Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
543/17.7GARMR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PROCESSO SUMARISSIMO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Apesar de o art. 113.º, nº1, al. a), do CPP se limitar a estabelecer que a notificação por contacto pessoal se fará no lugar em que o arguido for encontrado, nada dispondo especificamente sobre os procedimento a seguir para a sua efetivação, isso não significa que deva considerar-se, ipso facto, ser impossível realizar-se aquela notificação, para efeitos do disposto no art. 398.º do CPP, quando o notificando não for encontrado na residência ou paradeiro inicialmente conhecidos no processo.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos presentes autos de processo sumaríssimo que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Rio Maior do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, em que é arguido DD, nascido a 06.10.1996, solteiro, o MP Público requereu ao abrigo do disposto no art. 392.º e ss., do CPP, a aplicação ao arguido de uma sanção em processo sumaríssimo pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01, após o que o tribunal recorrido ordenou a notificação do arguido por contacto pessoal para, querendo, deduzir oposição, nos termos do art. 396º nºs 1 b) e 2, do CPP.

2. Solicitada a notificação à GNR, informou esta que ” (…) tendo procedido às diligências necessárias para dará cumprimento ao pedido de notificação respeitante a DD, (…), tal não foi possível em virtude de o mesmo não ter sido localizado na morada indicada nos autos (…) desconhecendo-se o seu paradeiro (…).”

3. Perante a informação constante do ofício da GNR, o MP promoveu o seguinte (referência eletrónica 79120764 de 19/09/2018, para que fomos alertados pela motivação de recurso, dado que não consta do processo em papel, diferentemente do que sucede com os restantes atos processuais referidos):

- “Promovo se procedam às habituais pesquisas de paradeiro do (a) arguido(a) nas bases de dados disponíveis neste Tribunal. No caso de ser(em) encontrada(s) morada(s) diferente(s) daquelas que já constam nos autos, promovo que se tente a notificação do(a) arguido(a) para a referida(s) morada(s).”,

4. Na sequência da referida promoção o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

- “Na impossibilidade de notificação pessoal do Arguido, devolva os autos ao Ministério Público para que escolha a forma de processo aplicável em cumprimento do n.º 2 do artigo 398º do CPP. (Neste sentido, cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.04.2010, Processo n.º 165/08.3GAFZZ.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 15.07.2009, Processo n.º 536/08.5PASTS-A.P1 e de 17.12.2008, Processo n.º 0845898.)”. – cfr. rfa. 79151007 de 24/09/2018.

5. É deste despacho que vem interposto recurso pelo MP, que extrai da sua motivação as seguintes conclusões:

- «II. Conclusões:
1.Para dar cumprimento ao disposto no art. 396.º do CPP, no que concerne à notificação do arguido, o Tribunal não se pode ater apenas à morada constante do requerimento apresentado pelo Ministério Púbico ou do TIR a que o arguido tenha sido submetido.

2.Perante a frustração da notificação inicial do arguido nos termos do art. 396.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPP, haverá primeiramente que esgotar as diligências possíveis para apuramento do paradeiro do arguido (buscas nas bases de dados ao dispor do Tribunal, ou até solicitar a outras entidades que possam fornecer tais informações), e após tais diligências, caso as mesmas venham a revelar outras moradas, tentar a sua notificação em cada um dos (novos) endereços que vierem a ser revelados.

3.In casu, o Tribunal a quo perante a frustração da notificação inicial do arguido devolveu de imediato os autos ao Ministério Público nos termos do art. 398.º, n.º 2 do CPP, sem antes ter diligenciado pela identificação de outras moradas nas quais o arguido pudesse ser encontrado, violando desta forma o disposto no art. 396.º do CPP.

4.Deve ser revogada decisão proferida pelo Tribunal a quo devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a realização de buscas nas bases de dados ao dispor do Tribunal com vista ao apuramento do paradeiro do arguido e caso tal pesquisa revele a existência de novas moradas que seja tentada a notificação do arguido em cada um dos (novos) endereços que vierem a ser revelados com tais buscas.
*
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, determinando-se que deverá ser modificada a decisão do Tribunal a quo, no sentido de ser determinada a realização de buscas nas bases de dados ao dispor do Tribunal acerca do paradeiro do arguido, e caso tal pesquisa revele a existência de novas moradas que seja tentada a notificação do arguido em cada um dos (novos) endereços que vierem a ser revelados com tais buscas, mas os Venerandos Desembargadores, como é costume, farão a costumada JUSTIÇA.»

6. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que no caso concreto apenas há que decidir se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene a realização de diligências tendentes à localização do arguido, como pretende o MP recorrente.

2. Decidindo.
O art. 396º nº2 do C.P.P. determina expressamente que a notificação do arguido para se pronunciar sobre o requerimento do MP para aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo, é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 113º do CPP, não refletindo o presente recurso qualquer dúvida a esse respeito.

A questão controvertida respeita, antes, à exigência legal de realização de diligências para localizar o arguido antes de o processo prosseguir nos termos do art. 398º do CPP, caso aquele não seja encontrado na sua residência e não se colha aí informação sobre o seu paradeiro, conforme se verificou no caso dos autos.

Ora, apesar de o art. 113º nº1 al. a) se limitar a estabelecer que a notificação por contacto pessoal se fará no lugar em que o arguido for encontrado, nada dispondo especificamente sobre os procedimento a seguir para a sua efetivação, isso não significa que deva considerar-se ser impossível realizar-se aquela notificação, para efeitos do disposto no art. 398º do CPP, quando o notificando não for encontrado na residência ou paradeiro inicialmente conhecidos no processo, como parece ter entendido a senhora juíza a quo no caso presente ao limitar-se a ordenar a devolução dos autos ao MP, “na impossibilidade de notificação pessoal do arguido”.

Por um lado, porque imposta legalmente notificação por contacto pessoal, como se verifica no art. 396º nº2 CPP, sem outras especificações, cabe ao tribunal ordenar a realização dos atos necessários à sua efetivação quando a mesma não seja possível com os elementos disponíveis no processo, pois compete-lhe ordenar tudo o necessário à prossecução dos fins do processo penal e, mais particularmente, à realização dos atos processuais legalmente impostos, dentro de período de tempo ajustado aos meios disponíveis e à relevância do ato processual a praticar, conforme, aliás, é imposto pela racionalidade intrínseca ao processo e é prática judiciária consolidada há muito.

Por outro lado, a entender-se que o processo penal é omisso sobre os procedimentos a seguir para efetivação da notificação por contacto pessoal, parece-nos não poder deixar de considerar-se com o senhor Procurador-geral Adjunto nesta Relação que tal lacuna deve ser integrada (ex vi do art. 4º do CPP) pela aplicação subsidiária do disposto no art. 236º do CPCivil para a Ausência do citando em parte incerta.

Decide-se, pois, revogar o despacho recorrido por violação do disposto nos artigos 396º e 398º, do CPP, ao ordenar o reenvio do processo ao MP para prosseguimento do processo nos termos deste último preceito, sem ter ordenado a realização de diligências tendentes a localizar o arguido, decidindo-se, em substituição, ordenar a realização das diligências necessárias à localização do arguido, de modo a ser citado por contacto pessoal nos termos e para efeitos do disposto no art. 396º do CPP, conforme foi ordenado anteriormente no processo.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder total provimento ao recurso interposto pelo MP, decidindo-se revogar o despacho recorrido e, em substituição, ordenar a realização das diligências necessárias à localização do arguido, nomeadamente com recurso às bases de dados disponíveis, começando-se por solicitar a informação pertinente À DGRSP, tendo em conta a chamada de atenção feita no parecer do senhor Procurador-geral Adjunto nesta Relação para a possibilidade de o arguido se encontrar em cumprimento de pena.

Évora, 7 de maio de 2019
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)