Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
191/18.4T8EVR-B.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
BEM COMUM
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Estando em causa a insolvência de ambos os cônjuges, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, relativamente aos quais correram termos processos de insolvência distintos, tendo sido apreendido o direito à meação da insolvente sobre um bem imóvel comum, o qual veio a ser vendido no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge, é de considerar que o direito apreendido foi convolado no direito sobre a parte que corresponde à insolvente no preço obtido com a venda do imóvel, entretanto transferido para os presentes autos;
II - Tendo sido vendido no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge o bem imóvel sobre o qual incidiam as hipotecas que garantiam os créditos das apelantes, em consequência do que se convolou o direito da insolvente sobre esse bem no direito ao respetivo preço, mantém-se a garantia desses créditos no que respeita ao montante obtido com aquela transmissão, na parte corresponde à insolvente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
Por apenso ao processo no âmbito do qual foi declarada a insolvência de BB, decorrido o prazo fixado para a reclamação de créditos, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos a que alude o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, da qual consta uma lista de créditos reconhecidos.
A credora Caixa de Crédito CC, CRL, cujo crédito foi reconhecido sem que o tivesse reclamado, impugnou a lista de créditos reconhecidos, com fundamento na incorreção do montante do respetivo crédito, sustentando que a quantia em dívida não é de € 3905, conforme consta da lista, mas de € 4624,82, acrescida da quantia de € 550,92 a título de juros vencidos e do montante de € 22,04 relativo a imposto de selo sobre juros.
Não foram apresentadas respostas à impugnação.
Foi proferida sentença, na qual, além do mais, se classificou os créditos dos credores Caixa de Crédito CC, CRL, Banco DD, S.A. e EE, Lda. como créditos comuns, tendo-se decidido o seguinte:
a) Julgar procedente a impugnação de créditos apresentada pelo credor Caixa de Crédito CC, CRL;
b) Homologar a lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência e, em consequência, julgar verificados os créditos nela constantes, com excepção do crédito impugnado pelo credor Caixa de Crédito CC, CRL, devendo ser reconhecido tal crédito nos termos constantes da referida impugnação
c) Graduar os créditos verificados e reconhecidos, para serem pagos pelo produto do direito apreendido, nos seguintes termos:
1.º - As dívidas da massa insolvente;
2.º - Rateadamente, todos os créditos comuns;
3.º - Rateadamente, todos os créditos subordinados;
Custas a cargo da massa insolvente.
Inconformadas, as credoras Caixa de Crédito CC, CRL e EE, Ld.ª interpuseram recurso desta decisão, separadamente, ambas pugnando para que seja revogada na parte relativa à classificação do respetivo crédito como comum, bem como à graduação efetuada, cada uma defendendo a classificação do respetivo crédito como garantido, com a consequente alteração da graduação.
A credora Caixa de Crédito CC, CRL terminou as respetivas alegações com as conclusões que se transcrevem:
«A) No âmbito dos presentes autos de insolvência e nos termos legalmente previstos, a aqui Apelante veio, atempadamente, apresentar a sua reclamação de créditos através da qual reclamou os seus créditos, no valor global, à data, de € 45.931,34 (quarenta e cinco mil, novecentos e trinta e um euros e trinta e quatro cêntimos).
B) A dívida reclamada é emergente de um contrato de abertura de crédito celebrado com os legais representantes da sociedade (presentemente também declarada insolvente) “FF, lda”, NIPC … – sendo a insolvente e o marido –, e a ora Apelante, e garantido por hipoteca e fiança – prestada pela insolvente BB e seu marido, também ele já declarado insolvente num outro processo – celebrado por escritura publica, realizada em vinte e um de novembro de dois mil e treze, exarada de folhas trinta a folhas trinta e quatro, do livro de notas para escrituras diversas, número cento e setenta – A, do cartório Notarial a cargo da Dr.ª Teresa isabel Nóbrega – Notária – sito em Évora; e cujos termos aqui, também, se dão por integralmente reproduzidos [Cfr. Doc. n.º 1 junto com a Reclamação de Créditos].
C) Para garantia de tal financiamento, foi constituída fiança prestada pela insolvente e pelo seu marido – também declarado insolvente num outro processo anterior – e por uma hipoteca voluntária, constituída sobre o seguinte imóvel, propriedade da aqui insolvente BB e do marido (um bem comum do casal): fracção autónoma, identificada com a letra “C”, destinada a habitação, do prédio urbano, sito na Avenida …, número …, freguesia de Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, constituído em propriedade horizontal através da Ap. … de 2010/12/20, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …2, da referida freguesia e concelho, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o número …, da referida freguesia e concelho [Cfr. Doc.s n.ºs 1, 2 e 4 junto com a Reclamação de Créditos].
D) A referida hipoteca encontra-se registada através da Ap. … de 2013/11/21 [Cfr. Doc. n.º 4 junto com a Reclamação de Créditos].
E) Por força da referida garantia – hipoteca voluntária – a aqui Apelante, aquando da apresentação da Reclamação de Créditos, qualificou o seu crédito como garantido; qualificação essa, igualmente, atribuída pelo Ex.mo Sr. Administrador de Insolvência, com reconhecimento da quantia reclamada, nos termos da lista apresentada nos termos do artigo 129.º do CIRE.
F) Quer os créditos reclamados, as garantias afetas, o seu reconhecimento e qualificação, não foram objecto de qualquer impugnação.
G) Contudo, aquando da elaboração da douta sentença de verificação e graduação de créditos, a Meritíssima Juíza a quo entendeu qualificar tais créditos como comuns.
H) Justificando e defendendo a Meritíssima Juíza a quo a sua decisão com base em que, nestes autos, não foi apreendido o imóvel hipotecado a favor da aqui Apelante, em si mesmo, mas sim o direito à meação da insolvente nos bens que integram a comunhão conjugal indivisa.
I) A dívida aqui reclamada é uma dívida comum de ambos os cônjuges e para responder por ela foi constituída a hipoteca anteriormente referida.
J) O bem em causa foi adquirido pelo casal, enquanto casados no regime da comunhão de bens adquiridos e ambos estão declarados insolventes, mas em processos diferentes, com a respetiva administração das massas insolventes por Administradores de Insolvência distintos.
K) Dispõe o artigo 1403º, n.º 1 do Código Civil que existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
L) E o art.º 1730.º, n.º 1 do C. Civil estabelece a regra da meação dos cônjuges (ou ex-cônjuges sem ter havido partilha) no património comum, ao estatuir que “os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”.
M) A hipoteca foi registada sob imóvel propriedade do casal, que neste momento já foi vendido no âmbito do processo de insolvência identificado com o número 714/17.6T8EVR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1, em que é insolvente o marido da insolvente, GG.
N) Sendo a aqui apelante credora com garantia real sobre o imóvel, a hipoteca confere-lhe o direito a ser paga pelo valor do imóvel, pertencentes ao devedor ou a um terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
O) Ora, a sentença de graduação de créditos feita no processo de insolvência “(…) deve respeitar a classificação dos créditos operada pelo direito material geral, em regra. Ou seja, a classificação de um crédito da insolvência como crédito garantido ou crédito privilegiado ou até crédito comum depende do respetivo regime geral aplicável fora do contexto de um processo de insolvência” – cf. Maria do Rosário Epifânio, “Manual do Direito da Insolvência”, 2013, 5.ª edição, pág. 232. Nos termos do art.º 47.º/1 e 4, al. a) do CIRE, são considerados créditos garantidos sobre a insolvência os créditos que beneficiem de garantias reais sobre os bens integrantes da massa insolvente. Daí que os “credores titulares de créditos garantidos por bens que integram a massa insolvente têm especiais vantagens na fase de pagamento na medida em que, uma vez feita a liquidação dos bens onerados com a garantia real em causa tem imediatamente lugar o pagamento aos credores garantidos, nos termos do at.º 174.º/1” – cf. Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2015, pág. 2441. (…)” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2017, Proc. n.º 639/15.0T8ELVA. E1, consultado em 17-10-2018 in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0922534e22a51b46802581930032d2ca?OpenDocument
P) Ora, no caso dos autos, não oferece dúvidas que a recorrente é credora da insolvente, beneficiando o seu crédito, por força da hipoteca sobre a referida fracção autónoma, de um direito real de garantia, que lhe atribui a preferência de ser paga pelo produto da venda desse imóvel.
Q) Se em tese até admitimos que podemos concordar com a argumentação plasmada na sentença recorrida, quando analisada toda a factualidade do caso concreto, não faz qualquer sentido a verificação e graduação dos créditos hipotecários da aqui recorrente como comuns.
R) Pois estaríamos a esvaziar por completo o conteúdo da garantia hipotecária.
S) Ora, é pelo produto da venda daquele imóvel, que o credor hipotecário, no caso a ora Apelante, goza do direito de ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, como é o caso dos restantes credores dos autos – atento o disposto no art. 686º do Código Civil.
T) Assim sendo e pelo exposto, ao reconhecer e graduar os créditos hipotecários da aqui Apelante como comuns, a sentença recorrida padece de ilegalidade, por violação do disposto no art. 686º do Código Civil e sonegação do direito da Caixa de Crédito CC, crl, decorrente dessa disposição legal, que, assim, verá excutida a sua garantia sem o correspectivo pagamento dos créditos por si reclamados – com preferência sobre os demais credores – pelo produto da respectiva venda.
U) É nosso entendimento que, também neste caso em concreto, “(…) se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum e que integra a massa insolvente, sobre o qual incidia a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência. No caso concreto, encontra-se aprendido, nestes autos, o direito à meação da insolvente, sobre um bem imóvel, sobre o qual incidia a garantia da recorrente, a hipoteca, imóvel que foi apreendido no processo de insolvência relativamente ao marido desta, aí foi ordenada a venda e concretizada a adjudicação, razão pela qual se mantém a garantia do crédito pelo remanescente do produto dessa venda. (…)”. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2017, Proc. n.º 639/15.0T8ELVA. E1, consultado em 17-10-2018 in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0922534e22a51b46802 581930032d2ca?OpenDocument
V) Face ao exposto e reproduzindo, um vez mais o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2017, Proc. n.º 639/15.0T8ELV-A.E1, dir-se-á, tal como foi decido nessa contenda, que: “1. Nos termos do art.º 47.º/1 e 4, al. a) do CIRE são considerados créditos garantidos sobre a insolvência os créditos que beneficiem de garantias reais sobre os bens integrantes da massa insolvente.
2. Se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum, que integra a massa insolvente, sobre o qual incide a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência, e no processo de um deles o imóvel é apreendido para a massa e vendido e no processo do outro é aprendido o direito à sua meação.
3. A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel comum, apreendido para a massa de um dos cônjuges, e aí vendido, goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda nesse processo, bem como sobre a parte do produto da venda que cabe ao outro cônjuge insolvente, em processo separado, e no qual foi aprendida a sua meação.(…)” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2017, Proc. n.º 639/15.0T8ELV-A.E1, consultado em 17- 10-2018 in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0922534e22a51b46802 581930032d2ca?OpenDocument
W) Sendo assim, e pelo exposto, mais não resta à recorrente que não seja considerar que o Tribunal a quo fez uma inadequada aplicação do Direito, ao considerar, aquando da elaboração da douta sentença de verificação e graduação de créditos, os crédito reclamados pela Caixa de Crédito CC, crl como comuns; justificando e defendendo a Meritíssima Juíza a quo a sua decisão com base em que, nestes autos, não foi apreendido o imóvel hipotecado a favor da aqui Apelante, em si mesmo, mas sim o direito à meação da insolvente nos bens que integram a comunhão conjugal indivisa.
X) Nestes termos, deverá a sentença ora recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine e gradue os créditos da Apelante Caixa de Crédito CC, crl com preferência de pagamento sobre os demais credores, por força da hipoteca voluntária registada sobre o imóvel para garantia dos seus créditos.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO POR V/ EX.AS DOUTAMENTE SUPRIDOS:
Deverá a douta sentença de graduação de créditos, aqui recorrida, ser substituída por outra que reconheça o crédito reclamado pela recorrente Caixa de Crédito CC, crl, como garantido por hipoteca e, em consequência, graduar-se o seu crédito para ser pago em primeiro lugar pelo valor atribuído à insolvente com a venda do imóvel no âmbito do processo de insolvência identificado com o número 714/17.6T8EVR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1, em que é insolvente o cônjuge da aqui insolvente.»
A credora EE, Ld.ª, por seu turno, terminou as respetivas alegações com as conclusões que se transcrevem:
«A) Sendo a Apelante credora garantida por hipoteca sobre o bem imóvel, este direito confere-lhe a faculdade em ser paga de acordo com a sua garantia pelo produto da sua liquidação, ainda que ocorra, como sucedeu nos termos do n.º 2 do artigo 743.º do C.P.C., a “posterior divisão do produto obtido”.
B) O Tribunal recorrido confundiu a “posterior divisão do produto obtido” a que se refere o n.º 2 do artigo 743.º do C.P.C. com o direito à meação, sendo que o valor transferido à ordem dos presentes autos resulta daquela operação, ou seja, da liquidação do bem imóvel entregue de hipoteca à Apelante, sendo este montante o produto obtido da excussão daquele e, por conseguinte, conferindo à Apelante, pelo direito de sequela, a preferência em ver o seu crédito ser pago prioritariamente.
C) A Apelante, credora hipotecária por direito real de hipoteca constituído sobre imóvel que é bem comum, apreendido para a massa insolvente apenas de um dos cônjuges e aí vendido, continua a gozar da preferência de pagamento que a hipoteca lhe confere quer nesse processo quer no processo de insolvência do outro cônjuge, ainda que nesta última haja sido apreendida a sua meação.
D) Se numa insolvência, em caso de coligação de cônjuges, o credor hipotecário tem o direito de crédito garantido sobre a totalidade do produto da venda do imóvel, por identidade de razão esse direito persiste sobre a dita totalidade ainda que o bem seja vendido apenas no âmbito da insolvência apresentada em separado por um dos cônjuges, e quando na insolvência do outro cônjuge seja apreendido o direito à meação.
E) O despacho recorrido violou, por incorrecta interpretação e aplicação de direito, designadamente as normas constantes do n.º 1 do artigo 686.º, 690.º, 712.º e 721.º do Código Civil, n.º 1 do 740.º e n.º 2 do artigo 743.º do Código de Processo Civil e dos artigos 17.º e 47.º n.º 1 e alínea a) do n.º 4, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
TERMOS EM QUE NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO,
os quais V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida no segmento em que qualificou com a natureza de comum o crédito da Apelante, devendo esta ser substituída por douto Acórdão que reconheça o crédito reclamado pela Recorrente com a natureza de garantido por hipoteca, graduando-se no lugar que lhe competir com a dita natureza para ser pago pelo produto da venda do imóvel – no seio dos autos de processo com o número 714/17.6T8EVR que correm os seus termos junto do Juiz 1 do Juízo Local de Évora – que foi transferido à ordem dos presentes autos.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações de ambas as recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da classificação dos créditos das apelantes e da respetiva graduação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
Com interesse para a apreciação das questões suscitadas, extraem-se dos autos, além dos elementos indicados no relatório supra, ainda os seguintes:
a) encontram-se incluídos na lista de créditos reconhecidos, entre outros, os créditos seguintes:
- credor: Caixa de Crédito CC, CRL; contrato abertura de crédito em nome da FF – € 31 007,72; Juros, imposto – € 14 923,62; total € 45.931,34; crédito garantido; empréstimo contraído pela sociedade FF, Lda.; para garantia do empréstimo, a insolvente e o marido, constituíram hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia de Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o art. … da mesma freguesia; incumprimento desde junho de 2014;
- credor: EE, Lda.; fornecimentos de combustíveis – € 20 557,26; total € 20 557,26; crédito garantido; crédito garantido por hipoteca voluntária sobre imóvel da insolvente - fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia de Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o art. … da mesma freguesia, conforme Ap. … de 27/02/2014 – 2ª hipoteca voluntária sobre o imóvel;
b) extrai-se do auto de apreensão de 08-03-2018, subscrito pelo Sr. Administrador da Insolvência e constante do apenso C, a apreensão à ordem do processo principal da verba seguinte: “direito à meação que a insolvente detém sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao 1º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia de Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artº … da União das freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho”;
c) consta da certidão de registo predial relativa à fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao 1.º andar esquerdo, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob a ficha … da freguesia de Alverca do Ribatejo e inscrito na matriz predial sob o artigo ….º da aludida freguesia, além do mais, o seguinte:
- pela apresentação n.º … de 04-01-2011, foi inscrita a aquisição, por divisão de coisa comum, a favor de GG, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos;
- pela apresentação n.º … de 21-11-2012, foi inscrita hipoteca voluntária a favor de Caixa de Crédito CC, CRL, para garantia do capital de € 32 000, sendo o montante máximo assegurado de € 50 560, para garantia de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, a favor da Sociedade denominada “FF, Lda.”;
- pela apresentação … de 27-02-2014, foi inscrita hipoteca voluntária a favor de EE, Lda., para garantia do capital de € 21 038,55, sendo o montante máximo assegurado de € 21 038,55, para garantia de dívida contraída pela sociedade denominada “FF, Lda.”, decorrente de fornecimento de combustíveis, custas judiciais decorrentes de cobrança coerciva do crédito e juros de mora vencidos e vincendos;
- pela apresentação … de 30-06-2014, foi inscrita penhora a favor de EE, Lda., realizada na ação executiva n.º 2670/14.3TBVFX, do 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Vila Franca de Xira, sendo a quantia exequenda de € 20 557,26;
- pela apresentação … de 19-10-2017, foi inscrita a declaração de insolvência de GG, por sentença de 08-05-2017, transitada em julgado, proferida no processo n.º 714/17.6T8EVR, do Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Évora;
- pela apresentação … de 25-05-2018, foi inscrita a aquisição, provisória por natureza - artigo 92.º, n.º 2, al. d) –, por compra no processo de insolvência supra identificado, a favor de EE, Lda.;
d) por escritura outorgada a 25-05-2018, a fração autónoma identificada em c) foi vendida à credora EE, Lda., no âmbito do processo n.º 714/17.6T8EVR do Juízo Local Cível de Évora;
e) foi transferida para os presentes autos a quantia de € 25 311,90, correspondente a metade do preço da venda a que alude a alínea d), deduzido o montante relativo a metade das despesas com a venda, custos de anúncios para promoção da venda e pagamento de IMI.
Os elementos indicados foram considerados provados em resultado do teor da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, do auto de apreensão constante do apenso C e do comprovativo da transferência constante do apenso D, bem como da certidão do registo predial e da escritura pública juntas ao presente apenso.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
As credoras apelantes põem em causa a decisão recorrida na parte em que classificou como comuns os créditos de que são titulares, defendendo cada uma a classificação do respetivo crédito como garantido por hipoteca e peticionando a correspondente alteração do lugar que lhe compete na ordem da graduação efetuada.
Os créditos das apelantes foram incluídos na lista de créditos reconhecidos e aí qualificados como créditos garantidos, tendo o Sr. Administrador da Insolvência feito constar que se encontram garantidos por hipoteca voluntária sobre o imóvel que identifica, conforme decorre da alínea a) de 2.1..
A decisão recorrida fundamentou a classificação como comuns dos indicados créditos nos termos seguintes:
In casu, o administrador da insolvência graduou os créditos em comuns, garantidos e subordinados.
Se nada há a apontar em relação à qualificação dos créditos entendidos pelo sr. AI como comuns e subordinados, o mesmo já não se dirá em relação aos créditos garantidos, por hipoteca.
Isto porque não foi apreendido a favor da massa insolvente nenhum bem, mas tão-somente um direito. Ou seja, foi apreendido o direito à meação que a insolvente possui na comunhão de bens conjugal. Note-se que essa meação incide sobre a totalidade do património colectivo dos cônjuges, não existindo um direito à meação de cada um dos bens concretos comuns. Esse direito à meação no património colectivo resulta da regra do art.º 1730.º do CC.
Pelo exposto, e porque não foi apreendido qualquer bem a favor da massa, a Caixa de Crédito CC, CRL o Banco DD, S.A., EE, Lda. não têm qualquer garantia real sobre o direito à meação apreendido a favor da massa.
Assim, também estes créditos – da Caixa de Crédito CC, CRL o Banco DD, S.A., EE, Lda. – deverão ser classificados como tendo natureza de crédito comum.
Discordando de tal entendimento, sustenta cada uma das recorrentes, em síntese, que a dívida a que respeita o respetivo crédito configura uma dívida comum da insolvente e de seu cônjuge, garantida por hipoteca constituída por ambos sobre um imóvel comum do casal, tendo cada um dos cônjuges sido declarado insolvente em processos distintos e o imóvel vendido no âmbito do processo de insolvência do cônjuge, estando em causa a parte que cabe à insolvente no preço obtido com tal venda, concluem que a hipoteca lhes confere o direito a serem pagos com preferência sobre os demais credores sobre o produto da venda do imóvel hipotecado, devendo os créditos ser qualificados como garantidos.
Vejamos se lhes assiste razão.
Está em causa uma situação de insolvência de ambos os cônjuges, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, relativamente aos quais correram termos processos de insolvência distintos, a saber: os presentes autos, em cujo processo principal foi declarada a insolvência de BB, e o processo n.º 714/17.6T8EVR do Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, no âmbito do qual foi declarada a insolvência do respetivo cônjuge, GG.
A declaração de insolvência de cada um dos cônjuges em processos distintos levanta diversas dificuldades, designadamente nos casos em que existam bens comuns do casal, como sucede no caso presente, em que a fração autónoma identificada na alínea c) de 2.1. se encontrava inscrita na titularidade de ambos os cônjuges.
Esta fração autónoma foi apreendida no âmbito do processo n.º 714/17.6T8EVR, tendo sido apreendido, no âmbito do apenso C dos presentes autos, o “direito à meação que a insolvente detém” sobre a mesma. De seguida, o bem foi vendido no âmbito do processo n.º 714/17.6T8EVR, na sequência do que foi transferida para os presentes autos a quantia de € 25 311,90, correspondente a metade do preço da venda, deduzido o montante relativo a metade das despesas com a venda, custos de anúncios para promoção da venda e pagamento de IMI.
Não está em causa apreciar, no âmbito da presente apelação, a forma de concretizar a apreensão e a subsequente liquidação dos bens comuns do casal – assim não havendo que tomar posição sobre se deve ser apreendido o direito à meação do cônjuge insolvente nos bens comuns ou se a apreensão deve incidir sobre determinado bem comum, com a posterior notificação do outro cônjuge para requerer, querendo, a separação de meações[1] –, mas sim as consequências práticas do modo como a apreensão foi efetuada nos presentes autos, no que respeita à qualificação dos créditos das apelantes, titulares de créditos garantidos por hipoteca sobre o imóvel comum do casal.
O artigo 47.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE) define, nas alíneas do seu n.º 4, as várias classes de créditos sobre a insolvência, dispondo a alínea a) que, para efeitos do aludido Código, são garantidos os créditos sobre a insolvência que beneficiem de garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes.
Os créditos das credoras apelantes encontram-se garantidos por hipoteca sobre a fração autónoma em causa, o que lhes confere o direito a serem pagos pelo valor desse bem com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, conforme dispõe o artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil.
Tendo a apreensão efetuada nos presentes autos incidido, não sobre o bem imóvel a que respeita a hipoteca, mas sobre a meação do cônjuge insolvente sobre tal bem, considerou a decisão recorrida que os aludidos créditos não beneficiam de garantia real sobre esse direito que integra a massa insolvente, motivo pelo qual os classificou como créditos comuns.
Porém, a circunstância de ter o imóvel, sobre o qual incidem as hipotecas de que beneficiam aqueles créditos, sido vendido no âmbito do processo de insolvência relativo ao cônjuge da ora insolvente, com a consequente caducidade das hipotecas, conjugada com o facto de ter sido depositada à ordem dos presentes autos a parte que cabe à insolvente no preço obtido com essa venda, impõe se reaprecie a classificação de tais créditos.
Efetivamente, não está em causa nos presentes autos a eventual venda do direito à meação do cônjuge sobre o imóvel, a qual não determinaria a caducidade das hipotecas em causa, dado que gozam de sequela, assim seguindo o bem onerado na transmissão daquele direito. O que está em causa é verdadeiramente o direito da insolvente sobre a parte do preço que lhe cabe na venda da fração autónoma comum do casal efetuada no processo de insolvência do respetivo cônjuge, montante que foi depositado à ordem dos presentes autos.
Tendo a fração autónoma comum do casal sido vendida no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge, o direito apreendido nos presentes autos deverá considerar-se convolado num direito sobre o produto de tal venda, isto é, sobre o preço obtido com aquela transmissão na parte corresponde à insolvente.
Em situação análoga, entendeu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 21-03-2013 (relatora: Ondina Carmo Alves), proferido no processo n.º1006/11.0T2SNT-D.L1-2 (publicado em www.dgsi.pt), o seguinte: Encontrando-se os dois direitos (do insolvente e do ex-cônjuge deste) sobre o único bem imóvel que constitui o património colectivo, sujeitos a vendas judiciais separadas – na insolvência e no processo executivo e em é executado o ex-cônjuge do insolvente – os prejuízos que necessariamente decorrerão, quer para os credores, para os terceiros interessados na aquisição do direito integrado na massa insolvente, quer também para o próprio ex-cônjuge do insolvente, devido à dificuldade da venda, ou a sua concretização por baixo valor, aconselham a venda desse único bem, na sua globalidade, no processo de insolvência, o que implicará a convolação do direito do ex-cônjuge do insolvente, num direito sobre o preço pelo qual o bem venha a ser vendido, na parte que lhe corresponde.
Também no caso presente, em que a fração autónoma comum foi vendida no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge, cumpre considerar que o direito apreendido – a meação da insolvente sobre o imóvel hipotecado – foi convolado, em resultado de tal alienação, no direito da insolvente sobre o preço obtido com a venda do imóvel.
Nesta conformidade, estando em causa a venda do bem hipotecado, concluiu-se que os créditos das credoras apelantes, beneficiando de hipotecas sobre esse bem, deverão ser classificados como garantidos, o que lhes confere o direito a serem pagos pelo valor depositado, proveniente da venda do imóvel, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Neste sentido se decidiu no acórdão desta Relação de 08-06-2017 (relator: Tomé Ramião), proferido no processo n.º 639/15.0T8ELV-A.E1 (publicado em www.dgsi.pt), invocado nas alegações das apelantes, no qual se entendeu o seguinte: Se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum, que integra a massa insolvente, sobre o qual incide a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência, e no processo de um deles o imóvel é apreendido para a massa e vendido e no processo do outro é aprendido o direito à sua meação. Como tal, decidiu-se no indicado aresto o seguinte: A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel comum, apreendido para a massa de um dos cônjuges, e aí vendido, goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda nesse processo, bem como sobre a parte do produto da venda que cabe ao outro cônjuge insolvente, em processo separado, e no qual foi aprendida a sua meação.
No caso presente, tendo sido vendido no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge o bem imóvel sobre o qual incidiam as hipotecas que garantiam os créditos das apelantes, em consequência do que se convolou o direito da insolvente sobre esse bem no direito ao respetivo preço, mantém-se a garantia desses créditos no que respeita ao montante obtido com aquela transmissão, na parte corresponde à insolvente.
Assim sendo, verificando que ambos os créditos se encontram garantidos por hipoteca sobre o bem imóvel vendido e que a hipoteca constituída a favor da apelante Caixa de Crédito CC, CRL foi registada em data anterior à hipoteca constituída a favor da apelante EE, Lda., atenta a prioridade do registo, deverá graduar-se o crédito daquela credora com preferência sobre o crédito desta relativamente ao produto da venda do bem imóvel, na parte depositada à ordem dos presentes autos.
Nesta conformidade, cumpre revogar a decisão recorrida, na parte em que alterou a classificação dos créditos das apelantes constante da lista de créditos reconhecidos, classificação essa, como créditos garantidos, que cumpre manter, devendo tais créditos ser graduados com preferência sobre os créditos comuns, sendo graduado o crédito da apelante Caixa de Crédito CC, CRL com preferência sobre o crédito da apelante EE, Lda..
Procedem, assim, ambas as apelações.

Em conclusão:
I - Estando em causa a insolvência de ambos os cônjuges, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, relativamente aos quais correram termos processos de insolvência distintos, tendo sido apreendido o direito à meação da insolvente sobre um bem imóvel comum, o qual veio a ser vendido no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge, é de considerar que o direito apreendido foi convolado no direito sobre a parte que corresponde à insolvente no preço obtido com a venda do imóvel, entretanto transferido para os presentes autos;
II - Tendo sido vendido no âmbito do processo de insolvência do outro cônjuge o bem imóvel sobre o qual incidiam as hipotecas que garantiam os créditos das apelantes, em consequência do que se convolou o direito da insolvente sobre esse bem no direito ao respetivo preço, mantém-se a garantia desses créditos no que respeita ao montante obtido com aquela transmissão, na parte corresponde à insolvente.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedentes as apelações, em consequência do que se decide:
a) revogar a decisão recorrida, na parte em que alterou a classificação dos créditos das apelantes constante da lista de créditos reconhecidos e os classificou como créditos comuns, mantendo a classificação de tais créditos como garantidos;
b) graduar os créditos das apelantes com preferência sobre os créditos comuns, preferindo o crédito da Caixa de Crédito CC, CRL ao crédito da EE, Lda..

Sem custas.
Notifique.
Évora, 31-01-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato

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[1] Sobre esta questão, cf. Diana Raposo, “Património indiviso após divórcio – apreensão e liquidação em processo de insolvência (com menção à questão da graduação dos créditos hipotecários)”, Julgar, n.º 31, janeiro/abril 2017, p. 75-85.