Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
744/14.0TBTNV.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS
DOAÇÃO
NECESSIDADE
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Na providência cautelar de alimentos provisórios, no caso de doação, a obrigação de prestar alimentos é condicional e limitada pois não nasce duma relação familiar, como a obrigação alimentícia propriamente dita, mas sim do dever de justiça que a lei impõe ao beneficiário da liberalidade, dentro das forças próprias desta.
2 - Nada impede o estabelecimento de alimentos no caso de doação com reserva de usufruto, contanto se verifique a necessidade deles por parte da doadora e o seu cabimento no valor dos bens transmitidos para os beneficiários.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 744/14.OTBTNV.E1
2ª SECÇÃO

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) intentou contra (…) e marido (…), a presente providência cautelar de alimentos provisórios pedindo a condenação dos requeridos no pagamento de uma pensão de alimentos no valor mensal de € 1.200,00.
Alegou para tanto e em síntese que tendo doado aos requeridos um prédio no valor estimado de € 105.000,00, não dispõe de meios suficientes para a sua subsistência, tem 86 anos de idade e precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias, sendo que apenas recebe uma pensão de € 199,53.
Requereu ainda a dispensa do ónus de propositura da acção principal.
Os requeridos deduziram oposição nos termos de fls. 39 e segs., impugnando a factualidade alegada pela requerente e invocando como questão prévia a incapacidade judiciária da requerente, concluindo pela improcedência da providência.
Pelo despacho de fls. 80 foi decidido não se verificar qualquer situação de incapacidade da requerente, improcedendo a invocada excepção dilatória.
Produzida a prova foi proferida a decisão de fls. 157 e segs., nos termos da qual foi julgado parcialmente procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, decidido fixar em € 250,00 mensais a prestação de alimentos provisórios a pagar pelos requeridos à requerente, devidos desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido. Mais foi indeferido o pedido de dispensa do ónus de propositura da acção principal.
Inconformados apelaram os requeridos alegando e formulando as seguintes conclusões:
- Os ora recorrentes não se conformam com a decisão recorrida uma vez que a mesma é injusta pois atendendo à prova produzida em sede de julgamento os factos dados como provados não são suficientes para que a providência cautelar fosse julgada parcialmente procedente por provada, devendo, em consequência o Tribunal a quo ter recusado a fixação de qualquer pensão de alimentos à requerente.
- Estamos perante um erro na aplicação do direito aos factos por parte do Tribunal a quo.
- Na fixação dos alimentos (tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário) deve-se atender a três factores, às possibilidades (“meios”) daquele que houver de prestá-los (artºs 2003º nº 1 e 2004º nº 1 do C.C.), à necessidade daquele que houver de recebê-los (artºs 2003º nº 1 e 2004º nº 1 do CC) e às possibilidades de o alimentando prover à sua subsistência (artº 2004º nº 2 do C.C.).
- A medida da necessidade é definida por múltiplos factores, designadamente, a situação social, idade, estado físico e de saúde e possibilidade de angariar sustento da pessoa que há-de receber alimentos e a medida das possibilidades assenta, basicamente, nos rendimentos do obrigado não para que a eles se recorra até ao seu total consumo ou exaustão, mas para que, sensatamente, se encontre medida proporcional a esses rendimentos, o que pode significar que se não consiga eliminar por completo a situação de carência da pessoa a quem a prestação é efectuada, sendo que a medida da necessidade é reportada apenas às carências primárias do alimentando.
- Corolário do duplo princípio plasmado no artº 2004º nº 1 do C.C., a lei manda ainda proceder à dedução baseada na possibilidade do alimentado prover à sua subsistência.
- Da petição inicial da requerente consta a alegação de factos tendentes à prova das suas necessidades alimentícias, mas não consta qualquer alegação quanto aos meios, possibilidades, dos requeridos para satisfação dessa necessidade, sendo que dos factos indiciariamente dados como provados também não consta qualquer facto relacionado com as possibilidades dos requeridos para prestarem alimentos à requerente.
- O artº 2004º nº 1 do C.C. é claro quanto à exigência cumulativa destes requisitos, cujos factos que os integram obviamente têm de ser alegados pelo requerente da pensão, uma que aquele que invoca um direito cabe-lhe provar os elementos constitutivos do seu direito nos termos do artº 342º nº 1 do CC.
- Faltando a alegação e prova de um deles, jamais pode ser fixada qualquer pensão de alimentos, pelo que o Tribunal a quo ao fixar provisoriamente uma pensão de alimentos à requerente, sem sequer ter sido alegada pela requerente e aferida (em concreto) às possibilidades dos requeridos para prestarem essa mesma pensão incorreu numa clara violação do disposto no artº 2004º nº 1 do mesmo Código.
- Razão pela qual, a providência cautelar, faltando a alegação por parte da requerente de um acto essencial constitutivo do direito de que se arroga, deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
- O mesmo se pode dizer quanto à necessidade de alimentos, pois também quanto a esta não se logrou provar a respectiva necessidade, da análise dos factos dados como provados consta qual o rendimento da requerente (cfr. facto 8), porém não consta como provada qualquer despesa que leve a concluir que o rendimento da requerente não é suficiente para por si só satisfazer as suas despesas/necessidades.
- Maxime da matéria factual que se apurou em sede de audiência de discussão e julgamento, jamais poderiam resultar os factos que, salvo o devido respeito, são essenciais ao decretamento da providência.
- Quanto à fonte da obrigação de alimentos, importa levar em devida consideração que mormente trata-se de uma relação familiar e constitui-se entre as pessoas indicadas na lei (artº 2009º do C.C.) ou por negócio jurídico, excepcionalmente, se o alimentado tiver disposto de bens por doação, as pessoas indicadas no artº 2009º do C.C. não são obrigadas a prestar alimentos, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meio de subsistência, recaindo nesse caso a obrigação de alimentar sobre o donatário (cfr artº 2011 do CC)
- No caso dos autos, a sentença de que se recorre estatui precisamente como fonte da obrigação dos requeridos de prestar alimentos à requerente, o facto de os requeridos terem recebido em doação o prédio misto descrito no nº 1 dos factos indiciariamente dados como provados, sucede porém que, nos casos em que a fonte de obrigação de prestar alimentos é uma doação feita pelo alimentado, para além da necessidade do credor e da possibilidade do devedor, é requisito da obrigação que, por um lado, o bem doado servisse para o sustento do doador, se lá estivesse (no património do devedor), e, por outro lado, que tivesse gerado riqueza no património do donatário.
- A obrigação só existe quando o necessitado tiver disposto de bens por doação – o que foi o caso – e quando esses bens teriam podido assegurar ao doador os meios de subsistência.
- O bem doado é um prédio misto composto de casa de habitação e uma parte rústica, onde a requerente residiu e do qual tem usufruto vitalício afirmando a sentença recorrida a fls. que “confrontando os rendimentos mensais apurados da requerente e as necessidades específicas quanto aos seu sustento, vestuário e cuidados médicos (não carecendo de qualquer contribuição para a sua habitação, considerando o objecto do direito de usufruto de que é titular …”)
- Não foi alegado pela requerente qualquer facto tendente a provar que o bem doado se permanecesse no seu património teria podido assegurar o seu sustento, não constando dos factos indiciariamente dados como provados (nem sequer constando dos temas da prova) pelo que quanto a esta matéria não poderia o Tribunal a quo fixar qualquer pensão de alimentos à requerente porque esta não alegou e consequentemente não provou, qualquer facto que levasse, permitisse, ao tribunal concluir que o bem doado se permanecesse no seu património teria podido assegurar o seu sustento.
- Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que os donatários só têm a nua propriedade do imóvel, sendo que é a requerente que detém o seu usufruto vitalício, podendo por isso gozar plenamente do bem, usando-o e fruindo do mesmo e inclusive podendo trespassar a outrem o seu direito.
- A transmissão com reserva de usufruto vitalício a favor da requerente diminui substancialmente o valor do bem doado designadamente porque impede que o mesmo seja explorado pelos requeridos e bem ainda porque o ónus que recai sobre o imóvel diminui substancialmente o seu valor, sendo que tais factos se encontram na disponibilidade de análise por parte do Tribunal a quo porquanto se tratam de factos notórios.
- Mais se refere que a requerente reside em casa do seu filho adoptivo, podendo inclusivamente a usufrutuária arrendar o imóvel que doou aos requeridos, conforme lhe aprouver retirando daí rendimentos para o seu sustento, outrossim quem se encontra em condições de retirar um real proveito económico do prédio é a requerente e não os requeridos.
- Deste modo, a única coisa que a requerente não pode fazer é vender o bem, tudo o resto que poderia fazer se fosse proprietária continua a poder fazer enquanto usufrutuária, mas também dentro de um critério de normalidade ninguém vende a casa onde vive para se sustentar, porque tal seria como “vender o almoço para comprar o jantar”.
- Se vende a casa onde vive tem de arranjar um sítio para morar e pagar o alojamento, alimentação, etc., porém, se tiver uma casa sua só precisa de se sustentar, razão pela qual mesmo que a requerente tivesse o bem doado no seu património este não podia assegurar o seu sustento.
- Em resultado do exposto mal andou o Tribunal a quo na aplicação do direito aos factos.
- Por fim importa ainda ponderar que o conceito de alimentos provisórios não coincide inteiramente com o de alimentos definitivos, estes (definitivos) são integrados por tudo quanto seja indispensável à satisfação das necessidades de sustento, habitação e vestuário, sendo mais reduzido o perímetro daqueles (provisórios), que abarcam tudo aquilo que se mostre estritamente necessário para o efeito, isto é, o que seja necessário para suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu “status” social.
- Porém, no que se reporta aos alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum convocar quando se abordam os procedimentos cautelares, asseverando que a medida jurisdicional em causa é daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco.
- No caso em apreço provou-se indiciariamente que a requerente do conjunto das suas reformas aufere um total de € 409,00 por mês, cfr. ponto 8 dos factos indiciariamente dados como provados (2.839,56 € + 2.033,00€ +43,31 € = 4.915,87 € : 12 meses = 409 € mês) e é usufrutuária de uma habitação.
- € 409,00 é um montante mais do que suficiente para uma pessoa da idade da requerente se alimentar, vestir e ter cuidados médicos, especialmente tendo em conta que os cuidados médicos são tendencialmente gratuitos no Serviço Nacional de Saúde, certamente que a requerente com 87 anos de idade não compra vestuário todos os dias ou sequer todos os meses.
- Os alimentos provisórios são fixados em função do estritamente necessário ao sustento, habitação, vestuário da requerente e sendo uma providência cautelar tem carácter de urgência visando evitar lesões graves e dificilmente reparáveis do direito.
- Os € 250,00 que o Tribunal fixou à requerente provisoriamente são apenas como a sentença refere para o “seu sustento, vestuário e cuidados médicos “não carecendo de qualquer contribuição para a sua habitação, considerando o objecto do direito de usufruto de que é titular …
- Acrescendo assim ao seu rendimento de 409 € mais 250 € perfazendo assim o rendimento com que a requerente ficará para alimentos num total de 659,00 € mensais, com um rendimento de 409,00 € mensais para alimentação vestuário e saúde, rendimento bastante superior à maioria das reformas dos idosos do nosso país (que rondam os € 250,00) e com a qual os mesmos se têm de governar e alguns deles pagar, inclusive, rendas de casa, o rendimento de € 409,00 não é assim tão diminuto tendo em conta a realidade vivida no nosso país.
- Não existindo qualquer situação de urgência que sequer justifique a propositura da providência cautelar de que ora se recorre e sequer para a decretar.
- Haverá que considerar que o aumento do perigo de lesão (periculum in mora) deve ser objectivo e substancial.
- Nos procedimentos cautelares de alimentos provisórios impõe-se ao juiz o uso de presunções judiciais, com ponderação das regras da experiência, para colmatar as dificuldades de apuramento da matéria de facto, a respeito da exactidão dos elementos devendo assim o juiz interpretar a matéria de facto sumariamente apurada à luz dos juízos de verosimilhança, normalidade e de probabilidade, o que no caso em apreço não sucedeu.
- No ponto 6 dos factos indiciariamente dados como provados consta que a requerente “precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias de vestuário, alimentação, higiene e locomoção”, contudo a fls. dos autos consta uma certidão elaborada no âmbito de perícia efectuada à requerente no dia 17 de Julho de 2014, da qual consta que, “consigno que a requerente apesar de idosa apresenta-se bem falante, bem disposta inclusive informou-me que já lavou a loiça do pequeno almoço, que se levanta sozinha e veste-se; atestei que a mesma se move sem auxílio de qualquer muleta ou aranha, somente na rua se auxilia de muleta, aparenta menores debilidades físicas e intelectuais próprias da sua idade”.
- Constata-se assim que os factos constantes do relatório são diametralmente opostos aos que foram dados como indiciariamente provados, não tendo tal relatório sequer sido considerado nem o Mmº Juiz a quo fez qualquer apreciação crítica do mesmo.
- Em face deste relatório, jamais poderia ter sido dado como indiciariamente provado que o ponto 6 dos factos indiciariamente dados como provados ou seja que a requerente “Precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias de vestuário, alimentação, higiene e locomoção”, devendo tal facto constar dos factos não provados porquanto se verificou aquando da visita à requerente que a mesma se veste sozinha, lava a loiça, só necessitando do auxílio de uma muleta quando anda na rua. Logo a mesma não precisa de auxílio permanente para se vestir, fazer rotinas diárias ou locomover-se.
- A sentença em crise violou o disposto nos artºs 2004º nº 1, 2011º e 342º nº todos do C.C., violando ainda o artº 362º nº 1 e 384º do CPC.
A apelada contra-alegou nos termos de fls. 197 e segs., concluindo pela confirmação da decisão recorrida.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC), verifica-se que não obstante as extensas e excessivas conclusões que formularam, a única questão a decidir é a de se saber se se mostram verificados os requisitos de procedência da providência requerida.
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São os seguintes os factos que foram tidos por indiciariamente provados na decisão recorrida:
1 – Por escritura pública de 18 de Fevereiro de 2002, lavrada a fls. 85 do Livro 453 do Cartório Notarial de (…), sendo outorgante a requerente que agiu por si e em representação de seu marido, já falecido, (…), declarou doar aos requeridos, com reserva de usufruto e estes declararam aceitar a doação do prédio misto composto de casa de habitação com dependência e terra de cultivo com área de 34.720 m2, inscrita, a parte urbana, na matriz (…) da freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o nº (…) e inscrita a parte rústica na matriz cadastral sob os artigos 1 e 2 ambos secção Q, descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o mesmo número supra indicado.
2 – Das respectivas matrizes prediais urbana e rústica constam os valores de € 9.430,00 e € 1.567,36, respectivamente.
3 – As partes acordaram ainda verbalmente que os requeridos, proprietários de um centro de geriatria, cuidariam da requerente e marido, enquanto fossem vivos, mediante o pagamento das quantias recebidas pelas reformas de ambos.
4 – A requerente nasceu a 24/10/1926.
5 – Encontra-se acolhida em casa do filho adoptivo.
6 – Precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias de vestuário, alimentação, higiene e locomoção.
7 – Sofre de incontinência urinária.
8 – E recebe em Portugal uma pensão de € 2.839,56 anuais e em França duas pensões nos valores anuais de € 2.033,00 e € 43,31.
9 – A requerente deixou de cuidar da casa, das árvores de fruto e do terreno, que se encheu de ervas e mato.
10 – Os requeridos são proprietários de um lar de idosos, manifestando estar dispostos a receber a requerente.

Estes os factos.
Antes de mais, resulta das alegações/conclusões que formularam e não obstante não invocarem nenhuma norma pertinente, que os recorrentes pretendem sindicar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto alegando que “jamais poderia ter sido indiciariamente dado como provado o ponto 6 dos factos indiciariamente dados como provados, ou seja que a requerente “precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias de vestuário, alimentação, higiene e locomoção.”, devendo tal facto constar dos factos não provados”.
Fundamentam a sua pretensão “numa certidão elaborada no âmbito de perícia efectuada à requerente no dia 17 de Julho de 2014.”
Não tem qualquer fundamento a pretensão dos recorrentes.
Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento nos termos do disposto no artº 155º nºs 1 e 2 do CPC, permite o artº 662º nº 1 do mesmo diploma a possibilidade da Relação alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artº 640º.
Nos termos do nº 1 deste normativo, ao impugnar a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
A estes deveres acresce, nos termos da al. a) do nº 2 deste mesmo dispositivo, quando a prova tenha sido gravada, e sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder, por sua iniciativa, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Compulsado a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que o Exmo. Juiz fundamentou a sua resposta sobre tal matéria nos seguintes termos: “A convicção do Tribunal assenta na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e na documentação junta aos autos, nos termos em seguida indicados. (…) A actual condição da requerente foi esclarecida por aquela testemunha (…) e por (…), amigo do filho, sendo compatível com a sua idade, sendo ainda consonante com a declaração médica junta na audiência final. A sua idade e estado de saúde são também congruentes com o facto da mesma ter deixado de cuidar da casa e dos terrenos, cujo estado de conservação foi evidenciado pelas duas testemunhas referidas e por (…), encarregada do lar onde esteve a requerente”.
Ora, a convicção do julgador sobre a matéria de facto em questão mostra-se devidamente fundamentada não só com base na documentação clínica que refere, mas também na prova testemunhal produzida em audiência, prova esta que não foi sindicada pelos recorrentes pelo que não pode este tribunal proceder a sua reapreciação.
De todo o modo sempre se dirá que a “certidão” referida pelos recorrentes como fundamento de impugnação não constitui documento cuja prova impusesse só por si, decisão diversa.
Na verdade, ao contrário do que alega, não se trata de qualquer “relatório” elaborado no âmbito de qualquer “perícia” determinada pelo tribunal (que, mesmo assim, sempre seria de livre apreciação – artº 389º do C.C. –, conjugada com a demais prova produzida), mas apenas de uma certidão elaborada pela Srª funcionária judicial por determinação do Tribunal a fim de, no âmbito do disposto no artº 234º nº 1 do CPC, “verificar se ela se encontra numa situação de incapacidade de facto e dessa forma estaria ou não em condições de receber uma citação judicial” (cfr. fls. 59), com vista ao conhecimento da questão da incapacidade judiciária da requerente, alegada pelos recorrentes, excepção indeferida pelo despacho de fls. 80.
Assim sendo, improcedem as alegações dos recorrentes quanto a esta questão, nada havendo a alterar na decisão da 1ª instância tida por indiciariamente provada.

Quanto à providência decretada:
Nos termos do disposto no artº 384º do CPC o titular de alimentos pode requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva.
In casu a presente providência tem como suporte normativo o artº 2011º do C.C. que dispõe, no seu nº 1 que “se o alimentando tiver disposto de bens por doação, as pessoas designadas nos artigos anteriores não são obrigadas à prestação de alimentos, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meios de subsistência”, sendo que “neste caso, a obrigação alimentar recai, no todo ou em parte, sobre o donatário ou donatários, segundo a proporção do valor dos bens doados (…)” (nº 2)
Como referem P. de Lima e A. Varela “É uma obrigação acidental que só existe no caso de o necessitado ter disposto de bens por doação e de os bens doados terem podido assegurar ao doador meios de subsistência, embora não seja necessário que a situação de necessidade (lo stato bisognoso) do doador tenha resultado imediatamente da liberalidade em causa.”
Tal obrigação radica na “simples circunstância de ele ter enriquecido gratuitamente o seu património à custa de quem, entretanto, caiu em desgraça ou miséria económica” constituindo “um dever especial de gratidão imposto ao beneficiário da liberalidade, ou dever de restituição inspirado na velha ideia romanista de que nemi liberalis nisi liberatus est”. E acrescentam “(…) o donatário só responde pela obrigação alimentícia dentro do limite do valor dos bens doados pelo alimentando. (…) Se os vinculados à prestação legal só deixam de ser obrigados, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meios de subsistência e os antigos bens do doador só poderiam surtir esse efeito através dos seus rendimentos ou do produto da sua alienação, é evidente que o montante global das pensões mensais postas a cargo do donatário não pode exceder o limite do rendimento dos bens nem o produto da sua alienação.” (Código Civil Anotado, vol. V, p. 598/599)
No tocante à noção de alimentos entende-se como tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (artº 2003º do CC), devendo atribuir-se ao termo “sustento” um sentido lato nele se integrando tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida, sendo que relativamente à sua medida, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, havendo ainda na sua fixação que atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (artº 2004º do C.C.)
Cabe ainda referir que na petição inicial deve o requerente da providência alegar os factos dos quais decorre o seu direito a alimentos contra o requerido e os respeitantes à sua necessidade de alimentos, cabendo-lhe o ónus da prova dos mesmos, sendo que, nesta particular providência caberá aos requeridos, ao contrário do que pretendem os recorrentes, a alegação e prova de que o valor do bem, se alienado, não asseguraria à requerente meio de subsistência.
É que, é preciso não esquecer, nesta particular providência a obrigação de prestar alimentos é condicional e limitada pois não nasce duma relação familiar, como a obrigação alimentícia propriamente dita, mas sim do dever de justiça que a lei impõe ao beneficiário da liberalidade, dentro das forças próprias desta.
Ou seja, aqui a lei parte do princípio que, em caso de necessidade da doadora, o bem doado responde pela satisfação dessas necessidades.
In casu, tendo a doação sido efectuada com reserva de usufruto para a requerente, caberia aos requeridos alegar e provar os factos impeditivos do direito da requerente, designadamente, que o valor real do bem, resultante da sua alienação (da nua propriedade) não seria suficiente para satisfazer o montante das pensões peticionadas.
Como se refere no Ac. do STJ de 09/06/1992 “No caso de doação, o fundamento da obrigação de alimentos, radica-se em considerações de natureza patrimonial, dado que, beneficiando os donatários de bens subtraídos, no futuro, à titularidade dos parentes, não há razão para que sejam estes a suportar os encargos com a satisfação das necessidades da doadora, alimentanda, respondendo, no entanto, os donatários pelas forças dos bens doados.” (proc. 082014 in www.dgsi.pt)
O que interessa para o credor da obrigação é que os bens doados pudessem garantir meios de subsistência “se lá estivessem” no património da doadora, in casu, que poderia dispor da sua alienação (no caso a nua propriedade do bem).
Ora, ficou indiciariamente provado nos autos, que a requerente doou aos requeridos, com reserva de usufruto, o prédio misto composto de casa de habitação com dependência e terra de cultivo com área de 34.720 m2, com os valores patrimoniais estimados de € 9.430,00 e € 1.567,36, respectivamente, cujo valor real actual se desconhece.
A requerente deixou de cuidar da casa, das árvores de fruto e do terreno, que se encheu de ervas e mato, encontra-se acolhida em casa do filho adoptivo, tem 87 anos de idade, precisa de um auxílio permanente nas rotinas diárias de vestuário, alimentação, higiene e locomoção.
Recebe pensões nos valores anuais de € 2.839,56, de € 2.033,00 e de € 43,31, o que perfaz o rendimento mensal de € 409,65 (em 12 meses).
Em face de tal factualidade, afigura-se correcta a ponderação que dela fez o Exmº Juiz, para concluir pela fixação dos peticionados alimentos em face da insuficiência dos rendimentos apurados da requerente e das suas específicas necessidades, e bem assim da constatação de que o produto da alienação desses bens, caso ainda estivessem na sua esfera jurídica, permitiria acautelar as suas necessidades alimentares.
Daí que se subscreva a conclusão da decisão recorrida de que “(…) considerando os factores referidos – nomeadamente, as necessidades da requerente (por referência aos seus próprios rendimentos – que perfazem € 409,65 mensais – e ao montante que se estima ser suficiente para, somados a esses rendimentos, acautelar o seu sustento, calculado, neste momento e perante os elementos disponíveis, pelo mínimo de uma sobrevivência condigna) e o valor indiciado dos bens doados (€ 10.997,36), os quais se encontram na disponibilidade dos requeridos (ainda que apenas a nua propriedade), afigura-se razoável impor a estes o pagamento à requerente do montante mensal de € 250,00, a título de alimentos provisórios”.
Na verdade, afigura-se que, de acordo com o senso comum, o montante das pensões auferidas pela requerente são manifestamente insuficientes para fazer face não só às despesas necessárias à sua subsistência, mas também às específicas despesas decorrentes da necessidade de um auxílio permanente nas rotinas diárias e bem assim das demais decorrentes da sua avançada idade e estado de saúde.
Mostra-se, pois, adequado o montante fixado.
Relativamente ainda a este valor, cabe também referir que o conceito de alimentos provisórios alegado pelos recorrentes no sentido de que apenas “abarcam tudo aquilo que se mostre “estritamente” necessário para o efeito” que se encontrava previsto no nº 2 do artº 399º do anterior CPC, não foi transposto para o CPC vigente, no correspondente artº 384º, pelo que valem agora os critérios definidos na lei substantiva nos citados artºs 2004º e 2007º do C.C.
Por todo o exposto, improcedem, in totum, as alegações/conclusões dos recorrentes, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.

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DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 12 de Fevereiro de 2015
Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves