. fls. 88 e 89 do PPP).
10. Em 9.06.2014 a técnica da segurança social elaborou o relatório, constante de fls. 111 a 114 do PPP, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Em 5.09.2014 foi elaborado relatório sociopsicológico relativo à jovem, constante de fls. 132 a 138 do PPP, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. Em 10.12.2014 a técnica da segurança social elaborou o relatório, constante de fls. 149 a 152 do PPP, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. Em 9.06.2015 a técnica da segurança social elaborou o relatório, constante de fls. 175 a 178 do PPP, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Por despacho, de 18.06.2015, proferido no processo protetivo foi a medida de acolhimento institucional declarada cessada por não subsistir a situação de perigo que deu azo à ação (cfr. fls. 192 do PPP).
15. A jovem regressou ao agregado da mãe em 3.07.2015 (cfr. fls. 201 do PPP).
16. Atualmente e desde pelo menos 27.07.2017, o requerido progenitor encontra-se preso preventivamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (declarações do progenitor).
17. O requerido progenitor verbalizou no dia de hoje que a requerente "é a melhor mãe do mundo" e sempre tratou bem a filha (declarações do requerido).
18. A jovem (…) frequenta o 7º ano de escolaridade e obteve negativa a matemática no 2º período, apresentando suficiente na generalidade das disciplinas, sendo que a Espanhol teve notação de Muito Bom, a Educação Visual Bom, a Educação Tecnológica Bom, a Cidadania Bom e a Inglês Suficiente Menos (declarações da técnica gestora).
19. Na escola a jovem é assídua e pontual, relaciona-se bem com os pares e restantes membros da comunidade escolar (declarações da técnica gestora).
20. A jovem apresenta-se na escola higienizada (declarações da técnica gestora).
21. A progenitora tem revelado total disponibilidade para colaborar com a escola, exercendo o cargo de encarregada de educação (declarações da técnica gestora).
22. A jovem pretende continuar a residir com a progenitora (declarações da técnica gestora).
23. A progenitora reside numa habitação pertença de um familiar, a título gratuito, tendo como despesas domésticas cerca de € 100,00 mensais (declarações da técnica gestora).
24. A jovem beneficia do 2º escalão do abono de família e tem apoio escolar (declarações da técnica gestora).
25. A progenitora aufere a título de baixa médica a quantia de € 391,50, encontrando-se nessa situação há cerca de um ano, sendo a sua saúde débil e derivada dos consumos de estupefacientes (declarações da técnica gestora).
26. A progenitora reside com o companheiro (…) e com a filha (declarações da técnica gestora).
27. O (…) apresenta descontos para a segurança social de 1991 a 2018, contínuos, embora nem sempre de forma regular (declarações da técnica gestora).
28. Entre novembro de 2017 e a presente data o (…) auferiu cerca de € 600,00 mensais (declarações da técnica gestora).
29. Atualmente o companheiro da requerente (…) está a efetuar trabalho comunitário num processo-crime (declarações da técnica gestora).
30. O referido (…) teve outros processos-crime em 1993, 1995, 1999, 2006 e 2016 onde lhe foi imputado o crime de tráfico de estupefacientes, o último dos quais de menor gravidade (declarações da técnica gestora).
31. A (…) sempre viveu com a mãe à exceção do período em que esteve institucionalizada (declarações da progenitora e da técnica gestora).
32. A jovem trata o atual companheiro da mãe, o (…) e a mãe deste, (…), respetivamente por pai e avó (declarações da jovem e da progenitora).
33. O referido (…) vive com a requerente desde que a jovem tinha nove meses de idade (declarações da progenitora).
34. A (…) não convive nem contacta com o pai há longa data, não se lembrando da última vez que o viu (declarações da jovem).
35. A jovem tem conhecimento que a mãe esteve envolvida no consumo de drogas e o pai no tráfico de estupefacientes, sabendo que a mãe se encontra afetada de doença no fígado (declarações da jovem).
36. A progenitora e o atual companheiro encontram-se a ser acompanhados no CAT e tomam metadona de forma regular (declarações da progenitora).
37. O requerido apresenta o primeiro desconto no ano de 1981 e o último em 1988, naquele ano por noventa dias e neste último por trinta dias (declarações da técnica gestora).
38. A jovem nunca reprovou nenhum ano de escolaridade (declarações da técnica gestora).
39. Os progenitores conheceram-se quando o pai tinha quarenta anos e a mãe trinta anos e frequentavam o meio do consumo e tráfico de estupefacientes (declarações da técnica gestora).
40. A técnica da segurança social entende que apesar de existirem vários fatores de risco (consumos pregressos de estupefacientes por parte da mãe e do companheiro) que o projeto de vida da (…) passa por se manter aos cuidados da progenitora (declarações da técnica gestora).

B – O Direito

Em 1.ª Instância fixou-se em € 100,00 o montante mensal da prestação alimentícia a cargo do Recorrido progenitor consignando-se, no entanto, que o pagamento da mesma apenas é devido caso o obrigado aufira rendimentos. É que o Recorrido encontra-se preso preventivamente.

A Recorrente pugna pela eliminação da condição de pagamento da pensão.

Efetivamente, a decisão prolatada configura uma decisão de condenação condicional, na qual se reconhece e declara o direito pleiteado mas coloca-se sob condição a eficácia ou a exigibilidade desse direito, da pretensão judicialmente reconhecida[1]. O que é processualmente admissível, e distinto da decisão ou sentença condicional (esta não admissível), «em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão»[2], é o próprio direito a reconhecer que é sujeito à verificação de determinada condição.[3]

Fixada que está a prestação alimentícia, cabe apreciar se a mesma é, desde já, devida ou se deve manter-se a condição estipulada, no sentido de apenas ser exigível quando o obrigado passe a auferir rendimentos.

Se bem que a Recorrente avance desde já a sua intenção de vir a acionar o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, certo é que tal procedimento só poderá ter lugar na sequência de decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor – cfr. AUJ de 07/07/2009. A questão subjacente ao presente litígio não respeita, desde já, à substituição do devedor pelo Fundo[4] (questão a dirimir caso venha a ser colocada, em sede própria e em face da legislação a atinente aos respetivos requisitos de intervenção do Fundo, mediante intervenção e contraditório por parte deste), mas antes ao dever de pagamento de prestação pelo progenitor que não aufere rendimentos.

No caso que temos em mãos, está provado que o Recorrido se encontra preso preventivamente. Não consta que aufira (a situação de preso não é incompatível com a perceção de rendimentos, designadamente decorrentes de tarefas realizadas no meio prisional) nem que não aufira rendimentos.

Ora, nos termos do disposto no art. 36.º, n.º 5, da Constituição, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Em consonância, o 1878.º, n.º 1, do CC estabelece que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens. O dever de sustento, respeitando a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (cfr. art. 2003.º do CC), mantém-se mesmo se o progenitor for inibido do exercício do poder paternal (cfr. art. 1917.º do CC).

Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (cfr. art. 2004.º, n.º 1, do CC). Vem sendo entendido que o interesse do menor, o superior interesse da criança (princípio fundamental norteador na definição do modo de exercício das responsabilidades parentais – cfr. arts. 40.º, n.º 1, do RGPTC, 1905.º, n.º 1 e 1911.º, n.º 2, do CC), reclama que, em face do regime inserto no referido art. 2004.º do CC seja dada maior relevância às necessidades do menor alimentando do que às possibilidades do progenitor obrigado.[5] Embora, é certo, assim não seja propugnado de modo unânime em sede dos Tribunais da Relação.[6]

Já de modo uniforme e reiterado, o Supremo Tribunal de Justiça vem asseverando que a falta de condições económicas para a prestação de um montante adequado à subsistência do filho não deve precludir a fixação de alimentos, pois tal omissão iria pôr em causa interesses e direitos fundamentais do menor.[7] Reconhecendo-se, é certo, que «o interesse prático na fixação judicial dos alimentos devidos a menor, em situações com os contornos da dos presentes autos, não é obviamente obter o reconhecimento judicial da obrigação alimentar do progenitor ausente para, de seguida, executar coercivamente tal obrigação, mas antes possibilitar o funcionamento efetivo do mecanismo legal da garantia dos alimentos devidos a menores, já que a Lei 75/98 condiciona expressamente a prestação assistencial pública, aí prevista, à existência de uma sentença condenatória da pessoa judicialmente obrigada a prestá-los.»[8]

A posição que vem sendo consolidada pelo STJ assenta, designadamente nos seguintes considerandos:
- o princípio constitucional da igualdade jurídica dos progenitores criou a obrigação de ambos concorrerem para o sustento dos filhos, proporcionalmente, aos seus rendimentos e proventos, e às necessidades e capacidade de trabalho do alimentando, de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento dos menores;[9]
- constituindo a prestação de alimentos, a cargo dos progenitores, simultaneamente, uma obrigação do progenitor e um direito subjetivo do filho menor, a determinação do seu quantitativo contende apenas com aquele valor que exceda o mínimo, estritamente, indispensável à sua subsistência, porquanto este, por imperativo ético e social inalienável, não suscetível de retórica argumentativa, não pode deixar de ser atribuído a qualquer ser humano, maxime, a um menor, sob pena de se tratar de uma realidade metafísica, a acentuar ainda mais a já débil fragilidade da garantia dos direitos pessoais familiares, e de não constituir um “poder-dever”;[10]
- a essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua;[11]
- a obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, constituindo preocupação do Estado que quem deles esteja carecido possa recorrer, desde logo, aos seus familiares.
[12]
- a lei estabelece um dever de prestação (alimentar), ou seja uma obrigação legal, que decorre do estabelecimento de uma relação natural e biológica constituída e tutelada pelo direito, a relação paternal, e constitui uma obrigação (de prestação de alimentos) que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores mas, outrossim, atina com um dever irremovível e inderrogável de aqueles que deram vida a alguém terem, enquanto durar a incapacidade de eles angariarem sustento pelos seus próprios meios, proverem ao seu sustento, mediante uma prestação alimentar;[13]
- não merece acolhimento a tese de que não tendo o progenitor, considerado devedor da prestação alimentar, condições económicas para prover ou materializar o conteúdo do direito definido, se deva alienar o direito e aguardar por superveniência de um estado económico pessoal que lhe permita substanciar, neste plano fáctico-material, a exigência normativa que decorre da sua condição de progenitor e, pour cause, obrigado a contribuir para um dos segmentos em que se desdobra e completa a responsabilidade parental.[14]

Em sede doutrinal, os estudos de Remédio Marques apontam no sentido de que «os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor, que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou sub-emprego, escolha de uma atividade profissional menos lucrativa, tendo em vista a respetiva formação e /ou experiência profissional).»[15] Prossegue sustentando que «os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estados de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e aos interesses do menor. (…) não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art. 2004/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade, se deve atender às possibilidades económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz-se mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estes estejam desempregados e não tenham meios de subsistência. Na verdade, a capacidade de trabalho é um elemento atendível na fixação da obrigação, mesmo que se esteja temporariamente sem trabalho.»[16] Ainda que «que os progenitores ou algum deles não tenha possibilidades económicas atuais de prover ao sustento do menor – por se encontrar, por exemplo, desempregado ou a cumprir uma pena privativa de liberdade – deve decretar-se essa obrigação, ainda que os montantes fixados sejam reduzidos, ou no anverso, deve recusar-se a homologação (…) de um acordo onde não se preveja o concreto nascimento dessa obrigação a cargo de algum dos progenitores.»[17]

Na senda deste entendimento, Maria Clara Sottomayor[18] propugna que «se o alimentante se colocar voluntariamente numa situação em que é incapaz de arranjar emprego, não dispensa o alimentante de cumprir a obrigação de alimentos. Para este efeito devem ser elaboradas regras para imputar rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade de trabalhar e ganhar dinheiro. O mesmo se passa nos casos em que o progenitor sem a guarda está a diminuir deliberadamente o seu rendimento ou a fazer despesas excessivas e relativamente aos trabalhadores por conta própria.»

Não se vislumbrando argumentos sólidos em sentido contrário, entendemos que a salvaguarda do superior interesse da criança, a par do princípio da responsabilidade parental, princípio este com garantia constitucional e decorrente de instrumentos de tutela internacional, impõem a fixação da prestação de alimentos e a respetiva exigibilidade ainda que o progenitor não aufira rendimentos. Dada essa sua concreta qualidade, a de progenitor, que acarreta o inalienável e irrefutável dever de lhe competir prover ao sustento do seu filho, não lhe resta outra sorte ou incumbência premente que não seja diligenciar pela pronta obtenção de meios que sejam aptos ao cumprimento das responsabilidades parentais.

Só assim não será caso o progenitor não guardião se encontre totalmente incapacitado, de forma permanente e involuntária, decorrente de facto por si não controlável (nomeadamente a decorrente de doença), de angariar rendimentos próprios provenientes do trabalho, e não possua quaisquer outros, na sua disponibilidade, que possam ser afetos às necessidades dos carentes credores filhos.[19]

Ora, no caso em apreço não está em causa o montante da pensão mensal fixada, que não foi colocado em crise. Antes a respetiva exigibilidade, decorrendo da decisão proferida em 1.ª Instância que ali se considerou que o Requerido não aufere rendimentos (o que não está provado, embora seja aceite pela Recorrente em sede de conclusões do recurso) e que, por isso e enquanto isso, não recai sobre ele a obrigação de prover o sustento da sua filha menor.

Afirmado que está, tão só, que o progenitor se encontra preso preventivamente (donde não resulta que não aufira rendimentos, como já se deixou exposto), desconhecendo-se se recebe prestações monetárias a qualquer título, é manifesto que inexiste fundamento fáctico que permita concluir que se encontra total e involuntariamente incapacitado de prover rendimentos para cumprir as suas responsabilidades parentais.[20]

Por conseguinte, a obrigação de prestar alimentos à sua filha menor é, desde já, exigível.

Com o que procede o presente recurso.

As custas recaem sobre o Recorrido – art. 527.º, n.º 1, do CPC.


Concluindo:
- a qualidade de progenitor implica o dever de prover ao sustento dos filhos, acarretando a incumbência premente de diligenciar pela pronta obtenção de meios que sejam aptos ao cumprimento das responsabilidades parentais;
- a salvaguarda do superior interesse da criança e do princípio da responsabilidade parental impõe a fixação da prestação de alimentos e a respetiva exigibilidade ainda que o progenitor não aufira rendimentos;
- só assim não será caso o progenitor se encontre totalmente incapacitado, de forma permanente e involuntária, decorrente de facto por si não controlável, de angariar rendimentos próprios provenientes do trabalho, e não possua quaisquer outros, na sua disponibilidade, que possam ser afetos às necessidades dos filhos;
- a prisão preventiva do progenitor não configura situação de incapacidade que torne inexigível a prestação de alimentos a filhos menores.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, condenando o Requerido ao pagamento da quantia mensal de € 100,00 nos moldes estatuídos nos pontos 8 e 9 do segmento decisório exarado em 1.ª Instância, resultando, no entanto, excluída do ponto 8 a menção «Caso o pai aufira rendimentos,».

Custas pelo Recorrido.
Évora, 8 de Novembro de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Ac. STJ de 24/04/2013 (Silva Gonçalves).
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 683, nota 1.
[3] Ac. TRL de 10/02/2015, nota 10 (Luís Espírito Santo). Cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, 2001, p. 653 e 654.
[4] A responsabilização do Fundo de Garantia de Alimentos nas situações em que não se fixou pensão de alimentos por impossibilidade do obrigado tem já merecido acolhimento na jurisprudência – cfr. Ac. TRP de 23/02/2006 (Ana Paula Lobo); TRC 12/02/2008 (Isaías Pádua).
[5] Acs. TRL de05/07/2007 (Manuel Gonçalves); TRL de 13/10/2005 (Ferreira Lopes); TRL de 23/10/2003 (Pereira Rodrigues); decisão TRL de 20/12/2007 (Granja da Fonseca), e de 26/06/2007 (Abrantes Geraldes); TRP de 22/04/2004 (Oliveira Vasconcelos); TRC de 17/06/2008 (Jaime Ferreira).
[6] Acs. TRL de 18/01/2007, de 04/12/2008 e de 17/09/2009; TRP de 25/03/2010 e de 11/12/2012.
[7] Ac. STJ de 08/05/2013 (Lopes do Rego).
[8] Ac. STJ citado na nota que antecede.
[9] Ac. STJ de 12/07/2011.
[10] Ac. citado na nota que antecede.
[11] Ac. STJ de 27/09/2011.
[12] Ac. citado na nota que antecede.
[13] Ac. STJ de 22/05/2013.
[14] Acórdão citado na nota que antecede.
[15] Algumas notas sobre alimentos, Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, p. 236/237.
[16] Ob. cit., p. 72 e 73.
[17] Ob. cit., p. 191.
[18] Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 5.ª ed., p. 299 e 300.
[19] Cfr. Ac. TRL de 16/11/2017 (Arlindo Crua).
[20] Neste sentido, cfr. citado Ac. TRL de 16/11/2017; Ac. TRG de 31/03/2011 (Antero Veiga); Ac. TRL de 13/07/2017 (Tibério da Silva).