Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
747/22.0T9PTM.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
REQUISITOS
ACUSAÇÃO ALTERNATIVA
PROCESSO EQUITATIVO
DIREITOS DE DEFESA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Não estando embora sujeito a formalidades especiais, a lei não deixa de indicar os requisitos estruturais do requerimento de abertura de instrução.
II. Quando requerida pelo assistente, a mais da fixação do objeto da instrução (das razões de discordância com o juízo feito pelo Ministério Público), o requerimento de abertura de instrução carece também da definição do objeto da fase de julgamento, i. e. da indicação dos factos e dos crimes imputados ao arguido.

III. A narração factológica poderá ser mais ou menos sintética, mas terá de ser suficiente para albergar o esteio em que se fundará a aplicação de uma pena. Medindo-se tal suficiência pela referência factológica que faça emergir todos os elementos objetivos, mas também os subjetivos dos ilícitos imputados, como ainda o de constituir peça processual com suficiente autonomia, para dispensar que para definição daqueles elementos constitutivos dos ilícitos, seja necessário recorrer a outras peças do processo. Isto é, o libelo tem de ser preciso.

IV. Não pode o juiz substituir-se ao assistente na descrição dos factos, sob pena de se violar o princípio da estrutura acusatória do processo, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, § 5.º da Constituição.

V. A não produção da «acusação alternativa», isto é, a concretização (autónoma) dos factos e crimes que se imputam e a quem (artigo 283.º, § 3.º CPP, ex vi artigo 287.º, § 2.º CPP), tornam a instrução (requerida) vazia de objeto!

VI. Justamente por se tratar de omissão de requisito essencial, a rejeição do RAI, por inadmissibilidade da instrução, não constitui compressão significativa dos direitos de defesa, estabelecidos no § 1.º do artigo 32.º da Constituição, nem vulneração do princípio do processo equitativo.

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
a. No termo do inquérito o Ministério Público considerou não terem sido reunidos indícios suficientes da prática de crimes que haviam sido denunciados contra AA, determinando em conformidade o respetivo arquivamento.

Sequentemente a queixosa BB, constitui-se assistente e, nessa qualidade, requereu abertura de instrução, por, ao contrário do decidido pelo Ministério Público, considerar conterem os autos indícios suficientes da prática pelo denunciado, de dois crimes de violência doméstica, previstos no artigo 152.º, § 1.º, als. d) e e) e § 2.º do Código Penal (CP), pretendendo a pronúncia deste pelos referidos crimes.

Recebidos os autos no 1.º Juízo (1) de Instrução Criminal de …, o Mm.o Juiz não admitiu a abertura da fase de instrução, por considerar que o requerimento não reunia os requisitos necessários, rejeitando-o por inadmissibilidade legal (falta de objeto – por não conter a «acusação alternativa»), nos termos do artigo 287.º, § 2.º e 3.º CPP.

b. Inconformado com tal decisão a assistente interpôs o presente recurso, extraindo-se da respetiva motivação as seguintes conclusões (2) (transcrição):

«1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Mm.o Juiz de Instrução que, depois da Recorrente ter requerido a abertura de instrução após (um segundo) arquivamento pelo Ministério Público (o primeiro, apreciado e decidido em sede de intervenção hierárquica, e que ordenou a continuidade e realização das diligências requeridas pela Assistente), o que fez/requereu aquela com a observância dos requisitos previstos nos artigos 287.°, nº 2 e 283.°, n..º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, muito mal andou o despacho recorrido ao concluir e decidir que no requerimento para abertura de instrução da Recorrente não consta uma " ... narração dos elementos objetivos e é insuficiente quanto à dimensão subjetiva do tipo legal de crime em análise" ", e que, por isso, mal, lá acaba por " ... rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, por inadmissibilidade lega!".

2. Fica a Recorrente sem alcançar por que razão se entendeu ser o seu requerimento de abertura de instrução insuficiente, que o mesmo preenche, sem mácula, as disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, e os factos e o direito da "proclamada acusação alternativa" no essencial até surgem a sublinhado no articulado da Recorrente.

3. Sendo certo que o requerimento para abertura de instrução nem sequer carece de formalidades especiais, o mesmo, para além das razões da discordância, clara e manifestamente, narra os factos perpetrados pelo Arguido/Recorrido de forma livre e intencional sobre os Ofendidos, CC e DD, e subsume esses mesmos factos ao direito aplicável e/ou ao preenchimento dos elementos de punibilidade em relação ao tipo legal a que correspondem os 2 (dois) crimes imputados àquele de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.? 2 do CP (máxime nos arts. 4.°,5.°,7.°,8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°,112.°,113.°,119.°,122.°,123.°,124.°, 125.°, 126.°, 127.° do Rai), sendo também referidas as disposições legais aplicáveis.

4. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente ainda concretiza os factos geradores de responsabilidade criminal do Arguido/Recorrido no tempo (pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Recorrente e o Arguido/Recorrido se separaram - e até à data (de 2022) da apresentação do Rai), no lugar da sua prática (essencialmente no recato do lar do Arguido/Recorrido, mas também em situações em que o mesmo estava sozinho com os Ofendidos), e a possível motivação do Arguido/Recorrido para a sua prática (a difícil aceitação da separação com a Recorrente, e a sua vontade de molestar os Ofendidos para atingir aquela),

5. sendo ainda indicados os atos de instrução que a Recorrente pretenderia que o Mm.o Juiz de Instrução levasse a cabo, mormente, no que aos meios de prova respeita (requerendo-se a inquirição de testemunhas), e bem assim os meios de prova que não foram diligenciados na fase de inquérito (v. g. a audição de uma testemunha requerida, "EE", e que não foi inquirida mesmo após determinação do Superior Hierárquico do Mm.o Magistrado do Ministério Público titular do processo em decisão proferida em sede de intervenção hierárquica que a impunha) e ainda os meios de prova que não foram considerados e/ou que foram insuficientemente valorados (v. g. a não audição da referida testemunha, mas especial e decisivamente o teor das inquirições, coerentes, unânimes e por isso credíveis dos próprios Ofendidos, CC e DD, mas também a prestada pelo do irmão destes, FF).

6. Entende também a Recorrente que o despacho recorrido viola o disposto no artigo 97.°, n.º 5 do CPP padecendo o mesmo do vício de falta de fundamentação bastante (que é genérico, e não são especificados, em concreto, de forma percetível, quais os reais motivos de facto e de direito que sustentam a decisão), sendo a decisão em causa invalida (cf. art. 123.° do CPP).

7. Indiciam suficientemente os autos a prática pelo Arguido/ Recorrido de 2 (dois) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.º 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos.

8. E assim é porque o Arguido/Recorrido, em datas não concretamente apuradas, mas nas semanas em que está com os Ofendidos em cumprimento do regime de convivência fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais, pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Recorrente e o Arguido/Recorrido se separaram - e até à data (de 2022) do envio do requerimento de abertura de instrução, no recato do lar do Arguido/Recorrido e/ou em situações em que está(/ava) sozinho com os menores, inflige(/iu) sobre os Ofendidos CC e DD maus tratos físicos e psíquicos, o que fez aquele por diversas vezes, através de palmadas e nomes que lhes chamava, e isso mesmo decorre da inquirição dos menores

9. Tratam de maus tratos físicos e psíquicos frequentemente infligidos pelo Arguido/ Recorrido sobre cada um dos Ofendidos - mais ao Ofendido DD - que são seus descendentes (vd. art 152.°, n. ° 1, al. e) do CP) e pessoas particularmente indefesas em razão da sua idade (vd. art 152.°, n. ° 1, al. d) do CP), com a agravante de que essas ofensas físicas e psíquicas eram perpetradas na presença de menor e na casa comum ou da vitima, o que, pela reiteração, faz com que os Ofendidos fiquem constrangidos, intimidados, com medo do pai (como decorre das suas declarações, e assim também o disse a testemunha FF) e tudo isso afete o normal desenvolvimento da personalidade de cada um deles.

10. Em fase de inquérito, estando o autor material do crime indiciado (de violência doméstica) perfeitamente identificado, decorridas as diligências necessárias que visavam investigar a existência de crime(s) (que apenas se deram, e mesmo aí nem todas, após douta decisão pelo Superior Hierárquico em sede de intervenção hierárquica que a este foi apresentada pela Recorrente), descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação (que foram várias, em especial os depoimentos dos Ofendidos CC e DD, e o prestado pelo irmão destes, FF), viria então o Ministério Público, mas mal, e numa segunda vez, a arquivar de novo o inquérito.

11. Não conformada, a Recorrente viria a requerer a abertura da fase processual de instrução, o que fez por requerimento, e desde logo tratou de arguir a nulidade do despacho de arquivamento, nos termos do artigo 120.°, n.º 2, aI. d) do CPP em razão da insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e/ou ter havido omissão de diligências requeridas e tidas como essenciais pela Recorrente - e, assim se deve entender, também pelo Mm. Procurador da República, que determinou essa mesma re-inquirição - para a descoberta da verdade.

12. Certo é que a Recorrente, a final, no seu pedido expresso formulado no requerimento de abertura de instrução, aí nem sequer peticionou o reconhecimento e declaração dessa nulidade por insuficiência do inquérito.

13. Concatenados todos os elementos de prova constantes dos autos, entendia-se (e entende-se) estarem manifesta e suficientemente indiciados os 2 (dois) crimes imputados ao Arguido/ Recorrido, tendo o requerimento de abertura de instrução da Recorrente sido feito no estrito cumprimento dos requisitos legalmente impostos para a sua apresentação previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, donde, se quisermos também, a "proclamada" falta de acusação alternativa pela Recorrente sempre haverá de improceder, porquanto, os factos e o direito que no essencial a compõem até surgem a sublinhado no articulado da Recorrente.

14. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente, e sendo certo que este nem sequer carece de formalidades especiais, ai se descrevem as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação do Arguido/Recorrido, e que constam, em especial, dos artigos 6.°, 8.°, 10.°, 11.°, 49.°, 68.°,93.°,100.°,101.°,110.°,111.°,113.°, 114.°, 115.°, 117.°, 118.°, 119.°, 120., 128.°, 129.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente (cf. art. 287.°, n.º 2, primeira parte, do CPP).

15. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente procede à indicação dos atos de instrução que a Recorrente pretenderia que o Mm.o Juiz de Instrução diligenciasse, tendo sido requerida para a fase processual de instrução, a tomada de declarações à Recorrente, e ainda a audição das testemunhas CC e DD (ambos Ofendidos, e testemunhas essencialíssimas), FF (irmão daqueles, e também essencial, desde logo porque tem conhecimento direto de agressões físicas e psíquicas aos Ofendidos), GG, e ao Prof. EE (este, aliás, que deveria ter sido re-inquirido na fase de inquérito, que assim o determinou a decisão à intervenção hierárquica apresentada, mas o Digno Ministério Público entendeu não dever fazê-lo), sem prejuízo de outras provas que, por serem tidas como essenciais à descoberta da verdade, se fizesse ainda chegar aos autos (cf. art. 287.°, n.º 2, segunda parte, do CPP).

16. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente ainda versa sobre os meios de prova em observação durante a fase de inquérito que não foram levados a efeito pelo Ministério Público, como o seja, por exemplo, a inquirição do Prof. EE, malgrado essa audição tenha sido requerida no requerimento por via do qual a Recorrente suscitou intervenção hierárquica ao Superior imediato do Mm.o Magistrado do Ministério Público, e assim foi ordenada a sua audição na douta decisão proferida à reclamação hierárquica, mas que o Digno Ministério Público entendeu não ter de realizar essa audição, e bem assim, os meios de prova que se têm como deficientemente valorados, como o sejam, em especial, os coerentes, unanimes, e por isso, credíveis depoimentos prestados pelos próprios Ofendidos, CC e DD, e ainda o prestado pelo irmão destes, FF, que aqueles sufraga, tudo isto, visto e descrito, entre outros, nos artigos 19.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 31.°, 96.°, 97.°, 98.°, 99.°, 102.°, 120.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente (cf. art. 287.°, n.º 2, segunda parte, do CPP).

17. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente descreve, de forma ampla e circunstanciada, com o direito aplicável, os factos perpetrados pelo Arguido/Recorrido de forma livre, voluntária e intencionalmente sobre os Ofendidos, CC e DD, local onde, pela descrição feita, e sendo tais factos provados, natural e necessariamente, levariam os mesmos à prolação de despacho de pronúncia ao Arguido/Recorrido (cf. arts. 287.°, n.? 2, in fine, e 283.°, n.º 3, al. b), ambos do CPP).

18. Esses factos descritos pela Recorrente, e que a mesma teve o cuidado de os assinalar com sublinhado, constituem uma verdadeira acusação alternativa e fixam o objeto do processo, de resto, que também está o mesmo perfeitamente definido.

19. Relativamente aos 2 (dois) crimes imputados ao Arguido/Recorrido de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.o 2 do CP, perpetrado cada um deles sobre os Ofendidos CC e DD, surge, em especial, nos artigos 4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°, 112.°, 113.°, 119.°, 122.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente a descrição dos factos que integram este tipo legal, e que, provados, preenchem os elementos típicos, objetivos e subjetivo, da prática do mesmo, surgindo, especificadamente, o elemento subjetivo nos artigos 119.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.° desse articulado da Recorrente.

20. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente indica as disposições legais aplicáveis a que se subsumem os factos descritos e que tipificam e enquadram os 2 (dois) crimes de violência doméstica imputados ao Arguido/ Recorrente, um deles sobre cada um dos Ofendidos, mormente no que ao preenchimento dos respetivos elementos de punibilidade respeita, o que se faz, para todos eles, e em especial, nos artigos 12.°, 33.°, 104.°, 116.°, 126.°, 128.° daquele requerimento (cf. arts. 287.°, n.? 2, in fine, e 283.°, n.º 3, aI. c), ambos do CPP).

21. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente indica/concretiza o lugar da prática dos factos levados a efeito pelo Arguido/Recorrido sobre cada um dos Ofendidos, que se deram essencialmente no recato do lar do Arguido/Recorrido, mas também em situações em que o mesmo estava sozinho com os Ofendidos (vd. arts 4.°,41.°,46.°,47.°,48.°, 52.°, 58.°, 59.°, 89.°, 106.°, 122.° do Rai),

22. assim como indica no tempo as alturas da sua ocorrência, que foi nos dias em que o Arguido/ Recorrido beneficiava dos períodos de convivência com os Ofendidos em conformidade com o decretado na decisão relativa ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo menos entre 2017 e a data (de 2022) da apresentação do requerimento de abertura de instrução (vd. arts 4.°,44.°,46.°,47.°,48.°, 50.°, 51.°, 52.°, 59.°, 62.°, 77.°. 78.°, 80.°,81.°,89.°,92.°,93.°,104.°,105.°,106.°, 109.°, 122.°, 123.°, 125.° do Rai),

23. e ainda indica uma possível motivação do Arguido/Recorrido para a sua prática, que terá sido a difícil aceitação da separação da Recorrente e, com isso, pretendeu molestar os Ofendidos para atingir aquela (vd. arts 38.°, 44.°, 65.°, 92.° do Rai).

24. Sobre o Indeferimento à nulidade invocada do despacho de arquivamento do Inquérito.

Em 27.04.2022 foi a Recorrente notificada de (um primeiro) despacho final de encerramento de inquérito.

25. Nem sequer os próprios Ofendidos, CC e DD, ou o irmão de ambos, FF (com conhecimento direto de parte dos factos em investigação) tinham sido instados/notificados para prestarem o seu depoimento nos autos, altura em que os mesmos facilmente poderiam esclarecer os factos em investigação, mormente quanto às agressões físicas e psíquicas a eles infligidas pelo Arguido/Recorrido.

26. A Assistente viria a reclamar desse arquivamento, apresentando intervenção hierárquica para apreciação e decisão pelo imediato Superior Hierárquico do Mm.o Magistrado do Ministério Público, e aí requerendo o prosseguimento das investigações em fase de inquérito.

27. A intervenção hierárquica, contrariamente ao que o despacho recorrido parece querer fazer ver, não colide com o facto de a direção do inquérito caber ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal - que isso ninguém coloca em causa - mas antes é um expediente legal que permite que os despachos por eles proferidos possam ser reapreciados, estando os mesmos sujeitos ao controlo do seu imediato superior hierárquico.

28. Sendo certo que o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia na direção do inquérito, a verdade é que os seus Magistrados são hierarquicamente subordinados, consistindo essa hierarquia na subordinação, nos termos da lei, dos de grau inferior aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das diretrizes, ordens e instruções recebidas do seu Superior Hierárquico (cf. art. 76.°, n.º 2 do Estatuto do Ministério Público, e art. 219.°, n.º 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa).

29. Por isso mesmo, a Recorrente não conformada com o (primeiro) despacho de arquivamento do inquérito, o que se deu sem sequer terem sido realizadas as diligências devidas - incluindo a prestação de declarações dos proprios Ofendidos, CC e DD, e do irmão destes, FF - apresentou a sua reclamação ao imediato superior do Mm.o Magistrado do Ministério Público, em cujo articulado, a final, peticionou que fosse determinada a realização de diligências de investigação e de recolha de prova, assinalando e requerendo a inquirição de 7 (sete) pessoas, donde se incluía a testemunha EE.

30. A decisão proferida pelo Superior Hierárquico do Mm.o Magistrado do Ministério Público titular do inquérito sobre a intervenção hierárquica reconheceu a motivação da Recorrente, sendo então determinada a reabertura do inquérito para a realização de todas as diligências requeridas pela Recorrente.

31. Porém, à revelia do determinado na decisão hierárquica, o Digno Ministério Público não diligenciou pela audição da testemunha "EE", e, por via disso, sem justificação bastante, foi incumprido o superiormente decidido pelo Superior Imediato do Mm.o Magistrado do Ministério Público titular do inquérito.

32. Os princípios que regem a atividade do Ministério Público e o estatuto dos seus Magistrados encontram-se, no essencial, previstos no artigo 219.° da Constituição da República Portuguesa, sendo que o princípio da hierarquia traduz-se na «subordinação dos magistrados aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das diretivas, ordens e instruções recebidas» (art. 76°, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público).

33. Segundo o artigo 219.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, os magistrados do Ministério Público são hierarquicamente subordinados, o que faz com que, nos termos da lei orgânica, os magistrados de grau inferior ficam subordinados aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das diretrizes, ordens e instruções recebidas por estes últimos.

34. Contrariamente àquilo que a decisão recorrida quer fazer ver, o Ministério Público não cumpriu - mas devia - com a decisão superiormente proferida pelo seu imediato Superior Hierárquico, o que, per si, tratando-se da inquirição de testemunha em ordem à decisão de acusação, fez com que o inquérito seja insuficiente em razão de não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios - porque superiormente determinados -, havendo, ao invés, a omissão de diligências tidas como essenciais para as finalidades de inquérito.

35. Ainda que o reconhecimento e declaração da nulidade invocada nos termos do artigo 120.°, n.º 2, aI. d) do CPP não tenha chegado sequer a ser peticionada, a final, no segmento do pedido do requerimento de abertura de instrução, mal andou a decisão recorrida quando não observa que a não audição da testemunha indicada na intervenção hierárquica, o "Prof EE", havendo decisão superior que impunha essa inquirição, fez com que o despacho final de encerramento de inquérito padeça de nulidade, nos termos do artigo 120.°, n.º 2, al. d) do CPP em razão da insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e/ou ter havido omissão de diligências requeridas e tidas como essenciais para a descoberta da verdade (assim entendido também pelo superior imediato do Mm.o Magistrado do Ministério Público titular do inquérito).

36. Sobre a alegada falta dos elementos típicos, objetivos e subjetivo, de punibilidade, ou então só do elemento subjetivo.

O requerimento para abertura de instrução da Recorrente cumpre escrupulosamente com os requisitos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, necessariamente com a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao Arguido/Recorrido de uma pena (ou seja, que tendam a tornar evidente a prática de crime/s pelo mesmo, e com o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do respetivo tipo legai), sendo que esses factos descritos pela Recorrente são tidos como uma verdadeira acusação alternativa, que até surgem a sublinhado, e fixam o objeto do processo.

37. Mal andou a decisão recorrida, entre outros, na parte em que ai refere que no requerimento para abertura de instrução da Recorrente não consta uma " ... narração dos elementos objetivos e é insuficiente quanto à dimensão subjetiva do tipo legal de crime em análise': que " ... ao longo do requerimento de abertura de instrução, verifica-se que ainda assim são insuficientes para o preenchimento de todos os elementos do crime em causa", que "... em traços muito simples e sem necessidade de grandes considerações, os factos relatados o requerimento de abertura de instrução (. . .) não integral qualquer tipo crimina!", e que, por isso, " ... decide-se rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, por inadmissibilidade lega!".

38. Fica a Recorrente sem alcançar por que razão se entendeu ser o seu requerimento de abertura de instrução insuficiente (que o mesmo, aliás como infra melhor se verá, preenche, sem mácula, as disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, e os factos e direito da "proclamada" acusação alternativa até surgem a sublinhado).

39. Pior, é que por manifesta falta de fundamentação, ou pelo menos uma que possa ser havida por suficiente (que não são especificados, em concreto, os motivos que sustentam a decisão), nem sequer consegue alcançar se a "tal" insuficiência, no entender do despacho recorrido, respeitará, em bloco, aos elementos típicos de punibilidade, ou só ao elemento subjetivo.

40. Muito mal andou o despacho recorrido ao rejeitar o requerimento para abertura de instrução da Recorrente que, por o mesmo preencher manifestamente os requisitos legais que subjazem à sua apresentação previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, als. b) e c), ambos do CPP, e em conformidade com o que é de direito, deveria esse requerimento ter sido admitido, sendo declarada aberta a fase processual de instrução, com admissão da prova requerida para esta fase, e posterior agendamento do respetivo debate instrutório, com a produção da prova requerida e, a final, serem tidos como francamente indiciados os factos e crimes imputados ao Arguido/Recorrido, sendo este pronunciado pelos 2 (dois) crimes que se lhe imputam, 1 (um) sobre o Ofendido CC, e outro sobre o Ofendido DD.

41. Vejamos. Da conjugação dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP constata-se que o requerimento para abertura de instrução "não está sujeito a formalidades especiais" mas, ainda assim, deve conter as indicações ai mencionadas.

42. Segundo o artigo 287.°, n.º 3 do CPP, "O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução".

43. Nenhumas dúvidas restam de que o requerimento para abertura de instrução da Recorrente, observa, sem mácula, os requisitos legais para a sua apresentação e que estão previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, pois que do mesmo, muito clara e manifestamente, constam as razões (de facto e de direito) da discordância quanto à posição do Ministério Público de não deduzir despacho de acusação contra o Arguido/Recorrido, que, de resto, o próprio despacho recorrido reconhece (cf. art. 287.°, n.º 2, primeira parte, do CPP).

44. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente consta a indicação dos atos de instrução que se pretenderia que o Mm.o Juiz de Instrução levasse a cabo, mormente, no que aos meios de prova respeita, tendo sido requerida para a fase processual de instrução, e enquanto meio de obtenção de prova destinada ao reforço da (já suficiente) indiciação criminal colocada na esfera de responsabilidade Arguido/Recorrido, a tomada de declarações à Recorrente, e ainda a audição das testemunhas CC e DD (ambos Ofendidos, e testemunhas essencialíssimas), FF (irmão daqueles, e também essencial, desde logo porque tem conhecimento direto de agressões físicas e psíquicas aos Ofendidos), GG, e ao Prof. EE (este, aliás, que deveria ter sido re-inquirido na fase de inquérito, que assim o determinou a decisão à intervenção hierárquica apresentada, mas o Digno Ministério Público entendeu não dever fazê-lo) (cf. art. 287.°, n.º 2, segunda parte, do CPP).

45. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente consta a indicação dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito, aí se fazendo ver que uma das

testemunhas indicadas para audição na intervenção hierárquica apresentada após o primeiro despacho de arquivamento não chegou sequer a ser ouvida pelo Digno Ministério Público, sem que se perceba, mas que assim foi à revelia do superiormente determinado na douta decisão a essa reclamação hierárquica.

46. O articulado da Recorrente também demonstra os meios de prova que se têm como insuficientemente apreciados e valorados, como sucedeu, por exemplo, com que as declarações dos Ofendidos, CC e DD, aliás, unânimes, coerentes, e por isso mesmo, credíveis, mas também as prestadas pelo irmão destes, FF, as quais não foram consideradas na fase de inquérito, ou assim se deve entender, pois que afirmam os mesmos os maus tratos físicos e psíquicos perpetrados sobre eles pelo Arguido/ Recorrente, com a devida concretização no tempo (desde 2017), no lugar (essencialmente em casa do Arguido/Recorrido) e quanto à reiteração (uma a três vezes por semana) e modo de execução (ofensas físicas por via de palmadas no rabo e no resto do corpo, e ofensas psíquicas através de insultos, sendo também referidos os nomes que lhes eram chamados), mas, ainda assim, mal, entende a decisão recorrida que o requerimento de abertura de instrução não contem e/ou é insuficiente quanto à narração dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de violência doméstica que se imputa ao Arguido/ Recorrido.

47. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente consta a narração (que nem sequer é sintética) dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, ou seja, que tendem a tornar evidente a prática de crime(s) pelo Arguido (com preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do(s) respetivo(s) tipo(s) legal(ais».

48. A Recorrente descreve, forma ampla e circunstanciada, com o direito aplicável, os factos perpetrados pelo Arguido/Recorrido de forma livre, voluntária e intencionalmente sobre os Ofendidos, CC e DD (máxime arts 4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°, 112.°, 113.°, 119.°, 122.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.° do Rai), local onde, pela descrição feita, e sendo tais factos provados, natural e necessariamente, levariam os mesmos à prolação de despacho de pronúncia ao Arguido/Recorrido.

49. Esses factos descritos pela Recorrente constituem uma verdadeira acusação alternativa e fixam o objeto do processo, de resto, que também está o mesmo perfeitamente definido.

50. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente há a concretização dos factos no tempo e no lugar da sua ocorrência, a motivação do Arguido para a sua prática, e ainda o seu grau de participação nos mesmos.

51. A Recorrente, efetivamente, indica/concretiza o lugar da consumação dos factos praticados pelo Arguido/Recorrido sobre os Ofendidos, que se deram essencialmente no recato do lar do Arguido/Recorrido, mas também em situações em que o mesmo estava sozinho com os Ofendidos (vd. arts 4.°, 41.°, 46.°, 47.°, 48.°, 52.°, 58.°, 59.°, 89.°, 106.°, 122.° do Rai), assim como indica o horizonte temporal da sua ocorrência, que foi pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Recorrente e o Arguido/Recorrido se separaram - e até à data (de 2022) da apresentação do requerimento de abertura de instrução (vd. arts 4.°, 44.°, 46.°, 47.°, 48.°, 50.°, 51.°, 52.°, 59.°, 62.°, 77.°. 78.°, 80.°, 81.°, 89.°, 92.°, 93.°, 104.°, 105.°, 106.°, 109.°, 122.°, 123.°, 125.° do Rai), e ainda indicada uma possível motivação do Arguido/Recorrido para a sua prática (vd. arts 38.°, 44.°, 65.°, 92.° do Rai).

52. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente consta a indicação das normas aplicáveis e que se subsumem os factos descritos e que enquadram o tipo legal de crime imputado ao Arguido/Recorrido, mormente no que respeita ao preenchimento dos elementos típicos, objetivos e subjetivo do tipo legal de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais. d) e e), e n.º 2 do CP, o que se faz no requerimento para abertura de instrução, para todos os ilícitos imputados, e em especial, nos artigos 4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°,88.°,89.°,90.°,91.°,92.°,93.°,94.°,95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°, 112.°, 113.°, 119.°, 122.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.° daquele requerimento (cf. arts. 287.°, n.? 2, in fine, e 283.°, n.º 3, al. c), ambos do CPP).

53. O requerimento para abertura de instrução da Recorrente, i) identifica a pessoa contra a qual é dirigido o requerimento/acusação, ii) constam os factos, devidamente individualizados e situados no tempo e no lugar da sua ocorrência, o que constitui o elemento objetivo do tipo incriminador que se imputa ao Arguido/Recorrido, iii) consta também o elemento subjetivo, assim como iv) constam ainda as disposições legais aplicáveis a que se faz corresponder a descrição factual, fazendo-se, pois, muito claramente, a integração típica, mas que, muito mal, o despacho recorrido assim não viu.

54. Nenhumas razões se vislumbram para que o requerimento para abertura de instrução do Recorrente tivesse sido rejeitado por alegada inadmissibilidade legal.

55. Após o arquivamento dos autos em fase de inquérito pelo Ministério Público, em 27.12.2022 e não conformada com esse (segundo) arquivamento, viria então a Recorrente a requerer a abertura da fase processual de instrução, o que fez/requereu, como já visto, com a estrita observância dos requisitos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, muito mal andando o despacho recorrido quando isso não perceciona.

56. Nesse requerimento para abertura de instrução - com legitimidade e justificação jurídico-criminal para tal imputa a Recorrente ao Arguido/Recorrido a autoria material de 2 (dois) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ais d) e e), e n.º 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos.

57. O tipo legal de "Violência doméstica" tem como elementos objetivos a inflição de ofensas físicas e/ou psíquicas a pessoa particularmente indefesa em razão da sua idade e/ou a descendente, com a agravante da mais forte punibilidade se esses atos são perpetrados na presença de menor no domicilio comum ou da vitima (o que também é o caso, pois que sobre os Ofendidos vigora regime de "guarda partilhada", estando eles uma semana na casa da Recorrente, e outra na casa do Arguido/Recorrido alternadamente).

58. O referido tipo legal de "Violência doméstica" é doloso, donde, o seu elemento subjetivo reside na intenção do agente assumir os tipos de conduta que preencham os elementos objetivos, i. e. em ofender física ou mentalmente a vítima.

59. No requerimento para abertura de instrução da Recorrente, surge, em especial, e em boa parte a sublinhado, nos artigos 4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°,91.°,92.°,93.°,94.°,95.°,105.°,107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°, 112.°, 113.°, 119.°, 122.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.°, a descrição dos factos que integram este tipo legal, e que, provados, preenchem os elementos típicos, objetivos e subjetivo, da prática do mesmo.

60. Se quisermos, quanto aos elementos objetivos do tipo legal de violência doméstica, surge a descrição dos factos que integram o mesmo, entre outros, nos artigos 4.°,5.°,7.°,8.°,12.°,46.°,47.°,48.°,49.°,50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°,75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°,107.°,108.°,109.°,110.°,111.°,112.°, 113.°, 122.°, 123.°, 124.°, 125.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente.

61. Já quanto ao elemento subjetivo do tipo incriminador em causa, surge o mesmo, mais precisamente descrito, em especial nos artigos 119.°, 123.°, 124.°, 125.°, 126.°, 127.° do requerimento para abertura de instrução da Recorrente.

62. Contrariamente ao entendido no despacho recorrido - que aqui mal se andou nas suas considerações e conclusão/decisão de rejeitar o Rai - entende a Recorrente que o seu requerimento para abertura de instrução, clara e manifestamente, deu total cumprimento aos requisitos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, porquanto no mesmo, entre outros, ampla e circunstanciadamente, constam os factos que, provados, integram os elementos típicos, objetivos e subjetivo do tipo legal de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, ald d) e e), e n.º 2 do CP e, por ai, natural e necessariamente, fundamentam a aplicação ao Arguido/Recorrido de uma pena/pronúncia.

63. Quanto ao elemento subjetivo do tipo legal em causa, importa ver que a culpa do Arguido/Recorrido assenta no dolo direto, nos termos do artigo 14.°, n.º 1 do CP, pois que o seu comportamento, livre e consciente, foi finalisticamente dirigido ao resultado visado e conseguido, e que era de perpetrar sobre cada um dos Ofendidos ofensas físicas e psíquicas, aliás, nesta parte, como até expressamente se diz no artigo 126.° do requerimento de abertura de instrução da Recorrente.

64. Do que se depreende do despacho recorrido, que falha clamorosamente na fundamentação da sua decisão, o mesmo, dito de modo simplista, limitou-se a afirmar que a Recorrente, no essencial, não apresentou factos que, provados, se subsumam aos tipos legais de crime participados, o que não corresponde minimamente à verdade, pois que os factos descritos no requerimento para abertura de instrução da Recorrente, ai se subsumem os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do tipo legal que se imputa ao Arguido/Recorrido, e cujos factos são tudo menos genéricos e/ou impercetíveis.

65. Ademais, entende a Recorrente ainda que, concatenados todos os elementos de prova constantes dos autos, donde se inclui os factos descritos pelos próprios Ofendidos, CC e DD, o conteúdo do depoimento prestado nos autos pelo irmão daqueles, FF, que tem conhecimento direto de agressões físicas e psíquicas aos Ofendidos, e que sufraga os factos narrados pelos Ofendidos, e ainda os depoimentos da Recorrente e da testemunha GG, ficam suficientemente indiciados os 2 (dois) crimes imputados ao Arguido/Recorrido, pois que, assim se entende, estão manifestamente preenchidos os respetivos elementos típicos, objetivos e subjetivos, do referido tipo legal, praticado sobre cada um dos Ofendidos.

66. Destarte, razões inexistem para que não se conclua que o requerimento para abertura de instrução da Recorrente observa, clara e inequivocamente, os requisitos legais para a sua apresentação e que estão previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, als. b) e c), ambos do CPP, pois que do mesmo, é manifesto, contam, i) as razões (de facto e de direito) da discordância quanto à posição do Ministério Público de não deduzir despacho de acusação contra o Arguido/Recorrido, ii) a indicação dos atas de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, e os que não foram considerados na fase de inquérito, iii) a narração (que nem sequer é sintética) dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, ou seja, que tendem a tornar evidente a prática de crime(s) pelo Arguido (com preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do(s) respetivo(s) tipo(s) legal(ais», iv) a concretização dos factos no tempo e no lugar da sua ocorrência, a motivação do Arguido para a sua prática, e ainda o seu grau de participação nos mesmos, e v) a indicação das norma aplicáveis.

67. E é por isso que não alcança sequer a Requerente por que razão entende o despacho recorrido que o seu requerimento para abertura de instrução é legalmente inadmissível, o que, salvo o devido respeito, assim não considera a Recorrente nos termos e condições acima expendidas.

68. Entende também a Recorrente que o despacho recorrido viola o disposto no artigo 97.°, n.º 5 do CPP padecendo o mesmo do vício de falta de fundamentação (que não são especificados, em concreto, os motivos de facto e de direito que sustentem a decisão) e, consequentemente, está a decisão sob censura inquinada de irregularidade que determina a sua invalidade, o que se argui para os devidos e legais efeitos nos termos e do artigo 123.° do CPP.

69. Dúvidas inexistem de que muito mal andou o despacho recorrido ao rejeitar o requerimento para abertura de instrução da Recorrente que, por o mesmo preencher manifestamente os requisitos legais que subjazem à sua apresentação previstos nas disposições conjugadas dos artigos 287.°, n.º 2 e 283.°, n.º 3, ais. b) e c), ambos do CPP, e em conformidade com o que é de direito, deveria esse requerimento ter sido admitido, sendo declarada aberta a fase processual de instrução, com admissão dos meios de prova requeridos para esta fase, e depois proceder-se ao agendamento do respetivo debate instrutório, com a produção da prova requerida e, a final, serem tidos como francamente indiciados os factos e crimes imputados ao Arguido/Recorrido, sendo este pronunciado pelos crimes que se lhe imputam.

70. Termos em que, muito respeitosamente se requer a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Digno Tribunal da Relação de Évora que se reconheça que o despacho recorrido falha clamorosamente nas suas considerações e conclusão de rejeição do requerimento para abertura de instrução da Recorrente por alegada inadmissibilidade legal (mas que assim não é), sendo o recurso da Recorrente julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que, em conformidade com o que é de direito, declare aberta a fase processual de instrução, tanto mais que o referido despacho sob censura até padece de irregularidade por falta de fundamentação bastante, sendo admitido o suporte probatório requerido para esta fase (que é importante às finalidades de instrução, e boa decisão da causa) e dado sem efeito a condenação em custas da Recorrente.

*

Nestes termos, e nos demais de Direito - do sempre mui Douto Suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Digno Tribunal da Relação de Évora - deve o presente recurso ser aceite e julgado totalmente procedente por provado, e, por conseguinte, reconhecendo-se que o despacho recorrido falha ao rejeitar o requerimento para abertura de instrução da ora Recorrente por alegada inadmissibilidade legal (que nenhum motivo existe para tal), deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que, em conformidade com o que é de direito, declare aberta a fase processual de instrução, tanto mais que o referido despacho sob censura até padece de irregularidade por falta de fundamentação bastante, sendo admitido o suporte probatório requerido para esta fase (que é importante às finalidades de instrução, e boa decisão da causa) e dado sem efeito a condenação em custas da Recorrente, assim se fazendo a sempre costumada, JUSTiÇA!»

c. Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, que:

«1. A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento;

2. Sendo a instrução requerida pelo assistente, a mesma apenas pode dizer respeito a factos relativamente aos quais o M.ºP.º não tenha deduzido acusação;

3. O requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente deve conter, para além dos requisitos constantes dos arts. 287 n.º 2 e 283 n.º 3 als. b) e c) do CPP, a narração própria de uma acusação, mediante a descrição dos factos concretos suscetíveis de integrar todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal que a assistente imputa ao arguido;

4. O requerimento acusatório formulado pelo assistente delimita o objeto do processo, com a correspondente vinculação temática do tribunal, garantindo a estrutura acusatória do processo e a defesa do arguido que, sabendo concretamente quais os factos e os crimes que lhe são imputados, pode exercer o contraditório;

5. No caso em apreço, a assistente, não fez no RAI a necessária inventariação factual equivalente a uma acusação, limitando-se a enumerar as razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do M.ºP.º, omitindo a descrição integral dos factos suscetíveis de preencher os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime que imputa ao arguido;

6. Ao rejeitar o RAI com fundamento na sua inadmissibilidade legal, o Mer.º JIC a quo não violou o disposto nos arts. 286 e 287 do CPP.

Em face do exposto, não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, pronunciou-se no sentido na improcedência do recurso.

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, a recorrente veio reiterar as razões já por si aduzidas no recurso.

Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência, importando conhecer e decidir.

II – Fundamentação

A.Delimitação do objeto do recurso

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º CPP), desse modo delimitando o âmbito do recurso. Daí resulta serem duas as questões aportadas ao conhecimento desta instância:

- nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;

- o requerimento do assistente contém os requisitos exigidos pela lei para abertura da fase de instrução.

B. O requerimento de abertura de instrução (RAI) colocado em crise pela decisão recorrida – na parte relevante para o recurso (3) - tem o seguinte teor:

«(…)

DA CONCRETA DISCORDÂNCIA. DE FACTO E DE DIREITO. RELATIVAMENTE AO CONTEÚDO DO DESPACHO DE ARQUIVAMENTO

Sem que se conforme a Assistente com o sentido e alcance do despacho de encerramento do inquérito, que o arquiva, relativamente aos factos que decorrem da certidão extraída do processo administrativo n.º 670/22.9T9PTM, a correr termos na Procuradoria do Juízo Central de Família e Menores de …, e que foram sufragados pelos Ofendidos aquando das respetivas inquirições, mas também pelo irmão de ambos (FF) e da Assistente, aqui se devolvem os factos aos seus devidos termos e condições, assinalando-se, pois, os pontos da discórdia, de facto e de direito, relativamente ao despacho de arquivamento do inquérito, bem como assim os elementos de prova que imporiam decisão diversa.

Com os elementos de prova constantes dos autos, seja por via de prova documental. testemunhal ou outra, indiciam suficientemente os autos a prática pelo Arguido de 2 (dois) crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, als. d) e e), e n.o 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos, mas o que - mal - assim não viu o Digno Ministério Público.

Vejamos,

«(…)

4. E assim é porque o Arguido, em datas não concretamente apuradas, mas nas semanas em que está com os Ofendidos em cumprimento do regime de convivência fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais (processo n.º 1800/17.8T8PTM, Juízo de Família e Menores de …), pelo menos desde o ano de 2017 - ano em que a Assistente e o Arguido se separaram - e até à presente data (de 2022), no recato do lar e/ou em situações em que estava sozinho com os menores, infligiu sobre os Ofendidos CC e DD maus tratos físicos e psíquicos, o que fez por diversas vezes.

5. Os maus tratos físicos infligidos pelo Arguido sobre os Ofendidos, claro está, não eram perpetrados em igual número, nos mesmos dias, de igual forma ou em similitude de circunstâncias, sem que possa alvitrar-se que o Arguido após infligir maus tratos a um dos Ofendidos tivesse, necessariamente, de ir "a correr" bater também ao outro Ofendido de igual forma só porque tinha batido ao irmão, ou então que os insultos dirigidos a um dos Ofendidos tivessem de ser dirigidos também ao outro elou fossem chamados os mesmos nomes.

6. Daí que as declarações prestadas pelos Ofendidos nos autos não coincidam na plenitude entre elas, nem tinham de coincidir, porquanto, cada um deles relatou, no essencial, os maus tratos que sofreu "às "mãos" do Arguido, e cujas agressões como é evidente não ocorreram exatamente nos mesmos dias, nem em igual número, mal andando, portanto, o Digno Ministério Público quando refere que "os depoimentos não se afiguram credíveis" por "não serem coerentes entre si, pois desde logo o hiato temporal a que se referem quanto à ocorrência das agressões não é coincidente, a reiteração das condutas também é descrita de forma distinta ... "."

7. O "hiato temporal" não é coincidente, porque não tinha de ser, e a frequência dos maus tratos aos Ofendidos também não é, porque também não tinha de ser. sendo certo que o Ofendido DD relatou uma maior frequência de agressões muito simplesmente porque é alvo de mais episódios de maus tratos pelo Arguido do que o Ofendido CC. o que aliás, note-se, já este último tinha dito aquando da sua entrevista na CPCJ de 20.12.2021, e agora se extrai também das suas declarações.

12. A verdade é que se tratam de maus tratos físicos e psíquicos frequentemente infligidos pelo Arguido sobre cada um dos Ofendidos - mais ao Ofendido DD - que são seus descendentes (vd. art 152.°, n.º 1, aI. e) do CP) e pessoas particularmente indefesas em razão da sua idade (vd. art 152.°, n.º 1, aI. d) do CP), o que, pela reiteração, faz com que os Ofendidos fiquem constrangidos, intimidados, com medo do pai (como decorre das suas declarações, e assim também o disse a testemunha FF) e tudo isso afete o normal desenvolvimento da personalidade de cada um deles.

34. A Assistente e o Arguido viveram um com o outro em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de 8 (oito) anos, tendo essa relação terminado em junho de 2017.

35. No âmbito dessa relação amorosa, em …2013, nasceram os 2 (dois) filhos do casal. os Ofendidos CC e DD, hoje com 9 (nove) anos.

(…)

46. Nos períodos em que os Ofendidos estão à guarda do Arguido, e quando ocorrem essas brincadeiras, com algum barulho e risadas, ou mesmo não as havendo, o Arguido, sem justificação para tal, inflige maus tratos físicos e psíquicos sobre os Ofendidos.

47. Desde 2017 que o Arguido, no recato da sua habitação e/ou em momentos em que está com os Ofendidos, desfere sobre os mesmos palmadas na cara e no "rabo" em número não concretamente apurado, mas que será pelo menos 1 (uma) vez por semana sobre o Ofendido CC, e 3 (três) também por semana, sobre o Ofendido DD, o que constituem, seguramente, ofensas corporais,

48. Numa das ocasiões de ofensas físicas perpetradas pelo Arguido, em julho/agosto de 2022, de entre outras, os Ofendidos iam no veículo do Arguido, também na companhia do irmão daqueles (FF) que ía para o ginásio, quando o Arguido, estando ao telemóvel a tratar de questões profissionais, mas sem justificação para tal, desfere uma palmada na cara do Ofendido DD, tendo este ficado a sangrar do nariz.

49. Tal agressão, que provocou dor e lesão no Ofendido DD, foi referenciada pelo mesmo nas suas declarações, e comprovado também pelo Ofendido CC e ainda pela testemunha FF - irmão daqueles - mas sem que o Digno Ministério Público daí retirasse a consequência jurídica que se impunha, i. e. a suficiente indiciação do tipo legal que se lhe imputa, com consequente acusação.

50. Além dos maus tratos físicos, o Arguido, também desde 2017 e até à presente data, inflige ainda maus tratos psíquicos sobre os Ofendidos CC e DD, insultando-os sem razão, chamando-lhes nomes, como por exemplo, de "otário", de "burro", e utilizando expressões como "p.u.t.a" e "carvalho, sem "v"" perante os mesmos.

51. Estando os factos minimamente determinados no tempo, no espaço, e circunstâncias especificas da sua ocorrência, importa ver também que os maus tratos físicos e psíquicos perpetrados pelo Arguido sobre os Ofendidos ocorrem desde 2017 com regularidade, em número de 1 a 3 vezes por semana, sobre o Ofendido CC e DD respetivamente, sendo, pois, reiterado o comportamento do Arguido.

52. Ou seja, o Arguido, desde 2017 - ano em que a Assistente e o Arguido se separaram - e até à presente data (de 2022), em dias não concretamente apurados, mas nas semanas em que estava com os Ofendidos em cumprimento do regime de convivência fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais (Processo n.º 1800/17.8T8PTM, Juízo de Família e Menores de …), no recato do lar e/ou em situações em que estava sozinho com os menores, infligiu sobre os Ofendidos CC e DD maus tratos físicos e psíquicos. o que fez por diversas vezes.

(…)

58. As agressões do Arguido aos Ofendidos. CC e DD, como aliás sucede na maioria dos casos em que está em causa a prática de crime de violência doméstica, dão-se maioritariamente no recato do lar do Arguido nas alturas em que aqueles, em cumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais de guarda conjunta. estão na casa do Arguido.

59. Certo é que em 20.12.2021, em entrevista realizada aos Ofendidos. CC e DD. nas instalações da CPCJ em … referiram eles que o pai, o aqui Arguido. lhes bate muitas vezes e que às vezes nem percebem o motivo para as agressões de que são alvo.

60. O Ofendido CC referiu. inclusive, que o pai bate mais ao seu irmão DD. o que, aliás, voltou a referir novamente aquando das suas declarações nestes autos.

61. De acordo com o relatório da entrevista realizada aos Ofendidos dos autos em 20.12.2021, a fls ( ... ), aí ficou a constar o seguinte: "Ambos referem que gostam de estar mais com a mais mãe porque a mãe passeia com eles e não lhes bate.

Mencionam que o pai lhes bate muitas vezes, por vezes porque fazem asneiras, outras vezes não compreendem o motivo.

O CC refere que o pai bate mais no DD. ".

62. Em 22,02.2022. em entrevista realizada na escola aos Ofendidos CC e DD, voltaram eles a referir que o pai lhes bate por diversas vezes.

63. Sendo questionados sobre o que "mudariam na casa do pai?", disseram os Ofendidos e. em particular. o Ofendido DD. que mudariam o facto de o pai, o aqui Arguido, lhes bater.

(…)

66. Disse ainda o Arguido, de forma clara. mas superficial. que aplica castigos e consequências aos seus filhos. i. e. aos Ofendidos dos autos. ficando por dizer. aliás de forma conveniente, que tipo de "castigos" e "consequências" são esses que inflige aos seus filhos menores.

(…)

68. Da prova constante dos autos, ainda que indiciária, mas contrariamente ao que refere o Digno Ministério Público, crê-se não corresponder à verdade que haja " ... carência de indícios" sobre o que se imputa ao Arguido, pois que os Ofendidos CC e DD por diversas vezes afirmaram que o pai lhes bate, mais ao menor DD (cerca de 3 vezes por semana, e ao Ofendido CC, uma vez) e, mais conclusivo ainda, é ver que o próprio Arguido diz que aplica "castigos" e "consequências" aos seus filhos.

Continuando,

69. Em 25.03.2022 em entrevista realizada à Assistente nas instalações da CPCJ em … referiu a mesma que os seus filhos, os menores CC e DD, por diversas vezes lhe dizem que o pai, o aqui Arguido, lhes bate, e que o irmão FF podia confirmar esse facto, muito simplesmente, porque via essas ofensas tisicas.

70. Nessa ocasião as técnicas da CPCJ referiram a entrevista de 22.02.2022 realizada aos Ofendidos na escola, mencionando aquelas que da observação comportamental aos menores CC e DD notaram tristeza dos menores ao falarem do pai e alegria e entusiamo ao falarem da mãe.

71. Importa também ver que aquando da prestação do depoimento pela Assistente na GNR de …, em 29.03.2022, disse a mesma que os seus filhos, os menores CC e DD, em variadíssimas vezes lhe dizem que o pai, o aqui Arguido, lhes batia, acrescentando ainda que o irmão FF, em fins de semana alternados, tem presenciado as agressões aos Ofendidos destes autos, e que ele próprio revela à sua mãe GG, e também à Assistente, ter medo do Arguido, tendo o menor contado por diversas vezes situações ocorridas com os irmãos e com ele próprio.

72. Nessa sua inquirição de 29.03.2022 disse a Assistente que o Arguido " ... é pessoa severa, que é rígido e pouco afetuoso com as crianças. Que o DD contou à depoente que numa ocasião, por ter sido mandado para a cama, estava no quarto com o irmão CC, e estavam na conversa e a rir, tendo o pai entrado no quarto e lhe dado uma bofetada na face.

Que noutra ocasião, lhe confidenciou que ao entrar no prédio, a filha da companheira do pai disse-lhe para tocar num botão, tratando-se do alarme de incêndio, em que o DD tocou e o alarme disparou. Que a menina acusou de imediato o DD e o pai deu-lhe uma bofetada".

73. Já o Ofendido CC, aquando da sua tomada de declarações para memoria futura, disse que "Quando eu estou com o meu pai, o meu pai bate-me quando eu estou a brincar ... ", admitindo o mesmo que às vezes possa estar a fazer alguma coisa mal, mas noutras não.

74. Nas declarações para memória futura prestadas pelo Ofendido DD, também este disse que o pai (o Arguido dos autos) lhe bate, com força, e que quando estão a brincar todos (i. e. os Ofendidos, mais o irmão FF) as agressões vêm "do nada".

75. A testemunha FF, irmão dos Ofendidos, nas suas declarações, disse já ter visto o pai (de todos) a bater nos seus irmãos (ou seja, a CC e a DD), e que só por estarem a saltar e a brincar "levam chapadas e palmadas desnecessariamente ".

76. acrescentando esta testemunha - irmão dos Ofendidos, e com conhecimento direto de parte dos factos em investigação - que as palmada "são bem dadas, com força" (o que percebe pelo barulho, e pelas marcas) e que aqueles, logo após as agressões que sofrem do pai, ficam a chorar.

77. Disse o Ofendido CC que esse bater pelo pai" - que juridicamente dispõe da qualificação de "maus tratos", e ocorre desde junho de 2017 - é traduzido em palmadas na cara, e também "no rabo".

78. Já o Ofendido DD, desde a mesma data, relata episódios de palmadas na cara, nos ombros, nos braços e nas costas.

79. A testemunha FF refere-se a palmadas na cara, no "rabo" e no braço, acrescentando um "sei lá", deixando antever que as agressões podem ser em qualquer parte do corpo.

80. Em termos de frequência, disse o Ofendido CC que essas ofensas físicas ocorrem sempre que está com o Arguido, e são muitas vezes, acrescentando que menos 1 (uma) vez ocorre todas as semanas, mas que até acontece mais do que isso.

81. Também o Ofendido DD disse que esses maus tratos físicos ocorrem quando está com o pai. muitas vezes, e que se dão pelo menos em 3 (três) ocasiões todas as semanas.

82. Nas suas declarações, mais acrescentou o Ofendido CC que essas ofensas físicas infligidas pelo seu pai causam-lhe dor, ficado assustado cada vez que os maus tratos sucedem.

83. Disse que perante essas ofensas físicas nada diz ao seu pai - porventura, com medo, de sofrer novas agressões, julgamos - mas que fica triste cada vez que as agressões ocorrem, e depois já na cama chora, aliás o que sucede também com o seu irmão DD, mas sem que o pai alguma vez lhes tivesse pedido desculpa.

84. O Ofendido DD diz também que nada diz ao seu pai nessas ocasiões, sendo coerente todo o descrito por ambos os Ofendidos, mas que assim não viu o Digno Ministério Público.

85. Suscita-se-nos que esse "chorar na cama", em ambiente pessoal e privado, só para si, é revelador do abalo, inquietude e do medo que sentem do seu pai (como decorre também das declarações da testemunha FF), receando eles que, a qualquer momento, sem razão que o justifique, surjam novas agressões (bem percetivel na vontade de ambos os Ofendidos de estarem mais com a Assistente, e menos com o Arguido, que lhes bate).

86. O Ofendido DD, questionado diretamente, disse que gostavam mais de estar com a mãe (a Assistente) porque "O nosso pai nos batia".

87. A testemunha FF disse, de modo claro e manifesto, que os Ofendidos dos autos - seus irmãos - têm medo do pai, o que, acrescentamos nós, se considerados todos os maus tratos físicos e psíquicos que sofrem "às mãos ao Arguido, se compreende perfeitamente.

88. O Ofendido CC acrescentou ainda que essas ofensas físicas também ocorrem com o seu irmão, o Ofendido DD, igualmente através de palmadas na cara e no "rabo", tendo este já ficado muito magoado.

89. Na descrição deste evento concreto pelo Ofendido CC estava em causa o episódio (acima já falado) em que os Ofendidos em julho! agosto de 2022, na companhia do seu irmão FF, iam com o Arguido de carro para deixar este último no ginásio, altura em que o Arguido, sem justificação para tal, desferiu uma forte palmada na cara do Ofendido DD, tendo este ficado a sangrar do nariz.

90. O Ofendido DD, nas suas declarações para memória futura, relata também este episódio em que ficou a sangrar do nariz num dia em que estava com os seus dois irmãos no interior do carro do pai numa ocasião em que FF ia para o ginásio.

91. Nas suas declarações, mais acrescentou o Ofendido DD que essa agressão do seu pai causou-lhe dor, que ficou a sangrar e a chorar, tendo ficado com uma marca no nariz, mas que, mesmo assim, o pai não lhe fez qualquer curativo, nem tão pouco lhe limpou o nariz com água.

92. Disse ainda que esses maus tratos (terminologia nossa) ocorreram mais vezes, e começaram a dar-se desde a altura em que os pais se separaram, ou seja, desde 2017, momento a partir do qual o seu pai ficou mais agressivo e violento, sendo que a testemunha FF também se referiu à personalidade do pai dos 3 (três) menores, dizendo: “Ás vezes temos problemas, a reação dele, e tal".

93. A testemunha FF, nas suas declarações, também recorda este episódio ocorrido em julho! agosto de 2022, sendo coerentes os relatos dos 3 (três) menores, o que - mal - não percecionou o Digno Ministério Público.

94. O Ofendido CC, nas suas declarações, disse também que o pai, i. e. o Arguido, lhes chama, a si e ao seu irmão, "nomes", tais como otário, burro, entre muitas outras coisas, para além que usa expressões como "p.u.t.a" ou "carvalho, sem "v"" perante ambos, o que, decididamente, constitui maus tratos psíquicos, e são passíveis de afetar o normal desenvolvimento da personalidade de cada um dos Ofendidos.

95. O Ofendido DD, por seu turno, confirma que o seu pai chama de "burro" ao seu irmão (i. e. o Ofendido CC), enquanto que a testemunha FF fala também de insultos como "cabrões", "filhos da puta", entre outros.107. a 113.

107. Os factos em observação estão determinados quanto ao circunstancialismo em que ocorrem: ou seja, as agressões infligidas pelo Arguido aos Ofendidos, ou os insultos que aos mesmos dirige, numas vezes dão-se quando os menores estão a fazer algum barulho e a dar risadas no meio das suas brincadeiras, mas noutras nem isso, vindo os maus tratos físicos e psíquicos "do nada".

108. Os factos estão também determinados no que há sua execução respeita: ou seja, no que tange aos maus tratos físicos, tratam-se de palmadas na cara, no "rabo" e noutras partes do corpo (como, braços ou costas), e no que respeita aos maus tratos psíquicos tratam-se de insultos dirigidos aos Ofendidos, tais como "otário", "burro", sendo ainda utilizadas expressões de "p.u.t.a" ou "carvalho", sem "v" perante os Ofendidos.

109. Quanto à frequência com que se dão os factos, estão os mesmos igualmente concretizados: ou seja, dão-se nas semanas em que os Ofendidos estão à guarda do Arguido, semana sim semana não, à razão de pelo menos 1 (uma) agressão por semana sobre o Ofendido CC, e 3 (três) vezes, também por semana, sobre o Ofendido DD.

110. Ora, contrariamente ao que o Digno Ministério Público pretenderia ouvir, importa ver que os maus tratos físicos infligidos pelo Arguido sobre os Ofendidos, claro está, não eram perpetrados em igual número. nos mesmos dias, de igual forma ou em similitude de circunstâncias, sem que possa alvitrar-se que o Arguido após infligir maus tratos a um dos Ofendidos tivesse, necessariamente, de ir "a correr" bater também ao outro Ofendido de igual forma só porque tinha batido ao irmão, ou então que os insultos dirigidos a um dos Ofendidos tivessem de ser dirigidos também ao outro e/ou fossem chamados os mesmos nomes.

111. Daí que as declarações prestadas pelos Ofendidos nos autos não coincidam na plenitude entre elas, nem tinham de coincidir, porquanto, cada um deles relatou, no essencial, os maus tratos que sofreu "às "mãos" do Arguido, e cujas agressões como é evidente não ocorreram exatamente nos mesmos dias, nem em igual número, muito mal andando o Digno Ministério na sua apreciação e juízo critico dos factos.

112. Sobre o "hiato temporal", que se diz não ser coincidente, importa ver que não terá sido (que julgamos que até foi) porque não tinha de ser, e a frequência dos maus tratos aos Ofendidos também não é, porque também não tinha de ser, sendo certo que o Ofendido DD relatou uma maior frequência de agressões muito simplesmente porque é alvo de mais episódios de maus tratos pelo Arguido do que o Ofendido CC, o que aliás, note-se, já este último tinha dito aquando da sua entrevista na CPCJ de 20.12.2021, e agora também se depreende das suas declarações.

113. Numa dessas ocasiões de maus tratos físicos perpetrados pelo Arguido, de entre várias, passada em julho/ agosto de 2022, o menor DD acabou por ficar a sangrar do nariz, o que, aliás, foi dito pelo mesmo nas suas declarações, e comprovado pelo Ofendido CC e também pela testemunha FF - irmão daqueles - mas sem que o Digno Ministério Público daí retirasse a consequência jurídica que se impunha, i. e. a suficiente indiciação do tipo legal que se lhe imputa, com consequente acusação.

(…)

116. A verdade é que se tratam de maus tratos físicos e psíquicos frequentemente infligidos pelo Arguido sobre cada um dos Ofendidos - mais ao Ofendido DD, que se dão há razão de 3 por semana - que são seus descendentes (vd. art 152.°, n.º 1, aI. e) do CP) e pessoas particularmente indefesas em razão da sua idade (vd. art 152.°, n.º 1, aI. d) do CP), o que, pela reiteração, faz com que os Ofendidos fiquem constrangidos, intimidados, com medo do pai (como decorre das suas declarações, e assim também o disse a testemunha FF) e tudo isso afete o normal desenvolvimento da personalidade de cada um deles, com todas as nefastas consequências que daí necessariamente advêm.

(…)

119. Contrariamente ao entendimento seguido pelo Digno Ministério Público, entende a Assistente que o Arguido ao agir da forma descrita - que o mesmo nem sequer nega que aplica castigos aos Ofendidos - praticou factos, que são típicos, ilícitos culposas e puníveis pela lei penal.

122. O Arguido. de modo reiterado. desde 2017. e nas semanas alternadas em que está com Ofendidos. inflige a estes maus tratos físicos (através de palmadas na cara. e noutras partes do corpo) e psíquicos (através de insultos susceptíveis de afetar a dignidade pessoal dos Ofendidos).

123. O Arguido com o seu comportamento sabia e tinha o firme propósito e intenção de molestar, através de ofensas físicas, o corpo de cada um dos Ofendidos, o que fez, pelo menos, há razão de 1 (uma) vez por semana sobre o Ofendido CC, e 3 (três) sobre o Ofendido DD.

124. O Arguido com a sua conduta sabia e quis também abalar o amor-próprio e a dignidade de cada um dos Ofendidos, que, sendo-lhes chamados nomes tais como "burro", "otário" ou "cabrão", entre outras expressões usadas diante dos mesmos, ficaram (! ficam) constrangidos, intimidados, e com medo do pai (como decorre das declarações de cada um dos Ofendidos, e que são amplamente sufragadas pela testemunha FF), fazendo com que os mesmos prefiram estar com a Assistente do que com o Arguido (que lhes bate e insulta), sendo afetado o seu normal desenvolvimento.

125. Ou seja, bem sabia o Arguido, sem que o possa ignorar, que perante esses maus tratos físicos e psíquicos por si perpetrados sobre cada um dos Ofendidos, provocava a estes sofrimentos físicos (que ficavam com dores, a chorar, e pelo menos num caso a sangrar) e psíquico (que já têm medo do pai), o que pretendeu o Arguido, e fez de forma reiterada desde 2017 até à presente data.

126. O Arguido, quanto à prática consumada dos 2 (dois) crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, ais. d) e e), e n.º 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos, agiu com dolo direto nos termos previstos no artigo 14.°, n.º 1 do CP, porquanto, os comportamentos por si adotados (os maus tratos físicos e psíquicos) foram finalisticamente dirigidos ao resultado pretendido, que era precisamente infligir essas ofensas, e o que logrou conseguir.

127. O Arguido ao agir da forma acima descrita, fê-lo de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo ele que as suas condutas eram censuráveis, previstas e proibidas por lei. sendo adotadas, única e exclusivamente, com o propósito de atingir o fim gizado de molestar física e psiquicamente cada um dos Ofendidos.

129. Assim, discordando a Assistente do despacho de arquivamento deduzido pelo Digno Ministério Público relativamente aos factos e crimes em observação nos autos, requer a mesma a V. Ex.a, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 286.° e 287.°, n.º 1, aI. b) e n.º 2 do CPP a abertura da fase processual de instrução, o que faz por discordar de facto e de direito em relação ao arquivamento dos crimes cometidos contra cada um dos Ofendidos e, a final, seja proferido despacho de pronúncia pelo(a) Digno(a) Juiz(a) de Instrução contra o Arguido pelos crimes que se lhe imputam.

III. Do PEDIDO

Nestes termos, e nos demais de Direito - do sempre mui Douto Suprimento - requer-se a Va Exa,

(i) Que seja declarada a abertura da fase processual de instrução nos termos do 287°, n." 1, alo b), e n." 2, do CPP,

(ii) Que, a final, e considerando todo o acima expendido (que é claro), a prova constante dos autos (que é inequívoca), e a que será produzida nesta fase, seja proferido despacho de pronúncia pelo(a) Digno(a) Juiz(a) de Instrução contra o Arguido, nos termos dos artigos 307.° e 308.° do CPP, pela autoria material e consumada por aquele de 2 (dois) crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.°, n.o 1, ais. d) e e), e n.o 2 do CP, cada um deles cometido sobre cada um dos Ofendidos, assim se fazendo a costumada JUSTiÇA!!

IV. DA PROVA

Toda a prova constante dos autos.

Mais:

(…)»

C. Estando o despacho recorrido elaborado nos termos seguintes:

«1. Nos presentes autos, o Ministério Público, findo o inquérito, por despacho proferido em 05.12.2022 [ref.ª …] determinou o arquivamento do processo relativamente ao

arguido AA, por entender que não se reuniram indícios suficientes da prática dos crimes sob investigação, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 277.º do Código de Processo Penal.

2. A assistente BB, não se conformando com o teor do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio requerer a abertura da fase de instrução através do requerimento que antecede, no qual pugna pela pronúncia do arguido pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, do Código Penal.

* Da invocada nulidade por insuficiência do inquérito:

A assistente, no seu requerimento para abertura da fase de instrução, vem arguir a nulidade por insuficiência do inquérito alegando, para tanto, que não foi ouvida uma testemunha cuja inquirição tinha sido “ordenada” na sequência da intervenção hierárquica nos termos do artigo 278.º do Código de Processo Penal.

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, constituem nulidades dependentes de arguição “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”

Em primeiro lugar cumpre referir que a lei processual penal vigente não impõe a prática de quaisquer atos típicos de investigação atento o modelo de autonomia que, em sede de exercício da ação penal, foi desenhado para a atividade do Ministério Público.

A direção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal – artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal -, praticando, conforme preceituado no artigo 267.º do mesmo diploma legal, os atos e assegurando os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o artigo 262.º, n.º 1, daquele corpo legal, ou seja, “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação”.

GERMANO MARQUES DA SILVA refere que a insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica, que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um ato que a lei prescreva como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa, e que a omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos atos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público.( MARQUES DA SILVA, Germano, in Curso de Direito Processual Penal, Volume III, 2.ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, p. 91.)

A revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, introduziu na redação da citada alínea o segmento “por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios”.

Esta alteração, que teve em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, consagrou o entendimento, que era corrente na doutrina e na jurisprudência, de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o ato omitido for prescrito pela lei como obrigatório. ( Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 220/14.0GBCMN.G1, de 06.11.2017, disponível em www.dgsi.pt.)

De acordo com este entendimento maioritário, apenas a omissão de ato que a lei prescreva como obrigatório pode consubstanciar a nulidade de insuficiência do inquérito prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

Posto isto, parece não suscitar quaisquer dúvidas, sendo unânime na nossa jurisprudência, que o único ato obrigatório de inquérito ou de instrução que a lei comina com a nulidade é o interrogatório do arguido, da pessoa contra quem correu o inquérito e em relação à qual haja fundada suspeita da prática de crime.

Já a omissão de diligências, nomeadamente de produção de prova, cuja obrigatoriedade não resulte de lei, não dá origem a essa nulidade. (Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.05.2012, proc. n.º 687/10.6TAABF.S1, disponível em www.dgsi.pt.)

Deste modo, só a falta absoluta da prática dos atos que a lei obrigatoriamente imponha é passível de gerar a invocada nulidade e não já a eventual insuficiência material do inquérito, que é aquilo que a assistente sustenta ter ocorrido no caso, maxime, a não inquirição de uma testemunha.

Posto isto e regressando ao caso em apreço, a diligência que, na alegação da assistente, devia ter sido realizada em inquérito e não o foi – inquirição da testemunha EE - não é um meio de prova cuja produção seja legalmente imposta, razão pela qual, a omissão da sua realização não acarreta a nulidade de insuficiência do inquérito, na medida em que a apreciação da necessidade da realização dessas diligências, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, é da competência exclusiva do Ministério Público.

Além do mais, também não pode colher a invocada nulidade no segmento “omissão de posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” pois esta nulidade apenas se pode reportar à omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso, até porque só pode ser essa a interpretação a efetuar do adjetivo “posterior” utilizado na sua redação.( Assim, PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2.ª Edição, p. 306.)

Face a todo o exposto indefere-se a arguida nulidade por insuficiência do inquérito.

* Da rejeição do requerimento para a abertura da instrução:

Analisemos o requerimento para abertura da fase de instrução apresentado pelo assistente e respectiva conformidade legal.

No sistema processual penal português a sindicância dos motivos imanentes a uma decisão de arquivamento do inquérito ou de acusação tem lugar através da fase de instrução, que é da competência de um juiz e tem cariz facultativo – ex vi artigo 286.º do Código de Processo Penal.

A instrução, descrita nestes moldes, tem como finalidade “saber se existe fundamento para abrir a fase de julgamento, que é a fase central e paradigmática do processo penal, segundo o modelo garantista herdado do Iluminismo” (Cfr. MAIA COSTA, in Código de Processo Penal Comentado, HENRIQUES GASPAR [et. alii.], Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 958.)

Embora seja comum apelidar a fase instrutória de “instrumental” e “preparatória” da fase de julgamento, aquela não se traduz numa espécie de audiência de julgamento antecipada, razão pela qual é inexigível a mesma intensidade a nível de produção e valoração da prova.

Nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que for caso disso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.

Ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, e sempre de acordo com a norma antes citada, é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, isto é, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.

Por sua vez, o artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal estipula que que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

Insere-se na inadmissibilidade legal da instrução, nomeadamente, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, perante a não dedução de acusação pública, que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que imputa ao arguido e pelos quais pretende que este venha a ser pronunciado.

Conforme se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.5.2013: “o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente há de conter, necessariamente, a concretização precisa e concisa quer dos factos - objetivos e subjetivos conformadores do ilícito penal em causa - quer do direito, realidade não compatível com remissões, designadamente, para a “participação”. (Proc. n.º 22/10.3TACBR, disponível em www.dgsi.pt.)

Não existindo presunções de dolo, os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao assistente, requerente da abertura da instrução, entre outros, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico-penal lesado pela conduta proibida.

Omitindo-se esses elementos não pode o juiz substituir-se ao assistente, procedendo à enumeração e descrição dos factos, sob pena de violar o princípio da estrutura acusatória, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes casos, restará apenas a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não procedendo sequer à abertura de tal fase processual.

Compulsado o teor do requerimento para abertura da fase de instrução da autoria da assistente, podemos constatar que o mesmo não encerra uma “verdadeira acusação” no que respeita à narração dos elementos objetivos e é insuficiente quanto à dimensão subjetiva do tipo legal de crime em análise.

A assistente salienta as suas divergências relativamente à apreciação levada a efeito no despacho de arquivamento, fornecendo a sua interpretação dos factos.

Todavia, percorrendo o requerimento para abertura de instrução, bem se vê que a assistente não concedeu autonomia à vertente da “acusação”, assistindo-se não a uma verdadeira imputação de factos, mas antes a uma discordância contra o que a assistente considera ter sido uma errada opção por parte da titular do inquérito: as razões da discordância são importantes, obrigatórias e devem integrar o requerimento de abertura de instrução, mas não substituem a “acusação” exigível ao assistente sempre que, na sequência do arquivamento do inquérito, pretende a pronúncia do arguido.

Ou seja, o juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser o objeto de acusação, devendo pois o requerimento de abertura da instrução, à semelhança de uma acusação formulada pelo Ministério Público, conter todos os elementos de facto e de direito necessários à aplicação de uma pena ao arguido, sem remissões seja para onde for, designadamente para o despacho de arquivamento do inquérito ou para a denúncia.

Assim, parece evidente que não é ao juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelo arguido de um específico crime, pois, neste caso, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da ação penal, contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor.

Ora, como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.01.2015 ( Proc. n.º 138/10.6TATMC.G1), disponível em www.dgsi.pt. “«narrar» factos significa “relatar”; “contar”, “historiar” (…) implica uma enumeração, um a um, na sequência que vá desde o início temporal até ao fim. Não «narra» factos quem intermeia os que vai referindo com juízos e considerações sobre a prova e o direito aplicável”. Não cabe, pois, ao juiz de instrução a missão de “salvar” os requerimentos imperfeitos e insuficientes, respigando uma palavra aqui, um segmento de frase ali para, contextualizando tudo, compor uma acusação que não lhe compete formular.

Mas, ainda que se fizesse esse exercício, repescando todos os factos “espalhados” ao longo do requerimento de abertura de instrução, verifica-se que ainda assim são insuficientes para o preenchimento de todos os elementos do crime em causa.

Naturalmente, para que um determinado comportamento possa assumir a feição de um ilícito típico criminal é ainda necessário que estejam verificados os respetivos elementos subjetivos (além dos objetivos), caso contrário a conduta seria axiologicamente neutra para fins criminais.

No requerimento para abertura de instrução apresentado pela assistente, não conseguimos enxergar a alusão cabal aos elementos subjetivos do tipo de ilícito de violência doméstica, sendo que a mesma se socorre de conceitos conclusivos ou de direito para personificar essa dimensão do tipo incriminador.

Ora, em traços muito simples e sem necessidade de grandes considerações, os factos relatados no requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não integram qualquer tipo criminal.

É que, sem alegação cabal do elemento subjetivo, não é possível pronunciar [também por aqui] o arguido, como pretende o assistente.

Também, o juiz não se pode substituir ao assistente, colocando por sua (do juiz) iniciativa os factos em falta, que eram essenciais para a imputação do crime em questão.

Estes são elementos essenciais do tipo subjetivo de ilicitude que a jurisprudência, especialmente após a prolação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015, considera que não podem deixar de constar da acusação e cuja falta não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao artigo 358.º do Código de Processo Penal.

De acordo com esta fixação de jurisprudência, “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.” (Disponível em Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015.01.27.)

Tanto significa que a falta de narração dos elementos subjetivos do crime na acusação exclui a tipicidade da conduta, não sendo admissível aditá-los numa fase subsequente do processo, designadamente, por via do disposto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, uma vez que tal alteração consubstanciaria a convolação de uma conduta não punível numa conduta punível ou uma conduta atípica para uma conduta típica. (Neste sentido também, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.03.2018, no proc. n.º 189/14.1PFCBR.C1, 13.09.2017, pro. n.º 146/16.3PCCBR.C1, 21.06.2017, proc. n.º 89/12.0EACBR.C1, 02.03.2016, proc. n.º 2572/10.2TALRA.C2, 06.07.2011, proc. n.º 2184/06.5JFLSB.C1, e 04.05.2011, proc. n.º 102/09.8GAAVZ.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)

Em apertada síntese, o juiz não pode transformar uma narração de factos que é inócua, numa infração criminal: caso viesse a acrescentar factos integradores do elemento subjetivo em falta, estar-se-ia perante uma alteração substancial dos factos, o que tornaria nula a decisão instrutória – artigo 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Por outro lado, encontra-se também afastada a possibilidade de convidar o assistente ao aperfeiçoamento, face ao teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12.05(Publicado em Diário da República, n.º 212 – S-A de 4-11-2005.), segundo o qual “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Chamado a apreciar a constitucionalidade do artigo 287.º do Código de Processo Penal perante este entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 636/2011, de 20.12(Publicado em Diário da República, II Série, de 26.11.2012), decidiu:

“Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas).”

Neste seguimento, chamando à colação o entendimento veiculado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 22.03.2003, “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido”( Proc. n.º 2608/03-3, disponível em www.dgsi.pt), o que redundaria num ato inútil que está vedado ao Tribunal praticar.

A “inadmissibilidade legal”, causa de rejeição do requerimento de abertura de instrução, para além dos fundamentos mais óbvios, como seja por hipótese a ilegitimidade do requerente, abrange também os casos em que a instrução é inexequível por falta de objeto, o que ocorre nos casos de insuficiência de matéria de facto.

Assim sendo, pelos motivos expostos estamos perante a nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3 ex vi artigo 287.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, devendo por isso ser rejeitado o requerimento para abertura da fase de instrução.

Em face de todo o exposto, decide-se rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, por inadmissibilidade legal.

(…)»

D. Apreciando

D.1 Da irregularidade do despacho recorrido

A assistente/recorrente invoca a irregularidade do despacho recorrido, por considerar que o mesmo não se encontra fundamentado, designadamente por não conter os motivos de facto e as razões de direito que sustentam a decisão tomada. Equivoca-se a recorrente.

O enquadramento jurídico da exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre do disposto no artigo 205.º da Constituição, onde se plasma o princípio de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

«É a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão». (4)

A fundamentação das decisões judiciais giza assegurar, pelo menos, três objetivos fundamentais:

- conferir confiança aos destinatários e a toda a comunidade sobre a administração da justiça (em decorrência do princípio democrático e da legitimação político-constitucional do poder judicial;

- assegurar o auto controlo das autoridades judiciais (e judiciárias), na medida em que «obsta à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjeturas ou suspeitas, a fundamentação será impossível. Assim, a motivação atua como garantia de apreciação racional da prova»; (5)

- e proporcionar o direito ao recurso, «sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua legalidade». (6)

No âmbito do processo penal dispõe genericamente o artigo 97.º, § 5.º do CPP, que os atos decisões dos juízes são sempre fundamentados, neles «devendo ser especificados os motivos de facto e de direito».

A inobservância do princípio a que nos vimos referindo, que para a judicatura constitui um estrito dever funcional, pode gerar nulidade ou mera irregularidade, consoante a natureza da decisão em causa.

Assim, no respeitante à sentença penal rege a al. a) do § 1.º do artigo 379.º, crismando de «nula» a que «não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, alínea b).»

A mesma sanção vem estabelecida para a decisão instrutória (artigo 308.º, § 2.º); e para o despacho judicial aplicador de medida de coação que não observar a audição prevista no § 4.º do artigo 194.º CPP, conforme resulta do § 7.º do mesmo artigo.

Nos demais casos haverá mera irregularidade. O que significa que a validade do ato fica sujeita ao regime (desde logo de arguição) previsto no artigo 123.º CPP.

Constatamos que a arguição da assinalada irregularidade no presente caso não encontra qualquer fundamento sustentador, porquanto a decisão recorrida se encontra devidamente motivada, nos dois segmentos que a compõem:

a) Relativamente ao indeferimento da suscitada «nulidade do inquérito», a decisão recorrida indica, com clareza, as razões pelas quais considera ser a mesma inexistente. Motivando o decidido com indicação das normas legais pertinentes, bem assim como alinha doutrina e jurisprudência que confortam a decisão tomada.

b) O mesmo se passando quanto ao segmento da decisão que rejeitou o RAI. Nesta parte apontando (concretizando) os defeitos congénitos que assaca a tal requerimento, considerando que o mesmo não contém (como deveria) a «acusação alternativa», que a lei exige e que a doutrina e a jurisprudência bastamente assinalam.

Pelo que falece este fundamento do recurso.

D.2 Da rejeição do requerimento de abertura de instrução

A assistente requereu abertura de instrução, contra o despacho de arquivamento produzido pelo Ministério Público, relativamente aos factos dos quais foi denunciante, contra AA, preconizando a pronúncia deste para ser julgado por dois crimes de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º e 2.º CP. O que de essencial se impugna na decisão recorrida são os motivos da rejeição do requerimento de abertura de instrução. Importando, pois, verificar se, contrariamente ao que foi decidido, o RAI contém a «acusação alternativa» (aquela que o Ministério Público deveria ter produzido). Para tanto importa verificar se o RAI contém suficientemente recortado um quadro factológico, imputado ao denunciado, suscetível de integrar os tipos de ilícito de violência doméstica, previstos no artigo 152.º, § 1.º e 2.º CP, em termos que permitam ao arguido deles se defender.

Neste conspecto o recorrente sustenta que o RAI contém os factos suficientes para integrarem os elementos objetivos e subjetivos do ilícito criminal imputado ao denunciado. Mais considerando que o RAI só pode ser rejeitado nas apertadas linhas taxativamente traçadas no artigo 287.º do CPP, designadamente: a) se for extemporâneo; b) se o tribunal for incompetente e c) se ocorrer inadmissibilidade legal da ocorrência da instrução. E nenhuma destas se verifica nas circunstâncias deste caso.

O Ministério Público, por seu turno, manifestou entendimento alinhado com o sentido da decisão recorrida, afirmando nomeadamente que a concatenação da exposição das razões de facto e de direito que permitem definir cabalmente o objeto do julgamento não se mostra efetuada.

Vejamos, então.

A instrução em processo penal constitui uma fase não obrigatória, sendo, essencialmente, uma fase de controlo externo (judicial) da decisão do Ministério Público no encerramento do inquérito. Controlo externo porque é levada a efeito pelo poder judicial, nesta medida (também) se distinguindo da intervenção hierárquica, prevista no artigo 278.º CPP, que poderia ter sido mobilizada pela assistente insatisfeita com o arquivamento do inquérito (como já realizara anteriormente). Sucede que contrariamente ao que preconiza a recorrente, este controlo jurisdicional da decisão do Ministério Público, não tem por objeto toda a atividade do Ministério Público na fase preliminar de inquérito; cinge-se, antes, à decisão que se impugna (ao arquivamento), questionando-se o juízo que nela se encerra (7) (artigo 286.º, § 1.º CPP). Considera a assistente/recorrente que a decisão impugnada (o arquivamento do inquérito) ficou aquém dos indícios que (em seu entender) constam dos autos quanto à prática pelo arguido de dois crimes de violência doméstica, os quais, entende, agora se precisam no RAI.

Preceitua a lei que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, «mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação». Isto é, não estando embora sujeito a formalidades especiais, não deixa, porém, a lei de indicar os seus requisitos estruturais. E quando o RAI é da autoria do assistente, como é aqui o caso, a mais da fixação do objeto da instrução (das razões de discordância com o juízo feito pelo Ministério Público); ele (o RAI) carece também da definição do objeto da fase de julgamento, i. e. da indicação dos factos e crimes imputado(s) aos(s) arguido(s) – artigo 287.º, § 2.º CPP. É este o exato sentido do artigo 308.º, § 2.º CPP quando enuncia que o despacho de pronúncia deve conter os elementos exigidos pelo § 3.º do artigo 283.º, i. e., a narração dos factos, tal como é exigida para uma acusação do Ministério Público. (8) A narração factológica poderá ser mais ou menos sintética, mas terá de ser suficiente para albergar o esteio em que se fundará a aplicação de uma pena. Tal suficiência há de medir-se naturalmente pela referência factológica que faça emergir todos os elementos objetivos, mas também os subjetivos dos ilícitos imputados, como ainda o de constituir peça processual com suficiente autonomia, para dispensar que para definição daqueles elementos constitutivos dos ilícitos, seja necessário recorrer a outras peças do processo. Isto é, o libelo tem de ser preciso.

E assim tem mesmo de ser, por um lado, em razão da preconizada comprovação judicial da indiciação esgrimida; e, por outro, da delimitação do objeto do processo (e logo do julgamento), por força da estrutura acusatória daquele, constituindo aquela suficiência uma garantia de defesa do(s) arguido(s), na medida em que só desse modo se lhes possibilita a preparação e exercício dos direitos de defesa. (9)

Debrucemo-nos agora, mais detidamente, sobre o RAI da assistente (ora recorrente), contido num escrito de 27 páginas cansativas, o qual, em larga medida, se mostra desalinhado do que é (do que pode ser) o objeto da instrução (nos termos caracterizados nas linhas precedentes): é desnecessariamente extenso, repetitivo, misturando factos (acontecimentos do mundo do ser), com extratos de declarações de testemunhas, do arguido e da assistente (produzidos perante diversas entidades e constando de diversas proveniências documentais), sem que siga, como deveria, nenhuma lógica apreensível. Com efeito, por entre referências irrelevantes (p. ex. a uma intervenção hierárquica na fase de inquérito!) lá se compreende quais são os defeitos que se apontam à decisão de arquivamento do Ministério Público (MP). E só estes interessam para a parte impugnatória da mesma. Indicam-se também as provas produzidas na fase de inquérito que, no entender da assistente, exigiriam que a decisão do MP tivesse sido diversa (de acusação do arguido pela prática de dois crimes de violência doméstica). Mas o alinhavo da acusação que o MP deveria ter formulado contra o arguido, e que ao RAI cabe formular (artigo 287.º, § 2.º, in fine CPP) não se evidencia (!): seja por não estar autonomizada; seja por não ser verdadeiramente apreensível. Com efeito só com precisão cirúrgica se logra extrair do caótico discurso do RAI os factos que a assistente considera deverem ser imputados ao arguido na decisão instrutória (e que deveriam constar da acusação não formulada pelo MP)! O adjetivo «caótico» é apenas um termo para descrever o modo «disperso» como a própria assistente/recorrente assinala onde «moram» os factos que no RAI imputa ao arguido! Diz ela que estão nos artigos «4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.º, 107.º, 108.º, 109., 110.º, 111.º, 112.º, 113.º, 119.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.°, 126.°, 127.° do RAI» - transcrito supra! Esta dispersão, só por si, logo evidencia o desajuste perante as exigências do artigo 283.º, § 3.º CPP (aplicável ex vi artigo 287.º, § 2.º CPP). Acresce que na maioria dos artigos referidos não mora deveras qualquer facto (!) muito menos imputado ao arguido, por serem meras referências a meios de prova (na audição A disse isto e Z disse aquilo… etc.), colhidos nas mais diversas circunstâncias, momentos e perante diversas entidades (7.º, 8.º, 52.º, 59.º a 84.º, 86.º a 95.º, 111.º a 113.º, 122.º); ou afirmações conclusivas e repetições de outras já efetuadas (4.º, 5.º, 12.º, 58.º, 85.º, 105.º a 110.º, 119.º, 125.º); ou repetição da qualificação jurídica já feita em 116.º, 123.º/124.º (126,º e 127.º). Há realmente no RAI alguns factos concretos que agonizam no meio de tamanho tumulto, os quais, em abstrato, poderiam integrar o libelo que a lei exige ao assistente. É o que sucede com os que constam dos pontos 46.º a 51.º, 116.º e 123.º/124.º (alguns dos quais a assistente/recorrente não refere!). O que é certo é que é a assistente quem tem o ónus de os condensar num libelo. E ninguém se lhe pode substituir (artigo 287.º, § 2.º CPP), sob pena de violação do princípio do acusatório. Importa (re)lembrar que «do outro lado» está um arguido, com direitos de defesa, que naturalmente incluem o direito de saber quais são exatamente os factos de que é acusado, dos quais terá de se defender. Sendo esta justamente uma das dimensões do princípio do processo equitativo, que se enuncia no § 4.º do artigo 20. da Constituição da República e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que exige se preste ao acusado, com clareza, os motivos da acusação, para que desta se possa defender. Nos termos que deixámos demonstrados, o caótico RAI da assistente não contém um libelo que se aproxime minimamente do padrão normativo do artigo 283.º, § 3.º CPP, que possa ser apresentado ao arguido e que por este possa ser compreendido. Sendo que o ónus de o formular, com essas características, é exclusivo da assistente (artigo 287.º, § 2.º CPP), conforme muito bem refere o despacho recorrido.

Não pode o juiz substituir-se-lhe e proceder ele (juiz) à enumeração e descrição dos factos, sob pena de se violar o princípio da estrutura acusatória do processo, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, § 5.º da Constituição. Os múltiplos defeitos assinalados ao requerimento da assistente não constituem, como é bom de ver, mero incumprimento de uma qualquer formalidade, constituindo antes preterição de um requisito essencial da própria fase de instrução, porquanto, a não produção da «acusação alternativa», isto é, a concretização (autónoma) dos factos e crimes que se imputam e a quem (artigo 283.º, § 3.º CPP, ex vi artigo 287.º, § 2.º CPP), tornam a instrução (que se requereu) vazia de objeto! Justamente por se tratar de omissão de requisito essencial, a rejeição do RAI, por inadmissibilidade da instrução, não constitui compressão significativa dos direitos de defesa, estabelecidos no § 1.º do artigo 32.º da Constituição, nem vulneração do princípio do processo equitativo. Assim o entendeu o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 46/2019.(10) E é esta a interpretação que sufragamos, a qual, de resto, cremos uniforme dos tribunais superiores e da doutrina. (11)

O conjunto das assinaladas deficiências, relativas às dimensões objetiva e subjetiva do crime em causa, compromete irremediavelmente a realização da instrução, pelo que consideramos que o despacho recorrido se mostra irrepreensível, não podendo o recurso senão improceder.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter o despacho recorrido.

b) Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Évora, 25 de maio de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

-------------------------------------------------------------------------------------

1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Como basta e proficientemente assinalam a doutrina e a jurisprudência, as «conclusões» são: «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp. 23. Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Des. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Des. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Des. Filipa Costa Lourenço; e desse mesmo Tribunal, de 15/2/2013. proc. 827/09.3PDAMD.L1-5, Des. Vieira Lamim). Exatamente o contrário do que fez a recorrente!

3 A prolixidade do requerimento (prenhe de repetições e irrelevâncias face ao objeto da instrução), exige que se recorte (em significativa medida) o manifestamente irrelevante, com referência ao que deveria ser; mas sem dele se poder excluir a parte que a própria recorrente diz consta a «acusação alternativa»: pontos «4.°, 5.°, 7.°, 8.°, 12.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 52.°, 58.°, 59.°, 60.°, 62.°, 63.°, 66.°, 68.°, 69.°, 71.°, 73.°, 74.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 80.°; 81.°, 82.°, 83.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 105.°, 107.°, 108.°, 109.°, 110.°, 111.°,112.°,113.°,119.°,122.°,123.°,124.°, 125.°, 126.°, 127.° do RAI»

4 Maria de Fátima Matamouros, A fundamentação da decisão como discurso legitimador do poder judicial – Boletim Informação e Debate – A.S.J.P. - IVª série – n.º 2, dez2003, p. 112.

5 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, 1993, p. 113.

6 Germano Marques da Silva, idem.

7 Neste exato sentido cf. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, 2.º ed., 2022, pp. 1241/1242.

8 No sentido que o requerimento de abertura de instrução deverá equivaler a uma acusação alternativa, a uma verdadeira acusação, cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, pp. 139.

9 Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, através do acórdão 258/2004, de 14abr2004, pela pena da Cons. Maria Fernanda Palma. E no mesmo registo o acórdão uniformizador da jurisprudência n.º 7/2005, de 12mai2005, sendo relator o Cons. Armindo dos Santos Monteiro, publicado no DR, I-A, de 4nov2005. 10 Relatado pelo Conselheiro Gonçalo Ribeiro de Almeida.

11 Veja-se: Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2022 (2.ª ed.), Almedina, p. 1251/1252; também Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, 2021, 3.º ed. Revista, Almedina, p.967; entendimento este sufragado também por Paulo Pinto de Albuquerque, Código de Processo penal Anotado, Universidade Católica Editora, 2011, p. 781; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (marcha do processo), vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pp. 136; José de Souto Moura, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, Almedina, p. 120; Germano Marques da Silva, 1990, Do Processo Penal Preliminar, p. 254; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29jan2014, proc. 1878/11.8TAMAI.P1, Desemb. Maria do Carmo Silva Dias; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15mar2017, proc. 793/13.5PBCBR.C1, Desemb. Orlando Gonçalves; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20fev2019, proc. 1715/16.7PCCBR.C1, Desemb. Luís Teixeira. E acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Fixação de Jurisprudência n.º 7/05, de 4nov2005: «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art.º 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.»