Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1470/15.8T8SLV-C.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE DO DIREITO DE EMBARGAR
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É aplicável à dedução de embargos de terceiro com função preventiva, o disposto na 2ª parte do n.º 2 do art.º 344º do CPC, ou seja, este tipo de embargos de terceiro também não podem ser deduzidos depois dos atinentes bens serem judicialmente vendidos ou adjudicados.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1470/15.8T8SLV-C.E1 (2ª secção Cível)






ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Execução de Silves), (…) veio, em 30/11/2018, deduzir embargos de terceiro, por apenso à ação executiva que (…) STC, S.A. move a (…) e (…), pedindo que sejam julgados procedentes os embargos preventivos que deduz e que seja ordenada a “suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado da decisão final”.
Como sustentação da sua pretensão alega em síntese:
- Tomou conhecimento em 14/11/2018, pelos requeridos, que exigiam a entrega do bem ao comprador, que o imóvel onde habita com a sua família – prédio urbano sito em (…), Lote 57, Rua da (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira com o n.º (…), da freguesia de Albufeira, e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo (…) da freguesia de Albufeira e Olhos de Água – fora vendido em processo de execução, o que ofende a sua posse e direito de retenção;
- Celebrou com os executados, em 6/02/2015 um contrato de promessa de compra e venda tendo por objeto o referido prédio, sendo o valor da prometida compra no montante € 245.000,00 (inicialmente havia sido acordado o montante de € 250.000,00, mas houve posteriormente uma redução de € 5.000,00), tendo pago o sinal no montante de € 58.250,00, não se tendo realizado, em 01/06/2015, a escritura definitiva por motivo imputável aos promitentes vendedores, passando, no entanto, a habitar o prédio, desde julho de 2015, exercendo desde então a posse sobre esse prédio e dispondo do direito de retenção sobre o mesmo, sendo estes embargos preventivos o meio processual adequado para reagir à pretensão dos adquirentes do imóvel.
Em sede liminar foi proferido despacho cujo teor se passa a reproduzir parcialmente:
(…) Dispõe ao art.º 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
«1- Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.»
Por sua vez, dispõe o art.º 344.º do Código de Processo Civil:
«1 - Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante.
2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.”
Como se vê, os embargos não poderão ser deduzidos depois dos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
No caso em apreço está em causa o prédio sito na Rua da (…), Lt.57, Distrito de Faro, Concelho de Albufeira, Freguesia de Albufeira e Olhos de Água, inscrito na conservatória do registo predial da Albufeira sob o nº (…) e o respetivo artigo matricial (…), e que foi adquirido por (…), Investimentos Imobiliários, pessoa coletiva nº (…) no âmbito da execução a que estes embargos foram apensados, tendo sido já emitido título de transmissão (tudo de acordo com o que consta nos autos de execução).
Aliás, é o próprio Embargante que começa por dizer que o bem foi vendido.
Posto isto, tratando-se de bem que já foi vendido no processo executivo, está vedada a faculdade de dedução de embargos de terceiro.
Assinala-se que a previsão do n.º 2 do art.º 344º é aplicável aos embargos de terceiro preventivo previstos no art.º 350º do Código de Processo Civil.
Em conclusão, sendo objeto destes embargos um bem vendido judicialmente, deverão os mesmos ser rejeitados liminarmente.
Neste sentido, entre outros, veja-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2017, proc.º n.º 23387-10.2T2SNT-A.L1-6, e 8/3/2018, proc.º n.º 2942/14T8SNT-A.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl.
Pelo exposto, decide-se indeferir liminarmente os presentes embargos de terceiro.
Custas pela embargante, fixando-se o valor dos embargos em 116.500,00 euros.
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Inconformado com esta decisão, interpôs, o embargante, recurso de apelação pelo qual pretende a revogação da decisão, terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões cujo teor se transcreve:
A) A Douta sentença viola os artigos 615º, nº 1, alínea b) e c), 154º, 1 e 607º, nº 4, do CPC.
B) A douta sentença recorrida não só não fez a adequada e justa ponderação dos factos de acordo com os elementos fornecidos pelo processo como não fez a boa aplicação do direito competente, que imporiam decisão diferente.
C) Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais. A Sentença deve ser anulada.
D) O Recorrente não teve conhecimento dos presentes autos até ao dia em que foi confrontado que tinha que sair da casa e entregar a mesma.
E) Os embargos que deduziu são preventivos, conforme lhe permite o artigo 350º do CPC. Os embargos preventivos podem ser deduzidos antes de realizada mas depois de ordenada a diligencia a que se refere o Art. 342º do CPC. Estes embargos têm um regime excecional e diferente ao do regime dos embargos de função repressiva. No regime excecional, oposto ao regime-regra, estas normas não contemplam analogia, conforme estatui o artigo 11º do Código Civil. No regime atual, os embargos de terceiro não se destinam apenas à defesa da posse lesada pela diligência judicial mas, também, à defesa de qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência e que se traduza num ato de agressão patrimonial.
F) Não fará sentido que seja realizada a diligência, com a "expulsão" do Recorrente da sua casa, a sua casa de morada de família, com os seus pertences, mudando-se a fechadura e este ter de aguardar, depois, despejado, o resultado de uma ação que tivesse de instaurar a anular ou reivindicar o seu direito.
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Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, as questões em apreciação são as seguintes:
1ª - Da nulidade da sentença;
2ª - Da possibilidade de reagir por embargos de terceiro contra ofensa da posse de imóvel que à data da instauração dos mesmos já havia sido judicialmente vendido.

Para apreciação da questão há que ter em conta os factos referidos na decisão impugnada e aludidos no relatório.

Conhecendo da 1ª questão
O recorrente vem arguir a nulidade da sentença referindo que a mesma sentença viola os artigos 615º, nº 1, alíneas b) e c), 154º, 1 e 607º, nº 4, do CPC.
No que se refere à falta de especificação dos factos e de direito que justificam a decisão, muito embora no que se refere aos factos não tenha sido feita a sua descrição estruturalmente independente da referência à aplicação do direito, temos de admitir que o facto que se teve por relevante emerge da data em que a ação foi instaurada (30/11/2018) e do alegado pelo próprio embargante, que diz ter conhecimento de que o prédio havia sido vendido, como efetivamente foi, através de leilão eletrónico, à (…), Investimentos Imobiliários, Lda., pelo que partindo dessas premissas, para se decidir no sentido firmado na decisão recorrida, teve-se em consideração que – os embargos foram instaurados após a venda do bem em questão – como se deixou referenciado na decisão sob censura ao salientar-se:
No caso em apreço está em causa o prédio sito na Rua da (…), Lt. 57, Distrito de Faro, Concelho de Albufeira, Freguesia de Albufeira e Olhos de Água, inscrito na conservatória do registo predial da Albufeira sob o nº (…) e o respetivo artigo matricial (…), e que foi adquirido por (…), Investimentos Imobiliários, pessoa coletiva nº (…) no âmbito da execução a que estes embargos foram apensados, tendo sido já emitido título de transmissão (tudo de acordo com o que consta nos autos de execução)”.
Assim, têm-se os factos relevantes, no âmbito da aplicação do direito que se entendeu por adequada, como especificados.
No que respeita à aplicação do direito, a mesma resulta evidente do teor da decisão, não se vislumbrando oposição de fundamentos com a decisão nem ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que a inquine ou a torne ininteligível, até porque tendo sido invocada a al. c) do n.º 1 do artº 615º do CPC, não foi densificada ou fundamentada a violação respeitante a tal alínea.
Do exposto, resulta mostrar-se a sentença válida.

Conhecendo da 2ª questão
Os embargantes arrogam-se terem a posse do imóvel em causa por o terem passado a habitar em julho de 2015, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda que celebraram com o respetivo proprietário, à data, ao qual pagaram o respetivo sinal no montante de € 58.250,00, dispondo-se a pagar o restante (€ 186.750,00) na data da realização da escritura que não veio a ser realizada por facto imputável aos vendedores (1ºs embargados) e por isso invocando o direito de retenção sobre o imóvel vêm deduzir os presentes embargos, defendendo que os mesmos não podiam ter sido liminarmente indeferidos, por serem embargos preventivos, não se lhes aplicando o disposto no artº 344º, n.º 2, do CPC e, por isso, o facto de já ter ocorrido a venda do bem em causa, não os impossibilita de exercerem o direito através de embargos, ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida.
Resulta da petição de embargos que se pretende com a instauração dos mesmos é obviar a que o tribunal imponha coercivamente a entrega do prédio em causa à respetiva adquirente no processo de execução.
No que respeita à dedução dos embargos, designadamente no que se refere ao tempo em que os mesmos podem ser apresentados em juízo, dispõe o art.º 344.º do Código de Processo Civil, no sua que refere que “são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante (n.º 1), devendo a pretensão ser deduzida “mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas” (Disposição de idêntico teor está inserida no artº 237º, n.º 3, Código de Procedimento e de Processo Tributário “O prazo para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o ato ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido vendidos”).
Por sua vez, no que respeita aos embargos de terceiro com função preventiva dispõe o artº 350º do CPC que os “embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada a diligência no artº 342º, observando-se o disposto nos artºs anteriores com as necessárias adaptações” (n.º 1). Dispondo art.º 342.º, n.º 1, do CPC que “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
O legislador ao restringir a dedução dos embargos ao período antecedente à ocorrência da venda judicial ou adjudicação visou no essencial “a estabilidade das vendas em execução, a obtenção de um maior número de interessados e a proteção dos possíveis compradores” impondo nessa medida “interesse público ao interesse particular do embargante” (v. Ana Pinto de Sousa in Embargos de Terceiro no Processo Tributário, FDUP, 2011, 7, acessível em https://www.cije.up.pt; Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 6ª ao art. 167.º, pág. 157).
De modo que o tribunal pode e deve conhecer oficiosamente da tempestividade dos embargos, quando estes sejam deduzidos depois dos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, uma vez que em face da 2ª parte do n.º 2 do artigo 344º do CPC a “questão já é de interesse público e não apenas do credor exequente” (v. Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo, 1ª edição, 799).
O recorrente salientando que os embargos que deduziu são preventivos, defende terem um regime excecional e diferente ao do regime dos embargos de função repressiva, podendo ser deduzidos antes de realizada mas depois de ordenada a diligência a que se refere o art. 342º do CPC, conforme permissão dada pelo artº 350º do CPC, daí parecendo retirar que não haverá obstáculo legal a que sejam deduzidos mesmo após a realização da venda ou adjudicação.
A aludida permissão de dedução de embargos após a venda ou adjudicação em sede de execução é, desde logo, descartada em face da não aplicação deste aludido preceito ao caso concreto.
A este propósito, analisando caso semelhante, em que a mesma questão é levantada, refere-se no acórdão do STJ de 30/03/2017 no processo 149/09.4TBGLG-E.E1-A.S1 (relator Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt:
Defendem os embargantes que aos embargos com função preventiva não é aplicável o regime de caducidade previsto no art. 344º, nº 2, do CPC, que impede a sua dedução depois de terem sido vendidos ou adjudicados os bens, sendo tempestivos sempre que sejam apresentados antes de realizada, mas depois de ordenada a diligência, nos termos do art. 350º, nº 1.
Concorda-se com tal afirmação, o que não significa que a mesma seja aplicável ao caso sub judice.
Na verdade, o campo de aplicação do art. 350º, nº 1, é limitado aos atos de penhora, apreensão ou entrega de bens ordenados em qualquer processo judicial, mas não se confundem com a operação de entrega do bem cuja venda ou adjudicação a favor de terceiro seja realizada no âmbito de processo de executivo.
Tal meio de defesa pode ser deduzido antes de ser realizada a entrega de bem no âmbito de ação para entrega de coisa certa (como ocorreu no caso que foi apreciado no Ac. do STJ, de 9-2-06, em www.dgsi.pt, referido pelo recorrente), mas não existe motivo algum para equiparar a essa diligência o ato de entrega do bem cuja propriedade tenha sido transmitida ao exequente ou a terceiro no âmbito de ação executiva para pagamento de quantia certa, depois de ter sido realizada a penhora do bem.
Nestas situações o ato que em abstrato poderia ser invocado pelos terceiros embargantes seria o ato de penhora, na medida em que pusesse em causa a posse ou algum direito incompatível com a sua realização.
Nos termos do art. 747º do CPC, a diligência de penhora implica a apreensão dos bens e, quando incida sobre bens imóveis, deve ainda traduzir-se na posse efetiva por parte do depositário que seja designado para o efeito, nos termos dos arts. 757º, nº 1, e 756º, nº 1, do CPC.
A este respeito Duarte Pinheiro conclui que “é segura a extemporaneidade da ação de embargos preventivos após a venda judicial ou a adjudicação dos bens sobre os quais recaía a posse que a penhora ameaçava ofender …” (Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, pág. 51).
Como no caso concreto foi efetuada a penhora do imóvel e foi adjudicada ao exequente a sua propriedade, não há motivo algum para excluir dos embargos com função preventiva a norma geral do art. 344º, nº 2, cuja aplicação é ressalvada pelo art. 350º, nº 1, da qual deriva a inadmissibilidade dos embargos depois de o bem ter sido adjudicado ou vendido.
No mesmo sentido da inadmissibilidade dos embargos depois de o bem ter sido adjudicado ou vendido, em situação semelhante à em apreço, mas no âmbito de embargos deduzidos em execução fiscal também se pronunciou o STA, no acórdão de 14/03/2012 no processo 062/12, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler que o direito a um processo justo e equitativo consagrado no art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP não impede o legislador de estabelecer prazos de caducidade para levar as questões a tribunal, ponto é que tais prazos não sejam arbitrariamente curtos ou arbitrariamente desadequados, dificultando irrazoavelmente a ação judicial e que a restrição da possibilidade de deduzir embargos de terceiro após a venda consagrada no n.º 3 do art. 237.º do CPPT afigura-se materialmente fundada e adequada e proporcional à proteção de outros bens constitucionalmente protegidos, tais como o interesse público na proteção da estabilidade das vendas em execução, que incrementa a segurança dos compradores, fomentando o aparecimento de um maior número de interessados e a obtenção de melhores preços, bem como a necessidade de proteger a boa-fé e a confiança dos adquirentes de bens em hasta pública, pelo que o referido preceito não viola o disposto no art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, concluindo-se que tendo os embargos sido deduzidos depois da venda dos bens, não obstante a embargante alegar só ter tido conhecimento da ofensa do seu alegado direito depois de tal venda, são os mesmos manifestamente intempestivos.
Em consonância com esta posição está o acórdão do STA de 26/10/2016 no processo 01279/15, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “apesar de os embargos de terceiro com função preventiva poderem ser deduzidos no período entre o despacho que ordenou alguma das diligências previstas no n.º 1 do art. 342.º do CPC e a sua realização, nunca o poderão ser depois dos atinentes bens serem vendidos na execução fiscal (cfr. art. 237.º, n.º 3, do CPPT)”, sustentando que o artº 344º, n.º 2, do CPC, bem como o artº 237º, n.º 3, do CPPT, não distinguem “os embargos preventivos dos embargos repressivos para efeito daquela limitação (É certo que também não o faz relativamente à primeira parte” dos preceitos” mas a distinção para os efeitos aí previstos resulta da natureza das coisas (da natureza preventiva do meio processual) e, decisivamente, da existência de norma expressa a fixar prazo diferente para a dedução dos embargos com função preventiva, qual seja o art. 350.º, n.º 1, do CPC.). Ora, ubi lex non distinguet nec nos distinguire debemus.
Mas não é só a letra da lei a apontar nesse sentido (Note-se que, não devendo a interpretação cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo” (cfr. art. 9.º, n.º 1, do Código Civil), o enunciado linguístico constitui o ponto de partida da tarefa hermenêutica, não devendo o intérprete afastar-se do sentido mais natural e direto da letra a menos que «razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos» levem à conclusão de que não é esse sentido que deve ser acolhido, tanto mais que o intérprete deve presumir que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil). Neste sentido, J. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 188 e 189).”
A jurisprudência das Relações, independentemente da diversidade no que respeita à argumentação, vai no sentido da impossibilidade de dedução de embargos de terceiro depois dos respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
No Ac. do TRP de 11/07/2012 no processo 801-B/2002.P1, disponível em www.dgsi.pt, concluiu-se que “embora o prazo de caducidade previsto no art.º 353.º, n.º 2, do CPC (344º, n.º 2, do NCPC) não seja aplicável aos embargos de terceiro com função preventiva, já se lhes aplica a parte final do mesmo normativo, por força do n.º 1 do art.º 359.º daquele Código (artº 350º, n.º 1, do NCPC), sendo de negar a possibilidade de embargar preventivamente a entrega de bens móveis ou imóveis depois deterem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
No acórdão do TRL de 06/12/2017 no processo 233387-10.2T2SNT-L1-6, disponível em www.dgsi.pt refere-se que “é aplicável aos embargos preventivos a limitação emergente da parte final do n.º 2 do art.º 344.º do Código de Processo Civil que proscreve a dedução dos embargos de terceiro de finalidade repressiva depois de os bens visados terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.”
No mesmo sentido vão os acórdãos desta Relação de Évora de 22/10/2015, no processo 382/13.4TBPSR-B.E1 e de 28/06/2018 no processo 625/12.1TBLLE-C.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, nos quais, respetivamente, se afirma “é aplicável à dedução de embargos de terceiros com função preventiva, o disposto na 2ª parte do n.º 2 do art.º 353º do CPC (artº 344º, n.º 2, 2ª parte, do NCPC), ou seja que este tipo de embargos de terceiro, também não podem ser deduzidos depois dos atinentes bens serem judicialmente vendidos ou adjudicados” e se “à data da dedução dos embargos, tinha já tido lugar a venda do bem mediante abertura de propostas em carta fechada, com adjudicação do bem ao exequente, logo, os embargos são intempestivos à luz do citado art. 344.º, n.º 2, do CPC.”
Independentemente da diversidade de fundamentos, a resposta à questão afirma-se no sentido em que se posicionou o Julgador “a quo” e não no que se posiciona o recorrente.
Estamos, assim de acordo com a posição assumida na decisão recorrida, e na esteira da fundamentação do acórdão do STJ de 30/03/2017, supra aludido, que se aplica sem reticências ao caso em apreço, em que foi efetuada a penhora do imóvel, registada em 10/06/2015, tendo o bem sido vendido judicialmente no âmbito da execução instaurada, mostrando-se o título de transmissão emitido em 13/11/2018 e aquisição registada em 20/11/2017, pelo que tendo os embargos sido deduzidos após esta data temos que reconhecer ter operado a caducidade do direito de praticar o ato, mostrando-se, por isso, ajustado o despacho liminar de indeferimento.
Nestes termos, não merece censura a decisão impugnada, sendo de julgar improcedente a apelação.
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DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas na presente instância uma vez que se mostra paga a taxa devida pelo impulso recursivo e não há lugar a pagamento de custas de parte porque não foram apresentadas contra-alegações.
Évora, 21 de Novembro de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes