Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
835/09.9TBPTM-C.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO DE RETENÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - O credor que pretenda fazer-se valer de garantia de que o seu crédito sobre a insolvência beneficie deverá, no requerimento em que reclama a verificação do crédito, indicar tal garantia, conforme exigido pelo artigo 128.º, n.º 1, al. c), do CIRE;
II – A falta de tal indicação no requerimento de reclamação do crédito, ou no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, impede o credor de fazer-se valer de eventual garantia, se não reconhecida pelo administrador da insolvência;
III - A impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter algum dos fundamentos indicados no artigo 130.º do CIRE, não permitindo o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito;
IV – Não tendo o credor invocado o direito de retenção no prazo fixado para a reclamação de créditos, mostra-se extemporânea a respetiva invocação, acompanhada pela alegação de factualidade nova, em momento posterior à apresentação pelo administrador da insolvência da relação de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Nos autos que constituem o processo principal, por sentença de 29-05-2009, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de BB – Sociedade de Construções, S.A., tendo sido designado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
O credor CC reclamou a verificação de um crédito no montante de € 125 000, alegando que celebrou com a ora insolvente, no dia 17-02-2003, um contrato-promessa de compra e venda de uma fração autónoma de edifício em construção, tendo procedido ao pagamento da quantia de € 62 500 a título de sinal e não tendo a promitente-vendedora diligenciado pela celebração da escritura nos termos e prazo acordados, pelo que perdeu o interesse na compra da fração autónoma, pretendendo lhe seja reconhecido o direito à resolução do contrato, por incumprimento imputável à promitente-vendedora, e ao recebimento da quantia de € 125 000, correspondente ao dobro do sinal prestado.
Decorrido o prazo fixado para as reclamações, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, tendo incluído na lista de créditos reconhecidos o crédito reclamado pelo credor CC, no montante de € 125 000, classificado como crédito comum, com a proveniência seguinte: sinal em dobro por força de contrato-promessa de compra e venda que tem por objeto uma fração (T2) - 1º andar D - Lote 2 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob a ficha n.º ….
O credor CC apresentou, em 24-08-2009, requerimento no qual, alegando que a fração autónoma prometida vender lhe foi entregue em agosto de 2005, na sequência do que a mobilou e celebrou contratos de fornecimento de eletricidade, gás e água, invoca que o seu crédito goza de direito de retenção sobre a fração autónoma prometida vender, peticionando seja tal direito de retenção considerado na graduação de créditos.
Notificada do aludido requerimento, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, C.R.L. pronunciou-se no sentido do indeferimento do reconhecimento do direito de retenção aí invocado, sustentando que tal direito só pode ser invocado no requerimento de reclamação de créditos, cujo prazo havia já decorrido, acrescentando que o aludido credor, além de não o ter invocado, também não demonstrou ou provou atempadamente tal direito.
O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de não dever o crédito em causa ser classificado como garantido por direito de retenção.
Foi realizada tentativa de conciliação, constando da respetiva ata despacho no qual se consignou, além do mais, o seguinte:
(…) A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … concorda em considerar o documento apresentado por CC de fls. 578 e seguintes como uma impugnação portanto sendo considerado o seu requerimento datado de 11-01-2018 como resposta à mesma (…).
Foi proferido despacho saneador – no qual se determinou o prosseguimento dos autos para apreciação, além do mais, de impugnação deduzida pelo credor CC –, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual, além do mais, se classificou o crédito de CC como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia, tendo-se decidido o seguinte:
Pelos fundamentos expendidos e com base nas referidas normas:
1. Declaro verificados os créditos constantes da lista de credores reconhecidos “BB – Sociedade de Construções, S.A.” elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
2. Classifico o crédito de DD como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.
3. Classifico o crédito de CC como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.
4. Graduo os créditos verificados.
A - Pela venda dos seguintes bens imóveis deverão ser pagos os créditos pela seguinte ordem:
- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária para garantia do capital de 250 000,00 euros, a favor do Banco EE, SA.
– Prédio urbano, denominado por Lote 20, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
– Prédio urbano denominado por Lote 21, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
– Prédio urbano denominado por Lote 22, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
– Prédio urbano denominado por Lote 46, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
- Prédio urbano denominado pela fracção “AJ” descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número … – AJ, inscrito na matriz sob o artigo …-AJ.
- Prédio urbano denominado pela fracção “BH” descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número … – BH, inscrito na matriz sob o artigo …-BH.
- 1/2 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
– Fracção autónoma designada pela letra “D”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrita na matriz sob o artigo …-D.
– Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … da secção B.
– Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo ….
– Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … secção 56.
– Fracção autónoma designada pela letra “FA”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrita na matriz sob o artigo …-FA.
– Fracção autónoma designada pela letra “T”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …-T, inscrita na matriz sob o artigo …77-T.
Em primeiro lugar, é ressalvado o pagamento das dívidas da massa insolvente (as custas sairão precípuas do produto dos bens liquidados), nos termos previstos no artigo 172º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
Em segundo lugar, serão pagos os créditos privilegiados relativos a IMI concernentes ao respetivo imóvel e que se tenham vencido a partir de 04.03.2008.
Em terceiro lugar, serão pagos os créditos privilegiados relativos a imposto de selo concernentes ao respetivo bem e que se tenham vencido a partir de 04.03.2008.
Em quarto lugar, serão pagos os créditos garantidos por via do direito de retenção sobre o respetivo imóvel.
Em quinto lugar, serão pagos os créditos garantidos por hipoteca relativamente ao imóvel sobre que incide, respetivamente, na estrita medida da garantia, e segundo a ordem de inscrição no registo, se for o caso.
Em sexto lugar, serão pagos os créditos privilegiados, reclamados pelo FGS (sub-rogação) e pelos trabalhadores.
Em sétimo lugar, serão pagos os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira relativos a IRC e IRS vencidos a partir de 04.03.2008.
Em oitavo lugar, serão pagos os créditos da Segurança Social vencidos a partir de 04.03.2008.
Em nono lugar, serão pagos os créditos comuns, rateadamente, incluindo os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira relativos a IRC e IRC e da Segurança Social vencidos antes de 04.03.2008, assim como os créditos sob condição do Banco FF, do Banco GG, do Banco HH, do II – Instituição Financeira de Crédito, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do … e da JJ, nos termos do disposto no artigo 181º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa sendo a condição a correspondente ao vencimento do crédito para o devedor originário.
Em décimo lugar, do remanescente, se houver, serão pagos os créditos subordinados.
B - Pelo produto da venda dos restantes bens (móveis), deverão ser pagos os créditos pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, é ressalvado o pagamento das dívidas da massa insolvente (as custas sairão precípuas do produto dos bens liquidados), nos termos previstos no artigo 172º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
Em segundo lugar, serão pagos os créditos privilegiados, reclamados pelo FGS (sub-rogação) e pelos trabalhadores.
Em terceiro lugar, serão pagos os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira relativos a IRC e IRS vencidos a partir de 04.03.2008.
Em quarto lugar, serão pagos os créditos da Segurança Social vencidos a partir de 04.03.2008.
Em quinto lugar, será pago o crédito privilegiado das requerentes da insolvência, nos termos do artigo 98º, n.º 1 do CIRE.
Em sexto lugar, do remanescente, se houver, serão pagos os créditos comuns, rateadamente, incluindo os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira relativos a IVA e IRS e da Segurança Social na parte vencida antes de 04.03.2008, bem como os créditos sob condição do FF, do GG), do Banco HH, do II – Instituição Financeira de Crédito, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do … e da JJ, nos termos do disposto no artigo 181º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa sendo a condição a correspondente ao vencimento do crédito para o devedor originário.
Em sétimo lugar, do remanescente, se houver, serão pagos os créditos subordinados.
Custas a cargo da massa insolvente – cfr. artigo 303º do CIRE.
Inconformada, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, C.R.L. interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada, na parte em que reconheceu que o crédito de CC beneficia de direito de retenção e o classificou como privilegiado, e substituída por outra que indefira tal reconhecimento e mantenha a classificação de tal crédito como comum, terminando as alegações com a conclusão que se transcreve:
«O apelado para além de ter reclamado extemporaneamente o direito de retenção não é consumidor na acepção que o AUJ adotou ao interpretar a al. f) nº 1 do art. 755º do CC, simplesmente porque não detém a qualidade de consumidor definida no nº1 art. 2º da Lei 24/96 de 31/07 (Cfr art.1 nº 2 al a) da Directiva): a sua aquisição e afectação nada teve a ver com o consumo, visando antes a obtenção do pagamento de dívida comercial, não se encontrando numa situação de fraqueza ou debilidade que é pressuposto do conceito de consumidor que o legislador pretendeu prever, daquele particular que investe suas poupanças contraindo uma dívida de largos anos numa situação de clara desprotecção perante o credor hipotecário, muito pelo contrário: na qualidade de contabilista de empresa do grupo da insolvente encontrava-se numa posição de clara vantagem, porque estava precavido das deficiências e da solvência da empresa, pelo que não pode o mesmo beneficiar no âmbito do processo de insolvência em que nos situamos, do direito de retenção previsto no art. 755º nº1 al f) do CC, mostrando-se inteiramente injustificado e abusivo que se lhe aplique a respectiva medida de protecção, que tem por fundamento e exigência o princípio da igualdade.»
O credor CC apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e arguindo a litigância de má fé pela apelante, requerendo a respetiva condenação em indemnização a favor do apelado, terminando com a formulação das conclusões seguintes:
«1 – A Recorrente, admitiu expressamente, em sede de tentativa de conciliação (vide acta datada de 6 de fevereiro de 2018), que o requerimento de fls. 578 e segs é uma impugnação. Lê-se nos autos que “A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … concorda em considerar o documento apresentado por CC como uma impugnação portanto sendo considerado o seu requerimento datado de 11-01-2018 como uma resposta à mesma.”;
2 – Ou seja, agora ao já não aceitar tal requerimento como impugnação, para além de violar a força de caso julgado, a Recorrente, com a coloboração activa da sua Ilustre Mandatária, actua num inaceitável venire contra factum proprium processual, fazendo do processo um uso reprovável com o objectivo de entorpecer a acção da justiça (art. 542º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil). Motivo pelo qual se requer seja a Recorrente, atenta a gravidade do caso, bem como a sua Ilustre Mandatária (porque conhecedora da actuação contraditória), condenadas a pagar indemnização ao Recorrido, a título de litigância de má fé, em valor não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
3 - Ainda que assim se não entendesse, mesmo que o requerimento agora venha a ser posto em causa como impugnação (que foi apresentada, diga-se, dentro do prazo legal após a apresentação da listagem provisória dos credores) contra caso julgado após aceitação da Recorrente em sede de tentativa de conciliação, não há qualquer impedimento a que se faça um complemento ou acrescento à reclamação anterior, o que é entendimento jurisprudencial é o impedimento da apresentação de uma reclamação autónoma, respeitante, portanto, a crédito diverso do reclamado. A este respeito é plenamente esclarecedor o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Novembro de 2009, acima transcrito no seu sumário.
4 – É manifesto que a aquisição do imóvel por parte do Recorrido se inscrevia no âmbito da sua vida pessoal e familiar, como atestam as fotos juntas ao processo, as facturas das mobílias adquiridas e colocadas naquele, os contratos de água, luz e gás em nome próprio, o depoimento de parte no sentido de que o Recorrido passou a fazer férias no apartamento em causa, nada tendo a ver com as empresas – até já comprovadamente extintas – de que o Recorrido foi gerente. Ou seja, o Recorrido é, no negócio em causa, um verdadeiro consumidor, que merece protecção, na acepção do disposto na Lei 24/96, de 31 de julho, conforme AUJ 4/2014.
5 – A Recorrente falta gravemente à verdade quando – sem qualquer facto onde se basear – alega que a aquisição do imóvel visava a obtenção do pagamento de uma dívida comercial, que nem sequer foi identificada!»
Notificada das contra-alegações, a apelante apresentou resposta, na qual se pronuncia no sentido da não verificação da invocada litigância de má fé.
Face às conclusões das alegações da recorrente e à questão suscitada pelo recorrido, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) da extemporaneidade da invocação do direito de retenção pelo credor CC;
ii) da classificação do crédito deste credor;
iii) da litigância de má fé pela apelante.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

Na 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. O “Grupo LL, S.A.” requereu a insolvência de “BB – Sociedade de Construções, S.A.” em 04.03.2009, tendo sido proferida sentença de insolvência a 29.05.2009, transitada em julgado.
2. O objecto social da insolvente é a construção civil e obras públicas, nomeadamente a realização de empreitadas de construção civil e obras públicas, a venda de materiais de construção e a execução de infra-estruturas e redes internas de instalações técnicas; compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim; construção e exploração de empreendimentos industriais e turísticos; aluguer de bens imóveis e bens móveis, nomeadamente equipamentos.
3. Nos presentes autos foram apreendidos os seguintes imóveis:
- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número 2466, inscrito na matriz sob o artigo 875, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária para garantia do capital de 250 000,00 euros, a favor do Banco EE, SA.
– Prédio urbano, denominado por Lote 20, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária a favor da JJ, para garantia do capital de 465 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 700 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 200 000,00 euros.
– Prédio urbano denominado por Lote 21, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária a favor da JJ, para garantia do capital de 465 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 700 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 200 000,00 euros.
– Prédio urbano denominado por Lote 22, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária a favor da JJ, para garantia do capital de 465 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 700 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 200 000,00 euros.
– Prédio urbano denominado por Lote 46, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente se encontra averbada uma hipoteca voluntária a favor da JJ, para garantia do capital de 465 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 700 000,00 euros; hipoteca voluntária a favor da mesma instituição bancária para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir pela sociedade até ao montante de 200 000,00 euros.
- Prédio urbano denominado pela fracção “AJ” descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número … – AJ, inscrito na matriz sob o artigo …-AJ, relativamente ao qual se encontra averbada hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do …, CRL, para garantia do capital de 380 000,00 euros.
- Prédio urbano denominado pela fracção “BH” descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número … – BH, inscrito na matriz sob o artigo …-BH, relativamente ao qual se encontra averbada hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do …, CRL, para garantia do capital de 380 000,00 euros.
- 1/2 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente ao qual se encontram averbadas duas hipotecas voluntárias a favor do Banco EE, SA, uma para garantia do capital do capital de 300 000,00 euros e outra para garantia do capital de 150 000,00 euros.
– Fracção autónoma designada pela letra “D”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrita na matriz sob o artigo …-D, relativamente à qual se encontra averbada uma hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, para garantia e todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou assumir, provenientes de todas e quaisquer obrigações bancárias, até ao capital de 200 000,00 euros.
– Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … da secção B, relativamente ao qual se encontram averbadas duas hipotecas voluntárias constituídas a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo do …, CRL, a primeira para assegurar o capital de 250 000,00 euros e segunda para assegurar um capital de 155 000,00 euros.
– Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, relativamente ao qual se encontram averbadas três hipotecas voluntárias a favor da JJ.
– Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … secção 56, relativamente ao qual se encontram averbadas três hipotecas voluntárias a favor da Caixa de Crédito Mútuo do …, SRL, primeira para garantia de empréstimo de capital de 1 350 000, 00 euros ( C4) a segunda para garantia de empréstimo da capital de 300 000,00 euros (C5), e a terceira para garantia de empréstimo de capital no valor de 118 560,00 euros (C1).
– Fracção autónoma designada pela letra “FA”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrita na matriz sob o artigo …-FA.
– Fracção autónoma designada pela letra “T”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …-T, inscrita na matriz sob o artigo …-T
- Também foram apreendidos os bens móveis que constam do auto de apreensão – fls. 99 a 105 – do apenso de apreensão de bens.
Impugnação deduzida pelo credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …
4. A 8 de Março de 2004 foi celebrado um acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” que teve por objecto a fracção autónoma designada pela letra “BH”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Loulé com o número … e inscrita na matriz sob o artigo ….
5. Na cláusula terceira do acordo referido em 4 refere-se “O preço é de 132.000,00 Euros (…), o qual será pago da seguinte forma: A) A título de sinal e princípio de pagamento, os segundos outorgantes entregarão, com a assinatura do presente contrato, à primeira outorgante a quantia de (…) 40.000,00 € (Quarenta Mil Euros), da qual lhes é conferida a correspondente quitação. B) O remanescente, correspondente à quantia de 92.000,00 € (…) que será pago em pagamentos parcelares até à data outorga da escritura de compra e venda, deduzidos dos valores da contribuição autárquica referidos no ponto 3, da cláusula sexta.”
6. Na cláusula quarta do acordo referido em 4 refere-se “1. A escritura definitiva de compra e venda deverá ser outorgada até ao dia 30 de Outubro de 2005, podendo o prazo ser prorrogado por mais 30 dias, desde que por motivo não imputável às partes.”
7. Na cláusula quinta do acordo referido em 4 refere-se “Constitui obrigação dos segundos outorgantes a marcação da escritura de compra e venda em qualquer Cartório Notarial do Algarve, devendo para o efeito a primeira outorgante entregar toda a documentação necessária para a escritura, em tempo oportuno, sendo posteriormente notificada da hora, data e local de celebração da mesma.”
8. No início de Julho de 2004 a insolvente BB autorizou o reclamante DD a ocupar a fracção objecto do acordo referido em 4, entregando-lhe as chaves da mesma.
9. A partir do início de Julho de 2004 o reclamante DD mandou instalar e inspeccionar o gás em seu nome na fracção objecto do acordo referido em 4, bem como mandou instalar a electricidade e o contador de água nessa fracção em seu nome.
10. O reclamante DD adquiriu mobílias para a fracção objecto do acordo referido em 4.
11. A partir de Agosto de 2004 o reclamante DD passou a habitar na fracção objecto do acordo referido em 4 e foi efectuando entregas por conta do referido acordo.
12. Em 10 de Março de 2004 entregou um cheque no montante de 5.000,00 euros.
13. Em 15 de Abril de 2004 entregou um cheque no montante de 5.000,00 euros.
14. Em 8 de Setembro de 2004 entregou um cheque no montante de 6.282,66 euros.
15. Em 16 de Novembro de 2004 entregou um cheque no montante de 14.010,39 euros.
16. Em 6 de Março de 2007 entregou cheque no montante de 14.187,50 euros.
17. Em 6 de Março de 2007 entregou cheque no montante de 13.395,45 euros.
18. Em 30 de Maio de 2007 entregou cheque no montante de 2.417,22 euros.
19. Em 21 de Novembro de 2007 entregou o montante de 31.765,61 euros tendo sido emitido recibo da BB denominado “Reforço de Sinal”.
20. A falta de agendamento da escritura relativa ao acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 08.03.2004 não se deveu a omissão do credor DD.
21. A “BB – Sociedade de Construções, S.A.” não facultou ao credor DD a documentação necessária para o agendamento da escritura relativa ao acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 08.03.2004.
22. O credor DD tentou obter junto dos administradores da “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a documentação necessária para o agendamento da escritura relativa ao acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 08.03.2004.
23. Em 2007 foi dito ao credor DD que caso acabasse de efectuar a entrega do valor ainda em falta por conta do acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 08.03.2004, poderia obter todos os documentos necessários para agendar a escritura.
24. Tendo o credor DD procedido à entrega da totalidade do valor por conta do acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre DD e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 08.03.2004, ainda assim os documentos necessários para agendar a escritura não chegaram a ser entregues pelos administradores da BB.
Impugnação deduzida pelo credor CC
25. O reclamante CC passou a habitar o imóvel objecto do acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre este e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 17 de Fevereiro de 2003, desde Agosto de 2005.
26. O acordo referido em 25 teve por objecto a fração que constitui a verba nº 7 do auto de apreensão, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrita na matriz sob o artigo ….
27. O reclamante CC mobilou o imóvel objecto do acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre este e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 17 de Fevereiro de 2003.
28. O reclamante CC acordou o fornecimento de gás, electricidade e água para o imóvel objecto do acordo denominado “Contrato promessa de compra e venda” celebrado entre este e “BB – Sociedade de Construções, S.A.” a 17 de Fevereiro de 2003.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Extemporaneidade da invocação do direito de retenção pelo credor CC
A apelante põe em causa a decisão recorrida, na parte em que atendeu à invocação do direito de retenção pelo credor CC através do requerimento apresentado em 24-08-2009, sustentando que tal invocação se mostra extemporânea, por deduzida após o termo do prazo fixado para as reclamações de créditos, pelo que não deveria o tribunal tê-la considerado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sob a epígrafe Reclamação de créditos, dispõe o artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (na redação dada pelo DL n.º 53/2004, de 18-03, em vigor à data da sentença que declarou a insolvência), no seu n.º 1, o seguinte: Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável. Acrescenta o n.º 2 que o requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido por via postal registada e esclarece o n.º 3 que a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Decorre deste preceito que a reclamação de créditos constitui um ónus do credor, o que se extrai do n.º 1, ao afirmar que os credores da insolvência devem reclamar os seus créditos, e do n.º 3, ao esclarecer que mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. É certo que o n.º 1 do artigo 129.º do citado código admite o reconhecimento, pelo administrador da insolvência, não apenas dos créditos reclamados, mas também daqueles que constem dos elementos de contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento. Porém, tal não dispensa o credor de reclamar o seu crédito, se quiser obter pagamento no processo de insolvência, dado que o crédito pode não ser apreciado caso não tenha sido reclamado.
Conforme explica Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, p. 268), “só os créditos reclamados são necessariamente apreciados para efeito do processo de insolvência; os créditos não reclamados podem sê-lo ou não – sê-lo-ão apenas na eventualidade de o administrador os conhecer”. Esclarece a autora (ob. cit., p. 272) que “sem reclamação não há, em regra, um interesse atendível do credor, ou seja, não há interesse que justifique as diligências oficiosas dirigidas à verificação do crédito, compreendendo-se o seu não atendimento no processo como um resultado natural da inércia do credor. Daí que (…) a reclamação de créditos seja vista, não exactamente como um poder, mas como um ónus”.
Assente que compete aos credores reclamar os seus créditos, estatui o n.º 1 do citado artigo 128.º que o ato deverá ser praticado no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, através de requerimento no qual sejam indicados os elementos elencados nas várias alíneas do preceito, destinados a individualizar e classificar o crédito, designadamente a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável, conforme decorre da alínea c).
Da análise deste regime decorre que o credor que pretenda fazer-se valer de alguma garantia de que o seu crédito beneficie deverá, no requerimento em que reclama a verificação do crédito, indicar tal garantia, conforme exigido pela citada alínea c).
Neste sentido, afirmam Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, p. 258) que resulta do artigo 128.º, n.º 1, al. c), que “os credores sempre deverão informar o administrador da insolvência das garantias de que beneficiam, se quiserem delas tirar partido”. Esclarecem os autores (ob. cit. p. 521) que a reclamação se faz por requerimento, devendo nele os credores da insolvência “fornecer todos os elementos para individualizar e caracterizar o crédito, exigidos nas várias alíneas do n.º 1” do artigo 128.º, acrescentando (ob. cit., p. 525) que “a falta ou insuficiência desses elementos pode, na prática, consoante a sua relevância, determinar o não reconhecimento do crédito ou o seu reconhecimento com características que, de facto, não correspondam ao crédito em causa”.
A apreciação da questão suscitada na apelação impõe se atenda à tramitação processual seguinte:
- na sequência da declaração de insolvência de BB – Sociedade de Construções, S.A., o credor CC reclamou um crédito no montante de € 125 000, correspondente à devolução em dobro do sinal prestado no âmbito de contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 17-02-2003 com a ora insolvente, relativo à aquisição de fração autónoma de um edifício em construção, acrescentando que lhe assiste o direito à resolução do contrato, por incumprimento imputável à promitente-vendedora, sendo certo que não invocou a existência de qualquer garantia, designadamente o direito de retenção sobre a fração autónoma prometida vender;
- o Sr. Administrador da Insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, fazendo constar da lista de créditos reconhecidos o crédito reclamado pelo aludido credor, no montante de € 125 000, o qual classificou como crédito comum;
- posteriormente, através de requerimento apresentado em 24-08-2009, o credor apelado, alegando que a fração autónoma prometida vender lhe foi entregue em agosto de 2005, bem como que entretanto a mobilou e celebrou contratos de fornecimento de eletricidade, gás e água, invoca que o seu crédito goza de direito de retenção sobre a fração autónoma prometida vender, peticionando seja tal direito de retenção considerado na graduação de créditos;
- notificada do aludido requerimento, a credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, C.R.L. pronunciou-se no sentido do indeferimento do reconhecimento do direito de retenção aí invocado, sustentando que tal direito só pode ser invocado no requerimento de reclamação de créditos, cujo prazo havia já decorrido; posteriormente, em sede de tentativa de conciliação, esta credora concordou em que tal requerimento fosse considerado como impugnação da lista de credores reconhecidos;
- a sentença recorrida, classificando o requerimento apresentado como impugnação da lista de credores, atendeu à invocação do direito de retenção através do requerimento apresentado em 24-08-2009, apreciou a existência de tal direito e classificou o crédito de CC como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.
Decorre destes elementos que o direito de retenção não foi invocado pelo credor apelado no requerimento de reclamação de créditos, nem no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, o que não vem questionado na apelação, existindo acordo das partes quanto a este ponto. Tal direito apenas veio a ser invocado pelo credor em momento posterior à apresentação pelo Sr. Administrador da Insolvência da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, na qual foi o crédito reclamado classificado como crédito comum, sem qualquer menção a uma eventual garantia.
Impondo o regime legal supra exposto, ao credor que pretenda fazer-se valer de alguma garantia de que o seu crédito beneficie, o ónus de a indicar no requerimento em que reclama a verificação do crédito, cumpre concluir que a falta de tal invocação no aludido requerimento, ou no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, impede o credor de fazer-se valer dessa eventual garantia, por incumprimento do indicado ónus.
O artigo 130.º do CIRE, sob a epígrafe Impugnação da lista de credores reconhecidos, permite, no seu n.º 1, a qualquer interessado, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
Analisando este preceito, verifica-se que a impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter algum dos fundamentos aí indicados, a saber: a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou a incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos. Não permite o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de alguma garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito.
No caso presente, a falta da tempestiva indicação pelo credor apelado do direito de retenção em causa determinou o reconhecimento do crédito como comum, sem menção a qualquer garantia, em conformidade com os elementos constantes do requerimento de reclamação de créditos. Ora, não invoca o apelado, no seu requerimento de 24-08-2009, qualquer incorreção quanto à qualificação do seu crédito, nos termos em que foi reconhecido na lista de credores, pretendendo fazer alterar a classificação operada por via da alegação de elementos anteriormente não apresentados, concretamente através da invocação de uma garantia de que pretende fazer-se valer. Porém, não tendo o credor cumprido o ónus de indicação de tal garantia no prazo fixado para a reclamação de créditos, não poderá fazer-se valer da mesma.
Como tal, não tendo o direito de retenção sido invocado no prazo fixado para a reclamação de créditos, mostra-se extemporânea a respetiva invocação, acompanhada pela alegação de factualidade nova, em momento posterior à apresentação pelo Sr. Administrador da Insolvência da relação de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE.
Nesta conformidade, mostrando-se extemporânea a invocação pelo credor do direito de retenção, assiste razão à apelante, ao sustentar que não deveria o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito. Efetivamente, não tendo os elementos integradores do direito de retenção sido tempestivamente indicados, antes se mostrando extemporânea a respetiva invocação, e não constando os mesmos da lista de créditos reconhecidos, não poderia o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito, considerando que não se trata de questão de conhecimento oficioso.
Procede, assim, nesta parte, a apelação.

2.2.2. Classificação do crédito do credor CC
A procedência da questão apreciada em 2.2.1., com a conclusão de que o tribunal não poderia ter apreciado a questão da existência do direito de retenção invocado pelo credor apelado, importa se revogue a decisão recorrida, na parte em que julgou verificada a existência desse direito e, em consequência, alterou a classificação, como comum, do crédito em causa constante da lista de créditos reconhecidos, tendo-o classificado como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.
Conforme supra exposto, consta da lista de créditos reconhecidos o crédito do credor recorrido, no montante de € 125 000, aí classificado como crédito comum.
A decisão recorrida, por seu turno, classificou tal crédito como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia.
Tendo-se concluído, em 2.2.1., que não poderia o tribunal ter apreciado a questão da existência de tal direito de retenção, cumpre revogar a decisão recorrida, na parte em que considerou verificada a existência desse direito e, em consequência, alterou a classificação do crédito em causa constante da lista de créditos reconhecidos, classificação essa, como crédito comum, que cumpre manter.
Procede, assim, a apelação.

2.2.3. Litigância de má fé pela apelante
Resta apreciar a questão da litigância de má fé por parte da apelante, suscitada pelo apelado nas contra-alegações do presente recurso.
Sustenta o recorrido que a recorrente, após ter admitido, na tentativa de conciliação, que o requerimento de fls. 578 e seguintes configura impugnação, rejeita presentemente tal entendimento, atuando processualmente em inaceitável venire contra factum proprium, fazendo do processo um uso reprovável com o objetivo de entorpecer a ação da justiça.
Litiga de má fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a parte que, com dolo ou negligência grave, deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, como também a que tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, a que tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, bem como a que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Não está em causa, na apelação, a qualificação do requerimento apresentado pelo apelado em 24-08-2009, mas sim o respetivo teor e o regime jurídico aplicável, o qual resulta da lei e não de qualquer acordo das partes. De todo o modo, mostra-se irrelevante o acordo das partes quanto à qualificação do requerimento em causa, sendo certo que a pretensão aí deduzida importa a consideração de elementos novos, não indicados pelo credor na reclamação de créditos deduzida, os quais não integram os fundamentos legais de impugnação da lista de credores reconhecidos.
Não se vislumbra, assim, que a atuação da recorrente preencha os elementos objetivos e subjetivos previstos no citado artigo 542.º, n.º 2, pelo que não configura litigância de má fé.
Improcede, assim, o pedido deduzido pelo apelado.

Em conclusão:
I - O credor que pretenda fazer-se valer de garantia de que o seu crédito sobre a insolvência beneficie deverá, no requerimento em que reclama a verificação do crédito, indicar tal garantia, conforme exigido pelo artigo 128.º, n.º 1, al. c), do CIRE;
II – A falta de tal indicação no requerimento de reclamação do crédito, ou no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, impede o credor de fazer-se valer de eventual garantia, se não reconhecida pelo administrador da insolvência;
III - A impugnação da lista de credores reconhecidos só pode ter algum dos fundamentos indicados no artigo 130.º do CIRE, não permitindo o preceito a invocação de elementos novos, designadamente a indicação de garantia de que o crédito reconhecido eventualmente beneficie, anteriormente não indicada, e cuja consideração venha a determinar uma alteração da classificação do crédito;
IV – Não tendo o credor invocado o direito de retenção no prazo fixado para a reclamação de créditos, mostra-se extemporânea a respetiva invocação, acompanhada pela alegação de factualidade nova, em momento posterior à apresentação pelo administrador da insolvência da relação de créditos a que alude o artigo 129.º do CIRE.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação e em considerar não verificada a litigância de má fé da recorrente, em consequência do que se decide:
a) revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou procedente impugnação deduzida pelo credor CC à lista de credores reconhecidos e, em consequência, classificou o crédito deste credor como privilegiado por via da garantia adveniente do direito de retenção de que beneficia;
b) julgar improcedente o requerimento apresentado pelo credor CC em 24-08-2009 e manter a classificação, constante da lista de créditos reconhecidos, do crédito em causa como crédito comum;
c) absolver a recorrente do pedido de condenação por litigância de má fé.
Custas pelo apelado.
Notifique.

Évora, 08-11-2018
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato