Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
809/09.0TTSTB.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
CASO JULGADO
EFEITOS
REMIÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – O incidente de revisão da incapacidade não produz efeitos, por virtude da alteração por ele efectuda e quanto à incapacidade do sinistrado e ao valor da pensão, em data anterior à sua dedução;
II – Os efeitos da anterior decisão, quanto à incapacidade do sinistrado e ao valor da pensão, terão que ser acatados e respeitados, por força do caso julgado, até que se inicie o incidente de revisão;
III – Por isso, a alteração da incapacidade e da pensão do sinistrado, operadas através do respectivo incidente, apenas pode produzir efeitos a partir da entrada em juízo do requerimento que deu início a esse incidente de revisão.
IV – Operada a referida remição da pensão, verificando-se qualquer das circunstâncias que conduza à alteração das prestações, não pode aquela deixar de ser tomada em conta;
V – Assim, se o sinistrado já recebeu, por virtude da remição da pensão, um determinado capital, na fixação da pensão decorrente da revisão operada não poderá deixar de ordenar-se a dedução do montante do capital de remição já recebido, correspondente à anterior incapacidade.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 809/09.0TTSTB.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
Por decisão judicial de 27 de Abril de 2012 foi a seguradora, ora recorrente, BB condenada a pagar ao sinistrado, com efeitos a 23-08-2011, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 572,80, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
Em 30 de Janeiro de 2013 a seguradora procedeu à entrega ao sinistrado do capital de remição, no montante de € 7.292,89.
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Entretanto, em 24 de Abril de 2013, veio o sinistrado requerer que se procedesse à revisão da sua incapacidade, por se ter verificado alteração da sua situação clínica.
Em 3 de Outubro de 2014 procedeu-se à realização de exame médico de revisão à sinistrado, tendo concluído que aquele era(é) portadora de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 10,5%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
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Notificada para o efeito, a seguradora não se conformou com o resultado do exame médico de revisão, tendo requerido a realização de novo exame, agora por junta médica.
E realizado este em 20 de Junho de 2016, os exmos. peritos médicos, por maioria, concluíram também que o sinistrado se encontra afectado de IPP de 10,5%, com IPATH.
No seguimento, em 21 de Outubro de 2016 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Destarte, julgo a acção procedente e em conformidade:
1) Condeno a Ré BB, a pagar ao A. CC, com efeitos a partir de 23/08/2011, a pensão anual e vitalícia de € 4.060,23, a qual actualizará automática e imediatamente, nos termos do art. 8.º n.º 1 do DL 142/99, de 30 de Abril;
2) Ao montante referido em 1), é deduzido o capital de remição já recebido de € 572,80;
3) A referida pensão anual e vitalícia será paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescendo os subsídios de férias e de Natal, no valor cada um de 1/14 da pensão anual, pagos, respectivamente, nos meses de Maio e de Novembro – art. 51.º n.ºs 1 e 2 do DL 143/99, de 30 de Abril.
4) Pagará a Ré, ainda, juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde o momento em que deveria ter pago cada uma das prestações já vencidas e até integral pagamento.
5) Mais se condena a Ré Seguradora a pagar ao A., por uma única vez, a quantia de € 4.047,89, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde 23/08/2011 e até integral pagamento.
Valor da acção: - 14.802,62. Custas da acção pela Seguradora, incluindo emolumentos aos Srs. peritos médicos.
Registe, notifique e cumpra o art. 137.º do CPTrabalho».
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Inconformada com o assim decidido, a seguradora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as conclusões que se transcrevem:
«A – A recorrente não se conforma com a douta decisão com a referência 82258437, na parte em que a mesma faz retroagir à data da alta inicial do sinistrado – 22/08/2011 – o grau de incapacidade fixado no âmbito do incidente de revisão e, consequentemente, condena a seguradora a pagar àquele a pensão anual e vitalícia de € 4.060,23 com efeitos a partir de 23/08/2011.
B – De igual modo que não se conforma que ao novo montante da pensão anual seja deduzido tão só o montante de € 572,80.
C – Por sentença proferida nos autos em 27/04/2012 a fls. 223, transitada em julgado, tendo por base a IPP de 10,5% e a data da alta de 22/08/2011, foi decidido condenar a R. BB, a pagar ao sinistrado CC, com efeitos a partir de 23/08/2011, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 572,80.
D – O capital de remição, no montante de € 7.292,89 (sete mil duzentos e noventa e dois euros e oitenta e nove cêntimos) foi pago em 30 de Janeiro de 2013, com consta de fls. 272.
E – Em 24 de Abril de 2013 o sinistrado veio requerer a revisão da incapacidade, invocando que “voltou a ter dores e falta de força no braço direito”.
F – Ao decidir agora, no âmbito do incidente de revisão, fazer retroagir os efeitos da revisão da incapacidade à data de início da pensão inicial, o meritíssimo juiz a quo violou os efeitos do caso julgado anterior.
G – É certo que os efeitos desse caso julgado podem ser alterados em incidente de revisão da incapacidade, mas, como se decidiu no douto Acórdão da Relação de Évora de 30-03-2016, proferido no processo nº 515/06.7TTPTM-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, “(…) essa alteração não poderá reportar-se a momento anterior à própria dedução em juízo de tal incidente, porque até então prevaleceu sempre a anterior sentença, e os respetivos efeitos. Será essa, de resto, uma natural exigência da certeza do direito e da confiança que deve estar inerente às relações jurídicas.”
H – E como a este propósito decidiu também a Relação de Évora em Acórdão de 07-01-2016 no processo nº 92/11TTPTM, disponível no mesmo sítio da internet, “A entender-se de outro modo, ou seja, que os efeitos de revisão da incapacidade pudessem retroagir a data anterior à da entrada do requerimento de revisão da incapacidade, estava encontrada uma forma de, por via oblíqua, permitir que se destruísse qualquer efeito da decisão anterior, rectius a incapacidade e a pensão fixadas anteriormente e, assim, por essa via, que se destruísse o efeito do caso julgado dessa decisão, que se manteve consolidada na ordem jurídica até que, em conformidade com o prescrito na lei, foi pedida a sua alteração (por via do referido incidente).”
I – Ou, como foi decidido no Acórdão da Relação de Évora de 29-05-2007, no processo nº 784/07-3, igualmente disponível em www.dgsi.pt: “o incidente de revisão não pode ter como finalidade a correcção de um juízo anterior, pelo que os efeitos da revisão da incapacidade nunca se poderiam reportar a data anterior à entrada em juízo do respectivo requerimento. (…)
Assim, no caso concreto dos autos a pensão é devida ao sinistrado a partir da data em que foi requerida a revisão, ou seja, …, e não, como consta da decisão recorrida, desde o dia seguinte ao da alta inicial, …”
J – Revertendo para o caso sub judicio, tendo o incidente de revisão da incapacidade tido início em 24 de Abril de 2013, data em que o sinistrado veio requerer essa revisão, o Tribunal apenas poderia fixar a data de início da nova pensão devida ao sinistrado em 24/04/2013.
K – Ao fixar a data de início da pensão correspondente à nova incapacidade precisamente na mesma data em que havia sido fixada, por sentença anterior transitada em julgado, a pensão inicial, a douta decisão recorrida violou o caso julgado fixado na decisão de 27/04/2012, constante de fls. 223.
L – Ademais, como consta de fls. 272, o capital de remição já recebido pelo sinistrado foi do montante de € 7.292,89 (sete mil duzentos e noventa e dois euros e oitenta e nove cêntimos) e não do montante de € 572,80.
M – Pelo que deve ser decidido que ao montante da pensão anual de € 4.060,23, devida a partir de 24/04/2013, deve ser deduzido o capital de remição já recebido de € 7.292,89.
N – A douta decisão recorrida violou, pois, o disposto nos Artigos 259º e 619º do C. P. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida que a pensão anual e vitalícia de € 4.060,23 é devida a partir de 24 de Abril de 2013, devendo à mesma ser deduzido o capital de remição já recebido pelo sinistrado no montante de € 7.292,89, assim se fazendo JUSTIÇA».
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O recorrido, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
1. A douta sentença procede ao apuramento correcto do valor da pensão devida, fazendo uma correcta aplicação da Lei;
2. À pensão fixada, como refere o Mmº Juiz deve ser abatida pensão já remida, sendo que para efeitos de cálculo da pensão é relevante o dia seguinte ao da alta.
3. A pensão anual e vitalícia ora fixada e o subsídio de elevada incapacidade, este pago de uma só vez, são devidos desde a data do pedido de revisão.
Somos assim de parecer que deverá ser mantida a douta sentença, e a nova pensão, retroactivos, o subsídio de levada incapacidade e juros de mora deverá ser com efeitos a data do pedido de revisão – 24 de Abril de 2013.
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Remetidos os autos a este tribunal e aqui distribuídos em 06-02-2017, não havendo lugar ao cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho – uma vez que o Ministério Público patrocina o sinistrado/recorrido – foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos e, com a anuência dos mesmos, foram dispensados os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 3 e artigo 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso as questões trazidas à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1. a partir de que data é devida a pensão revista: se, como se decidiu na sentença recorrida, a partir de 23-08-2011, dia seguinte ao da alta, ou se a partir de 24-04-2013, data da entrada do requerimento a pedir a revisão da pensão, como sustenta a recorrente;
2. se, como sustenta a recorrente, na nova pensão deve deduzir-se o montante que o sinistrado já recebeu de remição da pensão anteriormente fixada, ou se deve apenas deduzir-se o montante de € 572,80, como decidiu a sentença recorrida.
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Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
a) O sinistrado CC, nascido a 29/11/1957, foi vítima de um acidente, em 22/07/2009, quando prestava serviço sob as ordens, direcção e fiscalização de DD, do qual resultaram as lesões descritas nos autos;
b) A responsabilidade da entidade patronal emergente de acidente de trabalho encontrava-se então integralmente transferida para a R. BB;
c) O sinistrado em 24 de Abril de 2013 veio requerer a revisão da incapacidade, porque “voltou a ter dores e falta de força no braço direito”;
d) Em 03 de Outubro de 2014, o exame médico de revisão, efectuado pelo GML/setúbal fixou ao sinistrado uma IPP em 10,5%, com IPATH;
e) A Seguradora BB, requereu a realização de exame por junta médica e juntou quesitos;
f) Realizada a Junta Médica, por maioria “confirmou a IPP atribuídade 10,5%, com a aplicação da IPATH”.

Para além destes factos, importa ainda acrescentar os seguintes factos, que já resultam do relatório supra e se encontram documentalmente provados:
g) Por decisão judicial de 27-04-2012, transitada em julgado, foi a seguradora, ora recorrente, condenada a pagar ao sinistrado, com efeitos a 23-08-2011, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 572,80, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento;
h) Em 30-04-2013 foi pela seguradora entregue ao sinistrado o capital de remição de € 7.292,89, decorrente da remição da referida pensão.
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III. Fundamentação
1. Da data a partir da qual é devida a pensão revista
Importa antes de mais deixar assinalado que o caso em apreciação se encontra submetido à disciplina infortunística prevista na Lei n.º 100/97, de 13-09 (doravante designada de LAT), que regulamenta o regime da reparação dos acidentes de trabalho, bem como no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04, que regulamenta aquela lei (RLAT), face ao disposto no artigo 41.º da referida LAT, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22-09 e com o artigo 188.º, este a contrario, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que aprovou o novo regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
No essencial, e com relevância para a decisão, verifica-se que o sinistrado, aqui recorrido, sofreu um acidente de trabalho no dia 22 de Julho de 2009, que por sentença judicial foi a seguradora/recorrente condenada a pagar ao sinistrado, com efeitos a 23-08-2011, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 572,80, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, tendo nessa conformidade pago em 30-04-2013 o capital de remição de € 7.292,89.
Entretanto, tendo em 24 de Abril de 2013 o sinistrado requerido exame médico de revisão, por decisão de 21 de Outubro de 2016 foi fixada ao sinistrado a IPP de 10,5%, com IPATH, e a seguradora condenada a pagar-lhe, com efeitos a partir de 23-08-2011, a pensão anual e vitalícia de € 4.060,23, à qual será deduzido o capital de remição já recebido de € 572,80.
Na fundamentação da sentença afirma-se, além do mais, que o sinistrado apresenta alterações da sua situação clínica, que se verificam desde o dia seguinte ao da alta, ocorrida em 22-08-2011, deduzindo-se ser essa a justificação do tribunal a quo para entender ser devida desde aquele dia a pensão alterada.
Adiante-se desde já que assim não entendemos.
Sobre a questão da data a partir da qual é devida a pensão alterada já se pronunciou este tribunal, designadamente nos acórdãos de 07-01-2016 (Proc. n.º 92/11.7TTPTM-A.E1) e de 30-03-2016 (Proc. n.º 515/06.7TTPTM-A.E1), acórdãos esses também convocados pela recorrente e que se encontram disponíveis em www.dgsi.pt.
Escreveu-se no referido acórdão de 07-01-2016, também relatado pelo ora relator e em que interveio como 1.º adjunto o também aqui 1.º adjunto:
«Por decisão transitada em julgado foi a sinistrada considerada afectada de uma incapacidade permanente absoluta desde 06-08-2012.
Transitada em julgado a decisão, tal significa que a decisão sobre a relação material controvertida ficou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (artigo 671.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 619.º do actual Código de Processo Civil).
Como assinala Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 708), através do caso julgado exige-se, essencialmente, que os tribunais respeitem ou acatem a decisão, não a julgando a questão de novo.
Porém, no âmbito dos acidentes de trabalho, de forma a adaptar o valor da pensão às sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado, permite-se que se proceda à revisão da incapacidade ou da pensão.
Tal possibilidade, bem como os requisitos para a revisão encontram-se expressamente previstos nos artigos 145.º a 147.º do Código de Processo do Trabalho e no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT).
Assim, não obstante a anterior decisão, transitada em julgado, quanto à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão, o mesmo é dizer não obstante a força do caso julgado, essa decisão pode ser alterada desde que circunstâncias supervenientes justifiquem essa modificação.
Porém, a alteração posterior terá que se iniciar através de um incidente próprio, de revisão: é com o requerimento apresentado pelo sinistrado ou pelo responsável que se dá início à instância.
Ou seja, e tendo presente o disposto no artigo 267.º do anterior Código de Processo Civil, a que correspondente o artigo 259.º do actual Código de Processo Civil, a instância de revisão da incapacidade inicia-se com a propositura do respectivo incidente, que se considera proposto na data da entrada do requerimento em juízo, in casu em 22-07-2013.
Até essa data, mantém-se a decisão anteriormente proferida, maxime no que à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão diz respeito.
E esse incidente de revisão não poderá servir, diremos até obviamente, para afastar os efeitos da anterior decisão até aí produzidos.
Isto é, e dito de forma directa: não poderá o incidente de revisão da incapacidade deduzido pela seguradora servir para produzir efeitos quanto à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão em data anterior à sua dedução; os efeitos da anterior decisão, quanto à incapacidade do sinistrado e ao valor da pensão, terão que ser acatados e respeitados, por força do caso julgado, até que se inicie o incidente de revisão.
Como assertivamente se escreveu no acórdão deste tribunal de 29-07-2007 (Proc. n.º 784/07-3, disponível em www.dgsi.pt), também convocado pela recorrente, «(…) o incidente de revisão não pode ter como finalidade a correcção de um juízo anterior, pelo que os efeitos da revisão da incapacidade nunca se poderiam reportar a data anterior à entrada em juízo do respectivo requerimento.».
A entender-se de outro modo, ou seja, que os efeitos de revisão da incapacidade pudessem retroagir a data anterior à da entrada do requerimento de revisão da incapacidade, estava encontrada uma forma de, por via oblíqua, permitir que se destruísse qualquer efeito da decisão anterior, rectius a incapacidade e a pensão fixadas anteriormente e, assim, por essa via, que se destruísse o efeito do caso julgado dessa decisão, que se manteve consolidada na ordem jurídica até que, em conformidade com o prescrito na lei, foi pedida a sua alteração (por via do referido incidente).
Por isso, não podemos acompanhar a decisão recorrida, que determinou que a alteração da revisão da incapacidade e da pensão produzisse efeitos desde 06-09-2012, apenas podendo produzir efeitos, como bem sustenta a recorrente, a partir do início do incidente de revisão, ou seja, a partir de 22-07-2013».
O entendimento que se se deixou expresso na transcrita passagem é transponível, mutatis mutandis, para os presentes autos.
Assim, a pensão por acidente de trabalho inicialmente fixada (por sentença judicial de 27-04-2012) mantém-se até à data em que foi requerida a sua revisão pelo sinistrado, em 24 de Abril de 2013, pelo que só a partir desta data é devida a pensão revista.
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso, pelo que é de revogar, na parte em questão, a decisão recorrida.
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2. Quanto à dedução na pensão revista do valor anteriormente pago
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 25.º da LAT, quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhorias da lesão ou doença que deu origem à reparação, as prestações podem ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração modificada.
Isto não obstante a pensão já poder estar remida, como resulta claramente do artigo 58.º, alínea b), do referido regulamento e sucede no caso em apreciação.
Importa ter presente que com a “Revisão das prestações”, expressão constante da epígrafe do artigo 25.º, o que se revê é a incapacidade do sinistrado, embora esta, reflexamente, venha a afectar a pensão anteriormente fixada.
Estando sempre em causa o acidente de trabalho ocorrido em determinada data, e nada mais sendo as “Revisões das prestações” que revisões da incapacidade sofrida, as regras substantivas para apreciação destas terão que ser as que vigoravam à data do acidente: no caso, como se deixou afirmado, as que resultam da Lei n.º 100/97 e respectivo regulamento (normalmente designadas de LAT e RLAT).
Ou seja, e dito de outro modo: a revisão da pensão reveste a natureza jurídica de acto modificativo da pensão anteriormente fixada e ao se atender ao agravamento, recidiva, etc., está-se de igual modo a tratar da incapacidade resultante do acidente de trabalho, embora agora em grau diferente.
E, mantendo-se a incapacidade, embora em grau diferente, também a pensão a estabelecer após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão actualizada no seu quantum, tendo em conta a alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado.

No caso, tendo em conta a anterior incapacidade, a pensão já havia sido remida.
Por isso, pergunta-se: como calcular então a pensão devida ao sinistrado, face à alteração de incapacidade?
A remição da pensão visa, ao fim e ao resto, que a pensão fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional possa converter-se em capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a permitida pela mera percepção de uma renda anual (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2002, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º Volume, pág. 313 a 321).
Operada a remição da pensão e entregue o capital ao sinistrado, tal não afecta seja o direito às prestações em espécie, seja o direito do sinistrado requerer a revisão da pensão, seja a actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante da revisão de pensão, nos termos da lei [artigo 58.º, alíneas a), b) e d), da RLAT].
A remição da pensão corresponde – através da entrega do respectivo capital, calculado em função da base técnica aplicável fixada – à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo da vida.
E, como é bom de ver, a pensão já remida, ainda que se verifique qualquer um das circunstâncias referidas que conduzam à alteração da incapacidade, e da respectiva pensão, não pode deixar de ser tomada em conta na fixação desta.
Ora, se o sinistrado já recebeu, por virtude da remição da pensão um determinado capital, na fixação da pensão por virtude da revisão operada não poderá deixar de ter-se em conta o montante da pensão já paga, correspondente a essa anterior incapacidade.
E isto quer a pensão fixada por virtude da revisão seja ou não passível de remição, quer até de uma IPP do sinistrado se passe para uma IPATH, pois não se vislumbra que se justifique qualquer diferença de tratamento.
Se, como se afirmou, o sinistrado recebeu o capital correspondente a um grau de incapacidade até ao termo da vida, capital esse de que passou a dispor como bem entendeu, na alteração da pensão por virtude da sua revisão não poderá deixar de se abater anualmente o montante da pensão já paga e que serviu de base ao cálculo da remição.
Aliás, esta mesma interpretação parece ser a que se mostra mais conforme com o que dispõe a alínea d) do artigo 58.º do RLAT, ao estabelecer que a remição não prejudica a actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou a que resulta da revisão da pensão: se o legislador pretendesse que a actualização fosse pela totalidade da pensão, independentemente da pensão já remida, não estabeleceria que a actualização seria do remanescente no caso de remição parcial, ou do que resultar da revisão da pensão.
Deste modo, tendo em conta que a pensão devida ao sinistrado em virtude da revisão da incapacidade seria de € 4.060,23, tendo já havido lugar à remição da pensão anual anteriormente fixada no montante de € 572,80, pela seguradora/recorrente apenas é devida a diferença entre a pensão que resulta da incapacidade actual e a pensão (remida) que resulta da incapacidade anteriormente fixada, ou seja, € 3.487,43 (€ 4.060,23 - € 572,80).
Procedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto por BB, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que decidiu que:
1. a alteração da incapacidade e da pensão daquela produz efeitos a partir de 23-08-2011 [n.º 1) da parte decisória da sentença], que se substitui pela decisão no sentido de que a referida alteração da incapacidade e da pensão produz efeitos e é devida a partir da data da entrada em juízo do requerimento do sinistrado a pedir a revisão da incapacidade, ou seja, a partir de 24-04-2013;
2. ao montante da pensão revista é deduzido o capital de remição já recebido de € 572,80 [n.º 2. da parte decisória da sentença], que se substitui pela decisão no sentido de que ao montante da pensão anual revista de € 4.060,23 é deduzido o montante da pensão anual anteriormente fixada, já remida, de € 572,80, pelo que o valor da pensão anual devida pela seguradora a partir de 24-04-2013 é de € 3.487,43.
Quanto ao mais mantém-se a decisão recorrida que, de resto, não era objecto de recurso.
Sem custas, atenta a isenção de que goza o recorrido [fls. 297 dos autos e artigo 527.º do CPC e artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do RCP].
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Évora, 02 de Março de 2017
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva