Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
322/11.5GABNV-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
CUMPRIMENTO
RETENÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir iniciando-se necessariamente depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, só se torna efectiva a partir do momento em que a licença de condução se encontra retida na secretaria judicial.
Decisão Texto Integral:





ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos autos de Processo Abreviado que com o nº 322/11.5GABNV, correm termos na Comarca de S, B – Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, recorre o Ministério Público, do despacho judicial proferido em 4 de Novembro de 2014, que declarou extinta a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alíneas a) e, b), do Código Penal, pelo período de 9 (nove) meses, a que o arguido PJA foi condenado, por já ter decorrido o referido lapso de tempo desde o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Da respectiva motivação o recorrente Ministério Público, retira as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O arguido foi condenado nos autos, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses
2. Como o arguido é titular de carta/licença de condução, a execução da pena acessória de proibição de condução só se inicia com a entrega voluntária ou apreensão do respectivo título, e não com o trânsito em julgado da sentença.
3. No caso dos autos, não tendo ocorrido nenhuma das duas situações, ainda não se iniciou o cumprimento da pena acessória.
4. Concludentemente, não deve a mesma ser declarada extinta pelo cumprimento.
5. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 69º do Código Penal e no artigo 500º do Código de Processo Penal.
Consequentemente deve ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro que determine a apreensão do título de condução do arguido.
V. as Exas., porém, e como sempre, farão Justiça.

Notificado o arguido/recorrido, nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, nº 1, do mesmo diploma legal, não apresentou qualquer resposta ao recurso interposto.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 29 e 30, dos autos.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrido não apresentou resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 04-11-2014, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):

PJA foi condenado, por sentença proferida em 07/02/2012, transitada em julgado em 09/03/2012, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 9 (nove) meses. Foi ainda condenado em pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade.
Aberta vista, promove o Digno Magistrado do Ministério Público que se determine a apreensão de carta de condução de que o arguido seja titular uma vez que decorreu já o período para a sua entrega voluntária.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 69°/2/3 do Código Penal que a pena acessória de proibição de conduzir produz efeitos a partir do trânsito em julgado, sendo certo que no prazo de 10 dias deve o arguido entregar a sua carta. Não o fazendo neste lapso temporal, o tribunal ordena a apreensão da mesma, ficando retida na secretaria pelo período de tempo que durar a proibição (cfr. artigo 500°/3/4 do Código de Processo Penal).
Assim, salvo melhor opinião, deve ser entendido que durante o período que medeia entre o trânsito em julgado da sentença e o prazo temporal de inibição de conduzir, o condenado não pode conduzir, sob pena de cometer o crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353°, do Código Penal, sendo indiferente se entregou ou lhe foi apreendida a carta de condução.
Só assim não seria se se visse o acto de entrega ou apreensão como parte integrante da inibição, fazendo com que o prazo de contagem da mesma apenas se iniciasse a partir dos actos atrás descritos, o que a lei não diz.
Por outro lado, poder-se-ia dizer que a proibição estaria em vigor desde o trânsito, mas o cumprimento da pena apenas desde a entrega ou apreensão. Igualmente se repara, no entanto, que o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e não de entrega da carta de condução. Esta respeitará apenas o mecanismo encontrado pelo legislador para melhor fiscalizar o cumprimento da medida. E por isso se comina esta não entrega com o crime de desobediência. Mas não pode ser vista como pena em si.
Assim sendo, verificando-se que decorreu já o período em que o ora arguido esteve proibido da condução, por terem decorrido os 9 meses impostos por sentença, após o seu trânsito, declaro extinta, pelo cumprimento do prazo temporal de proibição, a pena acessória a que o arguido foi condenado, nos termos do disposto no artigo 475° do Código de Processo Penal.
Notifique (cfr. artigo 475° do Código de Processo Penal).


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:

- Incorrecta interpretação no despacho recorrido, do disposto nos artigos 475º e, 500º, nº 2 e, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente à não entrega voluntária da licença de condução e, à extinção da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor.


2 - Apreciando e decidindo:
Dispõe o artigo 69º, do Código Penal:
1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crimes (…) previstos no artigo (…) 292º;
(…)
2. A proibição produz efeitos partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3. No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
(…)
6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado de liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”.
Quanto à execução da proibição de condução, estabelece o artigo 500º, do Código de Processo Penal:
1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à DGV.
2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendia no processo.
3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período, a licença é devolvida ao titular.
Decorre pois da conjugação destas disposições legais, que a pena acessória de proibição produz efeitos desde do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado terá de fazer entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, do título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido.
Se o condenado na proibição de conduzir veículos com motor não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
Desde logo e de imediato, decorre que o período de proibição de condução de veículos com motor, não coincide claramente com a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, pois desde essa data o condenado dispõe do prazo de 10 dias para proceder à entrega do título de condução, logo existe um hiato legal máximo para o início do cumprimento da pena acessória, pelo que o período de cumprimento poderá não coincidir e, raramente coincidirá, com a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que tal período terá obrigatoriamente de coincidir com a data efectiva da entrega do título habilitador da condução e, não se verificando nos autos tal data de entrega nunca se poderá efectuar o cômputo dessa mesma pena acessória.
Como melhor resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Processo nº 42/13.6GCFND.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere: “o cumprimento da pena acessória começa a correr a partir do momento em que esse documento seja entregue voluntariamente pelo condenado, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado, no tribunal ou em qualquer posto policial, ou, então da data da sua apreensão à ordem do tribunal face à não entrega voluntária. Esse título passa a ficar à ordem do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição, após o que será devolvido àquele.
Se porventura esse título se encontra já apreendido no processo, o cumprimento da pena acessória inicia-se por força dos artigos 69º nº 3 do CP e art.ºs 500º nº 2 e 467º nº 1, estes do CPP a partir do momento em que a sentença transita em julgado.
O início do período de inibição de conduzir veículos há-de, deste modo, resultar duma interpretação conjugada dos art.ºs 69º e 500º já referidos. O trânsito em julgado da decisão determina o momento a partir do qual há-de o arguido dar cumprimento à sua obrigação de entregar voluntariamente a carta e, decorrido o prazo respectivo, se ele o não fizer, pode então o tribunal ordenar a sua apreensão.
Da conjugação destas normas resulta que o período de inibição se não pode iniciar sem que o título que habilita a condução esteja na posse do tribunal, estando o arguido dele desapossado, por estar já apreendido no processo, por o ter o arguido entregue voluntariamente ou por, face ao seu comportamento negativo, ter sido ele apreendido por ordem do tribunal. Bem se compreende que assim seja, já que, sendo muito difícil a fiscalização do concreto cumprimento da inibição pelo condenado, sempre poderá essa fiscalização ser operada pelas autoridades policiais que fiscalizam o trânsito, caso entretanto abordem o condenado.
Não há confusão possível entre a eficácia das penas e a sua execução. Com o trânsito em julgado todas as penas se tornam eficazes, assim abrindo caminho à sua execução. Contudo, tal não significa que a execução se inicie sempre e necessariamente no dia seguinte ao trânsito em julgado”.
Assim, face ao exposto, não será legítimo concluir, que o arguido que não procedeu à entrega voluntária da sua licença de condução, só porque já decorreu o lapso de tempo da proibição de condução, cumpriu essa mesma pena acessória e, nos termos do disposto no artigo 475º, do Código de Processo Penal, declarar a mesma extinta.
Necessário se torna para o cumprimento efectivo desta pena acessória, que a licença de condução do arguido se encontre efectivamente retida na secretaria do tribunal e, não na disponibilidade do condenado, conforme resulta inequivocamente da letra e do espírito da lei, artigo 500º, do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, procede pois o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se o despacho judicial proferido em 4 de Novembro de 2014, que declarou extinta a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alíneas a) e, b), do Código Penal, pelo período de 9 (nove) meses, a que o arguido PJA foi condenado, por já ter decorrido o referido lapso de tempo desde o trânsito em julgada da decisão condenatória, a substituir por outro que determine a apreensão da licença de condução do arguido PJA, ao abrigo do artigo 500º, nº 3, do Código de Processo Penal, para cumprimento da referida pena acessória a que o arguido se mostra condenado nos autos.
Sem custas.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgam totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam o despacho recorrido, que declarou extinta a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 9 (nove) meses, fixada nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alíneas a) e, b), do Código Penal, a substituir por outro que determine a apreensão da licença de condução do arguido PJA, ao abrigo do artigo 500º, nº 3, do Código de Processo Penal, para cumprimento da referida pena acessória a que o arguido se mostra condenado nos autos.

Sem custas.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.
Évora, 30-06-2015
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Renato Amorim Damas Barroso)