Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2947/19.1T8STB-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Se a parte alega justo impedimento para a prática de ato e não oferece prova do que alega, não possibilita ao tribunal ouvir a parte contrária e ponderar se a situação alegada constitui evento que lhe não é imputável nem ao seu mandatário, pelo que o requerimento deve ser indeferido.
II.- Se o devedor não contestou os factos alegados pelo credor requerente da insolvência, consideram-se estes factos provados, restando apenas saber se deles se pode concluir pelo preenchimento de algum dos factos-índice a que alude o artº 20º/1 do CIRE.
III.- O não pagamento da dívida vencida, no valor de € 2.280,00, ao credor requerente da insolvência revela pelas demais circunstâncias subjacentes ao incumprimento – designadamente a inexistência de bens penhoráveis para pagar a dívida –, a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que implica a verificação do facto-índice a que alude a alínea b) do mesmo preceito legal.
IV.- O facto-índice previsto na alínea e) do artº 20º/1 está demonstrado pela circunstância de a dívida ter sido objeto de um processo de execução, o agente de execução ter procurado penhorar bens que permitissem o pagamento da dívida e os que encontrou se encontrarem todos penhorados à ordem de outras execuções.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 2947/19.1T8STB-A.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)

Recorrido: (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio de Setúbal – Juiz 2, (…) requereu a insolvência de (…).
Após citação, o requerido solicitou a nomeação de defensor, pelo que o tribunal declarou interrompido o prazo para contestação.
Tendo requerido substituição de patrono, foi-lhe tal concedido e nomeado novo patrono; a nova nomeação foi informada ao tribunal por ofício emitido pela Ordem dos Advogados, datado de 10-09-2019, bem como ao requerente e ao novo patrono, nos seguintes termos:
Informamos que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, e nos termos do nº 1 do artº 3 da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, o(a) Senhor(a) Advogado(a) foi notificado(a), na presente data, da nomeação efectuada.
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Em despacho datado de 30-09-2019, o tribunal a quo declarou que o reinício do novo prazo para contestação havia ocorrido em 10-09-2019, após a notificação da nomeação ao novo patrono:
Declaro cessada a interrupção do prazo por decisão proferida em 10-09-2019, mostrando-se já decorrido o prazo de oposição sem que nada tenha sido requerido.
Notifique e após conclua.
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O patrono nomeado, em requerimento datado de 02-10-2019, veio então alegar justo impedimento, concluindo nos seguintes termos:
Vimos alegar justo impedimento (art. 139. º do CPC) e requerer nos termos do n. º 5 do art. 569. º do CPC lhe seja prorrogado o prazo por 20 dias para deduzir Oposição e trazer aos autos a documentação que a sustente.
Este requerimento mereceu a seguinte decisão:
Veio o patrono nomeado invocar justo impedimento para apresentação/dedução de oposição requerendo que seja considerado como tal a circunstância de o requerido apenas o ter contactado no dia 1-10-2019 e não ter logrado o contacto telefónico com o Ilustre Advogado.
Sustenta ainda o Ilustre Advogado não ter conseguido a consulta dos autos via citius.
Solicita a prorrogação do prazo para apresentação da oposição por 20 dias.
Apreciando.
Nos presentes autos em que foi requerida a declaração de insolvência de (…), veio este apresentar requerimento de oposição, pelo seu próprio punho.
Convidado a constituir mandatário, por ser obrigatório o patrocínio e bem assim indicar os seus cinco maiores credores e alegar factos que permitissem concluir pela sua solvência, veio apresentar pedido de apoio judiciário com pedido de nomeação de patrono.
Para o que releva nos autos, em 10-09-2019 foi nomeado patrono (em substituição do anterior patrono).
Apenas em 2-10-2019 veio o patrono nomeado arguir justo impedimento, ou seja, já após o decurso completo de qualquer prazo de oposição (prazo legal é de 10 dias).
Apreciando.
Assim, e ainda que não tenha conseguido aceder aos autos via citius, poderia o Sr. Advogado ter dirigido requerimento aos autos de insolvência, já que os mesmos se mostram identificados no ofício de nomeação e consultar o estado dos mesmos.
Com efeito, a simples inércia do Ilustre Advogado ou do requerido não podem constituir justo impedimento.
Em face do exposto, indefiro ao requerido.
Notifique.
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Apresentada a oposição e não tendo sido junta a lista dos cinco maiores credores, conforme notificado, cumpre proferir despacho de não recebimento da oposição deduzida.
Assim, em conformidade com o disposto no art. 30º, n.º 2, do CIRE, não admito a oposição deduzida.
Notifique.
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Em face do não recebimento da oposição cumprirá determinar o prosseguimento dos autos, considerando confessados os factos alegados pelo requerente na petição inicial, nos termos do art. 30º, n.º 5, do CIRE.
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Seguidamente foi proferida sentença onde se decidiu:
Nesta conformidade, o Tribunal decide, declarar a insolvência de (…), divorciado, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…), n.º (…), em (…), 2925-392 Azeitão, e em consequência: (…).
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Setúbal, 13-10-2019 (pelas 9:00 horas)

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Não se conformando com o decidido, o declarado insolvente recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, do CPC:

1. Verifica-se justo impedimento pelo que deveria ter sido o ora recorrente admitido a deduzir Oposição devidamente patrocinado pelo Patrono nomeado.

2. A dívida invocada pelo requerente é de valor diminuto.

3. Não foi estabelecido prazo de pagamento, ou pelo menos, não foi alegado nos autos.

4. As execuções referenciadas não superam € 15.000,00.

5. Os bens atribuídos ao devedor ultrapassam € 100.000,00.

6. Não são indicadas dívidas nem à Segurança Social, nem à Fazenda Nacional.

7. O próprio requerente refere a impossibilidade de demonstrar o valor do activo e do passivo do requerente.

8. Bem como a carência dos meios para satisfação das obrigações vencidas.

9. Apenas acredita (!!!) que o requerido se encontra insolvente!

10. Ora, não resulta demonstrado que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artº 3º, nº 1, CIRE).

11. Não se verifica falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que pelo seu montante ou pelas circunstâncias de incumprimento revele impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (artº 20º, nº 1, b), do CIRE.

12. As doutas decisões proferidas violaram, pois, o disposto nos artºs 139º e segtsº do CPC, 3º e 20º do CIRE e ainda 615º, nº 1, c) e d), do CPC.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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As questões que importa decidir são:
1.- O justo impedimento.
2.- Se estão reunidos os factos-índice que determinaram a decretação da insolvência.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
1º. O Requerente conhece o Requerido desde 2017 e desde então mantinham uma relação de amizade.
2º Em 2018, o Requerente emprestou ao Requerido, a solicitação deste, diversas quantias em dinheiro, no total de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros).
3º O Requerido redigiu e assinou documentos referentes a cada um desses empréstimos, que seriam sempre por um curto período de tempo.
4º Sucede que o Requerido nunca pagou aquelas quantias ao Requerente nem depois de interpelado para tal pelo mandatário deste.
5º Por essa razão, em 17-10-2018, o Requerente deu entrada do requerimento de Injunção no qual peticionava a condenação do Requerido no pagamento da quantia de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros), correspondente ao valor em dívida, acrescido de juros de mora à taxa legal, que na data totalizavam a quantia de € 34,95 (trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos) e taxa de justiça paga no valor de € 51,00 (cinquenta e um euro).
6º Tal requerimento tinha o n.º 113561/18.2YIPRT – cfr. Doc. n.º 1.
7º Em virtude da não oposição do Requerido, foi pelo secretário de justiça aposta fórmula executória ao requerimento em 26-11-2018.
8º E, em consequência, o Requerente intentou execução contra o Requerido, que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 1, sob o n.º 9002/18.0T8STB, totalizando nessa data a dívida exequenda a quantia de € 2.402,34 (dois mil quatrocentos e dois euros e trinta e quatro cêntimos) – Vide Doc. n.º 2.
9º A essa quantia acrescem juros moratórios até integral pagamento e juros suplementares ou compulsórios que deverão ser calculados também até integral pagamento, à taxa de 5%, nos termos do artigo 13.º, alínea d) ex vi artigo 21.º, n.º 3, do D.L. n.º 269/98, de 01.09, sendo ½ para o exequente e ½ para o Cofre Geral dos Tribunais.
10º Todavia, das diligências efetuadas pela Sra. Agente de Execução não foi possível apurar a existência de qualquer saldo bancário que pudesse satisfazer, mesmo que parcialmente, o crédito do Requerente.
11º Mais, dessas diligências foi apurada a existência dos seguintes bens:
- Ciclomotor (…), com a matrícula 99-(…)-50, de 1989, com a primeira matrícula em Portugal em 2007 mas que se encontra penhorada no âmbito do Proc. n.º 4364/12.5TBSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – 03 – Docs. n.º 3 e 4;
- Ford (…), com a matrícula 89-78-(…), de 2000, que se encontra penhorado no âmbito do mesmo processo - Docs. n.º 3 e 4.
- ½ indivisa do Prédio urbano sito na Rua (…), (…), em (…) Azeitão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (…) da freguesia de São Lourenço e inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de Azeitão sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 98.920,09, sobre o qual incide uma hipoteca de € 100.000,00 e cuja quota-parte se encontra penhorado no âmbito do Proc. n.º 36683/11.2YYLSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Execução - Juiz 1, com o valor € 13.464,55 - Docs. n.º 3 e 5.
12º E constatou-se ainda que do Registo Informático de Execuções constam ainda contra o Requerido as seguintes Execuções (Doc. n.º 6):
- Processo 326/12.0TBSTB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Setúbal - Juízo Execução - Juiz 1, com o valor € 2.973,50;
- Processo 36683/11.2YYLSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Execução - Juiz 1, com o valor € 13.464,55.
13º Para além disso, verificou-se que o Requerido apresentou a sua última declaração de rendimentos é de 2014 e que a ultima remuneração declarada na Segurança Social é de Agosto de 2014 – Docs. n.º 3 e 7.
14º Deste modo, não foi apurada a existência de bens que sejam capazes de satisfazer o crédito da Requerente.
15º Os valores em dívida, supra discriminados, não foram pagos, nem na data de vencimento das faturas, nem posteriormente.
Não obstante, a interpelação por parte do mandatário do Requerente, através de correio registado com aviso de receção.
17º O Requerente desconhece a existência de quaisquer bens pertencentes ao Requerido, que sejam suscetíveis de o ressarcir pelos seus créditos e despesas.
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Conhecendo.
1.- O justo impedimento.
O recorrente alegou motivos de onde conclui que se verifica um justo impedimento que o inibiu de apresentar a contestação no prazo legal, requerimento que foi indeferido por ter o tribunal a quo entendido que não foi demonstrado o impedimento alegado.
O regime geral dos prazos processuais tem como regra que, existindo um prazo judicial perentório para a prática do ato, o seu decurso extingue o direito a praticá-lo.
Contudo, a lei prevê a possibilidade de a parte ter sido impedida, por qualquer evento imprevisível e alheio à sua vontade, de ter praticado o ato processual no prazo legal como estipula o artº 140º do CPC.
Ao alegar a impossibilidade a parte está obrigada a oferecer, simultaneamente, a prova do que alega (nº 2).
Só então o juiz ouvirá a parte contrária e apreciará a prova produzida, decidindo se estão verificados os requisitos da figura do justo impedimento.
No caso dos autos, o recorrente alegou factos que, no seu entender, seriam suscetíveis de integrar justo impedimento mas não ofereceu qualquer prova do que alegou, o que inviabilizou a apreciação pelo tribunal a quo da efetiva impossibilidade de oferecer a contestação no prazo legal.
O que implica concluir que bem andou o tribunal ao indeferir a pretensão.
Apesar disso, sempre se acrescenta que a pretensão estava votada ao insucesso atendendo a que a parte e o ilustre patrono nomeado foram notificados para os efeitos do artº 24º/5 da Lei 34/2004, através de notificação enviada em 10-09-2019 – momento a partir do qual se reiniciou o prazo que havia sido suspenso pelo pedido de nomeação de patrono.
Por outro lado, o justo impedimento apenas foi alegado por requerimento entrado no tribunal em 02-10-2019, pelo que se mostrava há muito ultrapassado o prazo de 10 dias para oferecer a contestação (artº 30º/1 do CIRE).
Contestação que havia sido apresentada pela parte sem assistência de advogado e sem dar cumprimento ao que dispõe o artº 30º/2 do CIRE, pelo que veio a ser ordenado o seu desentranhamento.
Durante aquele período, o ilustre patrono nomeado não diligenciou para contactar o seu patrocinado, procedimento que lhe é imputável, não sendo, como é evidente, evento imprevisível e alheio à sua vontade.
No mesmo sentido vem decidindo este tribunal, de que é exemplo o Ac. de 27-03-2014, Paulo Amaral, Procº 1091/08.4TBVNG.E1:
I- O prazo processual suspenso, nos termos do art.º 24.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, recomeça o seu decurso com a notificação da nomeação ao patrono nomeado.
II- A posterior notificação ao requerente da nomeação não tem relevo.
III- Caso o patrono não tenha diligenciado por contactar com o requerente, não existe justo impedimento para a apresentação tardia de um articulado.
Assim sendo, improcedem as conclusões nesta parte.
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2.- Saber se estão reunidos os factos-índice que determinaram a decretação da insolvência.
Em face do indeferimento da verificação de justo impedimento, o que se traduz no não oferecimento da contestação, tal como decidido pelo tribunal a quo, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, que reproduzimos acima (artº 567º/1, do CPC).
Ao ter decidido pela insolvência do recorrente, o tribunal a quo entendeu que se encontram verificados os factos índice previstos no artº 20º/1 b) e e), do CIRE.
A questão a dirimir é a de saber se, em face da matéria de facto provada, se pode concluir mostrarem-se reunidos os pressupostos da decretação da insolvência tal como decidido pelo tribunal a quo.
O artº 3º/1 do Decreto-Lei 53/2004, de 18-03 (CIRE) dispõe que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
E o artº 20º/1 estipula que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida (…) verificando-se algum dos seguintes factos:
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (…).
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor.
Neste dispositivo, a lei enumera um conjunto de factos-índice que, a verificarem-se, permitem estabelecer a presunção de que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, sem necessidade de fazer a efetiva demonstração da situação de penúria do devedor.
No caso dos autos a recorrente entende que as presunções estabelecidas na alíneas b) e e) do artº 20º/1 não verificam, ao contrário do entendimento da recorrida.
Como se sabe, ao credor incumbe alegar e provar factos integráveis em qualquer dos factos-índice enumerados pela lei, mas é, por sua vez, ao devedor que incumbe o ónus de alegar e provar os factos que permitam a ilisão da presunção, como estipula o artº 30º/ 3 e 4, do CIRE: A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência (3) e cabe ao devedor provar a sua solvência (…) (4).
Não tendo sido oferecida oposição pelo devedor, o ónus probatório que sobre si impendia não foi cumprido, o que equivale a dar como provados os factos alegados pelo requerente da insolvência.
O credor cumpriu o seu ónus, ao contrário do devedor.
Assim sendo, só a não verificação dos factos-índice alegados pelo credor poderia impedir a declaração de insolvência.
Os factos-índice são os constantes das alíneas b) e e) do artº 20º/1, do CIRE – falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações e – insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor.
Deve aqui esclarecer-se que a possibilidade de o devedor ter ainda a possibilidade de satisfazer as suas dívidas, não impede a decretação da insolvência, caso se demonstre um quadro circunstancial geral de insuficiência patrimonial; nestes casos, a possibilidade de cumprir “apenas contribui para a hipotética aprovação de um plano de insolvência, enquanto meio alternativo de satisfação dos credores, se estes assim vierem a decidir e o tribunal homologar” – Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE Anotado, 3ª Ed., 2015, pág. 200.
Do que não pode prescindir-se é da alegação e prova das circunstâncias das quais se possa deduzir essa penúria generalizada do devedor, prova a produzir pelo requerente da insolvência.
Nesta sede, ficou provado que o devedor tem uma dívida para com o credor, o recorrido, no montante de € 2.280,00, a que acrescem juros moratórios, quantia vencida e não paga, sendo objeto de execução.
Também se provou que o agente de execução não encontrou bens no património do devedor, suscetíveis de satisfazer a dívida, apenas tendo encontrado bens já penhorados.
Acresce ainda que, para além da dívida ao recorrido, estão em curso diversos processos de execução para pagamento de dívidas vencidas e não pagas.
Ora, este é um quadro geral que integra, simultaneamente, os factos-índice a que aludem as alíneas b) do artº 20º/1, do CIRE, uma vez que o circunstancialismo em que se insere o não pagamento da quantia de € 2.280,00, acrescida de juros moratórios, é de impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente (e geralmente) a suas obrigações vencidas.
Quanto ao facto índice a que alude a alínea e) do artº 20º/1 está demonstrado pela mera circunstância de a dívida em causa ter sido objeto de um processo de execução, o agente de execução ter procurado penhorar bens que permitissem o pagamento da dívida e nenhum bem ter encontrado com capacidade de satisfazer tal pagamento.
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao ter decretado a insolvência do recorrente, pelo que as suas conclusões improcedem in totum, o que implica a falência da apelação, inexistindo também as nulidades a que alude o artº 615º/1, c) e d), do CPC.
Neste sentido tem decidido maioritariamente a jurisprudência, indicando-se, a título de exemplo, o Ac. TRL de 06-03-2008, Nelson Borges Carneiro, Procº 1060/2008-2:
I – Constitui ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factos índices ou presuntivos da insolvência. Tais factos, enunciados nas diversas alíneas do artigo 20º, do CIRE, têm em conta a circunstância de, pela experiência, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
II – Valor da dívida de montante elevado para efeitos de integração na alínea b) do n.º 1 do artigo 20º do CIRE, constitui conceito subjectivo que deverá ser ponderado em função da natureza da actividade profissional exercida pelo requerido e dos rendimentos dela decorrentes, designadamente tendo por comparação o salário mínimo nacional.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (artº 527º CPC).
Notifique.

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Évora, 16-01-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura