Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3785/11.5TBLLE-C.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Quem indicou a morada para receber correspondência é responsável por essa mesma morada, isto é, fica com o 'ónus de manter ligação com o seu domicílio', pois que este é 'ponto legal de contacto não pessoal'. Ao indicar uma dada morada, o recorrente deu uma indicação precisa do local onde podia ser contactado, mesmo que não pessoalmente.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3785/11.5TBLLE-C.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) intentou a presente Acção de Impugnação da Resolução de Contratos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, por apenso aos autos principais em que foi declarada insolvente a Sociedade (…) – Transporte e Bombagem de Betão, Lda., contra Massa Insolvente de (…) – Transporte e Bombagem de Betão, Lda..
Tais contratos são relativos à venda, pela insolvente, dos veículos com as matrículas 92-36-(…) e 02-43-(…).
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Foi proferida sentença, face à falta de contestação, cuja parte decisória é a seguinte:
1. Julgo procedente por provada a exceção perentória da caducidade do direito do Autor a intentar a presente acção de impugnação da resolução do negócio em benefício da massa insolvente.
2. Julgo procedente a resolução do negócio em benefício da massa insolvente operada pelo Administrador da Insolvência.
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Desta sentença recorre o A. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito. Invoca nulidade da sentença.
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Foram colhidos os vistos.
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A nulidade da sentença existe, no modo de ver do recorrente, porque o tribunal não teve em consideração dois factos que tinham sido alegados na p.i.:
1) Só com email datado de 3 de Março de 2014, o Autor tomou conhecimento de que o administrador da massa insolvente tinha resolvido o contrato de compra e venda, anteriormente outorgado (artigo 1º da Petição Inicial);
2) O Autor desenvolve a sua actividade no Canadá (artigo 7º da Petição Inicial).
Mas isto não implica a nulidade da sentença pois a desconsideração de factos não é o mesmo que questões que não foram apreciadas.
Assim, improcede a arguição.
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Em relação à impugnação da matéria de facto, o recorrente pretende que se deem por provados aqueles dois factos, sendo o primeiro com o argumento que o Autor não recebeu a carta que lhe foi dirigida dando conta da resolução do negócio, a 03 de julho de 2013, sendo prova disso é que esta carta foi devolvida com a menção “Devolvida Ao Remetente”, com a data de 08 de Julho de 2013.
O tribunal socorreu-se da prova documental existente no processo e seus apensos e, por isso [e face ao disposto no art.º 568.º, al. d), Cód. Proc. Civil], deu por provado que as «missivas foram enviadas para a morada indicada pelo Autor ao Administrador da insolvência, na qual este assumiu perante o Sr. Administrador receber toda a correspondência que lhe fosse remetida: Rua (…), n.º (…), 3º-Esq., 8100-542 Loulé».
O que o recorrente pretende é que se dê como certo que só em Março de 2014 é que teve conhecimento da resolução do negócio.
Cremos que não pode proceder a pretensão do recorrente, sem embargo de alguma parte daquele facto de poder dar como provada. Com efeito, o email existe e nele lê-se que é comunicada ao recorrente a resolução, fazendo-se até menção que ela já tinha sido enviada para a morada constante das facturas de várias sociedades mas que tinha sido devolvida.
Assim, o que se pode dar por provado é apenas que o recorrente recebeu este email.
Se foi só nesta data ou não, essa é outra questão.
Assim, acrescenta-se o seguinte:
Por email de 3 de Março de 2014, foram comunicadas ao A. as resoluções em benefício da massa insolvente referentes às sociedades (…) – Reparação e Aluguer de Máquinas, Lda., (…) – Transporte e Bombagem de Betão, Lda., (…) – Transporte e Bombagens de Betão, Lda., (…) – Sociedade de Transporte e Bombagem de Betão, Lda. e (…) – Transportes, Lda..
Quanto ao outro ponto, cremos que é indiferente a sua inclusão nos factos provados. Com efeito, o facto de morar num sítio ou num outro qualquer é indiferente para a questão. Uma pessoa não tem de residir no local onde tenha negócios, sejam os mais volumosos sejam os mais diminutos; tem é que estar atenta aos seus negócios.
Assim, este facto (a residência no Canadá) não é aditado.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Por sentença datada de 04.06.2012, foi declarada a insolvência da sociedade (…) – Transporte e Bombagem de Betão, Lda., transitada em julgado.
2. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Julho de 2013, o Administrador da Insolvência comunicou ao Autor a resolução dos acordos denominados “Contrato de compra de venda” relativa aos veículos de matrícula 92-36-(…) e 02-43-(…).
3. A missiva referida em 3 dirigida ao Autor (…), foi devolvida com a menção “Devolvido Ao Remetente”, com carimbo datado 08.07.2013.
4. A missiva referida em 3 dirigida ao Autor (…) tem o seguinte teor “(…) Assunto: Resolução em benefício da massa insolvente (…) Nos termos do disposto nos artigos 120º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE; 1. Conforme resulta dos autos de insolvência, a sociedade supra referenciada, foi declarada como insolvente, em 04/06/2012. 2. No dia 31/03/2012, a sociedade insolvente alienou a Vexa. as viaturas com a matrícula 92-36-(…) e 02-43-(…), pelo preço de € 8.000,00 (…) e € 1.250,00 (…), a que acresceu o valor 23% de IVA. (…) 6. Tendo por referência o arquétipo legal do “bom pai de família”, aplicável ao caso na forma do gerente normalmente diligente, em face das circunstâncias que aqui se referem, é incontestável que sendo a venda “interessante por preço” para o comprador, tal acto teria um carácter prejudicial para o vendedor, o aqui insolvente. (…) 7. Dada a notoriedade da empresa insolvente, bem como das outras empresas com os mesmos sócios, os mesmos negócios e com os mesmos gerentes, com forte implantação na zona geográfica onde foi realizado o negócio, tem de ser afastada a hipótese de Vexa. desconhecer os problemas que as empresas enfrentavam para, de forma algo precipitada, venderem os veículos em apreço; 8. Aliás, todo o parque de veículos que não se encontrava em leasing. 9. É vítreo que, tal negócio foi prejudicial à massa por diminuir, senão frustrar, a satisfação dos credores da insolvência. Acresce que, 10. Depois de muito instado por este Administrador da Insolvência, Vexa., fez prova, porém parcial, do pagamento dos veículos. 11. Atento o facto de que a gerência da insolvente e Vexa., cometeram, de forma conluiada, actos prejudiciais à massa insolvente e consequentemente aos credores, em data posterior à entrada do pedido de insolvência, quando a insolvência era iminente, encontra-se preenchidos os requisitos da resolução em benefício da massa insolvente. 13. Nestes termos, e dando cumprimento ao imposto no art.º 123º também do CIRE, declara-se resolvida e ineficaz a venda das viaturas 92-36-(…) e 02-43-(…), bem como se declara resolvido e ineficaz o registo em nome do comprador; 13. devendo a mesma ser entregue no prazo máximo de 15 (quinze) dias a este Administrador da insolvência. (…)”.
5. As missivas foram enviadas para a morada indicada pelo Autor ao Administrador da insolvência, na qual este assumiu perante o Sr. Administrador receber toda a correspondência que lhe fosse remetida: Rua (…), n.º (…), 3º-Esq., 8100-542 Loulé.
6- Por email de 3 de Março de 2014, foram comunicadas ao A. as resoluções em benefício da massa insolvente referentes às sociedades (…) – Reparação e Aluguer de Máquinas, Lda., (…) – Transporte e Bombagem de Betão, Lda., (…) – Transporte e Bombagens de Betão, Lda., (…) – Sociedade de Transporte e Bombagem de Betão, Lda. e (…) – Transportes, Lda..
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O problema coloca-se é com a tempestividade da impugnação da resolução, a que se refere o art.º 125.º, CIRE.
O início do prazo de caducidade aí estabelecido ocorre com o conhecimento da resolução do negócio em benefício da massa insolvente; a partir deste conhecimento corre o prazo de três meses para a impugnação.
E aqui temos dois factos que interessam para o problema; por um lado, o email de Março de 2014; por outro, a correspondência que foi enviada, em Julho de 2013, para a morada indicada pelo recorrente ao AI (e que não está impugnado, note-se).
A sentença recorrida deu relevância a este último e com razão.
O conhecimento que a lei exige não tem de ser real; pode ser presumido ou pode ser ficcionado. No primeiro caso, a presunção, de acordo com a regra geral do art.º 350.º, n.º 2, Cód. Civil, pode ser afastada; no segundo caso, a lei impõe as consequências do conhecimento da declaração, sem possibilidade de se provar o contrário.
É isto que se passa precisamente com o disposto no art.º 224.º, n.º 2, Cód. Civil: a declaração considera-se eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
Quem indicou a morada para receber correspondência é responsável por essa mesma morada, queremos dizer, fica com o «ónus de manter ligação com o seu domicílio», pois que este é «ponto legal de contacto não pessoal» (Castro Mendes, Direito Civil Teoria Geral, vol. I, poli., Lisboa, 1978, p. 417). Ao indicar uma dada morada, o recorrente deu uma indicação precisa do local onde podia ser contactado, mesmo que não pessoalmente.
O recorrente defende que o Tribunal a quo «decidiu erradamente quando julgou procedente a excepção de caducidade, isto é, quando julgou que o seu direito de impugnar a resolução do negócio caducou por considerar como recebida a carta que o Administrador de Insolvência lhe terá enviado em determinada altura e que, sem qualquer culpa sua, não chegou nunca ao seu conhecimento pois, como ficou provado à saciedade, o Recorrente vivia e vive no Canadá, não estando nunca em Portugal».
O problema aqui prende-se com a expressão «culpa sua» que o recorrente entende não existir. Mas não é assim porque o que se passa é que o recorrente não cumpriu o ónus de ter ligação com o domicílio por si indicado; houve culpa sua, no não recebimento da declaração, porque deu um determinado ponto de contacto e ficou-lhe indiferente, alheado. Como se escreve no ac. do STJ, de 9 de Fevereiro de 2012 (onde se tratava de um acordo de regularização de dívidas bancárias onde se tinha estabelecido que todos os avisos e comunicações respeitantes à sua execução deviam ser remetidos para um endereço especificamente indicado para esse efeito), «ponderando o clausulado contratual a respeito da comunicação da eventual resolução do acordo de regularização, era legítimo imputar aos devedores e potenciais destinatários de uma tal comunicação um especial dever de diligência no sentido de assegurarem que a correspondência respeitante a tal contrato e que seria dirigida para os endereços indicados seria recebida sem mais impedimentos. Não seria, com efeito, compreensível que, em tal contexto, os devedores se alheassem do local para onde as comunicações deveriam ser dirigidas, invocando, posteriormente, o desconhecimento do seu teor. Não seria, com efeito, compreensível que, em tal contexto, os devedores se alheassem do local para onde as comunicações deveriam ser dirigidas, invocando, posteriormente, o desconhecimento do seu teor».
Nada disto, claro, tem que ver com o facto de o recorrente morar no Canadá pois que isso é indiferente. O que o recorrente tinha de fazer era estar atento de forma a que não ficasse desconhecedor do que se passava e se não o fez sibi imputet.
Assim, e de acordo com o citado preceito legal, a lei ficciona que o recorrente teve conhecimento da declaração de resolução em Julho de 2013.
Desta forma, é indiferente o email enviado em Março de 2014.
O momento do conhecimento da declaração de resolução dos negócios já tinha ocorrido muito antes, em Julho de 2013 pelo que foi a partir deste momento que começou a contar o prazo de caducidade.
Tendo a petição dado entrada em Maio de 2014, já o prazo de três meses tinha decorrido.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 8 de Novembro de 2018
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos