Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
801/10.1PBSTR.E1
Relator: ALBERTO JOÃO BORGES
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DO ARGUIDO
PROVA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
CONDIÇÕES PESSOAIS DO ARGUIDO
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – Estando o arguido notificado para julgamento e não considerando o tribunal absolutamente indispensável a presença do arguido para a descoberta da verdade material, pode a audiência de julgamento prosseguir até final, sem que o tribunal tenha de tomar quaisquer medidas para assegurar a presença daquele.

II - Não colide com as regras da experiência que o ofendido tenha saltado da carrinha onde era transportado contra a sua vontade, aproveitando-se de uma distração do recorrente, numa altura em que aquela estava parada num semáforo.

III – Tendo o tribunal usado dos mecanismos possíveis - que as circunstâncias impunham, de acordo com os critérios da razoabilidade – para averiguar das condições pessoais do arguido e sua inserção sócio profissional, como os autos nos dão conta, sem êxito, não se impunha que o tribunal devesse ir mais além na procura da situação sócio económica do arguido e das suas condições pessoais, sendo certo que não o poderia forçar a prestar qualquer colaboração nesse sentido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (2.º Juízo Criminal) correu termos o Proc. Comum Coletivo n.º 801/10.1PBSTR, no qual foi julgado o arguido A., divorciado, agricultor, ...nascido em 04 de abril de 1966, ..., residente ...Vale de Cavalos, Chamusca; e

B, solteiro, operador de máquinas agrícolas, ..., nascido em 08 de abril de 1987, ... residente ...,Tremês, Santarém,---

Pela prática dos seguintes crimes:

1) Ambos os arguidos, em co-autoria material, um crime de sequestro, p. e p. pelo 158 n.º 1 do Código Penal;

2) O arguido A, em autoria material e em concurso efetivo:

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143 n.º 1 e 145 n.ºs 1 al.ª a) e 2, com referencia à al.ª h) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86 n.º 1 al.ªs c) e d), ex vi artigo 2 n.ºs 1 al.ªs p), q), s), x) e az), 2 al.ªs b) e c) e 5 al.ª g), artigo 3 n.ºs 2 al.ªs. g) e l), 5 al.ª a) e 6 al.ª c), e art.ºs 33 e 34, todos da Lei 5/2006, de 23.02.

3) O arguido B, em autoria material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86 n.º 1 al.ª d), ex vi artigo 2 n.ºs 3 al.ª p) e 5 al.ª g), artigo 3 n.ºs 2 al.ªs g) e l), 5 al.ª a) e 6 al.ª c), e art.ºs 33 e 34, todos da Lei 5/2006, de 23.02

E foram deduzidos os seguintes pedidos de indemnização civil:

1) Pelo Hospital Distrital de Santarém, que pediu a condenação do arguido A. no pagamento da quantia de 108,00 €, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral pagamento;

2) Pelo ofendido C, que pediu a condenação dos arguidos no pagamento da quantia de 2.000,00 €, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais

A final veio a decidir-se:

1) Condenar o arguido A:
- Pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
- Pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
- Pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86 n.º 1 al.ªs c) e d) e 3 n.ºs 2 al.ªs g) e l), 5 al.ª a) e 6 al.ªs a) e c), e art.ºs 33 e 34, todos da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão;
- e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro (4) anos de prisão.

2) Condenar o arguido B:

- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do Código Penal, na pena de sete (7) meses de prisão;

- Pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86 n.º 1 al.ª d) e 3 n.º 3 alínea p) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de quatro (4) meses de prisão;

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de nove (9) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

3) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por C e, em consequência, condenar solidariamente os demandados A e B. no pagamento da quantia de 600,00 € (seiscentos euros), e apenas o demandado A. a pagar-lhe a quantia de 1 200,00 € (mil e duzentos euros), título de danos morais, absolvendo-os do demais peticionado;

4) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Distrital de Santarém, EPE, e, em consequência, condenar o demandado A. a pagar-lhe a quantia de 108,00 € (cento e oito euros), acrescida dos juros de mora, contados desde a data de notificação do pedido cível ao demandado até integral e efetivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

2. Recorreu o arguido A. desse acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1 - O recorrente impugna o julgamento da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados nos pontos 5 a 20 dos factos dados como provados no douto acórdão recorrido.

2 - Das declarações do ofendido e testemunha C é notória a existência de conflitos com o arguido A. relativos ao negócio da venda de gado, assim como entra em contradição com o depoimento de outras testemunhas relativamente às lesões sofridas em virtude das agressões perpetuadas pelo arguido A., bem como à forma como conseguiu fugir de dentro do veículo do arguido A.

3 - Do depoimento da testemunha AN consta que no dia 02 de setembro de 2010 almoçou em Rio Maior com o ofendido C e com o arguido B. Esta testemunha também refere que esteve com o ofendido 2 ou 3 dias depois da ocorrência dos factos e não viu, nem no rosto, nem nos braços do ofendido, quaisquer marcas de agressão, aquele não demonstrava qualquer receio ou medo, tendo ido ter consigo à Serra, conduzindo o seu veículo automóvel. No seu depoimento refere ainda não conhecer o arguido A. nem ter assistido a quaisquer agressões perpetuadas pelo arguido A..

4 - A testemunha PB refere que não viu qualquer tipo de lesão no corpo do ofendido C, salienta que a reconstituição dos factos foi feita apenas com o ofendido. Da descrição que faz do veículo matrícula -XT levantam-se muitas dúvidas quanto à forma como ocorreu o sequestro e, posteriormente, a fuga do ofendido. Era impossível que o ofendido, atendendo às caraterísticas do veículo e ao seu posicionamento dentro do mesmo, tivesse fugido do arguido A..

5 - Não é credível que o ofendido tenha passado por cima do MA, que estava junto à porta direita, pessoa de idade avançada, coxo e que se apoiava em canadianas, e ainda assim tenha saído do veículo, que tem um metro de altura do assento ao chão, e tenha conseguido abrir uma porta, alta e pesada.

6 - Neste circunstancialismo, o recorrente põe em crise o julgamento dos pontos 5 a 20 dos factos provados do douto acórdão recorrido, no que se refere ao crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 do CP, e ao crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do CP, por não os ter praticado e também por considerar que não se fez prova dos mesmos.

7 - É manifesta, pois, a violação do disposto no artigo 127 do CPP.

8 - É certo que a prova está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127 do CPP, mas a livre convicção não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional.

9 - Impunha-se ao tribunal a quo decidir de forma diversa da que decidiu, dando como não provados os factos constantes dos pontos 5 a 20 dos factos provados, no que se refere ao crime de ofensa à integridade física e ao crime de sequestro imputados ao arguido A, e, consequentemente, absolver o recorrente.

10 - No caso em apreço verifica-se insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.

11 - A credibilidade que o tribunal a quo atribui ao depoimento do ofendido C, determinado pelo facto de este ser testemunha e estar obrigado a dizer a verdade, entra em contradição com o depoimento das testemunhas AN e PB em muitos dos factos dados como provados, pelo que tem de ser posta em causa.

12 - É manifesto que o acórdão recorrido não observou, nem as regras da experiência nem o máximo rigor, violando pois o citado art.º 127 do CPP, o que é fundamento de recurso, pois configura erro notório na apreciação da prova – art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP - e resulta de todo o supra exposto, designadamente, face à prova produzida, que outra decisão se impunha, eventualmente, a saber, a absolvição do arguido, no que respeita ao crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 do CP, e ao crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do CP.

13 - Não tendo sido feita prova do crime de ofensa à integridade física e do crime de sequestro, deverá o arguido A. ser absolvido dos pedidos cíveis formulados.

14 - Perante a prova produzida, no mínimo, colocam-se dúvidas insanáveis, dúvidas que, em decorrência do princípio in dubio pro reo – emanação do princípio de inocência ínsito no art.º 32 n.º 2 da CRP – teria que ser resolvida a favor do arguido, aqui recorrente, no que se refere ao crime de ofensa à integridade física e ao crime de sequestro, e não contra ele.

15 - Parece-nos que toda a fundamentação do acórdão ora objeto de recurso, na realidade não assenta na prova produzida, é antes consequência de uma construção, aparentemente, lógica-dedutiva.

16 - Nos presentes autos não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou os crimes de ofensa à integridade física e de sequestro, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado e quanto à culpa deste, pelo que “a sua absolvição aparece como a única atitude legítima a adotar”.

17 - Pelo exposto, o tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2 do artigo 32 da CRP.

18 - O arguido, ora recorrente, deveria ter sido absolvido, quanto ao crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 do CP, quanto ao crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do CP, e, consequentemente, dos pedidos cíveis contra si formulados.

19 – O tribunal a quo determinou a medida da pena aplicada ao arguido com total omissão da factualidade inerente às suas circunstâncias pessoais, nomeadamente, as relativas à sua inserção social e às suas condições económicas e financeiras, sem apurar quaisquer factos relativos às condições pessoais, económicas e sociais do arguido A, pois não compareceu em audiência de julgamento, estando regularmente notificado para o efeito, nem às diversas convocatórias efetuadas pela DGRS.

20 - O tribunal a quo deveria ter consignado essa impossibilidade na motivação da matéria de facto, dando conta das diligências realizadas, pois só assim resultará inequívoco que a ausência de factos relativos às condições pessoais e económicas do arguido A. não resultou da inércia do tribunal.

21 - O arguido ora recorrente estava regularmente notificado, está socialmente integrado, tem o apoio da família e exerce uma profissão.

22 - No caso vertente, não só não há qualquer indicação da motivação de facto do acórdão que dê conta da impossibilidade de obtenção de tais elementos, como não resulta dos autos que qualquer diligência tenha sido efetuada.

23 - Por força do art.º 71 n.º 2 do CP, na determinação da medida da pena o tribunal está vinculado à apreciação de todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos crimes, deponham a favor do arguido, aí se incluindo as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

24 - Ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da pena, lavrou um acórdão ferido de vício de insuficiência da matéria de facto provado - art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP - com as consequências previstas no art.º 426 n.º 1 do CPP.

25 – O que determina o reenvio dos autos para novo julgamento, restrito ao apuramento das condições pessoais (sociais e económicas) respeitantes ao arguido A., devendo depois ser proferido acórdão em conformidade com o que vier a ser apurado.

26 – O arguido, regularmente notificado, não compareceu à audiência de julgamento, tendo o tribunal a quo realizado a audiência de julgamento sem que alguma vez houvesse adotado as providências adequadas a garantir a comparência do arguido A., sendo que a imprescindibilidade do arguido para a descoberta da verdade material desde o início do julgamento constitui realidade distinta da prescindibilidade da sua presença no julgamento.

27 – Ora, o arguido estava regularmente notificado, deu-se início à audiência, produziu-se prova testemunhal e foram feitas alegações sem que tenha sido tomada qualquer posição tendente a garantir a presença do arguido, ora recorrente, em julgamento, quer por parte do tribunal, quer por parte do Ministério Público.

28 - Não estando o ora recorrente presente na audiência de julgamento, não foi possível o exercício pleno do direito de defesa do arguido A. e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador.

29 - Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e da imediação na audiência de julgamento, pois só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade, só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.

30 - Ao ter-se realizado a audiência sem a presença do arguido A., cujo paradeiro era conhecido nos autos, sem que hajam sido adotadas as medidas necessárias e legalmente impostas para garantir a sua comparência, ocorre a nulidade insanável contemplada na al.ª c) do art.º 119 do CPP, com as consequências previstas no art.º 122 n.º 1 do CPP.

31 – Caso o tribunal ad quem não considere os argumentos aduzidos sobre o objeto do presente recurso, decidindo manter, de facto e de direito, os termos do acórdão recorrido, cumpre-nos nesse caso dizer que a decisão de suspender, pelo mesmo período, a execução da pena de 4 anos de prisão aplicada ao arguido A. é normativamente justa, criteriosa e ético-socialmente eficaz.

32 – Releva a favor do arguido o facto de se integrar num meio familiar estável, que o apoia, estar socialmente integrado, ter profissão certa e exercê-la.

33 – A simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, pelo que, atendendo aos princípios de política-criminal da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, julgaríamos adequada a suspensão da execução da pena por igual período.

34 - O cumprimento da pena de prisão efetiva constituirá uma solução claramente insatisfatória para atingir a recuperação do arguido A. para a sociedade, termos em que deve revogar-se o douto acórdão recorrido, com as legais consequências.

3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

1 - A, arguido nos presentes autos de Processo Comum Coletivo, vem, inconformado com o douto acórdão proferido, interpor recurso do mesmo, alegando, em síntese, que os elementos com base nos quais o tribunal formou a sua convicção mostram-se insuficientes para concluir pela culpabilidade do arguido, discordando, também, da medida e da escolha da pena e, bem assim, do facto de ter sido realizada a audiência de discussão e julgamento na ausência do arguido.

2 - Entende o recorrente que os factos constantes dos pontos 5 a 20 da matéria dada como provada no acórdão recorrido deveriam ter sido dados como não provados, assim o impondo o acervo probatório coligido, pelo que da referida peça processual deveria ressaltar um quadro factual distinto do desenhado e conducente à absolvição do arguido.

3 - Consideramos, contudo, que, face à prova produzida em audiência, não nos merece qualquer reparo o acórdão recorrido. De facto, face às declarações prestadas pelo ofendido C, em conjugação com os depoimentos das testemunhas AN e PB e demais prova documental junta aos autos, impunha-se que se dessem como provados os factos nos quais assenta a discordância do arguido.

4 - Acresce que, da leitura da sentença resulta de forma inequívoca o percurso lógico que permitiu ao tribunal a quo decidir pela condenação do arguido, não só tendo sido elencadas as provas reputadas relevantes, como também se procedeu ao seu exame crítico, explicitando-se, ainda, o processo de formação da convicção do julgador, não nos merecendo, pois, qualquer reparo o julgamento da matéria de facto feito na decisão recorrida.

5 - No tocante à medida da pena aplicada, atendendo ao disposto no art.º 71 n.º 1 do Código Penal, entendemos que, não obstante a discordância do arguido, bem andou o tribunal a quo ao dosear a pena nos termos em que o fez, tendo sido feita uma correta aplicação do disposto nos art.ºs 40, 71 e 77 do Código Penal.

6 - Com efeito, sublinhe-se, tal como refere o acórdão recorrido, o elevado grau de ilicitude dos factos cometidos pelo arguido, o dolo direto e intenso com que os mesmos foram praticados, o facto de o arguido A. ter já antecedentes criminais, contando com uma condenação em pena de prisão pela prática de crime de detenção ilegal de arma e, ainda, a conduta posterior ao facto assumida pelo arguido, não tendo, sequer, apesar de regularmente notificado, comparecido em audiência de discussão e julgamento.

7 - Efetivamente, e contrariamente ao propugnado pela defesa, a circunstância de o arguido não ter comparecido em audiência de discussão e julgamento só pode depor contra o mesmo, revelando total desinteresse pelo desfecho do processo; de igual forma cumpre salientar que não foi possível elaborar relatório social pré-sentencial unicamente em virtude de o arguido não ter respondido às convocatórias da DGRS, assim inviabilizando a realização do referido relatório.

8 - Por outro lado, estando o arguido regularmente notificado da data de realização da audiência de julgamento e tendo-se considerado que a sua presença não era indispensável desde o início da mesma, deu-se início ao julgamento, tal como permitido pelo art.º 333 do CPP, não se verificando qualquer situação em que a lei impusesse a presença do arguido, pelo que, também neste particular, não nos merece qualquer reparo o acórdão recorrido.

9 - Por fim, em discordância com o recorrente, entendemos não se encontrarem verificados os pressupostos de aplicação do instituto da suspensão. É certo que a pena aplicada admitiria a ponderação da sua suspensão, uma vez que foi aplicada uma pena de 4 anos, no entanto, as anteriores condenações do arguido, também por crime de detenção ilegal de arma, e conduta assumida após a prática dos factos (tal como refere o acórdão recorrido, sem que o arguido tenha confessado ou, por qualquer forma, demonstrado arrependimento) não nos permitem efectuar um juízo de prognose favorável quanto à sua futura actuação.

10 - Também as exigências de prevenção geral, atendendo ao alarme social que, geralmente, acompanha este tipo de crime, aconselham neste caso a aplicação de uma pena de prisão efetiva.

11 - Em suma, e pelos motivos expostos, entendemos que o recurso do arguido não merece provimento, devendo, pois, manter-se na íntegra a decisão recorrida.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).

6. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:

01) Os arguidos A e B e C travaram conhecimento entre si em virtude de negócios de venda de gado.

02) Em 02 de setembro de 2010, no período compreendido entre as 08,30 horas e as 16,00 horas, o arguido B acompanhou C, conduzindo o veículo da marca ROVER, modelo 214 SI, de matrícula ---AC.

03) Cerca das 12,30 horas desse dia, ambos pararam junto ao Café Central, em Rio Maior, local onde C encetou diálogo com AN acerca de um negócio de compra de gado, sendo que, a dada altura, e sem qualquer motivo, o arguido B abordou aquele AN mostrando-lhe o cano de uma arma não identificada que trazia consigo no interior do veículo de matrícula ----AC, debaixo de uma camisola, questionando-o se a queria comprar.

04) Posteriormente, cerca das 16,00 horas, o arguido B parou o veículo em que seguiam junto à estrada de Cabanos, em Romeira, comarca de Santarém, e com o pretexto de que necessitava de defecar subiu a um cabeço até ficar fora do campo de visão de C, ali permanecendo cerca de 15 minutos.

05) Reaparecendo junto de C acompanhado do arguido A, o qual ali se tinha deslocado no veículo da marca CITROEN, modelo JUMPER, de matrícula ----XT, com o seu empregado MA.

06) Ato contínuo, o arguido A dirigiu-se, em passo de corrida, junto de C e, sem que nada o fizesse prever, começou a agredi-lo, desferindo-lhe pancadas com um bastão artesanal, feito a partir de um cabo elétrico, com 40 centímetros de comprimento, 7 centímetros de espessura e revestido de borracha.

07) Ao agir da forma descrita, o arguido A. fê-lo com o propósito de molestar fisicamente C, o que conseguiu, bem sabendo que o objeto utilizado para o efeito, e cuja perigosidade conhecia, era adequado a feri-lo.

08) O arguido A. agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente que tal conduta era proibida e punida por lei.

09) De seguida, os arguidos A. e B. agarraram C. e, de forma a evitar que este tentasse fugir, obrigaram-no a entrar no veículo de matrícula ---XT, sentando-o entre o arguido A., que ocupava o lugar do condutor, e MA, que ficou junto à porta direita, enquanto o arguido B. voltou para o veículo de matrícula ---AC, após o que abandonaram o local.

10) O arguido A., conduzindo o veículo de matrícula --XT, e o arguido B, conduzindo o veículo de matrícula AC, dirigiram-se para Santarém, efetuando o trajeto em cerca de 10 minutos.

11) Ao quilómetro 41,2 da Estrada Nacional 3, na Portela das Padeiras, junto ao estabelecimento comercial PNEUSOL, em Santarém, C, aproveitando a paragem do veículo de matrícula XT, no semáforo ali existente, bem como a distração do arguido A, fugiu.

12) Em consequência direta e necessária das agressões descritas, C sofreu múltiplas equimoses dispersas pelo braço direito, antebraço esquerdo, crânio, dorso e coxas, lesões estas que lhe determinaram 10 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho.

13) Os arguidos A e B. agiram com a intenção concretizada de privar C da sua liberdade, colocando-o contra a sua vontade no interior do veículo de matrícula XT e ali obrigando-o a permanecer.

14) Em 24 de fevereiro de 2011 o arguido A. tinha consigo, no interior do veículo de matrícula -XT, o seguinte:

- Um bastão artesanal, feito a partir de um cabo elétrico, com 40 centímetros de comprimento, 7 centímetros de espessura e revestido de borracha;

- 21 munições de calibre 12 Gal.

15) No interior da sua residência, sita na Rua..., em Vale Cavalos, na Chamusca, o arguido A. tinha consigo o seguinte:

- Uma pistola da marca RECK, de calibre 6,35 mm, transformada a partir de uma arma de alarme;

- Uma espingarda caçadeira, marca PIETRO BERETTA, de calibre 12 mm, com cano superior a 30 centímetros, carregada mediante a introdução manual de uma munição em cada câmara (tiro a tiro) e cuja superfície interior do cano não imprime qualquer movimento de rotação ao projétil (alma lisa);

- Uma espingarda caçadeira, marca PIETRO BERETTA, de calibre 12 mm, com cano superior a 30 centímetros, carregada mediante a introdução manual de uma munição em cada câmara (tiro a tiro) e cuja superfície interior do cano não imprime qualquer movimento de rotação ao projétil (alma lisa);

- Uma espingarda carabina, marca MIDLAND GUN, de calibre 7 mm, com cano superior a 30 centímetros, carregada mediante a introdução manual de uma munição em cada câmara (tiro a tiro) e cuja superfície interior do cano possui uma configuração em espiral imprimindo um movimento de rotação ao projétil (alma estriada);

- 5 munições de calibre 6,35;

- 37 munições de calibre 22 LON RIFLE;

- 380 munições de calibre 12 Gal.

16) Ainda em 24 de fevereiro de 2011, no interior da sua residência, sita na Rua..., em Rio Maior, o arguido B. tinha consigo 35 munições de calibre 12 mm.

17) Os arguidos A e B. não eram possuidores de licença de uso e porte de arma emitida pelo Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública.

18) O arguido A. sabia que apenas podia ter consigo armas devidamente manifestadas e das quais fosse portador de licença válida e que, por não ser titular de qualquer licença, nem estando as armas supra descritas manifestadas, incorria na prática de um crime e, ainda assim, quis detê-las.

19) Os arguidos A. e B. sabiam que apenas podiam deter munições se fossem detentores de licença de uso e porte de arma e tivessem registadas a seu favor armas de calibre idêntico às munições apreendidas e que, por não serem titulares de tal licença ou manifesto, incorriam na prática de um crime e, ainda assim, quiseram ter as descritas munições na sua posse.

20) Os arguidos A. e B. agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma deliberada, livre e consciente, cientes de que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.

21) O processo de desenvolvimento do arguido B. decorreu num agregado familiar numeroso - seis irmãos – de fracos recursos sócio económicos, sendo associada à sua infância e adolescência elevada precariedade económica e desorganização parental, nomeadamente a nível familiar e educativo, vivenciando regularmente episódios de elevada agressividade, verbal e física, sendo inclusivamente infligidos maus tratos regulares aos descendentes por parte das figuras paternas.

22) O percurso escolar por parte do arguido B. foi marcado por diversas dificuldades, nomeadamente, elevado absentismo, mau comportamento, desmotivação e também dificuldades de aprendizagem, o que apenas lhe permitiram concluir o 6.º ano de escolaridade. Ainda frequentou um curso profissional na área da agricultura na Quinta do Arrife, em Alcanede, que lhe daria equivalência ao 9.º ano de escolaridade, mas que abandonou sem o concluir, com cerca de dezassete anos de idade.

23) Em termos profissionais tem desempenhado várias tarefas indiferenciadas, de carácter irregular e de curta duração, com vínculos laborais precários, não se encontrando, contudo, associado ao mesmo significativos períodos de inatividade profissional.

24) De dois relacionamentos afetivos distintos, o arguido tem dois descendentes, de cinco e quatro anos de idade. Tem mantido perante ambos os descendentes um comportamento alheado do exercício da paternidade, encontrando-se o mais velho entregue aos cuidados da mãe e o mais novo institucionalizado, a aguardar a adoção, denotando uma forte ausência de vinculação afetiva a ambos os descendentes, que se encontra impedido de visitar, segundo o próprio, por decisão judicial.

25) Em setembro de 2011 estabeleceu nova união de facto, relação que mantém na atualidade e da qual existe um descendente com quatro meses de idade.

26) O percurso de vida do arguido foi pautado pela ausência de imposição de regras de conduta e desde cedo geriu e organizou o seu quotidiano de forma autónoma, adotando muitas vezes rotinas e atividades contrárias às regras e normas instituídas socialmente, comportamento que tem conduzido a alguma desorganização no seu modo de vida, sobretudo em termos familiares e sociais, condicionando o seu contacto com o sistema de justiça, já tendo sido condenado duas vezes pelos crimes de condução sem habilitação legal.

27) À data dos factos o arguido B integrava o agregado familiar, composto pela progenitora e um irmão mais novo, habitando uma casa da qual a mãe é proprietária na zona de Rio Maior.

28) Atualmente o agregado familiar do arguido B é composto pela companheira, MF, onze anos mais velha, funcionária numa empresa de materiais de jardinagem, duas filhas desta, de treze e dois anos de idade, e pelo filho do casal, de 4 meses de idade.

29) Habitam uma casa autónoma, arrendada, inserida em meio rural, que proporciona, segundo os mesmos, condições suficientes de habitabilidade.

30) Em termos da dinâmica familiar foi referido pelo arguido e confirmado pela companheira um relacionamento intrafamiliar gratificante ao nível dos vários elementos que compõem o atual agregado familiar.

31) Ao nível laboral o arguido referiu desempenhar na atualidade a atividade profissional de operador de máquinas agrícolas e também outras atividades de âmbito rural para a patroa D. O, na localidade de ..., Santarém, para quem, segundo o mesmo, já trabalha há cerca de quatro anos e aufere € 150 por semana.

32) Em termos económicos foram referidas algumas dificuldades, contudo, considerou a sua atual situação como suficiente, tendo em vista a satisfação das necessidades essenciais da sua atual família, contando também com o vencimento mensal da esposa, a qual já trabalha na mesma empresa há cerca de 12 anos.

33) Em termos pessoais o arguido denota alguma falta de capacidade em gerir as emoções em consonância com as exigências da situação em concreto, já que, no envolvimento direto nas situações, ainda que identifique algumas consequências imediatas, os interesses pessoais tendem a predominar na tomada de decisão de determinado comportamento, reagindo perante as situações de forma impulsiva, apresentando assim alguma dificuldade na antecipação das suas ações, denotando significativas dificuldades em assumir responsabilidades nas várias vertentes da sua vida.

34) Socialmente, na comunidade onde residiu até recentemente e onde decorreu grande parte do seu percurso de vida, quer o arguido, quer a sua família de origem, são conotados com um estilo de vida pouco ajustado, desorganizado e disfuncional.

35) Em termos da ocupação dos tempos livres, referiu sobretudo o convívio com familiares e amigos, em casa e cafés no seu meio de residência, não sendo apresentadas atividades a este nível estruturadas.

36) O arguido B assume uma atitude de desvalorização perante factos semelhantes aos que deram origem ao presente processo, revelando assim uma fraca perceção quanto às consequências menos positivas que poderão advir da sua atual situação jurídica, apresentando em termos concretos, e no que respeita ao presente processo, uma postura de negação, remetendo responsabilidade para terceiros.

37) O arguido B foi anteriormente condenado:

- Por sentença proferida em 21.01.2006, transitada em julgado em 13.02.2006, por factos cometidos em 25.01.2006, no Processo Sumário n.º --/06.5 GARMR, do Tribunal Judicial de Rio Maior, foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 2,00 €.

- Por sentença proferida em 18.04.2008, transitada em julgado em 08.05.2008, por factos cometidos em 10.04.2008, no Processo Sumário n.º ---/08.5 GARMR, do Tribunal Judicial de Rio Maior, foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €.

38) O arguido A. foi anteriormente condenado:

- Por decisão datada de 31.10.2003, proferida pelo Tribunal Correctionnel de Tarascon, França, foi condenado pelos crimes que constam do documento de fls. 689 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

- Por sentença proferida em 13.02.2008, transitada em julgado em 04.03.2008, por factos cometidos em 09.11.2005, no Processo Comum Singular n.º ---/05.8 GAACN, do Tribunal Judicial de Alcanena, foi condenado, pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida, um na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, e outro na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €.

- Por sentença proferida em 08.09.2011, transitada em julgado em 08.09.2011, por factos cometidos em janeiro de 2008, no Processo Sumaríssimo n.º ---/08.7 GCSTR, do Tribunal Judicial de Santarém, foi condenado, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €.

39) Na sequência dos factos praticados pelo arguido A., o Hospital Distrital de Santarém prestou assistência hospitalar ao ofendido C, em 02.09.2010, assistência hospitalar que consistiu no ato médico constante da fatura n.º 12005095, no valor de 108 €.

40) Em consequência dos factos praticados pelos arguidos, o demandante C sentiu receio, ficou emocionalmente desequilibrado e sofreu vexames.
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7. E não se provou, quanto ao pedido cível deduzido pelo demandante C, que o mesmo auferisse 20 € diários na sua actividade profissional.

8. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se na fundamentação – “com base na análise crítica, ponderada e conjugada da prova testemunhal e documental junta aos autos.

O arguido B, único presente em audiência de julgamento, não prestou declarações, direito que processualmente lhe assiste, pelo que em nada contribuiu para o apuramento dos factos.

Prestou declarações o ofendido e demandante C, que de uma forma aparentemente séria, espontânea, convicta e credível relatou os factos que se mostram descritos na acusação e que se provaram, esclarecendo que já conhecia ambos os arguidos - o arguido A. há cerca de 7 anos, do negócio de venda de gado, e o arguido B. há muitos anos, também de negócios de gado com o irmão deste - e que na data dos factos o arguido B. se ofereceu para o transportar durante o dia, o que aceitou por ter a sua viatura na oficina, tendo ambos se dirigido, primeiramente para Rio Maior, mais concretamente ao Café Central, para aí encetar um negócio que tinha por objeto 2 animais de raça caprina, com AN; que depois se dirigiram para a Romeira e, na estrada de Cabanos, o arguido B lhe disse que tinha necessidade de defecar e saiu da viatura, estando ausente cerca de 15 minutos, o que ocorreu já próximo das 16 horas.

Referiu, também, que praticamente durante todo o dia enviou e recebeu mensagens no telemóvel desconhecendo para quem e de quem.

Explicitou que passados uns minutos apareceu o B, assim como o arguido A, este fazendo-se transportar na sua viatura CITROEN JUMPER, acompanhado pelo senhor MA, e de imediato o arguido A. começou a agredi-lo com um bastão em todo o corpo, estando perfeitamente convencido que ambos os arguidos estavam combinados um com o outro em apanhá-lo naquele local para o agredir e sequestrar; que após ambos os arguidos o meteram, contra a sua vontade e mesmo com resistência física da sua parte, no interior da viatura do arguido A., sentando-o entre este, que tomou os comandos do veículo, e o senhor MA, dirigindo-se todos para Santarém, sendo que o arguido B conduzia o veículo da marca ROVER, de matrícula ---AC, atrás.

Aduziu que a determinada altura do percurso, quando circulavam na Estrada Nacional 3, na Portela das Padeiras, junto ao estabelecimento comercial PNEUSOL, em Santarém, aproveitando a paragem do veículo de matrícula --XT, no semáforo ali existente, bem como a distração do arguido A., saiu da viatura, caindo no chão e ali ficou até que chegou o 112.

Esclareceu estar convicto de que estes factos sucederam porque o arguido A. queria saber onde se encontrava o seu rebanho de ovelhas para o poder furtar, o que veio efetivamente a suceder ainda nessa data, constatando tal facto com os próprios olhos quando se dirigiu à propriedade onde normalmente abriga o gado de que é proprietário – Cabanas - e sob o olhar da GNR, que nada fez para o impedir.

Por fim, referiu que esteve alguns dias sem trabalhar por sentir muitas dores no corpo, sentindo, igualmente, medo e inquietação, receando que factos parecidos pudessem vir de novo a acontecer, até porque durante o percurso de Romeira até ao local onde conseguiu fugir foi sempre sendo ameaçado pelo arguido A.

Inquiriu-se AN, que afirmou conhecer o arguido B. por ter trabalhado com ele e não conhecer o arguido A.

Esclareceu que em data que não se recorda vendeu ao ofendido C um casal de chibos e num determinado dia o mesmo, acompanhado pelo arguido B, encontrou-se consigo no Café Central, em Rio Maior, a fim de lhe entregar os animais, o que sucedeu, sendo que os mesmos animais foram transportados num veículo da marca ROVER, conduzido pelo arguido B, não sem antes este lhe oferecer a venda de uma espingarda que se encontrava no banco traseiro do referido veículo, tapada com uma camisola, tendo recusado tal oferta, facto a que o ofendido C não assistiu.

Referiu que durante o período em que esteve com o arguido B e o ofendido C (cerca de duas horas) o primeiro esteve constantemente a enviar e a receber mensagens no telemóvel, facto que não estranhou por se tratar de uma pessoa jovem.

Contou que mais tarde soube o que havia sucedido no mesmo dia com C, sendo que passados uns dias esteve com ele, o qual se mostrava queixoso, dorido e emocionalmente abatido, crendo que o mesmo tivesse receio de voltar a ser vítima dos mesmos factos.

Instado, respondeu que é comerciante de gado, sendo razoável que nesta atividade se aufira cerca de 20 € por dia ou mesmo mais.

Depôs PB, inspector da Polícia Judiciária, da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo, que explicitou as diligências que realizou no âmbito da investigação, designadamente a reconstituição dos factos que realizou com o ofendido no local onde os mesmos ocorreram e as buscas à residência e à viatura de matrícula -XT, do arguido A, e a reportagem fotográfica que realizou.

Referiu, igualmente, que quando inquiriu o ofendido C era notório que o mesmo tinha algum receio, pela sua integridade física, de que factos semelhantes pudessem vir a ocorrer.

O tribunal considerou e analisou, ainda, o auto de notícia de fls. 3, o relatório de episódio de urgência de fls. 33 a 35, as fotografias de fls. 105 a 111, de fls. 169 e 170, de fls. 192 a 194, de fls. 257 a 273, de fls. 281 a 284, fls. 311 a 316 e de fls. 318 a 326, o auto de exame médico de fls. 201 a 203, o auto de busca e apreensão de fls. 255, o auto de exame direto de fls. 274, o auto de busca e apreensão de fls. 278 e 279, o auto de busca e apreensão de fls. 294 e 295, o auto de revista pessoal e apreensão de fls. 317, o auto de exame direto de fls. 327, os autos positivos de reconhecimento pessoal de fls. 329 a 337, o auto de reconhecimento de objeto (bastão) de fls. 337, os autos de exame às armas e munições apreendidas de fls. 439 a 441 e de fls. 442 a 446, os dados de tráfego de fls. 490 a 492 e a fatura do Hospital Distrital de Santarém de fls. 628.

No que tange às condições pessoais, económicas e sociais do arguido B, o tribunal analisou e valorou o relatório social de fls. 667 e seguintes, atendendo a que o mesmo foi elaborado por técnico com especiais habilitações e capacidades para o realizar, dando-se ainda conta que foi elaborado de acordo com fontes e metodologias que parecem adequadas e aptas a revelar a factualidade que se descreve.

Não se apuraram quaisquer factos relativos às condições pessoais, económicas e sociais do arguido A., pois que não compareceu em audiência de julgamento, estando regularmente notificado para o efeito, nem às diversas convocatórias efetuadas pela DGRS.

No que diz respeito aos antecedentes criminais dos arguidos, teve-se em consideração a informação obtida junto do registo criminal.

Quanto aos aspetos de ordem subjetiva, sem a colaboração dos arguidos, igualmente entendeu o tribunal que se provaram.

É sabido que os elementos subjetivos são apurados em função dos factos objetivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.

Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente percetíveis, hipostaziáveis. Desse modo, a inerente perceção, nomeadamente, para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, “a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores” - Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101.

Pretender o contrário conduziria a apenas ser possível demonstrar a atitude psicológica do agente para com o facto no caso de confissão. Tal perspetiva afigura-se manifestamente improcedente.

Assim, quanto a estes aspetos de ordem subjetiva, socorreu-se o tribunal dos elementos objetivos disponíveis, chamando ainda à colação a doutrina do acórdão da Relação do Porto de 23.02.83, quanto à intencionalidade, pertencendo o dolo “à vida interior de cada um”, sendo “portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, como maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência” - cfr. BMJ n.º 324, p. 620.

Com efeito, a convicção do tribunal quanto a estes factos resultou da conjugação de todos os elementos de prova supra enunciados entre si, bem como com as regras de experiência comum.

Analisando, agora, criticamente a prova produzida, dir-se-á que foi toda no sentido de se provarem os factos vertidos na acusação, não só pelas declarações prestadas pelo ofendido C, que se conjugaram com os depoimentos das testemunhas AN e PB, assim como com toda a restante prova produzida em audiência e pré-constituída.

Deu-se como não provado que o demandante aufere 20 € por dia na sua atividade de venda de gado, pois que a prova dos rendimentos deve ser feita através das respetivas declarações de IRS, sendo que se considerou que o testemunho de NA não foi suficientemente consistente nesta parte, porque, de facto, faltou a base essencial para se dar como provada tal factualidade (prova documental) ”.

9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).

Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito.

Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).

Feitas estas considerações, e tendo em conta as conclusões da motivação do recurso apresentado, são as seguintes as questões colocadas pelo recorrente à apreciação deste tribunal:

1.ª – Se a realização do julgamento sem a presença do arguido – e sem que o tribunal tenha adotado as medidas necessária para garantir a sua presença – constitui nulidade insanável, prevista no art.º 119 al.ª c) do CPP);

2.ª – Se o tribunal, em face das provas produzidas, devia ter dado como não provada a factualidade dada como provada nos pontos 5 a 20 da matéria de facto provada/violação do princípio in dubio pro reo;

3.ª – A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP);

4.ª – Se o tribunal, em face da factualidade dada como provada, devia suspender a execução da pena aplicada ao recorrente.

9.1. – 1.ª questão

O arguido recorrente vem dizer, em sede de recurso, que a realização do julgamento sem a sua presença – cujo paradeiro era conhecido – constitui um nulidade insanável, contemplada no art.º 119 al.ª c), com as consequências previstas no art.º 122 n.º 1, ambos do CPP.

Sem razão.

Resulta dos autos (o que, aliás, o arguido não questiona) que o arguido foi notificado para o julgamento, com a advertência de que caso faltasse a audiência se poderia realizar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos pelo seu defensor.

No dia marcado para a audiência, e constatando-se a falta do arguido, o tribunal, considerando que a sua presença não era imprescindível desde o início da audiência, deu início à mesma, nos termos do art.º 333 do CPP, tendo consignado que oportunamente, se assim fosse requerido ou o tribunal o entendesse útil para o apuramento dos factos, emitiria mandados de detenção do arguido para o fazer comparecer.

Não consta dos autos que o seu defensor algo tenha requerido a esse respeito e o tribunal nada ordenou porque, é lícito concluir, como resultava daquele despacho, não entendeu necessário.

Ora, a presença do arguido na audiência de julgamento é obrigatória – art.º 332 n.º 1 do CPP – sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 333 do mesmo diploma, onde se prevê: se o arguido, regularmente notificado para o julgamento, faltar, a audiência não é adiada, a não ser que o tribunal considere absolutamente indispensável a sua presença para a descoberta da verdade material, ou seja, o adiamento só pode ter lugar desde que o tribunal considere absolutamente indispensável a presença do arguido para a descoberta da verdade material.

Mas, ainda assim – ainda que o tribunal não considere absolutamente indispensável a presença do arguido para a descoberta da verdade material - deve o tribunal tomar as medidas necessárias para o fazer comparecer? Com que finalidade?

Entendemos que não, por um lado, porque a presença do arguido, a partir do momento em que o tribunal a considera não absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, deixou de ser obrigatória, pelo que não se vê porque razão haveria o tribunal de o fazer comparecer, contra a sua vontade, em nome de um eventual direito de defesa ao qual ele, na medida em que se alheou da notificação que lhe foi feita – é lícito concluir - renunciou.

De facto, conforme se decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 8.03.2012, publicado no DR, 1.ª Série, de 10.12.2012, se o tribunal considerar que a presença do arguido “não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do art.º 333 do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medida para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.

Por outro lado, como se escreve a dado passo da fundamentação daquele acórdão, cabe ao arguido, como sujeito processual autónomo e responsável (e não ao tribunal) “escolher a sua defesa… a lei não pode impor uma certa forma de defesa, mas apenas garantir os direitos de defesa do arguido, que ele exercerá como entender. Esses direitos estão plenamente consagrados na lei na situação em análise… Assegurado esse núcleo, não tem sentido obrigar o arguido a comparecer em julgamento em nome dos interesses da defesa que só a ele próprio cabe definir…”.

Não vemos, consequentemente, em face do que se deixa dito, razões para divergir dessa jurisprudência, pelo que – acolhendo a orientação que dela emana – não podemos deixar de julgar improcedente a primeira questão supra enunciada.

9.2. – 2.ª questão

O recorrente questiona a prova da factualidade vertida nos pontos 5 a 20 da matéria de facto dada como provada, considerando, em síntese, que o tribunal violou o disposto no art.º 127 do CPP – o que, no seu entender, configura um erro notório na apreciação da prova – que a prova produzida impunha uma outra decisão, em suma, a absolvição do arguido.

Vejamos.

O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, existirá e será relevante quando, apreciada a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, dela ressalta como evidente, manifesta, uma falha grosseira na análise e valoração da prova, porque se deu como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido.

Dito de outro modo, haverá “um tal erro quando um homem médio, perante oque consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios” (Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 76).

Ora, atenta a decisão recorrida e respetiva fundamentação - seja no que respeita à matéria de facto dada como provada, seja no que respeita aos fundamentos que o tribunal apresentou para justificar a convicção que formou - não se descortina qualquer erro – evidente, notório, manifesto – na apreciação da prova, pois que, pelo contrário, a matéria de facto dada como provada, concretamente, nos pontos 5 a 20, apresenta-se perfeitamente coerente e lógica em face das provas que lhe servem de fundamento.

Diga-se, aliás, que as razões invocadas pelo recorrente para fundamentar a existência desse vício (o erro notório na apreciação da prova) nada têm a ver com o mesmo, enquanto vício da decisão – que terá de resultar da mesma, apreciada na sua globalidade, como expressamente se dispõe no art.º 410 n.º 2 do CPP - mas antes com a divergência do recorrente quanto à convicção que o tribunal formou, com base nas declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, os quais, no seu entender, são insuficientes para o tribunal concluir que o arguido praticou os crimes de ofensa à integridade física e de sequestro pelos quais foi condenado.

Sem razão, diga-se, desde já.

Em primeiro lugar deve dizer-se que a convicção do tribunal não se baseou apenas nas declarações e depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento (concretamente, pelo ofendido e pelas testemunhas AN e PB, pois que, como consta da fundamentação do acórdão supra transcrita, muitas outras provas contribuíram para a convicção que o tribunal - “o auto de notícia de fls. 3, o relatório de episódio de urgência de fls. 33 a 35, as fotografias de fls. 105 a 111, de fls. 169 e 170, de fls. 192 a 194, de fls. 257 a 273, de fls. 281 a 284, fls. 311 a 316 e de fls. 318 a 326, o auto de exame médico de fls. 201 a 203, o auto de busca e apreensão de fls. 255, o auto de exame direto de fls. 274, o auto de busca e apreensão de fls. 278 e 279, o auto de busca e apreensão de fls. 294 e 295, o auto de revista pessoal e apreensão de fls. 317, o auto de exame direto de fls. 327, os autos positivos de reconhecimento pessoal de fls. 329 a 337, o auto de reconhecimento de objeto (bastão) de fls. 337, os autos de exame às armas e munições apreendidas de fls. 439 a 441 e de fls. 442 a 446, os dados de tráfego de fls. 490 a 492 e a fatura do Hospital Distrital de Santarém de fls. 628” - provas relativamente às quais o recorrente nada disse, omitindo qualquer referência às mesmas, como se a convicção do tribunal se baseasse apenas naquelas declarações e depoimentos supra identificados, o que não acontece.

Vale isto por dizer que a referência que o recorrente faz (apenas) a algumas provas – que analisa ao seu modo, necessariamente, parcial e sem atender às demais provas, com as quais têm que ser conjugadas e analisadas – não basta para questionar a bondade da decisão recorrida, sendo certo que ao recorrente que divirja da convicção que o tribunal formou não basta manifestar a sua divergência quanto ao decidido, impondo-lhe a lei que concretize as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, que demonstrem que o tribunal errou na análise que fez das provas, que a sua convicção não tem lógica, não é coerente, não respeitou as regras da experiência comum e os critérios da normalidade.

As razões da divergência apontadas pelo recorrente não só não impõem decisão diversa da recorrida como nem sequer consentem outra decisão.

De facto:

1) O facto da testemunha AN não ter visto (dois ou três dias depois dos factos), quando esteve com o ofendido, “quaisquer marcas de agressão” (e porque haveria de as ver?), não ter presenciado “qualquer receio ou medo” (porque haveria de presenciar?) e ter visto o ofendido a conduzir (note-se que não foi dado como provado que o arguido estivesse impossibilitado de conduzir) não significa que o ofendido não tivesse sido sequestrado e agredido, nos termos dados como provados, pois que se trata de factos perfeitamente compatíveis;

2) O facto da testemunha PB não ter visto qualquer tipo de lesão (e porque haveria de ver?) e ter feito a reconstituição (apenas) com o ofendido não significa que os factos não tivessem ocorrido, nos termos que foram dados como provados.

Por outro lado, o tribunal disse claramente porque razão lhe mereceram credibilidade as declarações do ofendido (porque prestou declarações “de forma aparentemente séria, espontânea, convicta e credível”, relatando os factos de que foi vítima) e porque razão formou a sua convicção no sentido em que a formou: porque essas declarações, para além de lhe merecerem credibilidade, pelas razões que apontou, são corroboradas pelos depoimentos das testemunhas AN (no que respeita ao encontro que teve, em Rio Maior, com o ofendido e com o arguido B, circunstâncias em que ocorreu e estado em que encontrou o ofendido, passados uns dias: dorido e emocionalmente abatido) e PB (que explicitou as diligências que realizou, incluindo a reconstituição dos factos com o ofendido) e pela diversa documentação junta aos autos (designadamente, as mensagens trocadas entre os arguidos instantes antes dos factos – a última das quais pelas 16h06, quando o ofendido pediu socorro pelas 16h36 – e demais documentação especificada a fol.ªs 21 deste acórdão).

E perante tal análise (crítica) de todas as provas carreadas para os autos, que não podem deixar de ser conjugadas e analisadas na sua globalidade, porque razão haveria este tribunal, a quem está vedado o contacto direto e imediato com as provas, de questionar a credibilidade que mereceu ao tribunal a versão apresentada pelo ofendido, que tem lógica, é coerente e racionalmente explicada, de acordo com as regras da experiência, e corroborada pelos demais elementos de prova?

Não se vê.

Depois, não pode esquecer-se que na análise (da prova), designadamente testemunhal, não pode o tribunal deixar de “atender a uma multiplicidade de factores que têm a ver com as garantias da imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstância, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida... não raras vezes o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios que tenham merecido a confiança do tribunal” (acórdão da RP de 5.06.2002, Proc. 0210320, in www.dgsi.pt).

Ao tribunal de recurso – a quem está vedado o contacto directo e imediato com o arguido e demais intervenientes processuais – escapam, necessariamente, um conjunto de elementos essenciais para a valoração da prova, designadamente, no que respeita ao modo como são prestadas as declarações e depoimentos, elementos que permitem, pelo privilégio que a imediação e a oralidade proporcionam ao tribunal da 1.ª instância, aferir da credibilidade que tais provas devem ou não merecer ao tribunal.

Por isso vimos entendendo, no seguimento de alguma jurisprudência (v.g. o acórdão da RC de 6.03.2002, Col. Jur., Ano XXVII, t. 2, 44), que o tribunal de recurso – quando a atribuição da credibilidade de uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade – “só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”, ou seja, quando se demonstrar que tal convicção não tem lógica, não é coerente, não é racionalmente explicável.

... se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei, que impõe que ele julgue de acordo com a sua convicção. Isto é mesmo assim quando... houver documentação da prova, de outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova...” – escreveu-se no acórdão do STJ de 13.02.2003, Proc. 03P141, in www.dgsi.pt.

Diga-se ainda, a este propósito, que não colide com as regras da experiência supra referidas que o ofendido tenha saltado da carrinha, nas circunstâncias dadas como provadas, aproveitando-se de uma distração do recorrente, numa altura em que aquela estava parada num semáforo.

A violação do princípio in dubio pro reo.

O princípio in dubio pro reo identifica-se com o da presunção de inocência e impõe que o julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet, ou seja, em suma, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o réu (Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição, 336); ele será desrespeitado quando o tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido, entendendo-se que não é toda e qualquer dúvida que fundamenta tal princípio, “mas apenas a dúvida razoável, razoabilidade que cabe ao julgador analisar caso a caso” (acórdão do STJ de 13.01.99, Proc. 262/99, 3.ª Secção, SASTJ, 33, 68, citado por Maia Gonçalves, in obra mencionada, 338).

Não é, manifestamente, o que acontece no caso em apreço, pois ao tribunal recorrido nenhumas dúvidas se suscitaram – como resulta da fundamentação da decisão recorrida - e do que acabámos de expor – e a este tribunal, em face do que se deixa dito, também não se suscitam, pelo que carece de fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.

9.3. – 3.ª questão

Pretende o arguido que o acórdão recorrido enferma do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, por a sentença ser omissa no que respeita às “circunstâncias pessoais” do arguido, “nomeadamente, as relativas à sua inserção social e às suas condições económicas e financeiras… às condições pessoais…”.

Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71 n.º 2 do CP), o que significa que o tribunal deve ordenar – oficiosamente ou a requerimento - a realização de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário para a boa decisão da causa (art.º 340 n.º 1 do CPP), princípio que supõe – para além da necessidade e do respeito pelo princípio da legalidade da prova – que a mesma seja viável, seja possível obter (art.º 340 n.ºs 3 e 4 do CPP).

Ora, no caso concreto o arguido não requereu a produção de quaisquer provas a esse respeito e não compareceu a julgamento, no uso de um direito que lhe assiste, alheando-se completamente do desfecho do processo, entendendo o tribunal – e bem, pelas razões supra expostas – que não era legítimo impor ao arguido a sua presença em julgamento.

Por outro lado, o tribunal usou dos mecanismos possíveis - que as circunstâncias impunham, de acordo com os critérios da razoabilidade – para averiguar das condições pessoais do arguido e sua inserção sócio profissional, como os autos nos dão conta, sem êxito (ver fol.ªs 682, onde consta – informação da DGRS – que o arguido não respondeu às convocatórias que lhe foram enviadas nem se conseguiu contactar na deslocação à sua residência, tendo a proprietária do imóvel e o secretário da junta de freguesia informado que o arguido “habitou naquela morada, com uma companheira, existindo, em termos de dinâmica intrafamiliar um ambiente de acentuada conflitualidade. Após o corte relacional afetivo entre o casal saíram daquele localidade… desconhecendo-se o seu paradeiro…”).

Face a tais informações, até porque o arguido se encontrava sujeito a TIR, que havia prestado, e se ausentou sem dar qualquer informação ou justificação ao tribunal, alheando-se completamente do desfecho do processo – que sabia correr contra si - não se vê, de acordo com os critérios da razoabilidade, que o tribunal devesse ir mais além na procura da situação sócio económica do arguido e das suas condições pessoais, sendo certo que não o poderia forçar a prestar qualquer colaboração nesse sentido.

Improcede, por isso, a invocada insuficiência da matéria de facto para a decisão.

9.4. – 4.ª questão

Entende o arguido que o tribunal devia suspender a pena de prisão aplicada, tendo em conta o facto de se encontrar integrado num meio familiar estável, que o apoia, estar socialmente integrado e ter uma profissão certa, que exerce.

Antes de mais, diga-se que o tribunal não pode atender a factualidade que não se encontra demonstrada, como seja a integração familiar e profissional do arguido, que não se encontra demonstrada nos autos.

Depois, e como bem se assinala na decisão recorrida, em jeito de conclusão, a suspensão da execução da pena de prisão assenta “num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente”, ponderando a personalidade do agente e as circunstâncias do facto, ou seja, “parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao direito”.

Não ficou provado que o arguido A. tivesse bom comportamento anterior ou posterior, que tivesse confessado ou que tenha, por qualquer forma, demonstrado arrependimento e pedido desculpas à vítima… não se dignou a comparecer em audiência de julgamento… e os crimes objeto destes autos cometidos por este arguido foram-no no período da suspensão de execução de uma pena de prisão, também por crime de detenção ilegal de arma, pelo que se pode concluir que foi totalmente insensível à oportunidade que lhe foi concedida. O que vale por dizer que, sem assunção do significado e consequências do seu comportamento, em nada contribuiu para o desenho de uma expectativa positiva. Não será possível formular o juízo de prognose favorável… na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que demonstrem que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica…”.

E bem se decidiu.

Sem delongas, a gravidade dos factos e a postura do arguido perante eles – que não assume, alheando-se completamente do desfecho do processo, associada ao passado recente do arguido dado como provado (veja-se que praticou tais factos no decurso do período da suspensão de uma pena de prisão) - não permitem, fazendo apelo aos critérios da razoabilidade e bom senso, formular qualquer juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, por outro, a suspensão da execução da pena nestas circunstâncias não daria satisfação às exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atenta a insegurança, medo e pânico que condutas desta natureza causam na sociedade, antes contribuiria para o sentimento de desconfiança sobre a eficácia do sistema de justiça jurídico-penal, efeito contrário ao visado com a punição.

Improcede, por isso, a pretendida suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e Tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado).

Évora, 2014/03/11

(Alberto João Borges)

(Maria Fernanda Pereira Palma)