Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
384/14.3GHSTC.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: APREENSÃO
DEPOSITÁRIO
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O depositário judicial é, no dizer do Prof. José Alberto dos Reis “um auxiliar da justiça, ao qual incumbe, para determinados fins processuais, a guarda e administração de certos bens, à ordem e sob a superintendência do tribunal”.
2 - Essa relação jurídica de direito público nasce da necessidade de guarda dos bens apreendidos nos termos do C.P.P., designadamente das regras gerais quanto a apreensões constantes do artigo 178º do referido diploma. Como se constata nos autos a apreensão foi efectivada pela GNR e posteriormente validada pelo Ministério Público, tendo-se dado, pois, cumprimento ao disposto nos nsº 3 a 7 do mesmo preceito.

3 – A norma que permite o pagamento do depositário – a imposição de pagamento pelo Estado é uma obrigação que resulta dos princípios gerais de direito, no caso concreto até como forma de evitar o abuso de órgãos do Estado sobre o cidadão ou empresa que é onerada com uma obrigação de guarda que incumbe ao Estado – é, claramente, o artigo 16º, nº, al. h) do Regulamento das Custas Processuais que define como “encargos” as «retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo».

4 - O pagamento resulta obviamente do disposto no artigo 17º, nº 1, quando afirma que “as entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, (…), têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”. Naturalmente que não é aplicável a Tabela IV do Regulamento pois esta apenas é aplicável nos casos “a que se referem os nºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 17.º do Regulamento” e o “depósito” não se inclui na sua previsão.

5 - Mas o C.P.P. indica critério de pagamento. Dispõe o artigo 186.º, nº 3 do C.P.P. que, no caso de se impor a restituição de bens apreendidos, “as pessoas a quem devam ser restituídos os objectos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a suportar os custos resultantes do seu depósito”.

6 - Ora, se o Estado impõe uma regra que o favorece, a mesma regra deve ser aplicável se a acção do Estado desfavorece terceiros. São, portanto, os custos resultantes do depósito o critério central para determinar quanto deve ser pago à recorrente, que até foram dados como provados nos autos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nestes autos de processo comum perante tribunal colectivo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo Central Criminal de Setúbal, J4 - o Ministério Público deduziu acusação contra:

1) C... ,

2) JC...,

3) P...,

4) JG ,

5) A,

6) B ... ,

imputando aos arguidos a prática dos seguintes factos:

Ao arguido C ... como co-autor, em concurso efectivo e na forma consumada, nos termos do artº 14º, nº 1, 30º, nº 1 e 26º do Código Penal, de um crime de peculato, previsto e punido pelos arts. 375.º, n.º 1, por referência aos art.s 386º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

- um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, e de

- e de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1, 155º, nº 1, al. a), por referência ao artº 131º, todos do Código Penal.

Aos arguidos JC..., P ..., JG ..., A... e B ..., como coautores, em concurso efetivo e na forma consumada, nos termos do artº 14º, nº 1 e 26º do Código Penal, a prática de um crime de peculato, previsto e punido pelos artºs 375º, nº 1, por referência aos artºs 386º, nº 1, al. d) do Código Penal.

Requereu ainda o Ministério Público que os objectos apreendidos fossem declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art. 109.º, nº 1 do Código Penal, porquanto foram utilizados para a prática de crimes ou integram a prática de crimes, e que seja ordenada a subsequente destruição dos perfumes.

Da pretensão indemnizatória apresentada pela AA ...

A AA ... formulou pedido de indemnização contra os arguidos invocando que na ausência de resposta à solicitação que dirigiu em 15 de Abril de 2016 ao DIAP de Santiago do Cacém sobre a manutenção da mercadoria nas suas instalações, sofreu custos e despesas elevadas em razão de manter os perfumes à sua guarda e cuidados.

Tal manutenção implica a ocupação de espaço que não pode utilizar para o armazenamento de outras mercadorias.

Assim e de acordo com a tabela dos preços que pratica, pela ocupação do espaço das paletes com os perfumes apreendidos, o lesado está privado de vir a ocupar e utilizar esse espaço a pedido de clientes e a receber o valor correspondente. No que concerne, ainda, à paralisação do semirreboque, o respetivo valor pela sua utilização será sempre custo efetivo que poderá vir a ser cobrado pelo mesmo, a final.

Quantifica os danos sendo no montante de €40.287,82, relativos a despesas e custos tidos com o armazenamento e paralisação do semirreboque desde 01/12/2014 até à presente data; a que acresce 0,21 cêntimos por cada palete e por cada dia de ocupação, bem como o valor de €375,00 por mês pela paralisação do semirreboque, desde a presente data até à ordem de entrega dos perfumes apreendidos.

Se não fosse a prática dos crimes que aos arguidos se mostram imputados, o demandante não teria sido nomeado fiel depositário e logo, não teria sofrido os prejuízos que os arguidos estão obrigados a ressarcir.

Sem prescindir, os custos elencados devem ser considerados como encargos do presente processo, nos termos do art. 16.º do Regulamento das Custas Processuais.


*

Por acórdão de 06 de Julho de 2018 o tribunal recorrido decidiu:

1) Absolver o arguido C ... como co-autor, em concurso efectivo e na forma consumada, nos termos do artº 14º, nº 1, 30º, nº 1 e 26º do Código Penal, de um crime de peculato, previsto e punido pelos arts. 375.º, n.º 1, por referência aos art.s 386º, n.º 1, al. d) do Código Penal.

2) Absolver o arguido C .... como autor material e na forma consumada de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, e da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1, 155º, nº 1, al. a), por referência ao artº 131º, todos do Código Penal.

3) Condenar o arguido C ..., pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1, 155º, nº 1, al. a), por referência ao artº 131º, todos do Código Penal, nas penas parcelares, para cada um deles de cento e vinte (120) dias de multa;

4) Operando o cúmulo de penas parcelares de multas aplicadas, condenar o arguido C ..., na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de 5 (cinco) euros, o que perfaz o total de oitocentos euros (800) euros, que nos termos previstos pelo art. art. 13.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 37/2015, de 05/05 – apenas se transcreve para fins judiciais.

5) Caso o arguido não liquide voluntaria ou coercivamente o valor da multa em que vai condenado, desde já se fixa, nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 do Código Penal, a pena de prisão subsidiária, em 106 (cento e seis) dias.

6) Absolvem os arguidos JC ..., P..., JG ..., A ... e B ..., como coautores, em concurso efetivo e na forma consumada, nos termos do artº 14º, nº 1 e 26º do Código Penal, a prática de um crime de peculato, previsto e punido pelos artºs 375º, nº 1, por referência aos artºs 386º, nº 1, al. d) do Código Penal.

7) Condenam ainda o arguido Carlos Guerreiro em 3 UC’s (três unidades de conta) de taxa de justiça (374.º, n.º4, 513.º e 514.º, todos do Código de Processo Penal).

8) Declaram-se ainda os objectos apreendidos perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art. 109.º, n.º 1 do Código Penal, por terem foram utilizados para a prática de crimes ou integram a prática de crimes e ordena-se a subsequente destruição dos perfumes apreendidos aos arguidos.

9) Julgam totalmente improcedente por não provada a pretensão indemnizatória cível formulada pela AA ..., dela absolvendo os arguidos e ora demandados.

10) As custas são suportadas pela Demandante, em razão do seu decaimento.


*

Inconformada com aquela decisão dela interpôs recurso a peticionante cível com as seguintes conclusões:

A. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, do qual agora se recorre, decidiu pela improcedência do Pedido de indemnização Civil apresentado pela Recorrente.

B. A Recorrente está em total desacordo com a fundamentação do Tribunal a quo proferida no ponto VIII do Douto Acórdão, pelo que interpõe o presente recurso, única e exclusivamente quanto a essa parte e respectivos factos dados como provados, nos termos do artigo 400º n.º 2, 401º n.º 1 c) e 403º n.º 1 e 2 b) todos do CPP.

C. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, quer de facto quer de direito.

D. Os Tribunais, na sua difícil função de decidir de acordo com a Lei, não devem deturpar factos de forma a poder enquadra-los numa solução jurídica que em nada está relacionada com a realidade concreta do processo que se está a julgar, não podendo por si dar como provada uma realidade que não tem qualquer sustentação nos documentos juntos autos.

E. O que se verificou no caso sub judice, como se demonstrará.

F. O Tribunal a quo equivoca-se decisivamente ao determinar que o “presente processo crime não é a sede para o demandante obter ressarcimento dos danos que provou”, dando como provado no facto n.º 111 que: “A demandante mantém-se fiel dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de à respectiva guarda e cuidado”.

G. Acontece que, os elementos constantes dos autos apontam, sem margem para qualquer dúvida, para uma reposta diferente, em concreto há prova documental no sentido contrário quanto à parte do facto provado n.º 111 que determina que: “não integram o loto dos apreendidos à ordem dos autos”.

H. No Pedido de Indemnização Civil apresentado, a Recorrente juntou dois documentos (sob o n.º 2 e 3) que atestam que no dia 24 de Novembro de 2014, aquela foi nomeada fiel depositária e que foram apreendidos todos os bens acondicionados nas suas instalações.

I. Para que não restem dúvidas transcreve a Recorrente o que vem descrito nos referidos documentos.

J. No auto de apreensão está consignado que: “Em cumprimento do nº 1 do Art.º 178º do Código Processo Penal, conjugado com a alínea c), do nº 2, do Art.º 249º, do mesmo código, procedi à apreensão do(s) artigos(s) a seguir descriminado(s): Todos os perfumes acondicionados na empresa AA .... Por mais nada haver a apreender se encerra o presente Auto.”. (destaque e sublinhado nossos).

K. E, em conformidade, o auto de nomeação como fiel depositário refere igualmente que foram entregues: “todos os perfumes acondicionados na sede da empresa AA ... em Sines”. (destaque e sublinhado nossos).

L. Ambos os autos foram entregues em mão à Recorrente, na pessoa do seu legal representante, pela GNR, do destacamento de Santiago do Cacém, e por ordem do Ministério Público, no dia 25 de Novembro de 2014.

M. Resulta assim, da prova constante dos autos, que a nomeação como fiel depositária e apreensão dos bens incidiu sobre todos os perfumes acondicionados nas suas instalações e no âmbito dos presentes autos.

N. Ora, todos esses perfumes são os mesmos desde o dia 23 de Maio de 2014, sem contar, obviamente, com aqueles que foram subtraídos pelos Arguidos e que vieram depois a ser encontrados na sua posse e também apreendidos.

O. Pelo que, não entende a Recorrente quais os critérios que balizaram o Tribunal a quo para dar como provado que os perfumes acondicionados nas suas instalações “não são os que integram o lote dos a apreendidos à ordem dos autos”, usando tal facto para posteriormente fundamentar uma alegada não apreensão no quadro processual, como mais à frente se evidenciará.

P. Tendo em conta designadamente a prova documental existente e até a fundamentação constante do Acórdão supra evidenciada, o facto n.º 111 da matéria dada como provada na parte que refere “que não integram o lote dos apreendidos” nunca poderia ter sido dado como provado e por conseguinte deve ser alterada, por forma a que disponha que a Recorrente mantem acondicionados desde 25 de Novembro de 2014 os perfumes apreendidos à ordem destes autos.

Q. Deve ser dado como provado que: a apreensão feita à ordem dos autos incidiu sobre todos os bens acondicionados nas instalações da demandante, sem incluir aqueles que foram subtraídos pelos Arguidos e encontrados na sua posse.

R. Por outro lado, além do facto provado sob o n.º 119 onde se refere que: “A demandante foi nomeada fiel depositária a 25 de Novembro de 2014”, o Tribunal a quo deveria ter dado, igualmente como provado que nesse mesmo dia “foram igualmente apreendidos no âmbito dos autos todos os perfumes acondicionados nas instalações da demandante”

S. Além de corresponder à verdade, é um facto essencial para provar que existiu um apreensão de todos aqueles perfumes no âmbito deste processo crime e por ordem do Ministério Público, o que implicará, necessariamente, que não possa valer o argumento do Tribuna a quo de que não houve uma apreensão no quadro processual e que por conseguinte não será neste processo crime que a Recorrente deve procurar ser ressarcida dos custos que suportou e provou.

T. Acresce ainda que, bem sabe a Recorrente que, tendo-se provado que o crime praticado pelos Arguidos não foi um crime de peculato – como vinham acusados – mas sim de furto simples, e tendo as marcas renunciado expressamente queixa, que esta alteração substancial dos factos implicaria a absolvição dos arguidos e a consequente improcedência do pedido e indemnização civil formulado.

U. Contudo, não pode a Recorrente enquanto terceiro que denunciou um crime, colaborou com a justiça, exerceu o seu papel de fiel depositária por nomeação do Ministério Público, ficar prejudicada ou penalizada.

V. Motivo pelo qual, aquando da apresentação do Pedido de Indeminização Civil, ressalvou a Recorrente que a não ser dado procedente por provado o referido pedido, os custos por si suportados sempre teriam de ser considerados como encargos do processo e ser pagos nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

W. No que diz respeito a esta parte, a Recorrente não pode deixar de evidenciar a clara contradição do Tribunal a quo a não imputação de tais custos como encargos do processo.

X. Para tal, fundamenta o Tribunal a quo que: E não é menos verdade que a sua constituição como depositária ocorreu nos presentes autos, em 25-11-2017, incidindo a nomeação sobre todos os bens acondicionados, com as legais cominações. Mas a apreensão dos mesmos não ocorreu no quadro processual, na medida em que esta já se encontrava administrativamente determinada, não podendo a contabilização dos prejuízos ser considerada mesmo a título de encargos, a suportar pelo IGFEJ, nem tabelada, como sucede com os depósitos no âmbito de processos judiciais, mormente no quadro do processo executivo”. (destaque e sublinhado nossos)

Y. Pergunta a Recorrente: afinal existiu ou não existiu uma apreensão dos perfumes nos presentes autos, por ordem do Ministério Público, que lançou mão do artigo 178º n.º 1 do CPP?

Z. O Tribunal a quo dá como provado o facto n.º 111, onde refere “não integram o lote do apreendidos à ordem dos autos”, admite que houve apreensão, para depois decidir que não houve apreensão no quadro processual.

AA. Ora, com a devida vénia, tal fundamentação não merece qualquer credibilidade (nem sequer faz qualquer sentido), sobretudo quando existe prova documental em sentido oposto.

BB. Mais, não vislumbra qual a razão de facto ou de direito que leva o Tribunal a quo entender que por ter havido um processo de desalfandegamento dos perfumes em causa, em momento anterior ao início dos presentes autos, não podem os custos suportados pela Recorrente com a nomeação como fiel depositária ser tidos como encargos desses mesmos autos.

CC. De facto, os perfumes estavam já acondicionados nas instalações da Recorrente fruto de um processo de suspensão do respectivo desalfandegamento, como também é verdade que entretanto foi nomeada fiel depositária no âmbito dos presentes autos, que em nada estão relacionados com o processo levado a cabo pela Delegação Aduaneira do Entreposto do Porto de Sines.

DD. Os arguidos e o IGFEJ não poderiam ser responsabilizados pelos custos suportados pela Recorrente entre 23 de Maio de 2014 e 25 de Novembro de 2014, responsabilidade essa que a Recorrente não imputou no Pedido de Indemnização Civil ora apresentado.

EE. Com a absolvição dos Arguidos, o IGFEJ é sim responsável pelos custos suportados pela Recorrente desde a sua nomeação como fiel depositária nos presentes autos até ao seu culminar, dado que foi nesse âmbito que foi nomeada e que os perfumes foram apreendidos.

FF. O Tribunal a quo, na sua decisão, arroga-se da existência de um suposta apreensão anterior - que não foi mais que um mero depósito para guardar os perfumes enquanto não fossem destruídos - levada a cabo por uma entidade aduaneira e por motivos distintos dos presentes autos, para justificar a não imputação das despesas incorridas pela Recorrente como encargos dos mesmos.

GG. O Tribunal a quo está a confundir duas situações distintas e nada relacionadas uma com a outra.

HH. Dado o entendimento do Tribunal a quo, pergunta a Recorrente: Se a Delegação Aduaneira do Entreposto do Porto de Sines emanasse a decisão de destruição dos perfumes, como estava previsto aquando da respectiva suspensão de desalfandegamento, poderiam os mesmos ser destruídos quando estavam aprendidos ao abrigo de um processo crime ainda a decorrer os seus trâmites? Poderia a Recorrente ter a iniciativa de diligenciar junto dos serviços dessa mesma delegação pela destruição dos perfumes, uma vez que estava a suportar custos elevados, pondo assim fim a tais despesas, quando os presentes autos ainda estavam pendentes de decisão? A resposta é não!

II. Isto porque os mesmos estavam aprendidos por ordem do Ministério Público de Santiago do Cacém e ao abrigo do regime do fiel depositário a Recorrente estava obrigada a apresentar os perfumes apreendidos quando lhe fosse solicitado e caso houvesse destruição seria punida nos termos do artigo 355º do Código Penal.

JJ. Punição da qual a Recorrente foi informada na pessoa do seu legal representante na data de nomeação como fiel depositária e apreensão dos perfumes neste processo crime e que consta, igualmente dos respectivos autos entregues pela GNR, destacamento local de Santiago do Cacém.

KK. A Recorrente colaborou com a Justiça, diligenciou para ver esclarecida a sua situação, não obteve qualquer resposta, suportou custos elevados e agora a responsabilidade pelos mesmos “morre solteira” e fica ela própria penalizada. O que não se pode aceitar!

LL. Assim, e de direito, o Tribunal a quo numa fundamentação ténue e pouco desenvolvida, limitou-se a dizer de quem não é a responsabilidade pelos custos da Recorrente com o depósito dos afamados perfumes.

MM. Limitou-se, aliás, a afirmar que por existir uma apreensão administrativa anterior aos presentes autos, não é de aplicar o regime dos processos executivos quanto ao pagamento do depositário a título de encargos e ao abrigo do artigo 16º e 17º do Regulamento das Custas.

NN. Ora, o Código de Processo Penal permite que seja nomeado um depositário para os bens apreendidos no âmbito de um processo crime – cf. artigo 178º do CPP - sendo omisso quanto à remuneração daquele depositário e nos termos do artigo 4º do CPP, e em caso de omissão aplicam-se por analogia as disposições do Código de Processo Civil (CPC).

OO. O CPC no âmbito do processo executivo estabelece que o pagamento de despesas ao depositário entre em regra de custas, pois constitui um encargo que é considerado no processo em que se verificou a nomeação.

PP. Veja-se a este propósito do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2017:

“A solução normativa decorrente do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais e da sua tabela IV garante e regula a remuneração das pessoas que colaboram com o tribunal a título incidental, coadjuvando na realização de diligências processuais. «8 - O artigo 16.º do Regulamento da Custas Processuais ocupa-se do tipo de encargos compreendidos nas custas judiciais. Estes encargos representam, de um modo geral, as despesas que os processos normalmente comportam, designadamente no âmbito da produção de prova dos factos relevantes para a resolução jurídica do litígio. Salvador da Costa, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros. (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5.ª ed., Almedina, p. 286). Resulta, assim, evidente, que estas retribuições integram o conceito legal de encargos do processo, e portanto, também o de custas processuais”.

QQ. Do supra exposto, é imperioso concluir que o Tribunal a quo além do erro notório na apreciação da prova produzida apresentou uma fundamentação ténue e pouco desenvolvida, desconhecendo a Recorrente os fundamentos quer de facto quer de direito em que se baseia para fundar a sua convicção.

RR. Assim, por tudo o que antecede, o Acórdão do Tribunal a quo é juridicamente censurável e deve, por violação do artigo 16º n.º 1 h) e 17º do Código das Custas Processuais, revogar-se da ordem jurídica e ser alterado por outro que determine o pagamento das despesas suportadas pela Recorrente com a manutenção dos perfumes apreendidos nas suas instalações na qualidade de fiel depositária, a título de encargos dos presentes autos.

Termos em que Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, dando provimento ao presente Recurso, revogando o Acórdão na parte de que se recorre e alterando-o por outro que determine o pagamento das despesas incorridas pela Recorrente, a título de encargos do processo, nos termos do Regulamento das Custas Processuais


*

O Ministério Público do tribunal recorrido não apresentou resposta.

Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido do convite ao recorrente – não aceite - para apresentar conclusões sintéticas.


*****

B - Fundamentação:

B.1. a) – O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. Entre pelo menos Maio e Outubro de 2014, os arguidos C ..., JC ..., P ..., JG ..., A ... , e B ..., exerciam funções no Porto de Sines, mais concretamente na empresa AA ... .

2. A Autoridade Portuária APS - Administração do Porto de Sines, S.A. é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos que, em representação do Estado, assegura o exercício das competências necessárias ao regular funcionamento do porto de Sines, designadamente de gestão de efetivos e de exploração portuária, no âmbito do Regulamento de Exploração, Ambiente e Segurança do Porto de Sines, através da normalização, fiscalização e sancionamento das mesmas.

3. No âmbito da sua actividade, a APS emite Licenças e autorizações, que conferem ao seu titular o direito de exercer uma atividade ou de utilizar um bem na área da jurisdição do porto, ou seja, nas áreas portuárias de prestação de serviço público, que integram as áreas dominiais situadas na área portuária e as instalações nelas implantadas, pertencentes ou submetidas à jurisdição da autoridade portuária e por ela mantidas ou objeto de concessão de serviço público, nas quais se realizam operações de movimentação de cargas, em regime de serviço público.

4. O serviço portuário inclui todo o serviço prestado às mercadorias, aos navios e outros meios de transporte ou a outras entidades, quer pela APS quer por entidades autorizadas licenciadas ou concessionárias, dentro da área portuária, incluindo a disponibilização de recursos humanos, sendo o trabalho portuário prestado nas diversas tarefas de movimentação de cargas nas áreas públicas, concessionadas ou licenciadas, dentro da área portuária.

5. A prestação de serviço portuário integra todos os serviços portuários prestados às mercadorias, aos meios de transporte ou a outras entidades, quer pela APS quer por entidades autorizadas, licenciadas ou concessionárias, dentro da área portuária, incluindo a disponibilização de recursos humanos.

6. 5. A sociedade AA ..., prossegue actividades de logística na zona intraportuária, lote A3, Zalsines, tinha ao seu serviço os arguidos JC ..., e P ..., que exerciam funções de Servente Embalador.

7. O arguido C ..., era trabalhador da sociedade RR ..., exercendo a função de vigilante ao abrigo de contrato de prestação de serviços de vigilância nas instalações da APS.

8. O arguido A ..., era trabalhador da sociedade RA ..., exercendo funções ao abrigo de contrato de prestação de serviços nas instalações da APS.

9. As funções exercidas pelos arguidos não lhes possibilitavam acesso a qualquer mercadoria em trânsito, o que igualmente sucedia, para além do referido em 12), aos perfumes a que alude o ponto 10) da matéria de facto.

10. No dia 23 de Maio de 2014, pelas 15h30m, a Delegação Aduaneira do Entreposto Aduaneiro do Porto de Sines [Porto Schengen], suspendeu o desalfandegamento de um contentor que continha 57.216 unidades de perfumes contrafeitos, provenientes da China, tendo sido determinada, por acordo com as marcas, a respectiva destruição, tendo tal mercadoria ficado acondicionada no interior dos armazéns da AA ..., até à ulterior destruição.

11. As embalagens apresentavam diferenças face aos produtos originais, designadamente ao nível da qualidade da impressão e da embalagem, e os vaporizadores eram de qualidade inferior, concluindo-se tratar-se de perfumes contrafeitos, mas suscetíveis de ser tidos como autênticos ou genuínos pela generalidade das pessoas.

12. Em data não concretamente apurada de meados do mês de Agosto de 2014, os arguidos JC ..., P ..., JG ..., A ..., e B ..., cumprindo ordens emitidas pela AA ... que contemplavam, entre o mais, as horas em que a execução do serviço devia ocorrer, dirigiram-se entre as 18:30 e as 21:30 horas ao semi-reboque com a matrícula ..., que se encontrava parqueado nas instalações da AA ... sitas na zona intraportuária vedada, de acesso condicionado, com segurança permanente da responsabilidade e sob jurisdição da APS, com vista a ”baldear” desse semi-reboque para outro 20 caixas de perfume com um total de 1.920 frascos de perfume, que indicavam a criação pelas marcas ......

13. Os referidos perfumes não tinham as qualidades dos originais e a totalidade do lote desalfandegado seria objecto de destruição próxima.

14. Após a trasfega de um contentor para outro, os arguidos JC ..., P ..., JG ..., A ... e B ... recolheram um número de caixas não apurado, mas pelo menos correspondente às que vieram ser apreendidas na respetiva posse, que transportaram na viatura do arguido JG ... para uma propriedade que este é possuidor, vindo posteriormente a proceder à distribuição das caixas de perfume, por critério não apurado, pelos arguidos.

15. Na data referida em 11) também o arguido C ..., que à data exercia as funções de vigilante nas instalações da AA ... apercebendo-se do referido em 13), recolheu, guardou na sua viatura e transportou para a sua residência e para um armazém que possuía, embalagens de perfume que retirou, juntamente com os restantes arguidos, fazendo-as suas.

16. No dia 09 de Setembro de 2014, o arguido C ..., abordou CT ..., e em conversa indagou se esta não quereria proceder à venda de tais frascos de perfume aos seus conhecidos, pelo preço de 20,00€ por cada um, dos quais a mesma ganhava 10,00€ e o arguido quantia igual por referência ao preço de venda do produto.

17. Entre, pelo menos, 09 de Setembro e 07 de Outubro de 2014, CT ..., vendeu cerca de 120 frascos de perfume que se encontravam em posse de C ..., e por ele lhe foram entregues, por 20,00€ cada, perfazendo o valor total da venda a quantia de 2.400,00€, cabendo a cada um a quantia de €1200,00.

18. Em data não concretamente apurada mas após o dia 07 de Outubro de 2014, e porque ainda não tinha recebido a quantia de € 200 por parte de CT ..., o arguido C ..., telefonou do seu telemóvel, com o nº ..., para o telemóvel de CT ..., com nº ..., e na conversa que com ela manteve disse-lhe que a matava, chamando-lhe ainda “puta do caralho”.

19. No dia 08 de Outubro de 2014, pelas 11h20m, o arguido C ..., tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na ..., mais concretamente no quarto, os seguintes frascos de perfume:

- 2 frascos da marca Giogio Armani;
- 5 frascos da marca Chanel nº 5;
- 8 frascos da marca Carolina Herrera;
- 3 frascos da marca Lâncome (La vie est belle);
- 6 frascos da marca 212 VIP;
- 6 frascos da marca Hugo Boss;
- 7 frascos da marca Armani code;
- 4 frascos da marca Dolce & Gabbana;
- 1 frasco da marca Chanel;
- 1 frascos da marca Estee Lauder
- 2 frascos da marca 2 Hours
- 1 frasco da marca Nature Aquarela
- 1 frasco da marca Crème Nature;
- 1 frasco da marca Nature.
20. No dia 08 de Outubro de 2014, pelas 11h45m, o arguido C ... tinha na sua posse, dentro de armazém sito na ZIL III, lote 3, Sines, os seguintes frascos de perfume:

- 34 frascos da marca Chanel
- 20 frascos da marca 212 VIP;
- 8 frascos da marca 212 VIP Men
- 9 frascos da marca Hugo Boss
- 9 frascos da marca Dolce & Gabbana
- 2 frascos da marca Carolina Herrera Men
- 1 frasco da marca Carolina Herrera
20. No dia 10 de Outubro de 2014, pelas 11hs, o arguido JC ..., tinha na sua posse, no interior da sua residência sita no ..., um total de 69 frascos de perfume, designadamente:

- 1 frasco de perfume da marca Lancôme Paris (L’eaux de Parfum)
- 1 frasco de perfume da marca Dior (J’adore)
- 2 frascos de perfume da marca Giorgio Armani (Aqua Di Gioia)
- 2 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (the One)
- 2 frascos de perfume da marca Chanel (nº 5)
- 6 frascos de perfume da marca Gucci (Gucci)
- 1 frasco de perfume da marca Carolina Herrera
- 8 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (Light blue)
- 13 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Rose)
- 5 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP)
- 1 frasco de perfume da marca Carolina Herrera (Eau de Parfum Sublime)
- 2 frascos de perfume da marca Paco rabane (Black XS)
- 2 frascos de perfume da marca Coco Chanel (Coco Mademoseille)
- 1 frasco de perfume da marca Dior (Hipnotic Paison)
- 2 frascos de perfume da marca Hugo Boss
- 5 frascos de perfume da marca Hugo Boss (Boss Bottled)
- 2 frascos de perfume da marca Ralph Lauren Red
- 9 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Men)
- 2 frascos de perfume da marca Chanel (Bleu de Chanel)
- 1 frasco de perfume da marca Paco Rabane (Black SXS l’excess)
- 1 frasco de perfume da marca Hugo Boss (Just Different)
21. No dia 10 de Outubro de 2014, pelas 11h15m, o arguido P ..., tinha na sua posse, no interior da sua residência sita na Rua ..., um total de 144 frascos de perfume, designadamente:

- 1 frasco de perfume da marca Hugo Boss (Collectos’s Edition)
- 2 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Men)
- 2 frascos de perfume da marca Chanel (Bleu de Chanel Men)
- 1 frasco de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Rosé)
- 2 frascos de perfume da marca Hugo Boss (Collecto’s Edition)
- 1 frasco de perfume Ralfh Lauren (Polo Red Men), todos com sinais de uso,
e ainda, na divisão destinada a arrumos:
- 2 frascos de perfume da marca Chanel (Bleu de Chanel Men)
- 5 frascos de perfume da marca Paco Rabane (Black XS)
- 2 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (CH Woman)
- 3 frascos de perfume da marca Chanel (Coco Chanel)
- 4 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Woman)
- 4 frascos de perfume da marca Dior (J’adore)
- 4 frascos de perfume da marca Lancôme (La vie Est Belle)
- 5 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (CH Men)
- 5 frascos de perfume da marca Chanel (nº 5)
- 8 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (Light Blue)
- 17 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (Eau de Perfume Sublime)
- 11 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Rosé Woman)
- 13 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Men)
- 5 frascos de perfume da marca Ester Lauder (wood Mystique)
- 6 frascos de perfume da marca Gucci
- 6 frascos de perfume da marca Giogio Armani (Aqua Digioia)
- 12 frascos de perfume da marca Hugo Boss (Boss Men)
- 13 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (The One Woman)
- 2 frascos de perfume da marca Kenzo (Flower)
- 2 frascos de perfume da marca Giorgio Armani (Arman code Ultimate Men)
- 2 frascos de perfume da marca Hugo Boss (Boss collecto’s Edition)
- 1 frasco de perfume da marca Estee Lauder (Modern Muse)
- 1 frasco da marca Valentino (Valentina Assoluto)
- 1 frasco de perfume da marca Dior (Miss dior Chérie)
- 1 frasco de perfume da marca Just Cavalli (Just)
22. No dia 10 de Outubro de 2014, pelas 11h10m, o arguido JG ... tinha na sua posse um total de 431 frascos de perfume, designadamente:

a) no interior da sua residência, sita no ...:
- 1 frasco de perfume da marca Lâncome
- 2 frascos de perfume da marca Giucci Armani
- 2 frascos da marca Dior (Miss Dior)
- 3 frascos de perfume da marca Carolina Herrera
- 2 frascos de perfume da marca Chanel
- 1 frasco da marca Just Cavali
- 6 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana
- 6 frascos de perfume da marca Paco Rabanne
- 2 frascos de perfume da marcaEstee Lauder
- 13 frascos de perfume da marca Hugo Boss
b) num contentor pertencente ao arguido, sito em Sines:
- 1 caixa de perfumes da marca Ralph Lauren Red com 6 embalagens,
- 1 caixa de perfumes da marca Dolce&Gabbana com duas embalagens,
- 1 embalagem de frascos de perfume da marca Armani code
- 9 caixas de perfumes da marca Carolina Herrera, cada uma com 12 embalagens
- 6 caixas de perfumes da marca Carolina Herrera com um total de 45 embalagens
- 3 caixas de perfumes da marca Gucci, cada uma com 6 embalagens
- 1 caixa de perfumes da marca Gucci com 5 embalagens
- 1 caixa de perfumes da marca Giorgio Armani com 6 embalagens
- 2 caixas de perfumes da marca Hugo Boss cada uma com 12 embalagens
- 1 caixa de perfumes da marca Armani com duas embalagens
- 2 embalagens da marca Dolce Gabbana
- 6 embalagens da marca Hugo boss
- 1 caixa contendo 3 embalagens da Carolina Herrera, 2 da Giorgio Armani e 4 da Dolce&Gabbana
- 2 caixas contendo cada uma 12 embalagens de perfumes da marca Chanel
- 1 caixa de perfumes da marca Paco Rabanne contendo 11 embalagens
- 2 caixas de perfumes da marca Paco Rabanne, cada uma contendo 10 embalagens
- 2 caixas de perfumes da marca Lancôme com 6 embalagens
- 1 caixa contendo 1 embalagem de perfumes da marca Ralph Lauren, 6 embalagens da marca Carolina Herrera, 2 embalagens da marca Dolce&Gabbana, 3 emabalagensd a marca Dior, 2 embalagens da marca Chanel, 2 emabalagens da marca Hugo Boss, 1 embalagem da Estee Lauder, 1 embalagem da marca Giorgio Armani e 2 embalagens da marca Paco Rabanne
- 2 caixas de perfumes da marca Hugo Boss com um total de 18 embalagens
- 1 caixa de perfumes da marca Lancôme com 6 embalagens
- 1 caixa de perfumes da marca Giorgi Armani com 6 embalagens
- 1 caixa contendo 3 embalagens da Hugo Boss, 3 embalagens da Dolce&Gabbana, 1 embalagem da Giorgio Armani
- 1 caixa da marca Dolce&Gabbana com 12 embalagens
- 1 caixa com 3 embalagens da dolce&Gabbana e 5 embalagens da Hugo Boss
- 1 caixa com 8 embalagens da Carolina Herrera e 1 embalagem da Lâncome.
23. No dia 10 de Outubro de 2014, o arguido A ... tinha na sua posse, no interior da sua residência, sita na Rua ..., designadamente no interior do quarto, um total de 97 frascos de perfume:
- 4 Carolina Herrera (Summer Fragrance)
- 2 Georgio Armani (Aqua di Gioia)
- 8 Carolina Herrera (CH Men)
- 27 Carolina Herrera (Parfum sublime)
- 8 212 VIP
- 5 Hugo Boss
- 3 Dolce&Gabbana (Light blue)
- 5 Hugo Boss (Just different)
- 10 212 (VIP ar you on the list)
- 3 Lâncome Paris
- 14 chanel nº 5
- 1 bulgari (Man Extreme)
- 1 Armani code (ultimate)
- 1 PacoRabane 3.3
- 1 PacoRabane 3.4.
- 1 Ralph Lauren Red
- 1 Lacoste
- 2 Blue de Chanel
- 1 Paco Rabane I Million
- 1 J’Adore
- 1 Miss dior Cherie
24. No dia 10 de Outubro de 2014, pelas 11h30m, o arguido B ... tinha no interior da sua residência sita no ..., um total de 85 frascos de perfume, designadamente:

- 19 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (Eau de Parfum Sublime)
- 3 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (Eau de Toilet)
- 1 frasco de perfume da marca Carolina Herrera (CH Men)
- 2 frascos de perfume da marca Ralph Lauren Red
- 7 frascos de perfume da marca Hugo Boss (Men ir’s you turn)
- 7 frascos de perfume da marca Hugo Boss (bottles Men)
- 6 frascos de perfume d amarca Hugo Boss (Bottles Men Eau de Toilet)
- 1 frasco de perfume da marca Paco Rabanne (Black XS)
- 5 frascos de perfume d amarca Paco Rabanne (Million Men)
- 1 frasco de perfume da marca Paco Rabanne (Airudiac Black XS Men)
- 3 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Men)
-3 frascos de perfume da marca Carolina Herrera (212 VIP Woman)
- 1 frasco de perfume d amarca Lacost (Sport Men)
- 5 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (The One Woman)
- 3 frascos de perfume da marca Dolce&Gabbana (Light Blue woman)
- 2 frascos de perfume da marca Gucci (Armani woman)
- 2 frascos da marca Gucci (Armani Men)
-1 frasco de perfume da marca Chanel (nº 5)
- 1 frasco de perfume da marca Gucci (Woman)
- 1 frasco de perfume da marca Kenzo (Woman)
- 1 frasco de perfume da marca Valentino (Woman)
- 1 frasco de perfume da marca Dior (J’adore)
- 1 frasco de perfume da marca Chanel (Blue Men)
- 1 frasco de perfume da marca Chanel (Coco woman)
- 1 frasco de perfume da marca Estee Lauren (Woman)
- 1 frasco de perfume da marca Just cavali
- 1 frasco de perfume da marca Modern Muse Woman)
- 1 frasco de perfume da marca Dior (Miss dior)
- 1 frasco de perfume da marca dolce&Gabbana (Liverg Men)
25. Em data não concretamente apurada, em artéria da localidade de Sines, o arguido C ... abeirou-se de CT ..., empurrou-a e, momentos depois, ao dirigir-se para o carro, cuspiu-lhe para a face e disse: “Filha da puta, só não te mato aqui porque os meus filhos valem mais do que tu”.

26. Os arguidos sabiam que exerciam funções de prestação de serviços portuários para a AA ..., que se encontrava sedeada em Armazém no Porto de Sines, este sob a jurisdição da APS.

27. Os arguidos bem sabiam que as caixas de perfumes que se encontravam dentro do semi-reboque, e cuja trasfega tinha sido feita de a partir de um contentor, não estavam em trânsito e não tinham sido desalfandegadas, e sabiam que as mesmas estavam apreendidas sob a autoridade do Estado e destinadas à destruição, por serem contrafeitas.

28. Não obstante, os arguidos fizeram seus os frascos de perfume que, por ordem da AA ... retiraram da banheira de um semirreboque, o que fizeram para seu benefício pessoal, de forma não autorizada e sem consentimento da Delegação Aduaneira, da AA ... e da APS.

29. Os arguidos bem sabiam que os referidos perfumes apresentavam características diferentes dos originais e que não lhes pertenciam.

30. O arguido C..., ao vender, por intermédio de CT ... cada perfume por 20,00€ a unidade, destinando-se a si próprio metade do produto da venda, sabendo que os mesmos eram contrafeitos e que se encontravam apreendidos pelo Estado decidiu agir conforme descrito, com o propósito concretizado de obter lucro e de, por interposta pessoa, colocar os mesmos em circulação no mercado, como se fossem autênticos, bem sabendo que os mesmos não eram originais.

31. Ao agir conforme descrito em 18) e 25), o arguido C ... quis criar em CT ... um sentimento de insegurança e de receio pelas respectiva integridade física e vida, para a tolher na sua auto-determinação de acção e de decisão, intuito que logrou concretizar.

32. Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


*

FACTOS COM RELEVO PARA A DETERMINAÇÃO DA SANÇÃO

Mais se provaram os seguintes factos:

(…)

110.(…).


*

Do pedido de indemnização formulado pela Demandante:

111. A demandante mantém-se fiel depositária dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de Maio de 2014, que não integram o lote dos apreendidos à ordem dos autos, mercadoria que mantém à respetiva guarda e cuidado.

112. A manutenção da mercadoria implica ocupação de espaço que não pode utilizar para a ocupação de outras mercadorias.

113. Encontram-se ocupadas 111 paletes com os perfumes apreendidos desde 01 de Dezembro de 2014.

114. A demandante cobra aos seus clientes e fornecedores o preço de 0,21 cêntimos diários por palete.

115. À data da apresentação do pedido, os custos com a armazenagem dos perfumes ascendia a €26.412,82.

116. Por cada mês de paralisação do semirreboque L ... é devida a quantia de €375,00.

117. O semirreboque L ... está ocupado desde a data referida em 113).

118. À data da apresentação do pedido, o custo com a paralisação do semireboque ascendia a €13.875,00.

119. A demandante foi nomeada fiel depositária em 25 de novembro de 2014.


*

B.1. b) – E como não provados os seguintes factos: (...)


B.1. c) – E adiantou os seguintes considerandos sobre matéria de facto: (...)

Cumpre conhecer.

Como o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, as questões abordadas no presente reconduzem-se a apurar se a recorrente deve ser paga - e por quem - pelo depósito judicial efectuado nos autos e saber se outros vícios de conhecimento oficioso existem e se assumem consequências.

As questões serão conhecidas pela ordem inversa, na medida em que necessário se torna esclarecer, em primeiro lugar, se existem vícios de conhecimento oficioso. Só depois se conhecerá, se for caso disso, da pretensão da recorrente.


*

B.2 – E a existência de vícios de conhecimento oficioso é uma evidência. E todos resultando da simples leitura da decisão recorrida.

Um deles, patente na argumentação do tribunal recorrido quanto à improcedência da acusação e do pedido cível consistentes em aparentes insuficiências da matéria de facto apurada quanto aos valores dos objectos apreendidos e sua completa e específica identificação nos autos.

Quanto aos valores o tribunal para efeitos penais pesou um juízo de direito – “fora do comércio jurídico” – para concluir que os bens não tinham valor, não considerando sequer o valor comercial que os próprios arguidos obtiveram no mercado numa pequena fracção de bens e que se deu como provado no facto 17.

E, para efeitos penais não se entende como pode um bem subtraído não ter valor e ser transacionado por 2.400 €. São só vantagens para o agente do ilícito.

Mas como o Ministério Público na comarca se acomodou quanto à parte criminal do recurso – também se aquietou na resposta ao recurso – a decisão quanto à absolvição dos arguidos transitou em julgado pelo que sempre seria inútil o reenvio dos autos para voltar a conhecer da matéria crime.

A outra insuficiência da matéria de facto reflecte-se no facto dado como provado em 111) («A demandante mantém-se fiel depositária dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de Maio de 2014, que não integram o lote dos apreendidos à ordem dos autos, mercadoria que mantém à respetiva guarda e cuidado»), na sua correlação com os factos, também dados como provados em 113 e 119 e com parte da fundamentação de direito adiante identificada.

Ora, em lado algum se identificam os bens apreendidos nos autos – foram apreendidos a esmo: os bens de que a recorrente é fiel depositária e os eventuais bens detidos como fiel depositária pela recorrente e que não correspondam a bens apreendidos nestes autos!

Deveria haver nestes autos, pois, duas relações de bens descritos: a dos bens apreendidos e a dos bens depositados. E é caso para perguntar: seria necessária uma terceira correspondente a uma outra apreensão? À ordem de que processo e envolvendo que bens?

E é neste momento que este aparente vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” a integrar na al. a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. se transmuta para uma outra natureza, a de aparente vício de “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (a integrar na al. b) do mesmo preceito) quando somos confrontados com as expressões fundamentadoras do tribunal recorrido na parte relativa ao conhecimento de direito do pedido cível, como segue:

«Por outro lado, o depósito da mercadoria – já apreendida pela Alfandega e cuja destruição se determinara em 2014 - não pode ser imputado aos arguidos, ora demandados nem decorre de qualquer relação contratual emergente, pelo que o presente processo-crime não é a sede para o demandante obter o ressarcimento dos danos que provou.

Porém, ainda que não suportados pelos arguidos, a manutenção do depósito não lhe é imputável.

Na verdade, a demandante diligenciou em fase de inquérito pelo levantamento da apreensão, solicitando ao processo como proceder.

E não é menos verdade que a sua constituição como depositária ocorreu nos presentes autos, em 25-11-2017, incidindo a nomeação sobre todos os bens acondicionados, com as legais cominações.

Mas a apreensão dos mesmos não ocorreu no quadro processual na medida em que esta já se encontrava administrativamente determinada, não podendo a contabilização dos prejuízos ser considerada mesmo a título de encargos, a suportar pelo IGFEJ, nem tabelada, como sucede com os depósitos no âmbito de processos judiciais, mormente no quadro do processo executivo.

Improcede, pois, na íntegra, a pretensão cível da demandante AA ....»

Numa leitura mais calma estes considerandos assentam em pressupostos de facto errados:

- que tenha relevo que os bens se encontrassem já apreendidos pela alfândega (e que isso exclua uma posterior apreensão judicial e nomeação de depositário pelo tribunal);

- que algo tenha ocorrido de relevante nestes autos em 25-11-2017;

- e que a apreensão dos bens não tenha ocorrido nestes autos.

Por outro lado estes considerandos parecem esbarrar com o facto dado como provado em 119) de duas formas: a recorrente ter sido nomeada fiel depositária muito depois da apreensão dos bens; e que tal tenha ocorrido em 25 de novembro de 2017.

Quanto a este último facto – data de nomeação como fiel depositária – a contradição entre o provado em 119 (25-11-2014) e o afirmado pelo tribunal recorrido (25-11-2017) é manifesta.

A similitude gráfica da data (25-11-2014 e 25-11-2017), acrescida de alguma aparente confusão/indeterminação entre “apreensão” e “nomeação como depositária” torna ainda mais impreciso e ambíguo o acervo de factos provados relevantes.

Isto torna imperativo examinar os autos e apreciar a documentação nele existente. É claro que aqui já iremos recorrer ao estudo dos autos e prova dele constante e não apenas ao texto da decisão recorrida, mas agora – constatado ao menos um vício de facto – impõe-se apurar se é “possível decidir da causa” evitando o reenvio dos autos nos termos do disposto no artigo 426º do C.P.P..

E a análise dos autos é muito clara e demonstra, sem lugar a dúvidas, que os vícios existentes (insuficiência factual e contradição na fundamentação) assentam num outro, um erro notório na apreciação da prova.

De facto a apreensão dos bens e a nomeação como fiel depositária da recorrente – através da pessoa do seu representante JJ ... – ocorreram na mesma data, em 25-11-2014 (fls. 271 a 273). E nesse auto de apreesão (fls. 273) foram apreendidos “todos os perfumes acondicionados na empresa AA...”.

Não houve, pois, qualquer exclusão nem se faz qualquer referência a prévia apreensão pela alfândega noutro processo. Aliás, a fls. 288 a alfândega é clara a informar que não foi atribuído qualquer NUIPC anterior na medida em que as empresas lesadas não pretenderam procedimento criminal e pretenderiam antes prevalecer-se do regime do Regulamento comunitário nº 1383/2003 (entretanto revogado pelo Regulamento (UE) n° 608/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013).

E mesmo que existisse qualquer “retenção” de mercadorias nos termos daquele regulamento e que essa retenção se destinasse à “destruição” prevista no artigo 23º daquele Regulamento de 2013, isso não tinha natureza criminal nem impediria a apreensão judicial criminal (a “retenção” e “destruição” comunitária visa a defesa de entidades lesadas pela “violação de um direito de propriedade intelectual” que pretendem essencialmente evitar que as mercadorias sejam lançadas no mercado).

E, como se afirmou, foi naquela mesma data – 21-11-2014 - que a recorrente foi nomeada fiel depositária de “todos os perfumes acondicionados na empresa AA ... ” (auto de fls. 271-272).

Não há, igualmente, qualquer exclusão de bens e a necessidade de relacionar bens seria apenas uma já que coincidem os bens apreendidos e os depositados: “todos os perfumes”.

Assim, o facto dado como provado em 111) (“A demandante mantém-se fiel depositária dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de Maio de 2014, que não integram o lote dos apreendidos à ordem dos autos, mercadoria que mantém à respetiva guarda e cuidado”), deve ser alterado e assumir a seguinte redacção:

“111. A demandante mantém-se fiel depositária dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de Maio de 2014, mercadoria que mantém à respetiva guarda e cuidado”.


*

B.3 – De que forma afecta isto a pretensão indemnizatória da recorrente?

Não a exclui objectivamente – a recorrente é fiel depositária – mas não lhe garante subjectivamente (contra os arguidos) a procedência do pedido.

Isto porquanto a causalidade invocada pela recorrente no seu pedido é excessiva, não se restringe à causalidade adequada. Surge quase como uma causa natural, uma causa final, uma cadeia sem fim de causas: do crime à nomeação como fiel depositária vai a distância de um mundo com um intermediário, o Estado, na veste de causador do “incómodo” depósito imperativo, porque público, e não como mero contratante privado.

Mas, mesmo que esse conceito de causalidade fosse aceitável pela nossa ordem jurídica – que não é – a recorrente sempre se depararia com uma outra dificuldade para considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil: não há dano imputável aos arguidos.

Os arguidos são os causadores do dano do crime, que não os danos que lhe provêm da nomeação como fiel depositária. Por esse dano é responsável o Ministério Público, ao menos a GNR, potencialmente a alfândega que não destruiu os bens quando devia, ou seja, o Estado português.

Por isso que a dedução do pedido cível contra os arguidos sempre teria um fim inglório já que apresenta como “causa de pedir” o crime o que inviabiliza, desde logo, a procedência do pedido assente na existência de “danos” provenientes de um depósito judicial.

Resulta daqui a improcedência do recurso? Não necessariamente! A sua improcedência está ligada ao fundamento invocado – o mal do crime – mas a pretensão da recorrente tem cobertura por via da previsão legal que permite o pagamento do depósito imposto pela existência dos bens. Ou seja, a “causa de pedir” favorável à recorrente é a nomeação como fiel depositária pelo Estado, não o crime, que é aqui causa longínqua e irrelevante.

E, adjectivamente, sempre seria desnecessário deduzir pedido cível contra o Estado na medida em que bastaria um pedido feito no processo para que o Ministério Público ou o tribunal ordenassem o pagamento do devido pela nomeação como fiel depositária.

Aliás a recorrente passou a ter a percepção de tal opção quando nas suas conclusões finais (ss, tt e uu) apela à aplicação do Regulamento das Custas Processuais e da sua tabela IV e ao pagamento do peticionado a título de encargos.

Assim, o recurso teve um efeito útil, o evitar o trânsito em julgado de uma decisão que não acautelou em termos de facto e de direito o devido pagamento do depósito que é imposto pela necessidade de defender a preservação de bens apreendidos pelo Estado.

A circunstância de o Estado pretender preservar bens que já deveria ter destruído é mera facécia que emana dos autos. E se por este acto desnecessário é responsável o Estado, esse mesmo Estado não pode ser beneficiado e deve pagar o que impôs, mesmo se desnecesário. O que, em absoluto, não pode acontecer é permitir que o Estado crie e vincule a um depósito inútil e depois se afaste “de mansinho” sem pagar a terceiros.

A não ser que o terceiro também tenha culpa e nessa medida.

E a recorrente também tem culpa in vigilando pois que os seus funcionários andaram em rédea livre sem o devido controlo – efectivo - dos seus órgãos de gestão durante a prática do ilícito. Aliás, as declarações do arguido C ... a fls. 30 do acórdão (1021 dos autos) são elucidativas quando expressa a ideia de que “achou normal” terem-lhe perguntado se queria levar e ficar com os perfumes já que os mesmos iriam ser destruídos. E que até lhe puseram duas caixas de perfumes no carro, num ambiente durante a transfega de mercadorias que revela que tudo foi feito às claras e por quem e sem oposição de quem estava presente. Facilidades e falta de rigor por quem tinha, como depositária, obrigações de guarda da mercadoria e, no caso, obrigação de tudo fazer para evitar a entrada dos bens no mercado comercial.

Mas entre uma e outra “culpas”, haverá que pagar à recorrente um preço adequado.


*

B.3 – O recurso ao Código Civil permite-nos concluir que o “depósito” é um contrato «pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida» - artigo 1185º - com as obrigações de a guardar, de avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa e a restituir a coisa (artigo 1187º do mesmo diploma).

Naturalmente que, no caso, só releva o objecto do instituto e não a sua característica civilista que aqui fica afastada e assume natureza pública.

Aliás, como já se afirmava no acórdão da Relação do Porto de 02-21-2005 (Proc. 0550350, rel. Fonseca Ramos), «o depositário que é investido na guarda de um bem por determinação judicial é sujeito de uma relação jurídica de direito público, …»). E o Prof. José Alberto dos Reis asseverava que “a figura do depositário desenha-se assim: é um auxiliar da justiça, ao qual incumbe, para determinados fins processuais, a guarda e administração de certos bens, à ordem e sob a superintendência do tribunal” (Processo de Execução, volume 2º - Reimpressão, Coimbra Editora, Ldª, 1982, pag. 138-139)

Essa relação jurídica de direito público nasce da necessidade de guarda dos bens apreendidos nos termos do C.P.P., designadamente das regras gerais quanto a apreensões constantes do artigo 178º do referido diploma.

Este preceito é claro na afirmação de que “são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova”, referindo o nº 2 que “os instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos apreendidos nos termos do número anterior são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto”.

Como se constata nos autos a apreensão foi efectivada pela GNR e posteriormente validada pelo Ministério Público, tendo-se dado, pois, cumprimento ao disposto nos nsº 3 a 7 do mesmo preceito.

E a questão passa a ser, unicamente, saber qual a norma que permite o pagamento – saber se há norma expressa, pois que a imposição de pagamento pelo Estado é uma obrigação que resulta dos princípios gerais de direito, no caso concreto até como forma de evitar o abuso de órgãos do Estado sobre o cidadão ou empresa que é onerada com uma obrigação de guarda que incumbe ao Estado – norma essa que é, claramente, o artigo 16º, nº, al. h) do Regulamento das Custas Processuais que define como “encargos” as «retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo».

O pagamento resulta obviamente do disposto no artigo 17º, nº 1, quando afirma que “as entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, (…), têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”.

Naturalmente que não é aplicável a Tabela IV do Regulamento pois esta apenas é aplicável nos casos “a que se referem os nºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 17.º do Regulamento” e o “depósito” não se inclui na sua previsão.

Resta então saber se é necessário fazer apelo ao Código de Processo Civil. Entende-se que não por duas razões: o C.P.P. indica critério de pagamento e o C.P.C. não tem critério alternativo.

Dispõe o artigo 186.º, nº 3 do C.P.P. que, no caso de se impor a restituição de bens apreendidos, “as pessoas a quem devam ser restituídos os objectos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a suportar os custos resultantes do seu depósito”.

Ora, se o Estado impõe uma regra que o favorece, a mesma regra deve ser aplicável se a acção do Estado desfavorece terceiros. São, portanto, os custos resultantes do depósito o critério central para determinar quanto deve ser pago à recorrente.

A recorrente indicou valores que, ao que parece, não foram contestados pelo Ministério Público, que se acomodou na altura em que a recorrente formulou o seu pedido de remuneração.

Aqui sempre se revelaria adequado ter presente – com as necessárias adaptações - o disposto no artigo 952º do C.P.C. quando afirma que as “contas do depositário judicial são prestadas ou exigidas nos termos aplicáveis dos artigos 948.º e 949.º; são notificadas para as contestar e podem exigi-las tanto a pessoa que requereu o processo em que se fez a nomeação do depositário, como aquela contra quem a diligência foi promovida e qualquer outra que tenha interesse direto na administração dos bens”. E, como estatui a al. b) do artigo 948º, não havendo contestação, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, as diligências necessárias e encarregar pessoa idónea de dar parecer sobre as contas.

Estas normas são aplicáveis ex-vi do disposto no artigo 4º do C.P.P..

Mas nada foi dito pelo Ministério Público e o tribunal até deu como provados os custos do depósito de forma assaz clara nos factos 113) a 118), como segue:

113. Encontram-se ocupadas 111 paletes com os perfumes apreendidos desde 01 de Dezembro de 2014.

114. A demandante cobra aos seus clientes e fornecedores o preço de 0,21 cêntimos diários por palete.

115. À data da apresentação do pedido, os custos com a armazenagem dos perfumes ascendia a 26.412,82 €.

116. Por cada mês de paralisação do semirreboque L ... é devida a quantia de 375,00 €.

117. O semirreboque L ... está ocupado desde a data referida em 113).

118. À data da apresentação do pedido, o custo com a paralisação do semireboque ascendia a 13.875,00 €,

temos que concluir ser de 40.287,82 (26.412,82 € e 13.875,00 €) o custo total de depósito à data da formulação do pedido. Um valor “razoável” para um depósito inútil.

Como supra afirmámos a recorrente tem culpa pela falta de diligência dos seus órgãos de gestão e isso também tem custos. No caso fixamos esse custo em 40% dos custos envolvidos até à data da formulação do pedido pela recorrente, 23-01-2018. Assim os custos a considerar são de 24,172,7 € a pagar à recorrente.

Por isso o recurso deve proceder, não obstante por razões diversas das invocadas.


*

C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto e, em consequência:

A – Alteram a matéria de facto no seguinte facto provado:

“111. A demandante mantém-se fiel depositária dos perfumes acondicionados nas suas instalações desde 23 de Maio de 2014, mercadoria que mantém à respetiva guarda e cuidado”.

B) – Determinam o pagamento, pelo Tribunal, à recorrente da quantia de 24,172,7 € a título de custos da nomeação como fiel depositária nos presentes autos até à data da formulação do pedido, 23-01-2018.

Notifique. Sem tributação.

Évora, 05 de Fevereiro de 2019

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

António Condesso