Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1055/19.0T8STR.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
COMUNHÃO CONJUGAL
Data do Acordão: 02/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Dada a importância atualmente atribuída aos afetos para o bem-estar das pessoas, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento, os cônjuges não devem ser obrigados a manter o vínculo a qualquer preço.
2 - E sempre que a modalidade do mútuo acordo não seja possível e não haja consentimento de uma das partes, a lei procura assentar em causas objetivas a demonstração da rutura da vida em comum e a vontade de não a continuar.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1055/19.0T8STR.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Família e Menores de Tomar - Juiz 2) (…) instaurou contra (…) ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedindo se decrete o divórcio entre ambos.
Como sustentação do peticionado, alega, em síntese:
- A. e R. contraíram casamento recíproco em 3 de Setembro de 1994;
- Presentemente, apesar de viverem na mesma casa há vários anos que não existe comunhão de vida entre ambos;
- O R. destituiu a autora da gerência da empresa, da qual são sócios, retirou-lhe ordenado, cancelou os seus cartões, relativos à empresa e levantou saldos das contas bancárias, deixando-a, em consequência, sem meios económicos para sustentar a família.
Realizou-se tentativa de conciliação, não se tendo logrado uma reconciliação ou um acordo para o divórcio por mútuo consentimento.
Em contestação, o R. afirmou que o casal vive na mesma casa e fazem vida normal, assegura todas as despesas do agregado familiar e entrega € 400,00 à A. todos os meses.
Procedeu-se a audiência final, sendo proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, decretou a dissolução do casamento entre autora e réu.

Não se conformando com a decisão, foi interposto pelo réu o presente recurso de apelação no qual apresentou alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se passam a transcrever:
A - Os factos dados como provados são insuficientes para decretar o divórcio entre as partes;
B - Para preenchimento da cláusula geral da alínea d) do artigo 1781º do Código Civil, é necessário que os factos apurados sejam graves, de forma reiterada e que só por si sejam impeditivos da vida em comum;
C - A destituição de gerência e a oferta de um contrato de trabalho não são demonstrativos de qualquer falta de confiança entre o casal, nem se apurou em concreto a que se deveu, sendo que o Juiz a quo acrescentou a interpretação sem apoio em qualquer facto provado ou instrumental.
D - Houve violação da interpretação do artigo 1781º do Código Civil, que devia ser interpretado no sentido de ser considerada uma exigência maior dos factos provados demonstrativos da rutura da vida em comum.
E - Os factos provados que só por si seriam motivo de divórcio, a falta de coabitação de cama e mesa, não podem operar por não ter decorrido o prazo de um ano imposto por Lei.
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Foram apresentadas contra-alegações, nelas se pugnando pela confirmação do julgado.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão essencial a apreciar circunscreve-se à verificação da existência de pressupostos para o decretamento do divórcio entre autora e ré.

Na 1ª instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 3 de Setembro de 1994, A. e R. casaram entre si, sem convenção antenupcial;
2) Desde pelo menos Janeiro de 2018 que A. e R. vivem na mesma casa, mas não dormem no mesmo quarto, por recusa daquela em fazê-lo;
3) Pelo menos desde Novembro de 2018 que A. e R. não fazem refeições juntos;
4) Pelo menos desde Janeiro de 2018 que a A. não pretende restabelecer uma comunhão de vida com o R.;
5) Em 5 de Novembro de 2018, a A. foi destituída da gerência da sociedade (…), Unipessoal, Lda.
6) Nessa altura, a A. viu cancelados os cartões bancários que detinha associados a contas bancárias desta empresa;
7) Nessa altura, o R. apresentou à A. um contrato de trabalho por 6 meses para funções de caixeira na loja explorada pela empresa, o que esta recusou;
8) A partir de 5 Novembro de 2018, a A. deixou de ter fundos nas contas bancárias co-tituladas pelo casal;
9) O R. suporta todas as despesas com a prestação de crédito bancária da casa e água, eletricidade, gás, telefone e internet desta;
10) Bem como as despesas com os filhos e a escola destes;
11) E entrega à R. todos os meses a quantia de € 400,00;
12) Em Fevereiro de 2019, o R. apenas entregou à A. a quantia de € 400,00;
13) A A. tem conta bancária apenas por si titulada;
14) A A. usa carros da empresa acima referida;
15) E vai de férias apenas com os filhos;
16) Esta ação foi intentada em 10-04-2019.

Foram considerados não provados os seguintes factos:
1. Desde pelo Janeiro de 2018 que o R. impede a A. de entrar no estabelecimento comercial explorado pela sociedade comercial de ambos;
2. A partir de 5 de Novembro de 2018, a R. deixou de receber remuneração pela função de gerente.

Conhecendo da questão
A questão essencial que se coloca é a de saber se há fundamento para ser decretado o divórcio por rutura definitiva do casamento entre autora e réu.
Estamos em contexto de divórcio sem consentimento, na terminologia da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, cuja disciplina de direito material se contém, primordialmente e ao que mais aqui importa, nos artºs 1773º, nº 3, 1781º, 1782º e 1785º, todos do C. Civil, na redação dada pela referida lei.
O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artº 1781º (artº 1773, nºs 1 e 3, do CC).
São fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, inerentes à rutura do casamento, a separação de facto por um ano consecutivo (a); a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum (b); a ausência, sem que do ausente haja noticias, por tempo não inferior a um ano (c); quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento (d) – artº 1781º, do C Civil.
Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artº 1781º, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer – artº 1782º, do C. Civil.
O atual regime jurídico do divórcio, instituído pela Lei nº 61/2008, de 31/10, afastou/eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, e veio a alargar os fundamentos objetivos da rutura conjugal, baseado, sobretudo, no entendimento de que é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges e que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efetivar.
Dada a importância atualmente atribuída aos afetos para o bem-estar das pessoas, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento os cônjuges não devem ser obrigados a manter o vínculo a qualquer preço.
E sempre que a modalidade do mútuo acordo não seja possível e não haja consentimento de uma das partes, a lei procura assentar em causas objetivas a demonstração da rutura da vida em comum e a vontade de não a continuar.
Assim, eliminada a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais (divórcio-sanção), considerada, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos, o cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado (divórcio rutura), por causas objetivas, designadamente a separação de facto.
Com o regime atualmente vigente foram encurtados para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
Contudo, porque com o sistema do (divórcio rutura) se pretende reconhecer os casos em que o vinculo matrimonial se perdeu independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento.
Daí ter sido acrescentada uma cláusula geral dando relevância a outros factos que mostram claramente a rutura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo (alínea d) do artº 1781º, do CC).
No caso dos presentes autos, a autora, pediu o decretamento do divórcio contra o réu com fundamento no disposto nos artºs 1781º e 1782º, do C. Civil, ou seja, a separação de facto, consubstanciada no facto de não partilharem cama e mesa há vários anos e o propósito firme de não restabelecer a comunhão de vida com o réu.
O Tribunal recorrido, entendeu que os factos provados permitem considerar verificado o fundamento a que alude o artº 1781º, alínea d), do C. Civil, expressa na seguinte motivação:
No caso em apreço, apurou-se, de relevante, que: desde pelo menos Janeiro de 2018 que A. e R. vivem na mesma casa, mas não dormem no mesmo quarto, por recusa daquela em fazê-lo; que pelo menos desde Novembro de 2018 que A. e R. não fazem refeições juntos; que pelo menos desde Janeiro de 2018 que a A. não pretende restabelecer uma comunhão de vida com o R.; e que em 5 de Novembro de 2018, a A. foi destituída da gerência da sociedade (…), Unipessoal, Lda. e nessa altura o R. apresentou à A. um contrato de trabalho por 6 meses para funções de caixeira na loja explorada pela empresa, o que esta recusou.
Os factos de que não dormem no mesmo leito e de que não fazerem refeições juntos aponta para uma falta de uma comunhão de vida entre as aqui partes. O R. não logrou demonstrar matéria suscetível de os desvalorizar, enquanto claros sinais de separação. Como tal, apenas se pode concluir pela ausência daquela comunhão (vide ac. TRL de 21-02-2019, acima referido).
Além disso, a própria circunstância da retirada à A. do cargo de gerência da sociedade, de que o marido (R.) era sócio único, aliada à apresentação, pelo R., de um contrato de trabalho, por 6 meses, para funções de caixeira na loja explorada pela empresa, indicia fortemente uma quebra na comunhão de interesses do casal e no seu plano de vida em igualdade, como até aí vigorava, e era pressuposto pelo próprio casamento. Por outro lado, tentar transformar a esposa, até aí “patroa”, numa empregada de balcão, a par com as demais funcionárias, representa uma desconsideração, atentatória do respeito que é devido ao cônjuge. Também neste particular o R. não demonstrou matéria apta a comprometer este sinal de rutura.
A ausência de comunhão de leito e de mesa persiste desde, respetivamente, pelo menos Janeiro de 2018 e Novembro de 2018, sendo propósito da A. não restabelecer esta comunhão desde Janeiro de 2018. Trata-se de uma cessação de cariz duradouro, que face ao elemento subjetivo que o acompanha, dá nota clara da irreversibilidade da quebra da comunhão conjugal.
A inexistência da comunhão conjugal, constatada objetivamente, durante certo período, é fundamento suficiente para o divórcio enquadrado na cláusula geral do artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil, o que é perfeitamente coerente com a conceção do casamento como plena comunhão de vida (vide, mais uma vez, Ac.TRL de 21-02-2019, acima referido) (…)
Temos, pois, que deve proceder o pedido, tendo por base o preenchimento da cláusula geral acima referida, com o consequente decretar do divórcio entre as partes.
Não obstante o Julgador “a quo” ter posto em evidência a rutura da vida conjugal fazendo integrar a realidade factual apurada na al. d) do artº 1781º do CC, é nossa convicção que a tal realidade factual permite concluir pela verificação de uma situação de separação de facto por mais de um ano consecutivo, o que possibilita, desde logo, a inserção na causa de divórcio a que se alude na al. a) do referido artigo, descartando, por isso, qualquer argumentação que o recorrente apresenta (v. conclusão E) no sentido de não estar provada a rutura do casamento assente em qualquer outro facto não caraterizado nas alíneas a) a c) do mesmo artigo.
É indiscutível que a nova lei adotou claramente a ideia do divórcio-consumação ou divórcio-falência, ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na rutura definitiva do casamento.
E também não sofre discussão que a previsão mencionada na alínea d) não comporta o pedido de divórcio apenas por vontade unilateral e infundamentado de um dos cônjuges, tendo de estar demonstrados factos que consubstanciem à luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre elas.
Assim, o preenchimento do conceito indeterminado de “rutura definitiva do casamento” implica que não se esteja perante factos banais e esporádicos, mas é suficiente que se esteja perante factos que demonstrem o comprometimento consolidado da vida em comum, permitindo a lei que o causador dessa rutura possa pedir com base nesses factos o divórcio. (cfr. Ac. da RP de 14/02/2013, proc. 999/11.1TMPRT.P1, in www.dgsi.pt).
Acompanhando o que se escreveu no Acórdão do STJ de 09/02/2012, no proc.819/09.7TMPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt., diremos que “efetivamente, a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo moderno de casamento, por contraposição ao seu modelo tradicional, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação afetiva, o verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal” ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vinculo matrimonial quando independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum”.
Na sentença recorrida não se referiu expressamente que a factualidade provada integrava a previsão da alínea a) do artº 1781º do C. Civil, não obstante se ter feito menção de que “a circunstância de viverem na mesma casa não impede, só por si, que se verifique uma separação de facto, pois o que releva é se existe, em concreto, uma comunhão de vida entre os cônjuges (Ac. TRL de 21-02-2019, Rel. Pedro Martins, dgsi.pt)”.
No entanto, como afirmámos, essa separação por mais de um ano consecutivo, à data da propositura da ação (10/04/2019), existe, uma vez que não obstante as partes viverem na mesma casa, o certo é que pelo menos desde Janeiro de 2018 que não dormem no mesmo quarto, por recusa da autora em fazê-lo, que também desde essa data não pretende restabelecer uma comunhão de vida com o réu, tendo, também, pelo menos desde Novembro de 2018, ambos, deixado de fazer refeições juntos. O facto de deliberadamente a autora a partir de certo momento se recusar a dormir no mesmo quarto com o réu e de a partir daí não mais pretender restabelecer a comunhão de vida com ele é revelador da inexistência de comunhão de vida entre ambos, quer no aspeto objetivo, traduzido na não comunhão reiterada do leito, quer no aspeto subjetivo da parte do cônjuge mulher, traduzido na firme intenção de não restabelecer a comunhão, tal como foi dado como provado, situação, que à data da propositura da ação, já existia há mais de um ano.
Mas mesmo, que não se verificasse uma situação de separação de facto por mais de um ano consecutivo, diremos que em face de todo o quadro factual se justifica o entendimento que o Julgador “a quo” fez da situação e a respetiva integração na al. d) do artº 1781º do CC.
Pois, nesta perspetiva a questão que se coloca é a de saber se a rutura definitiva do casamento a que se alude na referida al. d) pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, designadamente de factos passiveis de integrar as previsões das alíneas a) a c) do referido normativo em interligação com outros.
Numa visão formalista podíamos ser tentados a considerar que tendo os factos sido alegados para integrarem a previsão da alínea a) do artº 1781º (separação de facto há mais de um ano) e não se provando integralmente essa factualidade, designadamente por não se ter demonstrado a separação com essa duração, estava afastada a possibilidade dessa factualidade ser considerada para integrar a previsão da alínea d) do mesmo artigo.
No entanto, funcionando a alínea d) como uma “cláusula geral”, entendemos que não se justifica uma interpretação que comporte essa exclusão.
Para se aferir se existe ou não uma rutura do casamento, o que é relevante é que os factos provados sejam graves e reiterados e demonstrativos que objetivamente e com caracter definitivo deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
Quando essa separação tem a duração de um ano consecutivo, o legislador presume iruis et de iure que a rutura definitiva do casamento se consumou, não sendo necessário provar outros factos mas da não prova do decurso desse prazo não se pode tirar a ilação oposta, ou seja, que não há rutura definitiva (cfr o citado Ac. da RP de 14/02/2013).
No caso em apreço tendo em conta os fundamentos explicitados pelo Julgador “a quo”, reproduzidos supra e o facto de a autora não ter qualquer propósito de restabelecer a vida com o réu, devemos concluir pela falência do casamento, aliás, na linha de pensamento do Projeto de Lei nº 509/X, que na respetiva Exposição de Motivos, refere expressamente que, de acordo “com o princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade, incluindo quando considerar que houve quebra do laço afetivo”.
Verificamos, que a situação de pelo menos desde Janeiro de 2018 não dormirem os cônjuges no mesmo quarto, por recusa da autora em fazê-lo, que também desde essa data não pretende restabelecer uma comunhão de vida com o réu, tendo, também, pelo menos desde Novembro de 2018 deixado de fazer refeições juntos, mesmo que se considerasse, que tal quadro factual, não integrava o fundamento autónomo de divórcio aludido na al. a) do artº 1781º do CC, não podia deixar de relevar em conjunto com a atuação do réu no que concerne à situação de retirar a autora da gerência da sociedade da qual ambos são sócios, cancelando-lhe os cartões bancários que detinha associados a contas bancárias da sociedade, exigindo a sua passagem à situação de mera empregada, “despromovendo-a” é desprestigiante e demonstrativa da falta de consideração e respeito que aquele devota a esta, o que, tudo conjugado, conduz a que estejamos perante uma reiterada violação do dever de coabitação em todas as suas vertentes, ressaltando indubitavelmente que os cônjuges deixaram de assumir em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram, comprometendo a continuidade da vida em comum.
Além disso, havendo por parte da autora uma vontade irreversível de colocar um fim ao seu casamento, celebrado há mais de 24 anos, perante a factualidade provada podemos concluir que se encontra definitivamente comprometida e sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum entre a autora e réu, deixando o casamento de constituir o centro da realização pessoal da autora e que deixou de haver afeto entre os cônjuges, sentimento a valorar em termos de reciprocidade.
Assim, mesmo que não se tivesse por preenchido o requisito da separação de facto por mais de um ano, sempre teríamos de concluir que a comunhão de vida entre a autora e o réu estava posta em crise de forma definitiva, com quebra dos laços afetivos e, por conseguinte, estaríamos perante uma situação de rutura definitiva do casamento e não perante um pedido de divórcio por vontade unilateral discricionária da autora, tendo-se assim, também, por demonstrado o fundamento de divórcio do artº 1781º, alínea d), do Código Civil, como foi entendido pelo Julgador “a quo”.
Nestes termos, irrelevam as conclusões do recorrente sendo de confirmar a sentença recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação interposta pelo réu e, em consequência, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas de parte pelo apelante.
Évora, 27 de Fevereiro de 2020
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes