Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
559/13.2TTPTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
MÉDICO DENTISTA
DIRECÇÃO CLINICA
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I- Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil.
II- A indicação dos específicos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios que deveriam ter conduzido a decisão diferente e a menção de qual a decisão correta, na perspetiva do recorrente, devem ser cumulativamente apontadas na conclusão da alegação.
III- O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009 estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
IV- Tendo a autora demonstrado que exercia as funções de médica dentista e a direção clínica em duas clínicas dentárias pertencentes e exploradas pela ré, há que concluir pelo preenchimento das alíneas a) e e) do nº1 do aludido artigo 12º. Não tendo a demandada logrado demonstrar que tais funções eram exercidas com autonomia, importa qualificar a relação jurídica que vigorou entre as partes processuais como contrato de trabalho.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
BB, veio intentar ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC, S.A., ambas com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que:
a) A relação contratual existente entre as partes processuais seja qualificada como contrato de trabalho subordinado.
b) O despedimento da A. seja considerado ilícito, por improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento e por o mesmo não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar.
c) Seja a R. condenada a pagar as retribuições vencidas e vincendas que a A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que vier a declarar a ilicitude do mesmo, nos termos do artigo 390º, nº1 do Código de Trabalho.
d) Seja a R. condenada a pagar à A. uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do disposto no artigo 391º do Código de Trabalho, caso não opte pela reintegração na empresa nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 389º do Código de Trabalho, com todos os direitos que já detinha nomeadamente a antiguidade.
e) Seja a R. condenada a pagar à A. a quantia global de 11.089,61€ (onze mil oitenta e nove euros e sessenta e um cêntimos) a título de remunerações, subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de Natal.
f) Seja a R. condenada nos juros vencidos e vincendos.
Para tal alegou, em resumo e no essencial, que apesar de ter celebrado um denominado contrato de prestação de serviços com a ré, desempenhou os serviços profissionais de médica dentista e direção clínica sob autoridade, direção e fiscalização da demandada.
Sucede que no dia 20 de dezembro de 2012, a R. procedeu à cessação da relação contratual, por escrito, invocando como justificação factos não verdadeiros. Tal comunicação consubstancia um despedimento ilícito, com as legais consequências.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.
A R. contestou, invocando as exceções da incompetência material do Tribunal de Trabalho e da ineptidão da petição inicial. Afirmou que entre as partes sempre existiu uma prestação de serviços e nessa qualidade sempre a A. desenvolveu a sua atividade, com total liberdade e sempre sem subordinação jurídica. Invocou ainda a caducidade/prescrição do direito da autora.
Terminou pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé em multa não inferior a 50 UC e em indemnização não inferior a € 2.350,00.
A A. respondeu às exceções por impugnação.
Atenta a simplicidade da causa, dispensou-se a realização da audiência preliminar.
Procedeu-se ao saneamento do processo, tendo sido julgadas improcedentes as exceções da incompetência material, da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e da caducidade invocadas.
Foi fixado à ação o valor de € 11.089,61.
Dispensou-se a seleção da matéria factual assente e controvertida.
Realizou-se oportunamente a audiência final, proferiu-se decisão sobre a matéria de facto e julgou-se a causa, nos termos constantes da sentença que faz fls. 358 a 383 dos autos, que terminam com o dispositivo que se transcreve:
«Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a. Declarar a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a autora BB e a ré “CC, S.A.” no dia 26 de Abril de 2012;
b. Declarar ilícito o despedimento da autora BB pela ré “CC, S.A.” em 20 de Dezembro de 2012;
c. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €7.500 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
d. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros) por mês, devida desde o 30.º dia que antecedeu a propositura da ação (ou seja, desde 13 de Novembro de 2013) até à data da prolação da presente sentença, acrescida da mesma quantia mensal que se vencer até ao trânsito ao julgado da mesma, quantias mensais acrescidas dos juros de mora contados desde o último dia do mês a que digam respeito;
e. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €1.666,67 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) a título de retribuição em falta, acrescida de juros contados à taxa legal desde 20 de Dezembro de 2012 e até efetivo e integral pagamento;
f. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor líquido cobrado pela ré aos utentes das clínicas “MM” e “Clínica S...” atendidos pela autora;
g. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €1.590,91 (mil, quinhentos e noventa euros e noventa e um cêntimos) a título de retribuição de férias, acrescida de juros contados à taxa legal desde 20 de Dezembro de 2012 e até efetivo e integral pagamento;
h. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €1.631,94 (mil, seiscentos e trinta e um euros e noventa e quatro cêntimos) a título de subsídio de férias, acrescida de juros contados à taxa legal desde 20 de Dezembro de 2012 e até efetivo e integral pagamento;
i. Condenar a ré “CC, S.A.” a pagar à autora BB a quantia de €1.631,94 (mil, seiscentos e trinta e um euros e noventa e quatro cêntimos) a título de subsídio de Natal, acrescida de juros contados à taxa legal desde 20 de Dezembro de 2012 e até efetivo e integral pagamento;
j. Absolver a ré “CC, S.A.” do demais peticionado pela autora BB;
k. Julgar improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.
Custa por autora e ré, em função do respetivo decaimento que se fixa em 8,82/100 para a autora e 91,18/100 para a ré.
Registe e notifique.»
Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. A douta sentença recorrida não pode manter-se.
II. Entende a Recorrente que, em face dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e, bem assim, dos parcos factos que resultaram provados, outra deveria ter sido a decisão do presente processo.
III. De acordo com o disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, o ónus da prova incumbe a quem alega determinado facto e do mesmo pretende retirar algum direito.
IV. Assim, incumbia à Autora o ónus da prova, o ónus de demonstrar, com factos, a verificação dos indícios estabelecidos no art.º 12.º do Código do Trabalho e que fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.
V. Não obstante, apesar dos parcos factos provados, o Meritíssimo Juiz a quo decidiu, com base na definição de Diretor Clínico constante da Portaria n.º 268/2010, de 12 de Maio, que a atividade da Autora era realizada em contexto laboral, não se preocupando, de forma alguma, em verificar como é que na prática se desenvolvia a atividade prestada pela Autora.
VI. No nosso entender, a verificação dos indícios constantes do artº 12.º do Código do Trabalho não pode ser efetuada com recurso à lei ou ao contrato estabelecido entre as partes, mas sim, por análise dos factos que a Autora, pessoa que se arroga no direito, traz aos autos e demonstra no processo.
VII. Acresce que, o Meritíssimo Juiz a quo desconsiderou totalmente a prova testemunhal - que, no entender da Recorrente, ajudou a demonstrar a não verificação de indícios de laboralidade -, não dando como provados determinados factos que necessariamente tinham que resultar demonstrados.
VIII. A presente decisão padece, assim, de errado julgamento da matéria de facto e de errada aplicação do direito aos factos efetivamente provados.
IX. Pela análise destes factos, resulta evidente que, com exceção do local onde os serviços eram prestados, a Autora não provou qualquer outro dos indícios constantes no art.º 12.º do Código do Trabalho.

X. Resultou, ainda, provado, o texto do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, o qual, para além de ter a designação de contrato de prestação de serviços, contém várias referências que demonstram que efetivamente Autora e Ré estabeleceram entre si, conscientemente, um contrato de prestação de serviços, nomeadamente no considerando E), na cláusula 1.ª e na cláusula 6.ª.

X. Não nos podemos, ainda, esquecer, que a Autora é pessoa formada e instruída, licenciada em medicina dentária e com conhecimentos suficientes e necessários para saber distinguir um contrato de prestação de serviços de um contrato de trabalho.

XI. Está também assente que a Autora nunca questionou o tipo de relação que tinha com a Ré.
XII. Cremos, pois, que, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, não resulta, também, do contrato celebrado, qualquer um dos indícios previstos no art.º 12.º do Código do Trabalho.
XIII. Sucede que, considerou o Meritíssimo juiz a quo que, pela simples análise do contrato de prestação de serviços estabelecido entre as partes e pela descrição, estabelecida na Portaria n.º 268/2010, de 12 de Maio, da figura de Diretor Clínico, se encontram verificados os indícios legais previstos no art.º 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho, razão pela qual a Autora beneficia da presunção legal estabelecida em tal artigo.
XIV. Ora, apesar de discordarmos em absoluto com tal conclusão, a verdade é que, mesmo que se pudesse considerar que se poderia retirar do contrato e da lei, sem atender à real situação, os indícios da presunção legal, sempre se deveriam ter considerado provados os factos que a Ré carreou para os autos e que ilidem tal presunção.
XV. Com efeito, resulta dos factos provados e do próprio contrato celebrado entre as partes, que a Autora prestava os seus serviços em duas clínicas da Ré.
XVI. Não obstante, não se pode retirar deste indício a presunção da existência de um contrato de trabalho na medida em que, caracterizando-se a prestação de serviços da Autora essencialmente na prestação de serviços de medicina dentária, era absolutamente necessário que a mesma fosse efetuada nas instalações da Ré.
XVII. Como é do conhecimento geral, os profissionais de saúde (médicos, médicos dentistas, enfermeiros) utilizam, habitualmente, os equipamentos dos hospitais e clínicas onde prestam serviços, não sendo obviamente tal facto indiciador de que se trata de uma relação profissional laboral (!!!).
XVIII. Assim, a natureza da atividade exercida pela Autora e o tipo de serviços prestados pela Ré, impunham que a Autora exercesse a sua atividade em locais pertencentes à Ré, usando os seus equipamentos e materiais, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.2012, “seria, no mínimo, caricato que a ré obrigasse os médicos a executarem o seu trabalho em condições diversas das que existiam, o que vale por dizer a proporcionarem, com óbvio dispêndio para os prestadores, instalações, equipamentos, consumíveis, etc”.
XIX. Razão pela qual, a prestação de serviços em causa tinha de ser levada a cabo nas instalações da Ré, por aí se encontrar todo o material e equipamento necessário a tal prestação, sem que tal constitua, obviamente, qualquer indício de uma relação de trabalho subordinado.
XX. No que ao horário respeita, importava aferir se na prática a Autora cumpria algum horário de trabalho pré-estabelecido pela Ré, facto que claramente não ficou demonstrado.
XXI. Desde logo, não resulta do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes qualquer horário de trabalho pré-estabelecido. Por outro lado, tal facto também não resultou demonstrado do depoimento das testemunhas.
XXI. Da audição atenta de todos os depoimentos que versaram sobre estes factos, constata-se que nenhuma das testemunhas inquiridas conseguiu concretizar a existência da obrigação por parte da Autora de observar horas de início e termo da prestação de serviços.
XXII. Requer-se, a este respeito, a audição dos seguintes depoimentos: Senhora Dra. BB, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 05 de Maio de 2014, das 14:42:07 às 15:18:02, concretamente dos minutos 7:40 a 7:47, Senhora Dra. DD, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 5 de Maio de 2014, das 15:18:04 às 15:39:08, concretamente dos minutos 04:39 a 5:42, dos minutos 08:13 a 08:37 e dos minutos 15:58 a 17:33, Senhor Dr. EE, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 22 de Maio de 2014, das 15:00:19 às 16:06:53, concretamente dos minutos 14:43 a 16:13, dos minutos 16:31 a 17:05 e Senhora Dra. FF, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 22 de Maio de 2014, das 16:07:39 a 16:25:22, concretamente dos minutos 04:00 a 05:10, dos minutos 06:22 a 08:12.
XXIII. A verdade é que, contrariamente ao alegado pela Autora e ao referido na douta sentença recorrida, resultou demonstrado pelos depoimentos das testemunhas que aquela não tinha um horário de trabalho estabelecido pela Ré, que era ela própria quem geria os horários das clínicas e que os mesmos se mantiveram nos mesmos termos que existiam quando a Ré adquiriu a clínica da Autora.
XXIV. Não resultou, assim, provado que a Ré determinava à Autora horas para iniciar a sua prestação de trabalho e horas para terminar, mas pelo contrário, deve retirar-se do depoimento das testemunhas e deveria ter-se considerado provado que a Autora é que geria os seus próprios horários e que organizava o seu tempo de disponibilidade à Ré.
XXV. As testemunhas da Autora não só não concretizaram qual o horário de entrada e de saída da mesma, como também não alegaram a existência de qualquer sistema de controlo das entradas e saídas, indícios, esses sim, demonstrativos de uma relação laboral, razão pela qual, nunca poderia ter resultado provado que a Autora tinha um horário de trabalho definido.
XXVI. Resulta da sentença recorrida que era paga mensalmente uma quantia certa à Autora e que tal facto demonstra a verificação de mais um indício de laboralidade.
XXVII. Ora, se é verdade que efetivamente a Autora recebia da Ré uma quantia certa mensal, não deixa de ser igualmente verdade que tal quantia tinha na sua génese uma justificação que em nada faz presumir a existência de um contrato de trabalho.
XXVIII. Tal como resulta do processo e foi confessado pela própria Autora, a clínica de Lagoa, na qual a Autora exercia parte da sua atividade, havia sido adquirida pela Ré à própria Autora no ano de 2012, fazendo parte do próprio “negócio” que a Autora continuasse vinculada a esta clínica.
XXIX. Ouça-se a este respeito, a Senhora BB, concretamente dos minutos 00:52 a 1:18, o Senhor Dr. EE, dos minutos 25:46 a 28:06 e o Senhor GG, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 16 de Junho de 2014, das 11:15:12 às 12:37:33, concretamente dos minutos 12:32 a 15:37:
XXX. Assim, a parte fixa liquidada à Autora não constituía qualquer remuneração por prestação de trabalho, como a mesma pretende fazer crer e resulta da douta sentença recorrida. Resulta, sim, da negociação ocorrida entre as partes para venda/aquisição da clínica da Autora, sendo certo que, para que fosse garantido à Autora um valor e remuneração fixo, a mesma acordou receber um valor variável de honorários inferior aos restantes médicos prestadores de serviços à Ré.
XXXI. Deveria, pois, ter resultado provado, em contraposição à existência do indício de uma remuneração fixa, que a mesma resultou da negociação inerente à aquisição da clínica por parte da Ré, não constituindo qualquer contrapartida da prestação de trabalho da Autora.
XXXII. Não obstante ter ficado provado que a Autora exercia funções de Diretora Clínica em duas clínicas no Algarve, não se pode considerar, como o faz a douta sentença recorrida, que por esse simples facto se encontra preenchido um dos requisitos da existência de um contrato de trabalho – exercício de cargo de direção.
XXXIII. Tanto mais que, como ficou igualmente demonstrado, a Autora já desempenhava funções de Diretora Clínica ainda antes da aquisição por parte da Ré, quando era sua representante legal.
XXXIV. A verdade é que, o exercício de tais funções não retiram à Autora a sua total e absoluta autonomia, nem transformam a mesma numa trabalhadora subordinada, sendo apenas e só uma função adicional, sem qualquer interferência na autonomia técnico-funcional, que caracteriza a profissão de um médico dentista.
XXXV. A Autora dispunha de total autonomia e independência no exercício dos serviços prestados, não recebendo ordens e instruções de quem quer que fosse, nem estando sujeita ao exercício do poder disciplinar que caracteriza, inequivocamente, as relações laborais.
XXXV. Pelo exposto, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, resulta demonstrado que não se encontram verificados nenhum dos indícios que fazem presumir a existência de uma relação laboral.
XXXVI. Constitui, ainda entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que um dos fatores mais relevantes para a definição do tipo de contrato é a existência ou não de subordinação jurídica.
XXXVII. Sendo que a subordinação jurídica apenas existe nos contratos de trabalho, na medida em que existe uma obrigação de obediência por parte do trabalhador e um poder de direção por parte do empregador e, num contrato de prestação de serviços, o prestador atua de forma livre, autónoma e independente.
XXXVIII. Ora, também não resultou minimamente demonstrado que a Autora desempenhava as suas funções sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré, bem pelo contrário, resulta dos depoimentos das testemunhas que a Autora dispunha de autonomia no exercício dos serviços contratados, sendo que, várias foram as testemunhas que afirmaram que tudo se passava nos mesmos termos anteriores à aquisição, ou seja, a atividade da Autora e a forma como eram geridas as clínicas, seguiam os mesmos termos que no tempo em que a clínica de Lagoa era propriedade da Autora e que esta, por inerência, atuava com total autonomia e independência.
XXXIX. Conforme ficou estabelecido no contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Ré, a Autora decidia autonomamente o modo de exercício da sua atividade e decidia autonomamente o encaminhamento a dar a cada situação específica, em virtude das especificidades resultantes da sintomatologia e patologia apresentadas por cada um dos pacientes.
XL. Conforme resulta do art.º 6.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas, que determina que a multiplicidade de direitos e deveres do médico dentista, impõe-lhe uma independência absoluta, isenta de qualquer pressão, quer resultante de interesses próprios, quer resultante de influências exteriores.
XLI. Acresce referir que, apesar dos esforços da Autora, não resultou demonstrado que eram dadas ordens, instruções ou recomendações por qualquer uma das pessoas identificadas por esta – Dr. HH e Dr. EE. Ouça-se a este respeito dos depoimentos da Senhora Dra. JJ, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 05 de Maio de 2014, das 15:39:09 a 15:53:07, concretamente dos minutos 06:11 a 06:19, dos minutos 12:04 a 12:26, Senhor KK, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 5 de Maio de 2014, das 15:53:08 às 16:26:44, concretamente dos minutos 06:35 a 07:06, dos minutos 12:58 a 13:35, dos minutos 27:18 a 27:58, do Senhor EE, dos minutos 12:19 a 14:03, dos minutos 47:58 a 49:05, Senhor Dr. GG, dos minutos 16:01 a 30:02, dos minutos 32:28 a 39:01.
XLII. Acresce que, como tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, a existência de um contrato de prestação de serviços não é incompatível com a possibilidade da parte que beneficia do serviço emitir diretivas, instruções ou orientações genéricas e exercer algum controle sobre o modo como o serviço é prestado.
XLIII. Finalmente, dir-se-á, que situações como as da Autora têm vindo a ser discutidas nos nossos tribunais, acabando sempre por resultar como não provadas por inexistência de indícios de uma relação laboral, veja-se a este respeito acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.07, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.04.07, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.02.07, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.08, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.10.07, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.07 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.05.
XLIV. Por tudo quanto se acaba de expor, é manifesto que o presente processo não pode proceder, na medida em que, efetivamente, a Autora nunca foi trabalhadora da Ré, nem nunca manteve com a mesma qualquer relação laboral, razão pela qual nunca a Ré a enquadrou como trabalhadora dependente.
XLV. Não existindo qualquer relação laboral entre as partes é manifesto que a Autora não foi alvo de qualquer despedimento ilícito, devendo, por isso, a resolução do contrato de prestação de serviços comunicadas pela Ré à Autora ser considerada válida e, em consequência, deve a ação improceder na sua totalidade.
XLVI. A douta sentença recorrida, na parte objeto do presente recurso, violou as normas dos artºs. 12.º do Código do Trabalho e 342.º do Código Civil.
XLVII. Requer-se a este respeito a audição dos depoimentos gravados das testemunhas Senhora Dra. BB, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 05 de Maio de 2014, das 14:42:07 às 15:18:02, Senhora Dra. DD, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 5 de Maio de 2014, das 15:18:04 às 15:39:08, Senhora Dra. JJ, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 05 de Maio de 2014, das 15:39:09 a 15:53:07, Senhor Dr. KK, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 5 de Maio de 2014, das 15:53:08 às 16:26:44, Senhor Dr. EE, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 22 de Maio de 2014, das 15:00:19 às 16:06:53, Senhora Dra. FF, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 22 de Maio de 2014, das 16:07:39 a 16:25:22 e Senhor Dr. GG, cujo depoimento se encontra gravado no cd único, no dia 16 de Junho de 2014, das 11:15:12 às 12:37:33.
Termos em que a douta sentença recorrida não deverá manter-se.

Mais requer a V. Exa. se digne admitir a prestação de caução por parte da Recorrente, a ser prestada por meio garantia bancária, no valor de € 16.521,46 (dezasseis mil quinhentos e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos), atribuindo-se, em consequência, efeito suspensivo ao recurso, o que desde já se requer.

Assim se fará, como sempre, inteira
J U S T I Ç A !»

A A. veio opor-se à prestação da caução oferecida, por o seu valor não corresponder à quantia em que a R. foi condenada e por inidoneidade do meio.
Contra-alegou, finalizando com as seguintes conclusões:
1) A ora Recorrente não se conforma com a douta Sentença proferida e dela veio a interpor Recurso por considerar que a mesma padece de errado julgamento da matéria de facto e errada aplicação do direito aos factos provados.
2) A Recorrente fundamentou as suas alegações na violação do disposto nos artigos 12.º do CT e 342.º do CC., referindo que cabia à Recorrida a prova dos indícios estabelecidos no artigo 12.º do Código do Trabalho e nos erros de julgamento da matéria de facto e de errada aplicação do direito aos factos dados como provados.
3) Apontou a Recorrente como “âmbito e objeto do recurso” a reapreciação da matéria dada como provada, constante dos pontos 1. a 8. da douta Sentença recorrida.
4) A Lei n.º 7/2009 de 12/02 (aplicável ao caso) passou a presumir a existência de um contrato de trabalho sempre que se verifiquem algumas das características elencadas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 12.º do CT.
5) A parte que beneficia de uma presunção legal (existência do contrato de trabalho) a aproveita a inversão do ónus da prova, conforme dispõe o artigo 344.º/1 do CC.
6) Cabia à Recorrente a prova de factos que ilidissem essa presunção, para que esta deixe de valer enquanto tal, o que não logrou fazer.
7) A douta Sentença proferida não viola o disposto nos artigos 12.º do CT e 342.º do CC. como alega erroneamente a Recorrente.
8) Nos termos do artigo 640.º/1 e 2 do CPC. à Recorrente cabia concretizar a impugnação sobre cada um dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, identificando estes concretamente, como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas.
9) Contudo, a Recorrente não logrou obter o especifico ónus de alegação legalmente imposto.
10) Pelo que, a preterição da especificação pela Recorrente dos concretos pontos de facto e dos concretos meios probatórios envolve a rejeição imediata do recurso, o que aqui se requer com todas as consequências legais inerentes.
11) Caso assim se não entenda, o que se refere sem conceder, não tem qualquer fundamento a pretensão da ora Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto.
12) Pois que, da douta sentença recorrida não há a fazer o mínimo reparo.
13) Os factos selecionados foram objeto de instrução pelo douto Tribunal a quo, o qual declarou os factos que julgou provados e quais os que não julgou provados, com especificação ainda dos fundamentos decisivos à convicção assim formada (designadamente reportando-se: às cláusulas constantes do contrato de prestação de serviços junto aos autos com a p.i., à carta de resolução do contrato, da legislação aplicável à atividade de dentista e de direção clinica e ainda à prova testemunhal apresentada).
14) A Recorrida juntou aos autos com a sua petição inicial o contrato de prestação de serviços, a carta de resolução do contrato e ainda o recibo de vencimento, o que só por si faz prova cabal das alíneas a), b) e d) do artigo 12.º/1 do CT.
15) Para além de que, a prova testemunhal, apresentada pela Autora ora Recorrente (DD, JJ e KK) faz prova das alíneas c) e e) do artigo 12.º/1 do CT.
16) Não assiste qualquer razão à Recorrente e por conseguinte, impugna-se a admissibilidade do recurso interposto.
17) A douta sentença sob recurso não merece nenhum reparo.
TERMOS EM QUE e nos demais de direito, deferindo inteiramente ao supra alegado, mantendo na integra a douta decisão proferida, quer pela inadmissibilidade da mesma, quer por não merecer qualquer reparo fará V. Exa. a costumada e merecida JUSTIÇA!

O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, por se ter julgado improcedente a requerida prestação da caução visando a fixação de efeito suspensivo ao recurso.
Tendo os autos subido à Relação e mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu, então, o douto parecer de fls. 415 a 421, pugnando pela improcedência do recurso.
A R./apelante ofereceu resposta, discordando do mesmo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*
II-Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, no recurso interposto pela R., são suscitadas as seguintes questões, que importa apreciar e conhecer:
1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto e visada reapreciação da prova;
2ª Qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes;
3ª Da invocada inexistência de qualquer despedimento ilícito.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. Autora e ré outorgaram, a 26 de Abril de 2012, o escrito que denominaram de “contrato de prestação de serviços” com o seguinte teor:
“(…)
CONSIDERANDO QUE:
A) A Primeira Contraente é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços médicos, paramédicos e de enfermagem de estomatologia elou medicina dentária, inserindo-se num grupo económico doravante denominado "Grupo CC", em as sociedades que o integram se dedicam igualmente à mencionada atividade;
B) A Segunda Contraente é médica dentista;
C) A Primeira Contraente é dona e legítima titular, direta ou indiretamente, de clínicas dentárias situadas em diversos pontos do País, que se dedicam à atividade de prestação de serviços de medicina dentária/estomatologia, prótese dentária e serviços conexos aos mesmos, doravante designadas por Clínicas Dentárias;
D) A Primeira Contraente dispõe de Clínicas Dentárias situadas no território devidamente identificado no Anexo I, doravante designado por Território, pretendendo adquirir outras clínicas dentárias em tal Território;
E) Os Contraentes pretendem acordar a prestação, pela Segunda Contraente, de serviços de medicina dentária e de serviços conexos aos mesmos, coordenação técnica, formação profissional, bem como de serviços de consultoria no desenvolvimento da atividade de formação interna e externa nas Clínicas Dentárias situadas no Território, assegurando a Segundo Contraente a prestação de tais serviços em regime de exclusividade;
F) Os Contraentes pretendem acordar os contornos contratuais que regerão a prestação dos serviços a prestar pela Segunda Contraente à Primeira Contraente,
A Primeira Contraente, por um lado, e a Segunda Contraente celebram entre si o presente CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, o qual se rege pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes, a cujo integral cumprimento reciprocamente se obrigam:
Cláusula Primeira
(Objeto)
1. Pelo presente Contrato, a Segunda Contraente acorda na prestação à Primeira Contraente, em regime de exclusividade, de serviços de medicina dentária/estomatologia, prótese dentária e serviços conexos aos mesmos, designadamente os seguintes:

a. Coordenação clínica da atividade de medicina dentária desenvolvida nas Clínicas Dentárias situadas no Território;

b. Supervisão da atividade clínica dos médicos dentistas que prestam serviço nas Clínicas Dentárias situadas no Território;

c. Direção Clínica da Clínica de Lagoa, situada no Largo ..., Lagoa;

d. Organização e coordenação de cursos de formação angariados e ministrados no Território;

e. Consultoria no desenvolvimento da atividade de formação interna e externa nas Clinicas Dentárias situadas no Território;

f. Zelar pela manutenção da qualidade dos materiais e equipamentos utilizados nas Clínicas Dentárias situadas no Território e propor, fundamentadamente e em caso de necessidade, a sua substituição.

2. A Segunda Contraente assegura à Primeira Contraente que dispõe de todas as habilitações e títulos profissionais necessários ao exercício das funções mencionadas no número anterior e que nada impede ou limita o desempenho de tais funções.

3. A Segunda Contraente tem conhecimento que prestarão serviço nas Clínicas Dentárias outros médicos e enfermeiros.


Cláusula Segunda
(Local)
1. Os serviços objeto do presente Contrato serão prestados nas Clínicas Dentárias situadas no Território, sendo os serviços médicos, paramédicos e de enfermagem prestados a todos os doentes/utentes das mesmas indicados, em cada momento, pela Primeira Contraente.

2. Os serviços objeto do presente Contrato serão prestados nas Clínicas Dentárias mencionadas no número anterior indicadas, em cada momento, pela Primeira Contraente, no período de funcionamento das mesmas, tendo em conta as marcações efetuadas pelos doentes/utentes e geridas pela Primeira Contraente.


Cláusula Terceira
(Intuitu Personae)
Os Contraentes expressamente estabelecem que o presente Contrato é celebrado intuitu personae, no sentido de que as Partes acordam que será a Segunda Contraente a realizar a prestação de serviços objeto do mesmo.

Cláusula Quarta
(Contrapartida)
1. Como contrapartida pelos serviços prestados ao abrigo do presente Contrato e independentemente da quantidade e da frequência com que os mesmos forem prestados, a Primeira Contraente pagará à Segunda Contraente, durante o período de vigência do presente Contrato:

a. a quantia mensal i1íquida de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);

b. a quantia correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor líquido dos serviços cobrados pela Primeira Contraente aos utentes emergente dos serviços de medicina dentária prestados exclusivamente pela Segunda Contraente no âmbito do presente Contrato;

c. a quantia ilíquida de € 1.000,00 (mil euros) em contrapartida de cada curso de formação profissional ministrado pela Segunda Contraente, mediante prévia autorização da Primeira Contraente;

d. a quantia correspondente a 7,5% (sete e meio por cento) do valor das propinas pagas pelos formandos, no âmbito de cursos organizados pela Segunda Contraente e previamente autorizados pela Primeira Contraente;

2. O percentual referido nas alíneas b) e d) incidirá, assim, sobre o valor liquido do preço cobrado pelos mencionados serviços, ou seja, o valor sem impostos e deduzido dos custos com trabalhos efetuados em laboratório de prótese fixa e removível, implantes dentários e componentes protéticos, biomateriais, produtos de branqueamento e material de ortodontia relacionado com a aplicação/reposição de casos brackets de safira, estéticos e autoligáveis, micro implantes e todos os aparelhos confecionados em laboratório, goteiras cirúrgicas e as goteiras de relaxamento, quer os referidos serviços sejam prestados dentro ou fora das Clínicas Dentárias;

3. As contrapartidas mencionadas nas alíneas a), c) e d) do número 1 anterior serão devidas e pagas pela Primeira Contraente até ao final do mês seguinte àquele em que foram prestados os mencionados serviços médicos e de formação profissional.

4. A contrapartida mencionada na alínea b) do número 1 anterior será devida e paga pela Primeira Contraente nos seguintes termos:

a. Até ao final do mês seguinte àquele em que os serviços foram prestados, relativamente aos serviços abrangidos por subsistemas de saúde e seguradoras;

b. Até ao final do mês seguinte àquele em que a Primeira Contraente tenha efetivamente recebido do terceiro o preço referente à prestação de serviços em causa, relativamente aos restantes serviços.

§ Único. A Segunda Contraente obriga-se a enviar à Primeira Contraente o competente recibo no prazo de 5 (cinco) dias a contar da data em que o pagamento lhe seja efetuado.
5. Embora não assumam, nesta data, qualquer compromisso concreto, os Contraentes têm a intenção de, no futuro, virem a negociar a contrapartida mencionada no anterior número 1, no sentido de reduzir o percentual agora acordado mas passar também a ser paga à Segunda Contraente uma remuneração percentual pelos serviços prestados nas Clinicas Dentárias situadas no Território.

6. A Segunda Contraente não terá direito ao recebimento de quaisquer quantias para além das mencionadas no anterior n.º 1, não tendo o direito a cobrar quaisquer quantias aos utentes/doentes da Clínica Dentária.


Cláusula Quinta
(Duração)
1. O prazo de duração do presente Contrato é de 2 (dois) anos, com início em 26 de Abril de 2012 e termo em 25 de Abril de 2014, podendo ser renovado no seu termo se as Partes assim o acordarem e determinarem.

2. A cessação do presente Contrato, decorrido o prazo nele fixado, não confere a qualquer das Partes o direito a qualquer indemnização, sem prejuízo de os Contraentes se manterem obrigadas a cumprir as obrigações que se mantêm para além da vigência do mesmo.

3. O estabelecido na presente Cláusula não prejudica as obrigações já cumpridas, os direitos já adquiridos e os direitos relativos a factos anteriores à data da cessação dos efeitos do presente Contrato, designadamente a responsabilidade dos Contraentes nos termos do mesmo.

4. Depois de decorridos os dois primeiros anos de vigência do presente Contrato e as Partes acordarem na renovação do mesmo, a Segunda Contraente, caso haja alteração das circunstâncias da sua vida privada que a obrigue a sair do País, nomeadamente por mudança de domicílio conjugal, poderá denunciar este Contrato antes do fim do seu prazo, com um pré-aviso de 90 (noventa) dias, sem que por esse facto tenha de indemnizar a Primeira Contraente.

5. A Segunda Contraente aceita e reconhece expressamente que a faculdade prevista no número anterior apenas poderá ser exercida depois de decorridos os primeiros dois anos de vigência do presente contrato.


Cláusula Sexta
(Autonomia e Responsabilidade)
1. A Segunda Contraente prestará os serviços objeto do presente Contrato com autonomia e independência técnica, sendo a única responsável por todos os danos que a sua atividade possa causar à Primeira Contraente ou a quaisquer terceiros, inclusivamente a doentes/utentes das Clínicas Dentárias.

2. No caso de a Primeira Contraente vir a ser responsabilizada por qualquer facto ou dano que decorra da defeituosa, negligente ou incorreta prestação de serviços por parte da Segunda Contraente nas Clínicas Dentárias, esta obriga-se a indemnizar a Primeira Contraente por todos os danos, despesas e prejuízos sofridos pela mesma.

3. A Segunda Contraente é titular de um seguro de responsabilidade civil profissional que cobre todos os riscos inerentes à atividade por si exercida ao abrigo do presente Contrato, obrigando-se a manter tal contrato de seguro válido e em vigor durante todo o período de vigência do presente Contrato e a remeter cópia da apólice respetiva à Primeira Contraente sempre que esta o solicitar.

§ Único. O capital mínimo do seguro de responsabilidade civil referido no corpo deste número é de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) atualizável anualmente, em Janeiro de cada ano, por aplicação do índice de preços no consumidor divulgado anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística.

Cláusula Sétima
(Outras obrigações do Segunda Contraente)
1. A Segunda Contraente obriga-se perante a Primeira Contraente:

a. Que os serviços objeto do presente Contrato sejam prestados com os mais elevados padrões de qualidade técnica, científica e humana e em conformidade com os dispositivos legais em vigor e as boas práticas e procedimentos estabelecidos;

b. A cumprir escrupulosamente os regulamentos internos das Clínicas Dentárias que, em cada momento, estiverem em vigor;

c. A prestar serviços médicos, de estomatologia/medicina dentária e de prótese dentária que não se encontrem identificados na anterior Cláusula Primeira, em função dos avanços tecnológicos elou das exigências técnicas que se verifiquem em cada momento no mercado da saúde.

2. A Primeira Contraente obriga-se a manter em bom estado de conservação e funcionamento os equipamentos instalados nas Clínicas Dentárias, procedendo à atualização e substituição dos mesmos à custa da Primeira Contraente, sempre que julgar necessário em função dos avanços tecnológicos.

3. A Primeira Contraente obriga-se, igualmente, a celebrar e a manter em vigor um seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos inerentes à atividade por si exercida nas Clínicas Dentárias, definindo as coberturas respetivas nos termos que julgar convenientes, do qual dará cópia à Segunda Contraente.


Cláusula Oitava
(Exclusividade e Não Concorrência)
1. A Segunda Contraente obriga-se, durante todo o período de vigência do presente Contrato, a exercer os serviços objeto do mesmo em exclusivo para a Primeira Contraente, no sentido de que não poderá exercer os mesmos serviços ou similares autonomamente para outra entidade, obrigando-se, igualmente, a: i) não concorrer direta ou indiretamente, por conta própria ou alheia, por si ou por interposta pessoa física ou coletiva, com a atividade desenvolvida pela Primeira Contraente e com a atividade de prestação de serviços de medicina dentária / estomatologia, prótese dentária e serviços conexos aos mesmos, bem como de formação profissional, não exercendo atividade em sociedade concorrente da Primeira Contraente e do Grupo CC; e ii) não deter, por conta própria ou alheia, por si ou por interposta pessoa física ou coletiva, participação social em sociedade concorrente da Primeira Contraente ou em sociedade com a atividade de prestação de serviços de medicina dentária/estomatologia, prótese dentária e serviços conexos aos mesmos, bem como de formação profissional.

2. A obrigação de exclusividade e de não concorrência mencionada no número anterior mantém-se durante todo o período de vigência do presente Contrato e pelo período mínimo de 5 {cinco} anos a contar da presente data, ou seja, pelo menos até 26 de Abril de 2017 no caso de o presente Contrato cessar a sua vigência antes da mencionada data. No caso de cessação do presente Contrato no seu termo ou nos termos do nº 4 da cláusula Quinta a obrigação de não concorrência fica, no entanto, limitada aos Distritos incluídos no Território e aos Distritos limítrofes ao mesmo.

3. O incumprimento, total ou parcial, pela Segunda Contraente da obrigação de exclusividade e de não concorrência estabelecida nesta Cláusula, confere à Primeira Contraente o direito a ser indemnizada pela Segunda Contraente da quantia de € 1.000.000.00 (um milhão de euros), a título de cláusula penal, por cada incumprimento, sem prejuízo de a Primeira Contraente poder demonstrar ter sofrido prejuízos de valor superior ao indicado, circunstância em que tem direito ao recebimento, da parte da Segunda Contraente, da quantia necessária ao ressarcimento dos prejuízos que tiver sofrido.


Cláusula Nona
(Resolução do Contrato)
1. A Primeira Contraente poderá resolver o presente Contrato, mediante carta registada com aviso de receção, sem prejuízo de indemnização a que tenha direito nos termos do presente Contrato e nos demais termos gerais de Direito, caso a Segunda Contraente incumpra ou viole qualquer obrigação que decorra do presente Contrato e, ainda, no caso de:

a. A Segunda Contraente prestar os serviços médicos, paramédicos e de enfermagem objeto do presente Contrato com negligência médica;

b. A Segunda Contraente seja legalmente impedida de exercer atividade médica;

c. Condenação da Segunda Contraente, mediante sentença transitada em julgado. em qualquer processo pela prática de qualquer ato médico desconforme com as normas em vigor;

d. O contrato de seguro mencionado na Cláusula Sexta não se encontrar válido e em vigor;

e. A Segunda Contraente violar a obrigação de exclusividade e não concorrência mencionada na Cláusula Oitava;

2. A Segunda Contraente poderá resolver o presente Contrato, mediante carta registada com aviso de receção, sem prejuízo de indemnização a que tenha direito nos termos do presente Contrato e nos demais termos gerais de Direito, caso a Primeira Contraente incumpra ou viole definitivamente qualquer obrigação que para ela decorra do presente Contrato.


Cláusula Décima
(Confidencialidade, Preservação do bom nome, Não angariação e Direitos de Autor)
1. A Segunda Contraente obriga-se a manter confidenciais e a não revelar, por qualquer forma ou meio. a nenhuma outra pessoa, em público ou em privado, toda a informação e conhecimento, respeitante ao exercício da prestação de serviços objeto do presente Contrato, bem como todo e qualquer conhecimento adquirido nos locais onde desempenhe as suas funções.

2. Por informação confidencial consideram-se todas as informações, documentação, segredos comerciais, processos, procedimentos e métodos de trabalho, conhecimentos técnicos, pressupostos, elementos e resultados obtidos e, em geral, tudo o que disser respeito à atividade da Primeira Contraente, que não pertençam ao domínio público.

3. Quaisquer documentos ou memorandos que consubstanciem informação confidencial relativos à atividade da Primeira Contraente ou dos seus clientes/doentes, que venham a ser tratados, adquiridos, recebidos ou produzidos pela Segunda Contraente, serão propriedade daquela e, no momento da cessação das suas funções, serão entregues à Primeira Contraente, e ainda, sempre que tal seja solicitado, durante o período de vigência do presente contrato.

4. Está especialmente vedada à Segunda Contraente a discussão, ou contribuição para a discussão em público, nos meios de comunicação social, ou em privado, de informação confidencial.

5. A Segunda Contraente declara ainda que preservará o bom-nome da Primeira Contraente, obrigando-se a não afirmar ou divulgar factos, bem como a não emitir opiniões capazes de prejudicarem o crédito ou o bom-nome da empresa.

6. Durante a vigência do presente Contrato, a Segunda Contraente compromete-se a não angariar, para si ou para outra qualquer entidade, nenhum dos clientes/utentes ou entidades que, com a Primeira Contraente, tenham mantido relações negociais, bem como a não levar para fora da empresa nenhum dos seus empregados ou colaboradores, seja em que circunstância for.

7. Ficarão a pertencer à Primeira Contraente todos os direitos de direitos de propriedade industrial, nomeadamente patentes, modelos de utilidade, desenhos ou modelos, marcas, entre outros direitos sobre qualquer invenção, fórmula ou conceito (bem como quaisquer melhoramentos ou alterações de uma invenção, fórmula ou conceito existentes), criados ou desenvolvidos pela Segunda Contraente no decurso do presente Contrato e derivado ou relacionado com a prestação de serviços, obrigando-se a Segunda Contraente a subscrever todos os documentos necessários a assegurar tal titularidade.

8. A Primeira Contraente ficará também detentora legal e exclusiva beneficiária dos direitos de autor e direitos conexos que possam advir do cumprimento do presente Contrato e resultantes do desenvolvimento e/ou da aplicação do trabalho desenvolvido pela Segunda Contraente ou pelos restantes elementos da Primeira Contraente, dos quais, em virtude do presente Contrato, a Segunda Contraente tenha tomado conhecimento.

9. As obrigações de confidencialidade, de preservação do bom nome da empresa, de não angariação e não solicitação e de transmissão dos direitos de autor, previstas na presente cláusula, vigorarão durante todo o período de vigência do presente Contrato, subsistindo sem limitação de prazo, após a cessação do mesmo.

10. A Segunda Contraente obriga-se a assegurar a custódia de todos os documentos ou informações a que tenha acesso, sejam da Primeira Contraente ou dos seus Clientes, dando-lhes proteção adequada compatível com o grau de confidencialidade exigível, contra perda, extravio, furto, roubo, reprodução ou divulgação indevida.

11. A Segunda Contraente obriga-se a devolver à Primeira Contraente, quando esta o solicitar, todos os elementos, informações ou documentos que lhe tiverem sido transmitidos na sequência da sua prestação de serviço. nomeadamente relatórios, fotografias, anotações, manuais, memorandos, planos, maquetes, desenhos, esboços, amostras ou outros.


Cláusula Décima Primeira
(Comunicações e Prazos)
1. As comunicações ao abrigo do presente Contrato podem ser efetuadas por telecópia, enviada de posto a posto, ou por carta registada com aviso de receção, para os seguintes números e direções, salvo indicação escrita em contrário de algum dos contraentes: (…)

2. As comunicações efetuadas por telecópia ter-se-ão por recebidas na data da sua receção ou no primeiro dia útil seguinte quando aquele o não seja ou quando aquelas ocorram fora das horas normais de expediente. As comunicações efetuadas por carta registada com aviso de receção presumem-se recebidas no dia da subscrição do respetivo aviso de receção.

3. Qualquer alteração das moradas constantes do número um da presente cláusula deverá ser comunicada por escrito a cada um dos Contraentes, por qualquer um dos meios previstos na presente Cláusula.

4. Todos os prazos previstos no presente Contrato são substantivos não se interrompendo a sua contagem em dias que não sejam úteis. O prazo que termine em dia não útil transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.


Cláusula Décima Segunda
(Alterações)
Qualquer alteração ou aditamento ao presente Contrato só será válido se constar de documento escrito assinado pelos Contraentes, do qual conste expressamente a indicação das cláusulas modificadas ou aditadas.

Cláusula Décima Terceira
(Invalidade)
A eventual declaração de invalidade, seja qual for o motivo, de qualquer das cláusulas deste Contrato, não inviabiliza a subsistência e validade deste com as demais cláusulas.

Cláusula Décima Quarta
(Foro)
Para todos os litígios emergentes da interpretação e execução deste Contrato será territorialmente competente o Tribunal Judiciai da Comarca do Porto, foro esse que as Partes escolhem com expressa renúncia a qualquer outro.

Cláusula Décima Quinta
(Tolerância)
Se a Primeira Contraente, em qualquer momento, tolerar mora ou infração contratual, deixar de aplicar à Segunda Contraente alguma sanção em que hajam incidido ou relevar falta praticada, conceder prazo adicional para o cumprimento de obrigação ou para satisfazer determinada obrigação, praticar ou se abstiver de praticar facto ou ato que importe em tolerância de falta ou relevação de sanção, isso não constituirá alteração dos termos e condições contratadas, precedente a ser invocado pelo beneficiário ou por terceiros, constituindo mera tolerância, da qual nenhuma obrigação decorrerá para a Primeira Contraente.

Cláusula Décima Sexta
(Anexos)
O presente Contrato é composto por 1 (um) anexo, o qual, depois de devidamente rubricado, dele constitui, para todos os efeitos, parte integrante:
Anexo 1- Definição do Território;
(…)
Anexo I
Território
Região Sul:
- Concelhos de Albufeira. Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António”
2. Exercia a autora a sua atividade profissional nas clínicas dentárias, uma denominada “MM”, sita no Largo ..., 8400 Lagoa e numa outra, denominada “Clínica S...”, sita no Centro Comercial ..., 8200, Albufeira, ambas propriedade da Ré.
3. À autora, no exercício da sua atividade profissional enquanto médica dentista competia-lhe entre o mais, observar os dentes, gengivas e as arcadas dentárias dos seus pacientes para diagnóstico, desenvolver tratamentos como extração, restauração ou desvitalização de dentes, tratar cáries, remover o tártaro, colocar aparelhos de correção, colocar próteses dentárias e, inclusivamente, fazer intervenções cirúrgicas que se mostrassem necessárias.
4. Para além das funções supra descritas, ainda a autora praticava todos os atos inerentes à direção clínica da “MM” e “Clínica S...”.
5. A ré é a proprietária e exploradora das citadas clínicas dentárias, sendo uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços médicos, paramédicos e de enfermagem de estomatologia e/ou medicina dentária.
6. Por carta datada de 20/12/2013 e enviada pela ré à autora, aquela declarou a esta que “tendo V. Exa.ª violado definitivamente, entre outras, as obrigações assumidas nas cláusulas quarta e oitava do referido contrato de prestação de serviços, esta sociedade, nos termos e para os efeitos do estabelecido na cláusula nona, declara a resolução do mesmo com efeitos imediatos, não prescindindo da indemnização a que tem direito nos termos contratuais e nos demais termos gerais de direito”.
7. A ré tinha coordenadores que dirigiam as questões administrativas das clínicas da região Sul e Ilhas, primeiro HH e, depois, EE.
8. Até 20 de Dezembro de 2013 a autora não questionou o tipo de relação que mantinha com a ré.

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IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto e visada reapreciação da prova
Nas conclusões de recurso, sustenta a R./apelante que em face dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento não deveriam ter sido dados como provados determinados factos e outros, alegados e com interesse, deveriam ter sido considerados assentes.
Identifica os depoimentos em que se baseia e cuja reapreciação pelo tribunal ad quem pretende, mencionando os segmentos da gravação em que tais depoimentos se encontram registados.
De harmonia com o normativo inserto no nº1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Este dever consagrado no preceito abrange, naturalmente, situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Em tal situação, deve o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil.
Preceitua este dispositivo legal o seguinte:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Vejamos então se a R./apelante cumpriu o ónus de impugnação do qual depende a admissão do recurso.
E o que se extrai da leitura das conclusões de recurso é que, nas mesmas, a apelante não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem refere a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Considerando, porém, que são as conclusões de recurso que delimitam o objeto do mesmo, a indicação dos específicos pontos de facto que considera incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios que deveriam ter conduzido a decisão diferente e qual a decisão correta, na perspetiva da apelante, deveriam ter sido cumulativamente apontados na conclusão da alegação.
Não tendo o ónus de impugnação legalmente previsto sido devidamente observado pela R./apelante, há que rejeitar o recurso na parte que visava a reapreciação da prova.
Acrescenta-se que em face dos elementos constantes dos autos, este tribunal também não considera existir fundamento para, oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, se mantém definitivamente fixada a factualidade dada como assente pela 1ª instância.
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V. Qualificação da relação jurídica em apreço nos autos
Não se conforma a R./apelante com a circunstância do tribunal a quo ter considerado que entre os intervenientes processuais vigorou um contrato de trabalho subordinado, pois, de acordo com a sua tese, no caso concreto não se pode presumir a existência de um contrato de trabalho, ao abrigo do artigo 12º do Código do Trabalho.
Apreciemos a questão suscitada.
Na sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo procedeu a uma completa e exaustiva apreciação da legislação aplicável em termos de definição do contrato de trabalho versus contrato de prestação de serviço, dos critérios utilizados pela doutrina e pela jurisprudência para distinguir os dois tipos contratuais, assim como mencionou os requisitos necessários para que possa operar a presunção de laboralidade prevista no artigo 12º do Código de Trabalho de 2009.
Pela plenitude da fundamentação exposta que, aliás, não foi posta em causa em sede de recurso, remetendo-se para a mesma, partir-se-á das considerações explanadas para a apreciação do concreto caso sub judice.
Vejamos, resulta do acervo de factos dado como assente que em 26 de abril de 2012, as partes processuais celebraram, entre si, um acordo escrito denominado de “contrato de prestação de serviços”, com o teor dado por reproduzido no ponto 1 da factualidade provada.
Mais resultou demonstrado, com relevo, que a A./apelada exercia a sua atividade de médica dentista em duas clínicas dentárias pertencentes à R./apelante, praticando, ainda, todos os atos inerentes à direção clínica desses estabelecimentos.
Até 20 de dezembro de 2013, a A./apelada não questionou o tipo de relação (leia-se, a qualificação do contrato) que tinha com a R./apelante.
Enquanto médica dentista, competia à demandante, entre o mais, observar os dentes, gengivas e as arcadas dentárias dos seus pacientes para diagnóstico, desenvolver tratamentos como extração, restauração ou desvitalização de dentes, tratar cáries, remover o tártaro, colocar aparelhos de correção, colocar próteses dentárias e, inclusivamente, fazer intervenções cirúrgicas que se mostrassem necessárias.
A R./apelante é proprietária e exploradora das clínicas dentárias identificadas, sendo uma sociedade que se dedica à prestação de serviços médicos, paramédicos e de enfermagem de estomatologia e/ou medicina dentária.
A R./apelante tinha coordenadores que dirigiam as questões administrativas das clínicas da região Sul e Ilhas.
Na sentença sob censura, considerou-se que entre as partes vigorou um contrato de trabalho subordinado, por força do preenchimento dos indícios de laboralidade previstos no nº1 do artigo 12º do Código do Trabalho, fazendo-se operar a presunção consagrada no preceito.
Para considerar preenchidos os referidos indícios, o tribunal atendeu ao acordado entre as partes no denominado “contrato de prestação de serviços”, à atividade desenvolvida pela A./apelada, recorrendo à definição legalmente consagrada de “Direção Clínica” de clínicas ou consultórios dentários (Portaria nº 268/2010, de 12 de maio), à demonstração de que atividade em causa era exercida em locais pertencentes à R./apelante e à circunstância de não terem sido demonstrados contraindícios que permitissem afastar a presunção da existência de um contrato de trabalho.
Para melhor elucidar o anteriormente afirmado, transcreve-se o segmento da sentença recorrida que releva:
«Elencando a lei aplicável os índices da qualificação jurídica, importa verificar se a autora logrou provar a sua integração.
Basta a consideração do contrato celebrado pelas partes, desde logo, para se terem por preenchidos vários daqueles índices:
- a atividade era desenvolvida em local pertencente à ré, beneficiária da atividade (cf. cláusula segunda do contrato celebrado e, para além disso, os factos provados alegados nos artigos 3.º e 8.º da PI e que agora constam nos pontos 2. e 5. desta sentença);
- os equipamentos utilizados pertenciam à ora ré e beneficiária da atividade (cf. ponto 2 da cláusula sétima do contrato celebrado);
- era paga, com periodicidade mensal, uma quantia certa à autora, prestadora da atividade (cf. alínea a), do ponto 1 da cláusula quarta do contrato celebrado).
De resto, da própria atividade desenvolvida pela autora (em conjugação com a legislação aplicável à atividade), pode retirar-se a observância de horas de início e termo dessa prestação.
Resultou provado que a autora não se limitava a prestar a sua atividade de dentista. Exercia, igualmente, as funções de direção clínica.
Pode e deve, por isso, recorrer-se à legislação a que se encontra sujeita toda a atividade das clínicas dentárias, designadamente ao que se encontra estabelecido na Portaria 268/2010, de 12 de Maio:
“CAPÍTULO IV
Recursos humanos
Artigo 10.º
Direção clínica
1 - As clínicas ou consultórios dentários são tecnicamente dirigidos por um diretor clínico, com uma das seguintes qualificações:
a) Médico com a especialidade de estomatologia inscrito no respetivo colégio da especialidade da Ordem dos Médicos;
b) Médico dentista inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas;
c) Nas clínicas ou consultórios dentários onde apenas se exerçam funções de odontologia, o diretor clínico pode ser um odontologista nas condições previstas na lei.
2 - Sempre que existam outras áreas funcionais, haverá um único diretor clínico a designar entre os diretores técnicos ou clínicos das respetivas áreas.
3 - A atividade da clínica ou consultório dentário implica presença física do diretor clínico de forma a garantir a qualidade dos tratamentos devendo ser substituído nos seus impedimentos e ausências por um profissional qualificado com formação equivalente.
4 - Em caso de morte ou incapacidade permanente do diretor clínico para o exercício da sua profissão, deve a clínica ou o consultório proceder imediatamente à sua substituição e informar a respetiva ARS do especialista designado.
5 - As situações descritas no número anterior devem ser resolvidas pela clínica ou consultório dentário de forma definitiva no prazo máximo de seis meses contados a partir da ocorrência dos factos.
6 - Compete exclusivamente ao diretor definir as técnicas e os equipamentos que garantam a qualidade.
Artigo 11.º
Pessoal
As clínicas ou consultórios dentários devem, para além do diretor clínico, dispor de assistente de consultório/pessoal de atendimento.
Artigo 12.º
Recurso a serviços contratados
As clínicas ou consultórios dentários podem recorrer a serviços de terceiros, nomeadamente no âmbito do tratamento de roupa e produtos esterilizados, e ainda a gestão dos resíduos hospitalares, quando as entidades prestadoras de tais serviços se encontrem, nos termos da legislação em vigor, licenciadas, certificadas ou acreditadas para o efeito.”

Resulta, de forma clara do capítulo IV desse diploma (que, de forma certamente não aleatória, está intitulado de “recursos humanos”), que as clínicas dentárias devem ser dirigidas por um diretor clínico e que esse profissional deve estar fisicamente presente de forma a garantir a qualidade dos tratamentos, mais se estabelecendo que o mesmo deve ser substituído nos seus impedimentos e ausências.
Ou seja, para o caso concreto, resulta claro que a autora estava sujeita à obrigação de estar fisicamente presente na clínica enquanto esta estivesse a funcionar, o que implica o preenchimento de mais este índice previsto no artigo 12º, nº 1, do Código de Trabalho (cf. alínea c) da referida norma).
Mas, não menos importante (e que vai para além das simples presunções estabelecidas no referido artigo 12º do Código de Trabalho), resulta claro da definição que a legislação faz das funções desempenhadas pela autora que se afasta completamente qualquer ideia de que a mesma estava obrigada à produção de um resultado (e que permite afastar, definitivamente, o contrato celebrado como um contrato de prestação de serviços – ver a definição dada pelo artigo 1153º do Código Civil e acima referida).
Finalmente, ao competir, legalmente, ao diretor clínico, de modo exclusivo, a definição das técnicas e equipamentos que garantam a qualidade (cf. nº 6, do artigo 10º da referida Portaria 268/2010), fica preenchido o último índice legal previsto na alínea e), do nº 1, do artigo 12º do Código de Trabalho (pois que essa definição das técnicas e equipamentos não pode, senão, ser compreendida como exercício de funções de direção).
Raros serão estes casos em que todos os índices legais previstos no artigo 12º, nº 1, do Código de Trabalho, se encontrem integralmente preenchidos.
Beneficiando, pois, a autora dessa presunção legal, importa verificar o que, em contrário, se pode retirar da matéria de facto.
Insiste a ré na denominação que as partes deram ao contrato.
Ora, o nomem iuris escolhido pelas partes para qualificar o acordo tende a ter pouca relevância, pois será com base no comportamento posterior destas em execução do contrato, tendo em conta o enquadramento em que o mesmo se desenvolve, que se pode decidir pela qualificação jurídica de uma determinada relação.
Mas a qualificação feita pelas partes e o teor do clausulado pode, ainda assim, relevar para o apuramento da vontade real das partes.
E, neste domínio, o acordo celebrado pelas partes também não aponta, totalmente, no sentido da inexistência de subordinação de uma parte à outra. De modo mais relevante pode retirar-se a seguinte característica que, normalmente, se vislumbra numa situação de subordinação jurídica: a exclusividade (e, mesmo, a obrigação de não concorrência – ver cláusulas primeira e oitava do contrato celebrado), que determina a total dependência económica da autora à ré.
Por outro lado, em face do que se estabelece no artigo 59º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial e o que se estabeleceu no ponto 7 da cláusula décima do contrato celebrado, também aponta no sentido da existência de um contrato de trabalho.
A circunstância de a autora ser licenciada (e ter, por isso, conhecimento superior à média) aliada ao nome que foi dado ao contrato não é de molde a afetar, decisivamente, a análise do conteúdo da relação jurídica.
Não se vislumbra que, no quadro da identificada dependência económica (que era total – como se viu), assuma qualquer relevância a circunstância de, no decurso da vigência do contrato, a autora não se tenha insurgido contra a qualificação jurídica feita (não releva, designadamente, para o preenchimento do disposto no artigo 334º do Código Civil).
Não se ter provado que à autora fossem pagos os subsídios de férias e Natal ou que a mesma estivesse enquadrada em regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem também não assume relevância para a definição da relação contratual, em face do que acima ficou dito (decisivamente: ser a autora a diretora clínica).
Tudo ponderado, pode retirar-se uma imagem global da relação contratual estabelecida entre as partes que se reconduz à existência de um contrato de trabalho.»
Decorre do texto transcrito que a qualificação da relação jurídica que vigorou entre as partes processuais como sendo um contrato de trabalho subordinado, resulta de três aspetos tidos em conta:
- o clausulado escrito;
- a atividade exercida e o local onde a mesma era prestada;
- a legislação aplicável à atividade das clínicas dentárias.
Ora, seguido de perto a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, entendemos, que tanto o nomem iuris escolhido pelas partes para designar o acordo entre elas celebrado como o próprio clausulado do acordo, não são decisivos para a qualificação do negócio jurídico, sem embargo de poderem ser considerados como mais um elemento, com maior ou menor importância atendendo a concreta situação sob análise, (cfr. Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça de 10/11/2010, P. 3074/07.0TTLSB.L1.S1 e de 03/02/2010, P. 1148/06.3TTPRT.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Analisando o contrato transcrito no ponto 1 dos factos assentes, verificamos que as partes apelidaram o mesmo de prestação de serviço.
Do clausulado retira-se, com interesse, que:
- A atividade a que a A. se obrigou contratualmente era exercida em locais e com equipamentos/utensílios pertencentes à R.;
- Tal atividade apenas podia ser realizada pela própria A. e em regime de exclusividade;
- A atividade a desenvolver pela A. deveria ser prestada no período de funcionamento das clínicas dentárias, tendo em conta as marcações efetuadas pelos doentes/utentes sendo essas marcações geridas pela R.;
- Como contrapartida da atividade, a R. pagaria à A. as quantias referidas na cláusula 4ª;
- A A. desempenharia a sua atividade com autonomia e independência técnica, sendo a única responsável por todos os danos que a aludida atividade pudesse causar à R. ou a quaisquer terceiros, inclusivamente a doentes/utentes das clínicas dentárias, estando inclusive obrigada a celebrar e a manter em vigor um seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos inerentes à atividade exercida nas clínicas;
- A A. estava obrigada a cumprir escrupulosamente os regulamentos internos das clínicas dentárias que, em cada momento estivessem em vigor.
O estipulado entre as partes, numa análise puramente formal, poderia levar a considerar verificadas no caso concreto, as situações previstas nas diversas alíneas do nº1 do artigo 12º do Código do Trabalho.
Contudo, partilhamos o entendimento manifestado por João Castro Mendes de “o negócio é o que for, não o que as partes disserem ser”, (cfr. Direito Civil Teoria Geral, Vol. III, AAAFDL, 1979, pág.353), motivo porque consideramos, tal como já referimos supra que a vontade declarada não é decisiva para a qualificação do contrato, havendo necessariamente que valorar a vontade real, manifestada por via da execução do contrato.
Conforme escreveu Júlio Gomes in “Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, pág.138:
«…a interpretação da vontade real das partes é sempre o pressuposto da qualificação. Simplesmente o que é decisivo não é a vontade declarada no contrato, mas sim a vontade real tal como esta decorre da execução da relação.»
Ora, no que respeita à execução da relação contratual estabelecida entre os litigantes o que se demonstrou foi:
- A A. exercia a sua atividade profissional nas clínicas dentárias, uma denominada “MM”, sita no Largo ..., 8400 Lagoa e numa outra, denominada “Clínica S...”, sita no Centro Comercial ..., 8200, Albufeira, ambas propriedade da Ré e pela mesma exploradas;
- À autora, no exercício da sua atividade profissional enquanto médica dentista competia-lhe entre o mais, observar os dentes, gengivas e as arcadas dentárias dos seus pacientes para diagnóstico, desenvolver tratamentos como extração, restauração ou desvitalização de dentes, tratar cáries, remover o tártaro, colocar aparelhos de correção, colocar próteses dentárias e, inclusivamente, fazer intervenções cirúrgicas que se mostrassem necessárias;
- Para além das funções supra descritas, ainda a autora praticava todos os atos inerentes à direção clínica da “MM” e “Clínica S...”.
- A ré é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços médicos, paramédicos e de enfermagem de estomatologia e/ou medicina dentária.
- Até 20 de Dezembro de 2013 a autora não questionou o tipo de relação que mantinha com a ré.
Deste circunstancialismo factual extrai-se, com importância, que a A. desempenhava as funções de médica dentária e de Diretora Clínica em locais pertencentes à R. e por esta explorados.
Ou seja, a realidade factual provada permite-nos dar como verificada a circunstância prevista na alínea a) do nº1 do artigo 12º do Código do Trabalho.
Igualmente é possível considerar preenchida ou verificada a alínea e) do aludido normativo, uma vez que resultou demonstrado a A./apelada desempenhava funções de direção clínica nos dois estabelecimentos identificados.
Não obstante não se tenha logrado concretizar em que consistiam tais funções, parece-nos que bem andou o tribunal a quo ao recorrer à legislação aplicável às clínicas dentárias (Portaria nº 268/2010, de 12 de maio), para enquadrar e integrar o cargo desempenhado pela demandante.
Em suma, do circunstancialismo factual assente, é possível concluir, com segurança, o preenchimento das características previstas nas alíneas a) e e) do nº1 do aludido normativo.
No que concerne às demais alíneas previstas, pelos motivos supra explanados não acompanhamos o decidido pelo tribunal a quo, que se baseou no clausulado acordado entre as partes, o que por si só, sem outra prova completar respeitante à execução do negócio jurídico celebrado, não nos parece suficiente para dar como verificadas as situações previstas nas referidas alíneas.
Todavia, o preenchimento de duas alíneas do preceito mencionado é suficiente para fazer operar a presunção de contrato de trabalho.
Da redação do preceito legal, resulta que, para que esteja preenchida a presunção, mostra-se necessário que estejam reunidos alguns dos elementos referidos nas alíneas do nº1.
Utilizando a lei a palavra “alguns”, tal significa que, pelo menos, têm de estar reunidas duas das circunstâncias previstas no nº1 do artigo 12º.
A Doutrina portuguesa tem-se pronunciado sobre a presunção de laboralidade prevista neste normativo.
João Leal Amado, (Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, págs 80-81), escreveu:
«A lei seleciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?) [] bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de atividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário» […] Tratando-se de uma presunção juris tantum (art. 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o ónus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado, pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado [].».
Também Maria do Rosário Palma Ramalho, (Direito do Trabalho, Parte II, 3ª edição, Almedina, págs. 48-49), opinou sobre o normativo em apreciação, mencionando:
«Ainda com referência à qualificação do contrato de trabalho a partir dos indícios de subordinação jurídica, cabe uma nota sobre a presunção da existência de contrato de trabalho []. Esta presunção foi instituída, após sucessivas tentativas [], pelo Código do Trabalho de 2003 (art. 12.º), foi alterada, ainda na vigência deste Código, pela L. n.º 9/2006, de 20 de Março [], e consta agora, como significativas modificações, do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009.
A utilidade do estabelecimento desta presunção no Código do trabalho é a inversão do ónus da prova da existência do contrato de trabalho, nos termos do art. 350.º do CC []; na presença dos indícios enunciados no art. 12.º do CT, o trabalhador fica dispensado de demonstrar, nos termos gerais do art. 342.º do CC, que desenvolve uma atividade laborativa retribuída para o empregador e que se encontra numa posição de subordinação, para lograr a qualificação do negócio como um contrato de trabalho [].
Naturalmente, sendo a presunção ilidível, como é de regra, a qualificação laboral do negócio pode ser afastada (art. 350.º, n.º 2 do CC), se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho []. Além disso, a presunção não é impeditiva de que o trabalhador possa fazer prova da existência do contrato de trabalho com recurso direto ao art. 11.º da LCT, se não puder fazer valer os requisitos da presunção [].».
Em suma, em face da presunção estabelecida pelo artigo 12º do Código do Trabalho, ao reclamante da qualidade de trabalhador, basta-lhe apenas provar a verificação de, pelo menos, duas das situações previstas nas diversas alíneas do nº1 do preceito, para que beneficie da presunção de contrato de trabalho.
Tal presunção é porém ilidivel, pois trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contra-indícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
No caso sub judice do contexto factual assente não resultam elementos que permitam afastar a presunção de laboralidade, por demonstração da característica da autonomia no exercício das funções.
Destarte, ainda que não acompanhemos integralmente a fundamentação do tribunal de 1ª instância, não nos merece censura a qualificação do negócio jurídico celebrado entre as partes processuais, como contrato de trabalho subordinado, por força da presunção prevista no artigo 12º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, improcede o recurso quanto à questão agora analisada.
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VI. Inexistência de despedimento ilícito
No arrazoado das alegações e conclusões de recurso, a R./apelante afirma que “não existindo qualquer relação laboral entre as partes é manifesto que a Autora não foi alvo de qualquer despedimento ilícito, devendo, por isso, a resolução do contrato de prestação de serviços comunicadas pela Ré à Autora ser considerada válida e, em consequência, deve a ação improceder na sua totalidade.»
A pretensão da R./apelante baseava-se no pressuposto que se lhe daria razão no que respeita à temática da qualificação da relação contratual.
Já apreciámos a improcedência dessa sua pretensão.
Deste modo, tendo vigorado entre as intervenientes processuais um contrato de trabalho subordinado, bem andou o tribunal a quo ao decidir que a resolução do contrato comunicada pela R. à A., em 20 de dezembro de 2012, consubstancia um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, de harmonia com o disposto no artigo 381º, alínea c) do Código do Trabalho.
Concluindo, nenhuma censura nos merece a decisão posta em crise, pelo que o recurso se mostra improcedente.
*
VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 11 de junho de 2015

(Paula Maria Videira do Paço)

(Alexandre Baptista Coelho)

(Acácio André Proença)