Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
695/15.0T8OLH-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ORDEM DE SERVIÇO
DEVER DE COLABORAÇÃO COM O TRIBUNAL
CONDENAÇÃO EM MULTA
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: 1 – No domínio dos provimentos ou ordens de serviço a realidade admissível é a da possibilidade de actuação oficiosa na organização de serviços e na regularização da gestão de actividades da secretaria judicial através da optimização de recursos humanos, logísticos e instrumentais que visem a garantir a realização da Justiça em prazo razoável e mediante processo equitativo; coisa distinta é a possibilidade não aceitável de estas determinações internas assumirem uma eficácia restritiva, condicionadora ou sancionatória dos direitos processuais atribuídos às partes e a outros intervenientes processuais.
2 – Em caso de possível sancionamento de condutas processuais por
violação do dever de colaboração, deve existir uma intervenção prévia do Tribunal no sentido de avaliar e a informar se a omissão poderá acarretar uma condenação derivada da ausência de cooperação com o órgão jurisdicional, tanto mais que a aplicação de qualquer sanção deste tipo tem de estar estruturada numa violação relevante dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, porquanto a mesma não tem características de automaticidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 695/15.0T8OLH-B.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J1
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652º, nº 1, al. c) e 656º do Código de Processo Civil:
I – Relatório:
No âmbito do presente processo de insolvência, (…) veio interpor recurso da decisão que o condenou no pagamento de uma multa equivalente a 2 (duas) unidades de conta.
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Por ofício datado de 08/11/2019, emanado da secretaria do Juízo de Comércio de Lagoa, o fiduciário (…) recebeu a notificação com o seguinte teor:
«Fica V. Exa. notificado, na qualidade de Fiduciário e relativamente ao processo supra identificado, para, decorrido que está o 1º ano do período de cessão com vista a exoneração do passivo restante, vir aos autos, em 10 dias, juntar relatório anual contendo a informação relativa ao período de cessão em causa, nos termos do artº 61º, ex vi do artº 240º, nº 2, do CIRE, devendo de o mesmo constar indicação de que foi dado conhecimento a cada credor do seu teor.
Adverte-se ainda que a falta de cumprimento do ora solicitado no prazo indicado ou justificação do não cumprimento atempado, poderá cominar em multa processual por falta de colaboração».
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Nessa sequência, por intermédio de despacho prolatado a 06/12/2020, foi proferida a seguinte decisão: «Por decisão de 20 de Julho de 2018 foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo formulado pelo insolvente e nomeado fiduciário.
O(A) Sr(a). Fiduciário(a) nomeado(a) foi notificado(a) a 8 de Novembro de 2019 para prestar a informação a que alude o artigo 240º, n.º 2, do CIRE.
Uma vez que o(a) Sr(a). Fiduciário(a) não deu cumprimento ao determinado na lei, nem o fez na sequência da notificação do tribunal, não tendo apresentado para o facto qualquer justificação, por falta de colaboração, de harmonia com o previsto no artigo 417º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 27º, n.ºs 1 e 3, do Regulamento das Custas Processuais, vai condenado(a) em multa que fixo em 2 Ucs.
Notifique a o(a) Sr(a). Fiduciário(a) para dar cumprimento ao determinado, em cinco dias, sob pena de destituição – art. 417º, nº 2, do Código de Processo Civil».
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O recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
«1 – Em 19 de Junho de 2015, foi decretada a insolvência da Senhora (…), pelo Juízo de Comércio de Olhão, Juiz 1, tendo o Recorrente sido indigitado Administrador de Insolvência.
2 – Em 20 de Julho de 2018, o processo foi encerrado, com fundamento na insuficiência da massa insolvente apurada e o Recorrente foi nomeado fiduciário.
3 - Em 8 de Novembro de 2019, o Fiduciário foi notificado, pela secretaria judicial, para oferecer aos autos o Relatório a que faz menção o artigo 240º, nº 2, do C.I.R.E., embora a mesma não resulte da execução ou se baseie num despacho judicial, como estabelece o artigo 157º, nº 2, do C.P.C., tratando-se antes dum mero ofício da Secção.
4 – A tramitação destes autos de insolvência decorreu sempre com normalidade, entre Junho de 2015 e Outubro de 2019, sem registo de qualquer incidente entre o Tribunal e o Administrador de Insolvência, Fiduciário.
5 – Durante esses mais de quatro anos o processo manteve-se no mesmo Tribunal e, em Abril passado, mês em que entrou em funcionamento o Juízo de Comércio de Lagoa, transitou para este onde, acordo com a consulta efectuada ao “Citius”, deu entrada no pretérito mês de Setembro.
6 – Ao longo de quase meia década verifica-se, compulsados os autos, que não existiu qualquer acto perpetrado pelo Administrador de Insolvência que pudesse indiciar incumprimento de dever de colaboração deste com o Tribunal.
7 – A aqui insolvente absteve-se de cumprir os deveres legais que recaem sobre a mesma, por força do disposto no artigo 239º, nº 4, alínea a), do C.I.R.E., nomeadamente, o que se relaciona com a obrigação de informar o Fiduciário e aqui recorrente sobre a situação profissional de que desfrutou durante o 1º ano do período de cessão, o que motivou a comunicação do Fiduciário ao Tribunal, no pretérito dia 16 de Dezembro, no requerimento com a Ref.ª 34333241.
8 – A Senhora Juiz, colocada há poucos meses no Juízo de Comércio de Lagoa, recém-criado, decidiu que o modo mais adequado para se dirigir – pela primeira vez! – ao Administrador Judicial que exerce o cargo nos autos há mais de quatro anos, sem quaisquer incidentes, insista-se, seria através do despacho recorrido, através do qual fez saber que o quer punir com multa.
9 – O despacho recorrido é uma “decisão-surpresa”, na medida em que não existia qualquer indício nos autos que uma decisão desse teor pudesse vir a ser tomada.
10 – O despacho impugnado não acatou o princípio do contraditório, uma vez que não conferiu ao Administrador de Insolvência a possibilidade de se pronunciar, pelo que não respeitou o determinado pelo artigo 3º, nº 3, do C.P.C.
11 – O Tribunal de 1ª instância nem numa só ocasião se dignou anunciar ao Fiduciário, através da forma ajustada – despacho judicial – aquilo que pretendia, pelo que se conclui que, ao proferir o despacho impugnado, tomou decisão à revelia dos interesses do Recorrente.
12 – Merece veemente censura a dispensa do contraditório em que incorreu o Tribunal “a quo”, uma vez que em momento algum o Fiduciário foi alertado da intenção deste, não tendo tal peso um simples acto da secretaria judicial.
13 – Compulsados os autos desde o seu início, em Junho de 2015, não se verifica qualquer incumprimento de dever de colaboração por parte do Recorrente, nunca tendo o mesmo violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, nº 1, do C.P.C.
14 – A “notificação do Tribunal” a que se reporta o despacho recorrido mais não é do que um mero ofício da Secção e, de harmonia com o disposto no artigo 152º, nº 1, do C.P.C, não é esta, mas antes os Senhores Juízes que “… têm o dever de administrar a justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes (…)”, preceito legal que não foi cumprido pelo Tribunal de 1ª instância.
15 – O acto da secretaria que se consubstanciou no Ofício que remeteu ao Fiduciário, em 8 de Novembro de 2019, tem que se enquadrar entre aqueles que se encontram elencados no artigo 157º do C.P.C., não existindo base legal para que a respectiva inobservância possa dar origem a sanção pecuniária ao destinatário do mesmo.
16 – O despacho impugnado contraria o artigo 27º, nº 4, do R.C.P., na medida em que a tramitação do processo não foi afectada, nem a falta de resposta atempada do Fiduciário obstou à correcta decisão da causa, mais a mais, por este não ter quaisquer notícias da insolvente para transmitir ao Tribunal, requisitos prévios à aplicação de tal norma.
17 – O atraso na resposta do Fiduciário justificado, antes de mais, pela ausência de notícias da devedora em causa, não só não foi significativo, como não obstou à boa decisão da causa, pelo que, desse modo, não se verificou incumprimento do dever de cooperação a que alude o artigo 417º, nº 1, do C.P.C., por parte do Recorrente e não há fundamento para a respectiva condenação em multa, admitindo-se que seria adequado – isso sim! – que fosse proferido despacho judicial, com expressa advertência da cominação em multa, caso se viesse a registar silêncio do Fiduciário.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e, consequentemente, dar sem efeito a aplicação de multa sancionatória ao Recorrente, uma vez que apenas assim se irá pugnar pelo Direito, se vai cumprir a Lei e se irá fazer a mais lídima Justiça!».
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Não houve lugar a resposta.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da aplicação de multa processual por falta de colaboração com a justiça.
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III – Do histórico do processo (factos com interesse para a decisão da causa):
1 – Por sentença proferida em 19 de Junho de 2015, pelo Juízo de Comércio de Olhão, (…) foi declarada insolvente. 2 – (…) foi nomeado Administrador de Insolvência.
3 – Em 20 de Julho de 2018, o processo foi encerrado com fundamento na insuficiência da massa insolvente apurada.
4 – A 23 de Agosto de 2018, o sobredito (…) foi indigitado como Fiduciário pelo Tribunal.
5 – Em 8 de Novembro de 2018, o Fiduciário foi notificado, pela secretaria judicial, a fim de oferecer aos autos o Relatório a que faz menção o artigo 240º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a advertência de que seria condenado em multa se não o fizesse.
6 – A referida notificação foi elaborada oficiosamente pelos serviços de secretaria e não decorre da execução dum despacho judicial.
7 – Por intermédio de despacho prolatado a 06/12/2020, foi proferida a seguinte decisão: «Por decisão de 20 de Julho de 2018 foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo formulado pelo insolvente e nomeado fiduciário.
O(A) Sr(a). Fiduciário(a) nomeado(a) foi notificado(a) a 8 de Novembro de 2019 para prestar a informação a que alude o artigo 240º, n.º 2, do CIRE.
Uma vez que o(a) Sr(a). Fiduciário(a) não deu cumprimento ao determinado na lei, nem o fez na sequência da notificação do tribunal, não tendo apresentado para o facto qualquer justificação, por falta de colaboração, de harmonia com o previsto no artigo 417º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 27º, n.º 1 e 3, do Regulamento das Custas Processuais, vai condenado(a) em multa que fixo em 2 UC´s».
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IV – Fundamentação:
Na sequência do despacho datado de 23 de Agosto de 2019, o ora recorrente foi nomeado para exercer funções de fiduciário no âmbito do processo aqui em causa. Encerrado o processo de insolvência, iniciou então as funções de fiduciário para as quais havia sido nomeado, nos termos do disposto nos artigos 230º, nº 1, alínea d), e 232º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em 8 de Novembro de 2018, o fiduciário foi notificado, pela secretaria judicial, a fim de oferecer aos autos o Relatório a que faz menção o nº 2 do artigo 240º[1] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a advertência de que seria condenado em multa se não o fizesse.
A referida notificação foi elaborada oficiosamente pelos serviços de secretaria e não decorre da execução dum despacho judicial. No entanto, posteriormente, por intermédio de despacho prolatado a 06/12/2020, por violação do dever de colaboração, o referido fiduciário foi condenado no pagamento de uma multa no valor equivalente a 2 (duas) UC´s, ao abrigo da disciplina contida no nº 1 do artigo 417º[2] do Código de Processo Civil e dos nºs 1 a 3 do artigo 27º[3] do Regulamento das Custas Processuais.
Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, praticando os actos que forem determinados e a omissão desse dever permite que, em casos de recusa injustificada, seja sancionada com o pagamento de multa.
A noção de administrador judicial integra a categoria do fiduciário na fase de exoneração do passivo como resulta da interpretação do disposto no artigo 2º[4] da Lei nº 22/2013, de 26/02.
Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes, tal como proclama o artigo 12º, nº 1[5], da Lei nº 22/2013, de 26/02.
Este estatuto de servidor da justiça implica um dever reforçado na colaboração com o Tribunal e é indiscutível que o fiduciário tem a obrigação legal de apresentar os relatórios referenciados pelo artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e todos os demais actos que decorram da lei ou sejam determinados pelo julgador. E também é incontroverso que, caso necessitasse de prazo adicional, tinha meios legais ao seu dispor que permitiriam a prorrogação do tempo de resposta.
Porém, aquilo que se pergunta é se legítimo ao Tribunal condená-lo sem que em momento anterior tenha proferido despacho judicial com essa cominação?
Na coligação entre o disposto nos artigos 152º[6] e 157º[7] do Código de Processo Civil, o recorrente entende que não, na medida em que apenas «incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz» e que o atraso na resposta do fiduciário é justificado, «antes de mais, pela ausência de notícias da devedora em causa, não só não foi significativo, como não obstou à boa decisão da causa».
Adicionalmente, a discordância quanto ao conteúdo da decisão estriba-se na regra precipitada no artigo 3º[8] do Código de Processo Civil. Na leitura do recorrente este dispositivo impõe que não seja possível tomar essa providência sem que o interessado fosse previamente ouvido.
A questão matricial da questão judicanda não assenta na omissão do cumprimento do princípio da contradição, o qual, aliás, foi respeitado, mas essencialmente na aplicação de uma cominação sem prévia intervenção decisória do Tribunal. E, assim, não surge aqui qualquer nulidade cuja irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Neste particular, embora se desconheça se isso corresponde à realidade processual, num processo indutivo, transparece claramente que a intervenção oficiosa da secretaria tem subjacente um provimento ou uma ordem de serviço. É evidente que a emissão dessas ordens de serviço tem uma validade intra-orgânica mas as mesmas só devem basicamente incidir sobre a marcha legal dos termos processuais aplicáveis ao caso e nunca assumir uma intervenção que seja susceptível de impor coercivamente procedimentos que são recondutíveis a decisões que admitem recurso.
Por natureza, face ao princípio da exclusividade da função de soberania jurisdicional, as directrizes técnicas e funcionais dirigidas pelos Juízes de Direito – rectius, por todos os Magistrados Judiciais – aos serviços de secretária não são vinculativas para as partes ou para outros intervenientes processuais, os quais não são parceiros activos na concepção e edição desses instrumentos de agilização interna de funcionamento dos Tribunais. E, além disso, a existir, no caso concreto, esse hipotético provimento ou ordem de serviço não é conhecida do destinatário.
Neste domínio a realidade admissível é a da possibilidade de actuação oficiosa na organização de serviços e na regularização da gestão de actividades da secretaria judicial através da optimização de recursos humanos, logísticos e instrumentais que visem a garantir a realização da Justiça em prazo razoável e mediante processo equitativo; coisa distinta é a possibilidade não aceitável de estas determinações internas assumirem uma eficácia restritiva, condicionadora ou sancionatória dos direitos processuais atribuídos às partes e a outros intervenientes processuais.
Embora se compreenda que essa tentação ocorra em Tribunais de grande pendência processual ou em que existam predominantemente espécies processuais urgente ou onde os quadros de pessoal estejam erradamente dimensionados, a mesma não pode transmutar-se numa prática generalizada que signifique uma actividade substitutiva da intervenção dos titulares de poderes soberanos.
E, desse modo, em caso de possível sancionamento de condutas processuais por violação do dever de colaboração, deve existir uma intervenção prévia do Tribunal no sentido de avaliar e a informar se a omissão poderá acarretar uma condenação derivada da ausência de cooperação com o órgão jurisdicional, tanto mais que a aplicação de qualquer sanção deste tipo tem de estar estruturada numa violação relevante dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, porquanto a mesma não tem características de automaticidade.
Se não existir essa ordem de serviço, a acuidade da ausência dessa intervenção judicial ganha ainda uma maior relevância. O titular de poderes soberanos é o Tribunal através do Juiz e não os serviços administrativos de secretaria a quem não é disponibilizada a possibilidade legal de emitir esse juízo prudencial do preenchimento do conceito de dever de colaboração. Na verdade, ao não se tratar de um mero acto de expediente[9], a secretaria judicial não está munida de poderes que lhe permitam interferir no conflito de interesses judicialmente em discussão.
Recapitulando, fora dos casos de execução de despachos judiciais, as secretarias judiciais têm poderes funcionais para determinar a prática de actos destinados a regular a tramitação do processo ou a providenciar pelos meios necessário à prolação de um despacho de natureza discricionária, mas não podem emitir oficiosamente notificações que se traduzam – ou se possam vir a traduzir – na aplicação de sanções de natureza tributária ou processual.
Dito de outra forma, a secretaria apenas poderia ter emitido oficiosamente uma determinação de junção do relatório previsto pelo artigo 240º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. E, assim sendo, na primeira intervenção subsequente, em função da situação concreta, o Tribunal não deveria ter concluído que a advertência prévia era suficiente para justificar a aplicação de uma sanção.
Em conclusão, para além da preterição desta formalidade procedimental, avaliada toda a situação envolvente, na perspectiva do Tribunal da Relação não existe um comportamento omissivo que justifique a aplicação imediata de uma multa, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade. E, assim sendo, entende-se que a sanção aplicada não se justifica no caso concreto, revogando-se assim a decisão recorrida.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas, face ao disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 18/03/2020

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

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[1] Artigo 240.º (Fiduciário)
1 - A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.
2 - São aplicáveis ao fiduciário, com as devidas adaptações, os nºs 2 e 4 do artigo 38.º, os artigos 56.º, 57.º, 58.º, 59.º e 62.º a 64.º; é também aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 60.º e no n.º 1 do artigo 61.º, devendo a informação revestir periodicidade anual e ser enviada a cada credor e ao juiz.
[2] Artigo 417.º (Dever de cooperação para a descoberta da verdade):
1 - Todas as Pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
[3] Artigo 27.º (Disposições gerais).
1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.
3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
5 - A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória excepcional.
6 - Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.
[4] Artigo 2º (Noção de administrador judicial):
1 - O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei.
2 - O administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei.
[5] Artigo 12.º (Deveres):
1 - Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.
3 - Os administradores judiciais só devem aceitar as nomeações efetuadas pelo juiz caso disponham dos meios necessários para o efetivo acompanhamento dos processos em que são nomeados.
4 - Os administradores judiciais devem comunicar, preferencialmente, por via eletrónica, à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina, bem como ao juiz do processo, a recusa de aceitação de qualquer nomeação fundada na inexistência de meios, devendo a referida entidade, de imediato, impedir a ocorrência de novas nomeações.
5 - Os administradores judiciais devem comunicar, preferencialmente por via eletrónica, com a antecedência mínima de 15 dias, aos juízes dos processos em que se encontrem a exercer funções e à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina qualquer mudança de domicílio profissional, bem como a informação atinente ao novo domicílio.
6 - Os administradores judiciais que tenham completado 70 anos de idade devem fazer prova, mediante atestado médico, que possuem aptidão para o exercício da atividade.
7 - O atestado a que se refere o número anterior é apresentado, preferencialmente por via eletrónica, à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais no mês seguinte àquele em que o administrador judicial completar 70 anos, devendo ser apresentado novo atestado de idêntico teor a cada dois anos.
8 - Os administradores judiciais devem contratar seguro de responsabilidade civil obrigatório que cubra o risco inerente ao exercício das suas funções, sendo o montante do risco coberto definido em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, e devem remeter, de imediato, preferencialmente por meios eletrónicos, à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina da sua atividade cópias dos contratos celebrados, bem como comprovativos da sua renovação, sempre que tal se justifique.
9 - Os administradores judiciais estão sujeitos ao pagamento das taxas devidas à entidade responsável pelo seu acompanhamento, fiscalização e disciplina, a fixar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
10 - Os administradores judiciais devem frequentar as ações de formação contínua definidas pela entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina da sua atividade em regulamento próprio desta entidade, competindo à mesma estabelecer os protocolos que julgue necessários para esse efeito, designadamente, com universidades, centros de formação profissional legalmente reconhecidos e com as associações representativas dos administradores judiciais.
11 - Ao subcontratar qualquer entidade nos processos para os quais é nomeado, designadamente para efeitos de alienação de ativos, o administrador judicial deve celebrar com o subcontratante um contrato escrito no qual, expressamente, se definam, entre outros, o objeto contratual e os deveres e os direitos que assistem a ambas as partes.
12 - Os administradores judiciais devem fornecer à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina a informação necessária que possibilite a avaliação do seu desempenho, nos termos definidos pela referida entidade.
[6] Artigo 152.º (Dever de administrar justiça - Conceito de sentença):
1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
2 - Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa.
3 - As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos.
4 - Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
[7] Artigo 157.º (Função e deveres das secretarias judiciais):
1 - As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente.
2 - Incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos atos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado.
3 - Nas relações com os mandatários judiciais, devem os funcionários agir com especial correção e urbanidade.
4 - As pessoas que prestem serviços forenses junto das secretarias, no interesse e por conta dos mandatários judiciais, devem ser identificadas por cartão de modelo emitido pela respetiva associação pública profissional, com expressa identificação do advogado ou solicitador, número de cédula profissional, bem como, se for o caso, da respetiva sociedade, devendo a assinatura daquele ser reconhecida pela associação pública profissional correspondente.
5 - Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente.
6 - Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
[8] Artigo 3.º (Necessidade do pedido e da contradição):
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
[9] Por todos ver Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 250, que caracteriza que «são de mero expediente os despachos que têm por objectivo a observação legal dos termos processuais ao caso aplicáveis, que se limitam a determinar a legal tramitação do processo e deles estando arredada a apreciação de algum aspecto jurisdicional da causa - por meio deles, o Juiz provê ao andamento regular do processo e não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros».