Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
652/15.7TBABF-A.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: DECISÃO QUE PONHA TERMO AO PROCESSO
PRAZO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As decisões que colocam termo à causa são aquelas que provocam a extinção da instância, entre as quais se contam o despacho de indeferimento liminar total, o despacho de absolvição da instância ou que declare qualquer outra forma de extinção da mesma, o saneador que coloque termo ao processo e a sentença.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. As decisões que colocam termo à causa são aquelas que provocam a extinção da instância, entre as quais se contam o despacho de indeferimento liminar total, o despacho de absolvição da instância ou que declare qualquer outra forma de extinção da mesma, o saneador que coloque termo ao processo e a sentença.
2. Constitui, assim, decisão final a que procede à absolvição da instância por incompetência absoluta do tribunal.
3. Em consequência, o despacho posterior a essa decisão, que indefere a remessa dos autos ao tribunal competente, constitui “decisão proferida depois da decisão final”, para os fins do art. 644.º, n.º 2, al. g), do Código de Processo Civil, sendo o respectivo prazo de recurso de 15 dias (art. 638.º, n.º 1, in fine, do mesmo diploma).


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Albufeira, em acção declarativa proposta por (…) contra (…), em 29.09.2016 foi proferido despacho declarando a incompetência absoluta daquele tribunal por violação das regras de competência material, por se ter entendido que era competente o Juízo de Comércio e, em consequência, absolvendo o R. da instância. Esta decisão foi motivada pela circunstância de ter sido decretada a insolvência do R. em data anterior à propositura da petição inicial.
Notificado desta decisão, em 28.10.2016 o A. requereu a remessa dos autos ao tribunal materialmente competente, o que foi indeferido por despacho de 28.11.2016, cuja notificação por meios electrónicos foi expedida a 29.11.2016.
Inconformado, o A. interpôs recurso deste último despacho, tendo o respectivo requerimento dado entrada em 16.01.2017.
Porém, o recurso não foi admitido, por se ter entendido que o prazo de recurso era de 15 dias.

Desta decisão reclamou o A., argumentando, no essencial, que a decisão recorrida não se subsume ao disposto no art. 644.º, n.º 2, al. g), do Código de Processo Civil, mas sim ao respectivo n.º 4, sendo o prazo de interposição de recurso de 30 dias. Afirma ainda ter sido negado o seu direito ao recurso, previsto no art. 212.º da Constituição.
Na resposta sustentou-se a manutenção do decidido.

Já nesta Relação, o relator proferiu decisão nos termos do art. 643.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, negando provimento à reclamação.
Mais uma vez inconformado, o A. requer que sobre a matéria recaia Acórdão, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Renova os mesmos argumentos que já havia apresentado na reclamação inicial.
A parte contrária, notificada, entendeu nada mais dizer.

O relevo factual a ponderar é o supra retratado.

Aplicando o Direito.
De acordo com o art. 644.º, n.º 2, al. g), do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação da decisão proferida depois da decisão final. Como nota Abrantes Geraldes[1], “com a decisão final não cessam as possibilidades, que o direito processual acolhe, de serem proferidas decisões posteriores, assegurando-se a sua impugnação (necessariamente autónoma), coligidos que sejam os demais pressupostos objectivos e subjectivos do recurso. (…) Tal recurso é interposto no prazo de 15 dias (art. 638.º, n.º 1). Sobe em separado (art. 645.º, n.º 2) e, em regra, com efeito meramente devolutivo (art. 647.º, n.º 1).”
Por outro lado, o art. 644.º, n.º 4, do mesmo diploma dispõe que, não havendo recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão. Abrantes Geraldes[2] nota que “a impugnação diferida pressupõe a verificação, relativamente à concreta decisão, de todos os pressupostos de recorribilidade. A única especificidade traduz-se na falta de autonomia e no facto de o decurso do prazo normal do recurso não determinar o efeito de trânsito em julgado. Por isso, só são impugnáveis nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 644.º as decisões interlocutórias atípicas relativamente às quais se verifiquem os pressupostos gerais de recorribilidade, maxime o que decorre do art. 629.º, n.º 1.”
As decisões que colocam termo à causa são aquelas que provocam a extinção da instância, nos termos do 277.º do Código de Processo Civil, entre as quais se contam o despacho de indeferimento liminar total, o despacho de absolvição da instância ou que declare qualquer outra forma de extinção da mesma, o saneador que coloque termo ao processo e a sentença. E entre as decisões que provocam a extinção da instância conta-se a que julga procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, nos termos do art. 278.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil[3].
No caso, a decisão de 29.09.2016, declarando a incompetência absoluta do tribunal por violação das regras de competência material e absolvendo o R. da instância, constituiu a decisão que colocou termo ao processo, podendo o A. recorrer da mesma, nos termos gerais do art. 644.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, para o que dispunha do prazo de 30 dias após a respectiva notificação – art. 638.º, n.º 1, primeira parte, do mesmo diploma.
Não foi, porém, esta a opção do A., o qual deixou transitar aquela decisão e se limitou a requerer a remessa dos autos ao tribunal competente, requerimento este que foi indeferido pelo mencionado despacho de 28.11.2016. Porém, tratando-se de despacho proferido após a decisão que colocou termo ao processo, o respectivo prazo de recurso era de 15 dias – arts. 644.º, n.º 2, al. g) e 638.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil.
Neste ponto, a argumentação do A., pretendendo defender que uma decisão proferida depois da decisão final é uma decisão interlocutória, demonstra uma flagrante confusão de conceitos.
Argumenta o A. que a negação do seu direito ao recurso importa a violação do art. 212.º da Constituição. Ultrapassando a questão do manifesto erro na invocação desta norma constitucional – o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva tem consagração constitucional no art. 20.º da Lei Fundamental – desde já se anota ser jurisprudência constante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos ilimitado ou ad infinitum, e a existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas as acções aos diversos “patamares” de recurso[4].
Em resumo, constitui decisão final a que procede à absolvição da instância por incompetência absoluta do tribunal, pelo que o prazo de recurso de despacho posteriormente emitido é de 15 dias.
No caso, tendo o despacho posterior à decisão final sido notificado ao A. por registo expedido a 29.11.2016, o respectivo prazo de recurso terminou a 19.12.2016 (uma segunda-feira). Tendo o recurso entrado apenas a 16.01.2017, bem andou a primeira instância ao declarar a respectiva extemporaneidade.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento à reclamação, mantendo-se o despacho que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante.

Évora, 08 de Junho de 2017

Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira
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[1] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3.ª ed., pág. 176.
[2] Loc. cit., pág. 179.
[3] Neste sentido, Abrantes Geraldes, loc. cit., pág. 165.
[4] Vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., págs. 449/450. A título meramente exemplificativo, cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 125/98, 72/99, 431/02 e 106/06, todos disponíveis no sítio da Internet daquele Tribunal.