Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3339/22.0T8FAR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
NOTIFICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
PRAZO
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A notificação de uma decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ao arguido, ao responsável solidário e ao defensor, constitui uma garantia de defesa.
II - Sendo várias as pessoas que deveriam ter sido notificadas, a contagem do prazo para a apresentação da impugnação apenas se inicia depois de notificada a última pessoa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Golden Properties – Sociedade de Mediação Imobiliária impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para As Condições de Trabalho (ACT) que lhe aplicou uma coima pela prática de contraordenação laboral.
Em 20/10/2022, a 1.ª instância proferiu o seguinte despacho liminar:
«Conforme resulta dos autos (vide fls. 61-63) a arguida foi notificada da decisão no dia 09 de setembro de 2022.
Porém a impugnação judicial apenas foi remetida, por correio eletrónico, em 07 de outubro de 2022.
Ora considerando que, como prescreve o art.33º nº 2 da lei 107/2009, 14 de Setembro, “a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima no prazo de 20 dias após a sua notificação” e que, de acordo com o estatuído no art.6º da mesma lei, à contagem dos prazos são aplicáveis as disposições constantes da lei de processo penal, não se suspendendo aquela contagem durante as férias judiciais, é manifesto que a apresentação da impugnação judicial é intempestiva e, por isso, não a admito.
Notifique.»
A impugnante interpôs recurso desta decisão, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1. O presente recurso tem por fundamento a tempestividade da apresentação da impugnação judicial pela Rte.
2. Em 17.10.2022, o Rdo., via e-mail, remeteu ao Tribunal “a quo” as certidões para efeitos do disposto nos arts.º 89º do DL 433/89, de 27.10 conjugado com o art.º 26º da Lei 107/2009, de 14.09 (vide requerimento com a referência citius 10562388).
3. Das referidas certidões consta que a Rte. e o seu gerente foram notificados “por carta registada com o nº RF667837805PT tornando-se a decisão definitiva em 2022/09/09 (...)”.
4. Nem a Rte., nem o seu gerente, foram notificados da decisão por carta registada com a referência supra.
5. A impugnação judicial apresentada pela Rte. foi tempestiva, porquanto, nem o gerente da Rte. foi notificado da decisão, nem tão pouco o seu Mandatário.
6. Em 23 de Agosto de 2022, o Mandatário signatário juntou Procuração Forense ao procedimento de contraordenação nº 122100980 (vide requerimento com a referência citius 10562388), contudo nunca foi notificado da decisão administrativa proferida.
7. Dispõe o art.º 113º, nº 10 do Código do Processo Penal, aplicável por força do disposto no art.º 6º, nº 1 da Lei 107/2009, de 14.09, que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima deve ser notificada à Arguida, ao responsável solidário, bem como ao Mandatário, iniciando-se a contagem do prazo para a prática do ato a partir da data da notificação efetuada em último lugar.
8. Ao não ter procedido à notificação quer do responsável solidário, quer do Mandatário, o prazo para a apresentação da impugnação judicial ainda não se iniciou, pelo que a impugnação judicial apresentada pela Rte. em 07.10.2022 é tempestiva.
9. Em conclusão, encontram-se preenchidos todos os pressupostos legais para que o despacho liminar proferido seja revogado e, em consequência, ser a impugnação judicial apresentada pelo Rte. prosseguir.»
A 1.ª instância admitiu o recurso.
O Ministério Público respondeu, concluindo:
«1. Pretende a Recorrente ter sido tempestiva a apresentação da impugnação judicial, porquanto nem o gerente da Recorrente, nem o Mandatário foram notificados da decisão administrativa, pelo que o prazo para apresentação da impugnação judicial ainda não se iniciou;
2. Afirma a Recorrente que, em 23 agosto 2022, o Mandatário juntou procuração forense ao procedimento de contraordenação nº.122100980;
3. A procuração forense mostra-se junta ao processo em 7 outubro 2022, juntamente com a entrada da impugnação judicial.
4. A arguida foi notificada da decisão administrativa, conforme refere a decisão ora em recurso, como bem se evidencia a fls. 61 a 63 dos autos.
Termos em que se entende não assistir razão à Recorrente, mostrando-se a decisão recorrida correta, devendo ser negado provimento ao recurso.»
O processo subiu à Relação.
Foi aberta vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta que pugnou pela procedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a impugnação judicial foi apresentada tempestivamente.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, tendo-se, ainda, em consideração os elementos relevantes que resultem do processo.
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IV. Enquadramento jurídico
Reiterando o que já referimos, o objeto do recurso consiste em saber se a impugnação judicial apresentada pela Recorrente é tempestiva.
De harmonia com o artigo 32.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é suscetível de impugnação judicial.
A impugnação, de acordo com o n.º 2 do artigo 33.º do referido diploma legal, é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação de coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.[2]
Prescreve o artigo 6.º da mencionada lei que à contagem dos prazos para a prática dos atos processuais previstos no diploma são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal, não se suspendendo a contagem durante as férias judiciais.
A apresentação da impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa do processo, pelo que a contagem do prazo de 20 dias para a sua apresentação deve ser feita nos termos previstos por este artigo, ou seja, de forma contínua, não se suspendendo aos sábados, domingos, feriados e férias judiciais, sem prejuízo da aplicação do previsto no artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.[3]
Relativamente à matéria das notificações, há que ter em consideração os artigos 7.º a 9.º da Lei n.º 107/2009.
Dos mesmos resulta que a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima deve ser notificada ao arguido por carta registada com aviso de receção remetida para a sede ou domicílio do mesmo, consoante se trate de pessoa coletiva ou singular, respetivamente. – artigos 7.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1.
Esta norma aplica-se, igualmente, ao responsável solidário pelo pagamento da coima, como não poderia deixar de ser.
A notificação por carta registada considera-se efetuada na data em que seja assinado o aviso de receção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando – artigo 8.º, n.º 3.
Estatui ainda o n.º 6 do artigo 9.º que sempre que o arguido se encontre representado por defensor legal as notificações são a este efetuadas.
Finalmente, o artigo 38.º, n.º 1 da mencionada lei prescreve que o juiz rejeita, por meio de despacho, a impugnação judicial feita fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
No vertente caso, a 1.ª instância rejeitou liminarmente a impugnação judicial que havia sido apresentada pela Recorrente, com fundamento na sua extemporaneidade.
Vejamos se esta decisão deve ser sufragada ou revogada.
Eis os elementos relevantes que resultam do processo:
- A decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima à Recorrente foi proferida em 25/08/2022 (fls. 52 do processo administrativo);
- Na mesma data, foi proferida decisão que condenou o legal representante da Recorrente pelo pagamento da coima, na qualidade de responsável solidário (fls 53 do processo administrativo);
- Em 09/09/2022, a decisão condenatória foi notificada à Recorrente (fls. 54 e 56 do processo administrativo)[4];
- Consta do processo administrativo (fls. 55) que foi elaborada uma carta de notificação da decisão administrativa, datada de 29/08/2022, dirigida ao responsável solidário, que, supostamente, seria enviada para o seu domicílio[5]. Todavia, não consta do processo qualquer aviso de receção respeitante ao envio desta notificação, ou menção do envio da carta juntamente com a notificação da Recorrente, pelo que se desconhece se a mesma terá sido efetivamente realizada.
- Não existe no processo administrativo qualquer comprovativo de notificação da decisão que aplicou a coima ao mandatário constituído da Recorrente (Dr. AA), sendo certo que a procuração forense a favor deste mandatário havia sido junta ao processo anteriormente à prolação da referida decisão.
- Em 07/10/2022, foi apresentada, na entidade administrativa competente, a impugnação judicial deduzida pela Recorrente, subscrita pelo Dr. AA, tendo sido junta a mesma procuração forense que já se encontrava no processo.
Em face destes elementos, constata-se que não existe prova da notificação da decisão de aplicação de coima ao responsável solidário pelo pagamento da mesma e ao mandatário da Recorrente.
Conforme já foi afirmado por esta Secção Social, no Acórdão prolatado no Proc. n.º 1777/19.5T8TMR.E1, de 22/10/2020, a notificação de uma decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ao arguido, ao responsável solidário e ao defensor constitui uma garantia de defesa.[6]
Sendo várias as pessoas que deveriam ter sido notificadas, a contagem do prazo para a apresentação da impugnação apenas se inicia depois de notificada a última pessoa – artigos 46.º e 47.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicáveis por força da remissão prevista no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009.
No caso que se aprecia, na data em que foi apresentada a impugnação judicial ainda não havia sido notificada a última pessoa. Por conseguinte, a contagem do prazo previsto no n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 107/2009 ainda não se havia iniciado.
Em consequência, a impugnação judicial apresentada em 07/10/2022, não poderia ter sido considerada extemporânea.
No seu parecer, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta cita um a Acórdão da Relação de Évora que, pela sua relevância, também citaremos.
Trata-se do Acórdão datado de 07/06/2022, proferido no Proc. n.º 319/22.0T8PTG.E1, onde se escreveu:
«I. Em processo de contraordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor, mas constando dele uma procuração forense, enquanto o arguido é informado da decisão administrativa através de cópia, o mandatário é notificado da decisão.
II. O facto determinante para a contagem do prazo para a apresentação da impugnação judicial é a notificação na pessoa do mandatário.
III. Mesmo sufragando-se o entendimento que a notificação teria de ser expedida ao advogado e ao arguido, o prazo da impugnação só começaria a correr depois de notificada a última pessoa, que no caso em apreciação teria sido o mandatário (artigo 47.º, n.º 4 do RGC).
IV. Desconhecendo-se a data da notificação do mandatário ou havendo dúvidas quanto à mesma, cuja prova supõe um documento (a assinatura do ofício, que não existe; ou a prova da expedição pelo correio), não podia o Tribunal a quo julgar extemporâneo o recurso interposto pelo arguido.»[7]
Em suma, não sendo a impugnação judicial apresentada extemporânea, a decisão recorrida merece-nos censura, por se tratar de uma decisão ilegal.
Resta-nos, pois, julgar o recurso procedente, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a impugnação judicial, por tempestiva, se não se verificar outra causa de rejeição da mesma.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e consequentemente, revogam a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que admita a impugnação judicial, por tempestiva, se não se verificar outra causa de rejeição da mesma.
Sem custas.

Évora, 2 de março de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Realce da nossa inteira responsabilidade.
[3] Cfr. Acórdão do STJ n.º 5/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15/02/2013 e Acórdão do mesmo Tribunal proferido no Proc. 249/19.2T8CVL.C1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] O aviso de receção da notificação foi assinado pelo legal representante da Recorrente.
[5] Consta na carta a seguinte morada: Rua ..., ..., ... ....
[6] Este Acórdão encontra-se publicado em www.dgsi.pt.
[7] Este Acórdão está acessível em www.dgsi.pt.