Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2831/15.8T8STB-H.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Face à presunção juris et de jure contida no n.º2 do art.º 186.º do CIRE, perante a demonstração objetiva da situação prevista na sua alínea h) a insolvência será sempre qualificada como culposa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I. Relatório.
No âmbito do presente processo de insolvência referente a AA, S.A., o Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa com fundamento na al. h) do n.º2 do art.º 186º do CIRE, pedindo que com a qualificação da insolvência como culposa fossem afetados, os administradores BB e CC.
Para fundamentar tal parecer, alegou, em síntese:
- O incumprimento do dever de manter contabilidade organizada, pois dos autos resulta que o TOC da empresa renunciou às funções no ano de 2013 e a sociedade apesar de ter mantido atividade até Abril de 2014, não procedeu à entrega e depósito das contas do ano de 2013 e entregou apenas as declarações de IVA até Julho de 2013; Inexistem elementos de suporte contabilístico da atividade desenvolvida pela sociedade referentes ao ano de 2014; Na diligência de apreensão de bens existiam várias pastas contendo documentação da insolvente, no interior dos veículos, com documentação contabilística avulsa e sem organização.
- Esta conduta impossibilitou o A.I. de apurar a situação patrimonial da devedora, fundos, créditos, débitos, verificar se existiu transferência de equipamentos, stocks, clientes ou dissipação de património da insolvente.
Também o Ministério Público se pronunciou no mesmo sentido da qualificação da insolvência como culposa, invocando fundamentos idênticos e acrescentando que, além da violação do dever de manter contabilidade organizada, a omissão do dever de apresentação à insolvência e da elaboração e apresentação das contas anuais – art. 186º, n.º 3, al. a) e b), do CIRE, concluindo pela afetação dos dois administradores e condenação em indemnização aos credores nos termos do disposto no art. 189º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Notificados, vieram BB e CC, deduzir oposição, sustentando que a insolvente desenvolveu atividade até Abril de 2014, que a contabilidade, não obstante a saída da TOC, está organizada e acessível nas bases de dados do PHC, tendo o servidor sido retirado da empresa a fim de evitar que fosse vandalizado. Sustentaram que o servidor se encontrava à disposição do Sr. A.I. No que concerne à violação do dever de apresentação à Insolvência, admitem que se registam prejuízos desde o ano de 2012, porém, quer os acionistas, quer os administradores, sempre acreditaram na viabilidade da empresa, como resulta de terem sido injetados capitais da ordem dos € 100.000,00 na empresa, procurando evitar o prejuízo para os credores.
Após produção de prova testemunhal, o Tribunal recorrido veio a proferir decisão que ora se reproduz na parte dispositiva:
Em face do exposto decide-se:
1. Qualificar a insolvência de AA, S.A., Sociedade, pessoa coletiva número 500, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número como culposa;
2. Julgar afetado pela qualificação da insolvência CC;
3. Declarar a inibição de CC para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de quatro anos.
4. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CC;
5. Condenar CC a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respetivo património, em quantia a liquidar em execução de sentença e após o rateio final no âmbito do processo de insolvência”.
Inconformado com esta sentença, dela recorreu CC, administrador da insolvente AA, S.A, apresentando as respetivas alegações e formulando as conclusões que se reproduzem:
a) Dispõe o artigo 186º, nº 2 al. h) do CIRE que “Considera-se sempre culposa a insolvência de devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;”
b) Esta disposição legal consagra uma presunção inilidível no sentido de que, sempre que ocorra objetivamente uma das situações descritas nas diversas alíneas, nomeadamente na sua alínea h), tal conduz, sem mais, à atribuição do caracter culposo à insolvência. No entanto, o que na referida disposição legal, nomeadamente na alínea em questão, está disposto como presunção inilidível de uma insolvência culposa é o incumprimento reiterado das referidas obrigações. Com efeito, não é um qualquer incumprimento das referidas obrigações que preenche a presunção em questão. É exigido sim um incumprimento reiterado.
c) Ora, resulta da decisão recorrida que, “No caso dos autos, apurou-se, inequivocamente o preenchimento da alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE dada a inexistência de registo contabilístico designadamente, do ano de 2014, tendo exercido efetiva atividade até Abril de 2014”. Tal decisão assenta nos factos provados sob os números 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.
d) Ora, do ponto 13 dos factos provados resulta que “O Sr. A.I. não logrou apurar a situação patrimonial da insolvente, verificar a existência de transferência de equipamentos, stocks, clientes ou dissipação de património”. Consta da motivação da decisão recorrida que “o Sr. A.I. esclareceu a impossibilidade de apurar a real situação da empresa, em face da inexistência de elementos contabilísticos que foram solicitados, mas não apresentados”. A solicitação de tais elementos, como resulta do ponto 14 dos factos provados, foram solicitados pelo Sr. A.I. por carta datada de 16 de Julho de 2015 dirigida a cada um dos administradores da insolvente. Ou seja, os referidos elementos foram solicitados pelo Sr. A.I. uma única vez. Não tendo sido realizada qualquer outra diligência para o efeito pelo Sr. A.I.
e) Ora, como acima se referiu, para efeitos de incumprimento das obrigações que preenche a presunção contida na alínea h), do nº 2 do art. 186º do CIRE, é exigido um incumprimento reiterado. Incumprimento que não pode ter-se por verificado com a não resposta a uma única solicitação. Com efeito, a ilicitude do comportamento dos administradores estabelecida no art 186º do CIRE é mais exigente do que aquela que que se verifica nos presentes autos.
f) Neste sentido: Ac. da Rel. Porto de 10 de Fevereiro de 2011 (Freitas Vieira), “A mera alegação de alguma das situações descritas nos nºs2 e 3 do art.186º do CIRE…E não é suficiente para a qualificação da insolvência como culposa, exigindo-se, ainda, alegação e prova do nexo de causalidade entre a atuação ali presumida e a situação da insolvência nos termos do nº 1 do mesmo artigo”
- e Ac. da Rel. Guimarães de 12 de Março de 2009 (Manso Rainho),” ... a qualificação da insolvência como culposa exige, assim, uma relação de causalidade entre a conduta (dolosa ou gravemente culposa) do devedor e a situação de insolvência,” isto é, “o devedor pode ter agido dolosamente ou com culpa grave, mas se em nada contribuiu para a criação ou agravamento da insolvência não pode esta ser qualificada de culposa”.
- Ac. Rel. Coimbra, de 19 de Janeiro de 2010 (Isaías Pádua), “O art.186º do CIRE define o conceito de insolvência culposa,...” e “Dessa noção geral resulta que são pressupostos do conceito de insolvência: 1) que tenha havido uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito; 2) que essa conduta tenha criado ou agravado a situação de insolvência; 3) que essa conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo que conduziu à insolvência; 4) e que essa mesma conduta seja dolosa ou praticada com culpa grave.....” e ainda “mas também o nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência”. »
g) Na sentença recorrida, não existe factualidade provada nem tal é mencionada na mesma que permita concluir com segurança que o comportamento dos administradores deu causa ou agravou a insolvência da sociedade AA ou que que tenha sido praticado um comportamento de tal modo grave (desvio de bens, decisões irracionais, etc.) que tenha causado a mesma.
h) Ou seja, a apreciação da conduta do administrador em causa tem que ter em conta dois fatores: há que verificar se esta contribuiu ou agravou a situação de insolvência e se os atos danosos foram praticados com dolo ou com culpa grave. Assim, e apenas nestes casos, deverá a insolvência ser qualificada como culposa, implicando, consequentemente, uma série de efeitos para as pessoas afetadas (art. 189º, nº 2).
i) Ora os factos provados não permitem concluir que os dois fatores atras mencionados se tenham como verificados nem que o administrador em causa seja censurado nos termos em que o foi na sentença recorrida.
j) Do acima exposto resulta que a aplicação a lei - designadamente da alínea h) do nº 2 do art 186º - ao caso sub judice não foi a mais correta, e, por isso, deve ser revogada e substituída por outra que declare o carácter fortuito da insolvência e subtraia o recorrente às consequências da afetação.
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Respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção do decidido.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor -, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se decisão que qualificou como culposa a insolvência da devedora deve, ou não, ser mantida.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
A) Factos Provados.
Na decisão recorrida, e que não vem posta em causa, foi considerada a seguinte factualidade.
1. AA, S.A., pessoa coletiva número 500, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o mesmo número (certidão do registo comercial) desde 19-05-1977;
2. A insolvente tem o capital social de € 500.000,00;
3. A insolvente tem por objeto social as atividades de empreiteiro de obras públicas, fabrico e montagem de estruturas metálicas, fabrico e montagem de instalações industriais, fabrico e montagem de instalações portuárias; reparações e manutenção geral de instalações portuárias e industriais, exercício da indústria metalomecânica compreendendo o fabrico de peças e acessório, reparação de viaturas e motores de todos os tipos, embarcações, comércio geral e a retalho e por grosso , importação e exportação (certidão do registo comercial);
4. A Administração da insolvente era exercida desde 22 de outubro de 2013, e até à declaração de insolvência por BB e CC;
5. As decisões quanto à administração da insolvente eram tomadas pelo Administrador CC;
6. A sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 07-07-2015;
7. O último exercício em que foi depositada e registada a prestação de contas reportada a 2013 (apresentadas em 15-07-2014) – certidão permanente junta aos autos principais;
8. A sociedade desenvolveu atividade até ao final de Abril de 2014, data em que cessou o contrato de manutenção celebrado com a empresa DD para manutenção de instalações em Sines;
9. A sociedade não dispõe de contabilidade organizada desde o ano de 2013, em virtude da renúncia da Técnica Oficial de Contas;
10. O Sr. A.I. em face da ausência de registos contabilísticos não logrou apurar o que foi vendido/faturado pela sociedade; quais os custos operacionais; qual o destino dos bens que compunham o imobilizado da sociedade e qual o valor dos stocks;
11. Na diligência de apreensão de bens foram localizadas pastas em mau estado de conservação, contendo documentação diversa da insolvente;
12. Na oposição à insolvência a sociedade invocou que possuía o equipamento necessário ao exercício da atividade; tinha as obrigações fiscais em dia e empregava 10 trabalhadores;
13. O Sr. A.I. não logrou apurar a situação patrimonial da insolvente, verificar a existência de transferência de equipamentos, stocks, clientes ou dissipação de património;
14. Por carta datada de 16 de julho de 2015 o Sr. A.I. expediu carta registada com Aviso de receção, dirigida e recebida por cada um dos administradores da insolvente, nos seguintes termos:
“Exmo. senhor.
Na qualidade de Administrador da insolvência nomeado nos autos acima referenciados em que é insolvente “AA S.A., notifico V. Exa para prestar informação sobre a localização dos registos contabilísticos e identificação do Técnico Oficial de Contas da Sociedade, bem como, para entregar os elementos relacionados no artigo 24º do Código do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente:
1) Relação de todos os credores por ordem alfabética devidamente identificados, com morada e número de identificação fiscal.
2) Relação e identificação de todas as ações e execuções pendentes;
3) Relação de bens em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens, indicando a sua natureza, lugar em que se encontrem, valor de aquisição e estimativa de valor atual.
4) Entrega das contas anuais (IES), relatórios de Gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização, certificação legal de contas e relatório e contas com referência aos últimos três exercícios, quando a isso obrigado.
5) Mapa de pessoal atualizado.
6) Senha de acesso ao portal das Finanças.”
15. A insolvente devia à Fazenda Nacional, na data da declaração de insolvência a quantia de € 516.924,40, referentes a impostos e coimas, com datas de vencimento entre 12-01-2012 e 20- 01-2015;´
16. Encontravam-se pendentes 88 ações de execução fiscal, das quais 25 se encontravam suspensas devido a acordo de pagamentos; 5 com mandado para penhora e as restantes em fase de reversão;
17. A insolvente apresentava à data da declaração de insolvência dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P. no valor de € 389.894,90, referentes a contribuições, quotizações e juros de mora e relativa a período temporal compreendido entre Agosto de 2005 e Fevereiro de 2012;
18. Nas declarações fiscais de 2012; 2013 e 2014 constam em sede de apuramento de lucro tributável os seguintes resultados, respetivamente de € -418.484,07; € - 260.742,36; e € - 440.676,16;
19. Resulta do Balanço constante das IES referentes aos anos de 2012 e 2013 registado respetivamente o ativo de € 395.788,65 e passivo de € 431.092,07; o ativo de € 506.864,42 e passivo de € 1.038.337,31;
20. As contas de 2014 não foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial;
21. Entre Abril de 2014 e Julho de 2015 foram disponibilizados através de empresas do grupo € 100.000,00 à sociedade AA, Lda.
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B) O direito.
A questão essencial a decidir consiste em saber se os factos apurados permitem ajuizar, em consonância com o decidido na 1.ª instância, da culpabilidade da insolvência nos termos da alínea h) do n.º2 do art.º 186.º do CIRE [1].
Discorda o recorrente por considerar que nesse preceito legal se exige como pressuposto que o comportamento do administrador deu causa ou agravou a insolvência da insolvente ou que que tenha sido praticado um comportamento de tal modo grave (desvio de bens, decisões irracionais, etc.) que tenha causado a mesma, isto é, segundo o recorrente, “a apreciação da conduta do administrador em causa tem que ter em conta dois fatores: há que verificar se esta contribuiu ou agravou a situação de insolvência e se os atos danosos foram praticados com dolo ou com culpa grave. Assim, e apenas nestes casos, deverá a insolvência ser qualificada como culposa, implicando, consequentemente, uma série de efeitos para as pessoas afetadas (art. 189º, nº 2)”.
Liminarmente diremos que não tem razão, como se tentará demonstrar.
Dispõe o art.º 186º , n.º1, do CIRE:
«1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
E acrescenta a alínea h) do seu n.º2:
Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”
Por sua vez, o seu n.º3 prescreve: “Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenha incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submete-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial”.
Comentando esta disposição legal, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda [2] referem que no n.º1 do art.º 186.º vem fixada a noção geral de insolvência culposa e no seu n.º2 o legislador estabeleceu uma presunção inilidível que complementa essa noção. Já o seu n.º 3, “mediante uma presunção ilidível, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram determinadas situações nele previstas”. E acrescentam: “ Da letra da lei (“considera-se sempre”) resulta claramente que no preceito em anotação se estabelece uma presunção iuris et de iure, em vista do que dispõe o n.º2 do art.º 350.º do C. Civ.”, pelo que verificadas essas situações determinam, inexoravelmente, a atribuição de carácter culposo à insolvência.
Entendimento que é seguido pela restante doutrina, nomeadamente Maria do Rosário Epifânio [3], Alexandre de Soveral Martins [4] e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão [5].
Com efeito, Maria do Rosário Epifânio, sublinha que o legislador estabeleceu nos n.ºs 2 e 3 do art.º 186.º dois conjuntos de presunções para auxiliar o interprete quanto à definição geral de insolvência culposa prescrita no seu n.º1, prevendo uma presunção iruis et de iure no n.º2, considerando “sempre culposa a insolvência” quando se preencha alguma das suas alíneas, justificando esta técnica legislativa “pela necessidade de garantir uma maior “eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originaram ou agravaram insolvências; para além disso, favorece a previsibilidade e a rapidez da apreciação judicial dos comportamentos”.
No mesmo sentido se pronunciam Alexandre de Soveral Martins e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, considerando este Autor que relativamente ao incumprimento das obrigações legais encontra-se a de manter a contabilidade organizada ( n.º2 , alínea h) e que “Verificados alguns destes factos, o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa”.
E pelo mesmo caminho tem seguido a jurisprudência, como se pode ver, nomeadamente no Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 17/01/2012, (LUÍS ESPÍRITO SANTO), disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Já perante a verificação de cada uma das situações previstas nas diversas alíneas do nº 2, do artº 186º, do CIRE, a insolvência será sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do mencionado nexo de causalidade. Trata-se de uma presunção juris et de jure, em conformidade com o disposto no art.º 350º, nº 2, do Cod. Proc. Civil”.
Assim, a presunção do n.º2 do art.º 186.º é distinta da prevista no n.º3, em que neste se consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave para que se possa qualificar a insolvência como culposa, sendo necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência, nos termos do seu n.º1, ou seja, é ainda necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência ( n.º1 do art.º 186.º).
Ora, a decisão recorrida entendeu estar apurado, inequivocamente, o preenchimento da alínea h) do n.º 2 do art. 186º, do CIRE, dada a inexistência de registo contabilísticos, designadamente do ano de 2014, tendo exercido efetiva atividade até Abril de 2014, declarando, em consequência, culposa a insolvência da sociedade Fonsecas e Fabião, S.A., nos termos do artigo 189º.
Na verdade, lê-se na decisão recorrida:
“(…)
Quanto aos factos elencados de onde resulta ter ocorrido a violação do dever de apresentação à insolvência, não se apurou que tenha ocorrido um agravamento dessa mesma situação ou que a insolvência seja consequência da falta de cumprimento desse dever.
Já quanto à falta de depósito das contas, tendo em consideração que o prazo para apresentação e depósito das consta do ano de 2014 terminaria a 15-07-2015 e a devedora foi declarada insolvente em 07-07-2015, importa considerar que no momento da declaração de insolvência ainda não estava incumprido tal dever.
Consideramos pois que se mostra preenchida a alínea h) do n.º 2 do art. 186º, do CIRE atentos os factos provados sob os números 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, pelo que, considerar culposa a insolvência da sociedade Fonsecas e Fabião, S.A., nos termos do artigo 189º, n.º 1 do CIRE”.
Donde, na argumentação expendida pelo recorrente, a decisão afirma, sem margem para dúvidas, que não se verificam as situações previstas nas alíneas do n.º3, mas sim, inexoravelmente, a da alínea h) do n.º2 do art.º 186.º, acabando por decidir nesse sentido, com base justamente nos factos mencionados em 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14.
E assim sendo, carece de razão o recorrente ao invocar a exigência, enquanto pressuposto legal para que se considere culposa a insolvência, de que o comportamento do administrador deu causa ou agravou a insolvência da insolvente ou que que tenha sido praticado um comportamento de tal modo grave que tenha causado a mesma, isto é, a existência do nexo de causalidade entre a atuação descrita no n.º3 do art.º 186.º e o despoletar da situação de insolvência ou o seu agravamento.
E isto porque foi afastada a situação prevista no citado n.º3 desse preceito legal ( a que se reporta a jurisprudência citada pelo recorrente), sendo aplicável, no caso concreto, o seu n.º2, face à demostração da situação referida na sua línea h), 1.ª parte.
Na realidade, ficou provado que a sociedade desenvolveu atividade até ao final de Abril de 2014, data em que cessou o contrato de manutenção celebrado com a empresa DD para manutenção de instalações em Sines e que não dispõe de contabilidade organizada desde o ano de 2013, em virtude da renúncia da Técnica Oficial de Contas, sendo que o Sr. A.I. em face da ausência de registos contabilísticos não logrou apurar o que foi vendido/faturado pela sociedade, quais os custos operacionais, qual o destino dos bens que compunham o imobilizado da sociedade e qual o valor dos stocks, não apurou a situação patrimonial da insolvente e não verificou a existência de transferência de equipamentos, stocks, clientes ou dissipação de património.
Decorrentemente, o facto de ter incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada desde o ano de 2013 acarreta necessariamente que seja considerada culposa a insolvência do devedor, nos termos da alínea h) do n.º2 do art.º 186.º.
Não merece, pois, censura, a decisão recorrida, que fez correta aplicação do direito aos factos provados, entendendo-se como adequada a qualificação culposa da insolvência em apreço.
Em resumo, improcede a apelação, devendo ser mantida a decisão recorrida.
Vencido no recurso, suportará o apelante as custas respetivas, tendo em conta o estatuído no art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
Face à presunção juris et de jure contida no n.º2 do art.º 186.º do CIRE, perante a demonstração objetiva da situação prevista na sua alínea h) a insolvência será sempre qualificada como culposa.

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V. Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.
Évora, 2016/10/06

Tomé Ramião

José Tomé de Carvalho

Mário Coelho
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[1] ) Aprovado pelo art. 1º do DL 53/2004 de 18.02, com sucessivas alterações, diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação, também adiante designado abreviadamente por CIRE.

[2] ) In “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” 2.ª Edição, 2013, págs. 718/719
[3] ) Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, 5.ª Edição, pág. 131.
[4] ) Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, pág. 363.
[5] ) Direito da Insolvência, 2012, 4.ª Edição, pág. 274.