Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
20/13.5JAFAR.E1
Relator: ALBERTO JOÃO BORGES
Descritores: HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
DOLO EVENTUAL
ESPECIAL PERVERSIDADE DO AGENTE
ESPECIAL CENSURABILIDADE DO AGENTE
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I – Tendo o arguido causado a morte do filho com dolo eventual, não pode ter-se a sua conduta como especialmente censurável ou reveladora de uma especial perversidade, para efeitos de integração no homicídio qualificado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Beja (1.º Juízo) correu termos o Proc. Comum Coletivo n.º 20/13.5JAFAR, no qual foi julgado o arguido A. - casado, trabalhador rural, nascido a 24.03.1966, em Santiago Maior, Beja, filho de..., residente na..., em Benavente, actualmente preso, à ordem destes autos, no EP de Beja - pela prática em concurso efetivo:

- de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ª a), ambos do Código Penal, agravado nos termos do art.º 86 n.º 3 da Lei n.º5/2006, de 23/2, na redação conferida pela Lei nº17/2009, de 6/5;

- de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, 23, 131 e 132, n.ºs 1 e 2 al.ª b), todos do Código Penal, agravado nos termos do art.º 86 n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na redação conferida pela Lei n.º 17/2009, de 6/5;

- de dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86 n.º 1 al.ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na redação conferida pela Lei n.º 17/2009, de 6/5.

A final veio a decidir-se:

1) Condenar o arguido,-----

- pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ª a) do Código Penal, agravado pelo art.º 86 n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 20 (vinte) de prisão;

- pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, 23, 131 e 132 n.ºs 1 e 2 al.ª b), todos do Cód. Penal, agravado nos termos do art.º 86 n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na redação conferida pela Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de 12 (doze) anos de prisão;

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86 n.º 1 al.ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 2 (dois) anos de prisão,

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86 n.º 1 al.ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 2 (dois) e 6 (seis) meses de prisão:

- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

2) Declarar perdidas a favor do Estado as armas e as munições apreendidas nos autos.
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2. Recorreu o arguido de tal acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1 - O recurso reporta-se à insuficiência da matéria de facto para a decisão, qualificação jurídica dos factos e determinação da medida da pena arbitrada, relativamente ao crime de homicídio qualificado em que o arguido foi condenado.

2 - Em face da matéria de facto dada como provada e não provada entendemos que o douto acórdão violou as disposições dos art.º 131, 132 al.ª a), 137 n.º 2, 40 n.º 2, 71 e 47, todos do Código Penal (CP), versando sobre a matéria de direito, nos termos dos art.ºs 410 e 411 do CPP.

3 – Documentada, nos termos do disposto no art.º 364 do Código de Processo Penal (CPP), cuja descrição se encontra suficientemente concretizada no douto acórdão, é legítimo concluir que esta (?) é manifestamente insuficiente para fundamentar a qualificação jurídica do crime e a pena aplicada ao arguido (porque exacerbadamente elevada), violando o disposto nos art.º 131, 132 n.ºs 1 e 2, 137 n.º 2, 71, 75 e 76 do CP.

4 - Da matéria de facto dada como provada não decorre em momento algum que o arguido se dirigiu ao filho, o ameaçou, discutiu com ele, lhe apontou a arma, pretendeu atingir o seu filho R. ou sequer que praticou qualquer ato que lhe fosse dirigido, desconhecendo-se, inclusivamente, a forma como o disparo o atingiu, resultando do relatório de balística que os vestígios encontrados na roupa envergada pelo malogrado R. permitem concluir que o tiro que o vitimou não foi disparado a curta distância.

5 - Todo o circunstancialismo fáctico gira à volta da relação conturbada e ciúme excessivo que o arguido nutria em relação à sua esposa, também vítima, M, pretendendo atingi-la, e é em relação a esta que dirige toda a sua atenção e impulso criminal, disparando sobre ela indiscriminadamente.

6 - Consta da motivação do acórdão que o arguido sempre negou, peremtoriamente, qualquer intenção de atingir o filho.

7 - No ponto 44 dos factos provados, o douto tribunal a quo considerou que o arguido agiu com dolo eventual, pois que, “ao efetuar o disparo que atingiu o menor R pelas costas, na região do pescoço, o arguido admitiu como possível que lhe pudesse causar a morte e conformou-se com tal resultado, apesar saber tratar-se do seu filho”.

8 - Tal encontra-se em contradição insanável com a motivação constante do douto acórdão, nomeadamente, na concretização do depoimento da testemunha MG: “Ao voltar-se para ver o que tinha sucedido ouviu um segundo estouro, após o que viu, através da janela, 2 pessoas de pé, que lhe pareciam ser dois homens, de frente um para o outro. A pessoa que estava no passeio deu como que um salto e caiu na faixa de rodagem e o outro indivíduo fugiu do local”.

9 - O douto acórdão unicamente poderia dar como provado que o orifício de entrado do projétil que vitimou o menor R. o atingiu na zona posterior do pescoço, tal como melhor descrito no relatório de autópsia.

10 – Seria de esperar que o tribunal a quo tivesse alargado a sua procura da verdade material a outro circunstancialismo fáctico, suficiente para fundamentar a sua decisão, tendo, inclusivamente, de admitir outras hipóteses, como, por exemplo, a existência de um tiro acidental ou de ricochete, o que não fez, optando por dar como provado algo que resulta contrário aos depoimentos nos quais alicerça essa mesma convicção…

11 - Face às circunstâncias do caso concreto, decidiu o tribunal considerar que o arguido cometeu o crime pelo qual vinha acusado a título de dolo eventual, pois este teria previsto o resultado e conformando-se com a realização do resultado típico, preenchendo, assim, o elemento subjetivo do crime doloso.

12 - Da prova produzida resulta tudo menos claro que, em algum momento, o arguido se tenha conformado com a eventualidade da morte do seu filho, não sendo possível considerar preenchido o elemento subjetivo do tipo.

13 - O dolo eventual pressupõe uma configuração intelectual de alguma complexidade, que não se coaduna com o circunstancialismo apurado, personalidade e capacidades intelectuais do arguido.

14 - Resulta dos documentos junto aos autos e apreciados para motivação do presente acórdão que:

- O arguido é oriundo de uma família com grandes fragilidades económicas;

- Acusou dificuldades de aprendizagem e desmotivação que o levaram a abandonar a escola;

- É analfabeto;

- Sempre exerceu a profissão de trabalhador rural, no pastoreio de gado;

- Apresenta uma capacidade de raciocínio e discurso muito pobre e limitado;

- Podendo aparentar dificuldades cognitivas.

- Revela uma personalidade frágil e depressiva, com ideias de suicídio, com acompanhamento psicológico anterior e posterior aos factos dos autos.

15 - Constando, igualmente, do relatório da perícia psiquiátrica a que foi sujeito que, embora não mostre” remorso ou arrependimento pelos ferimentos exercidos sobre a mulher (…) mostra-se pesaroso pelo falecimento do filho”.

16 - As limitadas capacidades psicológicas e emocionais do arguido, reconhecidas no relatório social, a sua pobreza e fragilidade emocional, “a perceção de uma realidade com a qual não soube lidar, desencadeadora de intensa instabilidade pessoal e fragilidade emocional, bem como a inexistência de raciocínio crítico”, deverão ser determinantes para entender que o arguido não teria, sequer, a possibilidade de supor que, com o seu comportamento, poderia pôr em causa a vida do seu filho.

17 - O tribunal fundamentou a especial censurabilidade do comportamento do arguido nas fortes relações afetivas existentes entre o falecido R e o seu pai, olvidando, contudo, que são esses laços afetivos que levam o arguido a nem admitir como possível o desvalor do resultado.

18 - Em face do supra exposto, dúvidas não nos restam que o comportamento do arguido preenche o tipo legal de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art.º 137 n.º 2 do CP.

19 - Tal como é definido pelo tribunal recorrido e explanado in Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal, acórdão de 13 jan. 1999, Processo 886/98, jusnet, pt.: Mais recentemente, aquele mais alto tribunal vem entendendo que é de considerar grosseira a violação grave dos deveres de cautela, segundo as regras da experiência comum, quando a violação se traduza numa conduta em que a falta de observância daqueles deveres de cautela seja tão clamorosa que a sua ilicitude fique no meio caminho entre o dolo eventual e a negligência consciente.”

20 - Assim, o arguido omitiu, de forma grosseira, leviana, imprudente e pouco diligente, os deveres de cuidado e precaução que lhe eram exigíveis no seu comportamento para com o seu filho, o que não mitiga, in casu, a sua culpa, inequivocamente grave, devendo, por isso, ser condenado numa pena próxima dos limites máximos aplicados ao tipo de crime do 137 n.º 2 do CP.

21 - Ainda que sem conceder, condenar o arguido na pena de 20 anos de prisão, por um crime do art.º 132 n.ºs 1 e 2 do CP, com dolo eventual, é manifestamente desajustado, desproporcionado e excessivamente gravoso face ao circunstancialismo que acompanha o presente processo, situando-se muito para além do limite da culpa do arguido, pelo que viola as disposições conjugadas dos art.ºs 40 n.º 2, 71 e 47 do Código Penal (CP).

22 - Considerando o que atrás foi explanado quanto à descrição fáctica dos eventos que conduziram à morte do menor R, não se tendo, sequer, apurado como ocorreu o disparo que o vitimou, bem como às caraterísticas de personalidade e inteligência do arguido, nomeadamente, o constante nos art.ºs 25 a 34 do presente recurso, a necessidade de prevenção geral e especial no cometimento de novos crimes, baixa no presente caso, pois que o arguido não apresenta risco de cometimento de novos factos de idêntica natureza nem revela um passado consentâneo com tais desideratos, sendo que as condenações anteriormente sofridas não fazem parte do tipo de ilícito ora em análise.

23 - O arguido, a ser condenado pelo crime de homicídio qualificado, com dolo eventual, p. e p. pelos art.ºs 131, 132 n.ºs 1 e 2 al.ª a) do CP, agravado pelo art.º 86 n.º 3 da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, nunca o deveria ser em pena superior a 17 anos de prisão, com a consequente realização de novo cúmulo jurídico, termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se o douto acórdão ora recorrido.
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3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

a) Não se detetando no douto acórdão nenhum dos vícios focados no artigo 410 n.º 2 do Código de Processo Penal, inexistem razões para alterar qualquer ponto da matéria de facto provada.

b) Diante da factualidade assente, carece de fundamento a tese defendida pelo recorrente quanto ao enquadramento do crime de homicídio de R. no tipo negligente do artigo 137 do Código Penal.

c) As penas – parcelares e conjunta – aplicadas ao recorrente são justas e equilibradas.

d) O douto acórdão deve ser confirmado in totum.
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4. Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, entendendo que – no que respeita ao crime de homicídio – “não se verifica uma especial censurabilidade que se possa reconduzir ao crime de homicídio qualificado, já que… a atuação do arguido sob aquela forma mitigada de dolo (dolo eventual) é, neste caso, incompatível com um tipo especial de culpa”, e que a pena a aplicar, relativamente a este crime, deve ser reduzida para 15 anos de prisão.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).

6. Foram dados como provados, no acórdão recorrido, os seguintes factos:

01) O arguido A. casou com M. a 23 de fevereiro de 1989.

02) Têm filhos em comum, sendo um deles R, nascido a 23 de janeiro de 1998.

03) Este menor estava acolhido na Casa Pia de Beja.

04) O casal vivia na ..., em Benavente.

05) No dia 24 de janeiro de 2013, a M. saiu de casa, passando a viver em Beja, mas não tendo informado o arguido do seu paradeiro.

06) No dia 27 de janeiro de 2013, o arguido dirigiu-se para Beja, trazendo consigo um revólver de calibre 22, (equivalente a 5.6 mm no sistema métrico) de marca «Arminius», modelo HW 5, com o n.º 851789, municiado, número indeterminado de munições de calibre 22 Short (equivalente a 5.6 mm no sistema métrico) e de calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5.6 mm no sistema métrico), e uma mochila contendo uma muda de roupa, dois pares de luvas, uma peruca, seis talheres (três colheres e três facas) em metal prateado e amarelo, uma tesoura e um corta-papéis.

07) O revólver de marca «Arminius» tem o comprimento total de 230 mm, apresenta carcaça em liga metálica, com punho em plástico, de cor castanha, tem funcionamento de movimento duplo (acção simples e dupla), com percussão lateral e indireta, com 101,70 mm (aproximadamente) de comprimento de cano, com 8 estrias de sentido dextrógiro, com sistema de segurança por placa de travamento do cão, com alimentação por tambor basculante, com 8 câmaras, com extração manual e simultânea, com alça de mira, encontrando-se o ponto de mira ausente. O revólver está em boas condições de funcionamento.

08) Cerca das 13.30 horas do referido dia 27 de janeiro de 2013, em Beja, o arguido encontrou-se com a M.

09) O menor encontrava-se junto dos pais.

10) O arguido dirigiu-se a M. dizendo-lhe que pretendia o seu regresso a casa, o que a ofendida recusava.

11) Então, quando caminhavam pelo passeio do lado esquerdo, no sentido descendente, pela Rua Afonso Albuquerque, em Beja, o arguido muniu-se do revólver de marca «Arminius», que retirou de uma bolsa de cor verde, onde guardava as munições, e disparou contra o corpo da M.

12) O R. colocou-se em frente ao arguido, dizendo: «na mãe não!»

13) O arguido efetuou vários disparos na direção da M, atingindo-a no crânio, tórax, abdómen e membros.

14) A ofendida caiu no passeio empedrado.

15) Um dos disparos efetuados pelo arguido atingiu o filho, enquanto este se encontrava de costas, na face posterior esquerda do pescoço.

16) O menor acabou por vir a cair inanimado no alcatrão da via pública.

17) De seguida, o arguido pôs-se em fuga, a pé, pelas ruas de Beja.

18) No local ficaram as vítimas, um invólucro de arma de fogo, deflagrado, duas munições e uma bolsa térmica de cor verde, contendo vinte munições.

19) Onze das referidas munições têm calibre 22 Short (equivalente a 5.6 mm no sistema métrico e as restantes 11 munições têm calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5.6 mm no sistema métrico).

20) O arguido dirigiu-se às casas de banho públicas, sitas na Rua D. Dinis, em Beja.

21) Ali, o arguido escondeu o revólver de marca «Arminius», com uma cápsula deflagrada no respetivo tambor, no interior do autoclismo da casa-de-banho dos homens.

22) De seguida, o arguido dirigiu-se ao cemitério de Beja, local onde guardava um revólver de calibre 38 Smith & Wesson Special, municiado com seis munições e mais onze munições do mesmo calibre.

23) O arguido dirigiu-se, depois, à hospedaria “P”, sita..., Beja, e registou-se com o nome falso de AM.

24) O arguido foi localizado na referida hospedaria pelas 20.40 horas do referido dia.

25) Na sua posse foi encontrado o revólver de calibre 38 Special e dezassete munições de calibre 38 Smith & Wesson Special (equivalente a 9 mm no sistema métrico).

26) O revólver apresenta calibre 38 Smith & Wesson Special (equivalente a 9 mm no sistema métrico), é de marca Colt, modelo «Diamondback», n.º D59894, com comprimento total de 235 mm, aproximadamente, com carcaça metálica, com platinas em plástico, de cor castanha, com o logotipo da marca Colt, funcionando com movimento duplo (ação simples e dupla), com percussão central e direta, com percutor oscilante, com 101,2 mm (aproximadamente) de comprimento de cano, com 6 estrias de sentido levogiro, com sistema de segurança por placa de travamento do cão, com alimentação por tambor basculante, com 6 câmaras, com extração manual e simultânea e com alça de mira regulável e ponto de mira fixa, com rampa serrilhada, em boas condições de funcionamento.

27) Em consequência direta e necessária do referido disparo efetuado pelo arguido, o R. sofreu, ao nível da cabeça, ferida inciso-contusa no canto externo da arcada supraciliar direita, fratura da região postero-lateral direita do bordo occipital, linear, de bordos regulares, descrevendo arco paralelo ao bordo do buraco, com discreto afundamento e infiltração sanguínea dos tecidos circundantes, medindo cerca de 2 cm de comprimento depois de retificada; ao nível das meninges, hemorragia subdural e subaracnoidea, mais evidente na região occipital, edema do encéfalo, hemorragia subaracnoídea, mais exuberante na região occipital baixa, cerebelo e tronco cerebral, focos de contusão no cerebelo, infiltração sanguínea no trajeto descrito, sendo mais exuberante na porção póstero-lateral esquerda do platisma.

28) Ao nível da coluna vertebral e medula, sofreu fratura do arco esquerdo da 1.ª vértebra cervical, recobrindo a porção lateral esquerda da apófise odontóide de C2 (logo ao nível da C1), com projétil de arma de fogo impatado, que se apresenta deformado e fragmentado; ao nível das meninges, solução de continuidade ao nível de 1.ª vértebra cervical, na porção lateral esquerda, subjacente à alteração atrás descrita; na medula, ao nível da C1-C2, área edemaciada, compatível com contusão pelo projétil de arma de fogo.

29) O R. viria a falecer 4 dias e 5 horas depois, a 1 de fevereiro de 2013, pelas 1.48 horas, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

30) A morte do R. foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e vertebro-medulares.

31) Tais lesões foram causadas por traumatismo de natureza perfuro-contundente, tal como ação de projétil de arma de fogo, cujo trajeto, definido na linha média, foi da esquerda para a direita, de baixo para cima e de trás para a frente.

32) Em consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo arguido, a M. sofreu traumatismos da cabeça, tórax, abdómen e membro superior esquerdo.

33) Apresentava orifício de entrada de projétil, ao nível da face, na região supraciliar esquerda, hematoma periorbitário e encerramento completo da fenda palpebral, com fratura frontal esquerda, com trajeto oblíquo, da frente para trás, de cima para baixo e da esquerda para a direita, fratura do teto da órbita, fratura da parede interna da órbita esquerda (com hemovitreo e hemorragias preretinianas difusas), lâmina papirácea esquerda, fratura etmoide, esfenoide e temporal, fratura da apófise terigoideia.

34) São visíveis áreas heterogéneas do parênquima cerebral da fossa temporal direita, com pneumocéfalo e com localização posterior à cela turca e ar ao nível do ângulo ponto cerebeloso (perfuração em túnel).

35) Com presença de projétil na face lateral do pescoço, no espaço para faríngeo adjacente à primeira vértebra cervical. Associado a hematoma parafaringeo ficaram alojados na cabeça fragmentos de projétil ao nível da nasofaringe, seio esfenoidal e andar médio da base do crânio.

36) Foi observado outro orifício de entrada de projctil na face póstero-lateral do hemitórax esquerdo, adjacente ao ângulo da omoplata, dirigindo-se da frente para trás, de cima para baixo e da esquerda para a direita, através do corpo de D9, com fratura. Este terá perfurado o pulmão, resultando em lesões parenquimatosas pulmonares bilaterais e hemotórax e pneumotórax à esquerda, com enfisema subcutâneo bilateral, mais marcado à direita, onde se encontrou o projétil alojado nos arcos costais à direita.

37) Foi observado outro orifício de entrada de projétil no abdómen, com discreto enfisema subcutâneo na região lombar direita e migração anterior superficial direita com pequeno aerocelo subjacente ao fígado, sem hemoperitoneu. Bala em topografia superficial adjacente ao cóccix.

38) Foi observado outro orifício de entrada de projétil na região pélvica, na crista ilíaca esquerda, condicionando enfisema subcutâneo menos pronunciado à esquerda.

39) Sofreu, ainda, fratura cominutiva do terço proximal do rádio esquerdo.

40) A M. foi sedada, entubada (entubação orotraqueal e orogástrica), algaliada e foram administrados expansores de volume plasmático, uma unidade de concentrado eritrocitário, analgésicos e antibióticos via endovenosa. Foi colocado dreno torácico ao nível da 6.ª IC esq, linha axilar anterior. Foi imobilizado o antebraço esquerdo, por fratura desalinhada, e imobilização da coluna, por fratura de vértebra dorsal.

41) A M. esteve internada, na Unidade de Cuidados Intensivos até 12/2/2013. Continua a ser acompanhada na consulta de ortopedia, com consulta marcada para dia 19/9/2013

42) A M. apenas não faleceu por lhe ter sido prestada assistência médica adequada.

43) O arguido não é titular de licença que lhe permita deter e usar qualquer tipo de arma.

44) Ao efetuar o disparo que atingiu o menor R. pelas costas, na região do pescoço, o arguido admitiu como possível que lhe pudesse causar a morte e conformou-se com tal resultado, apesar de saber tratar-se do seu filho.

45) O arguido pretendeu causar a morte à M., disparando contra o corpo desta por várias vezes e procurando atingi-la em órgãos vitais, apesar de saber tratar-se da sua mulher e por esta não pretender regressar a casa.

46) O arguido, que não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma, conhecia as caraterísticas dos revólveres e munições e sabia que lhe era proibida a sua detenção, mas apesar disso tinha-os consigo.

47) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o caráter reprovável das suas condutas.

48) O arguido revelava cuidado e carinho pelos filhos, existindo fortes laços afetivos entre o arguido e o filho R.

49) M. por diversas vezes abandonou o lar conjugal e o arguido sempre insistiu para que esta voltasse a casa.

50) O arguido sempre suspeitou que a sua mulher M. lhe fosse infiel e que atualmente mantinha na cidade de Beja um amante.

51) O arguido esteve internado no Hospital Prisão de Caxias entre 01.02.2013 e 12.03.2013, apresentando à data do internamento elevado risco de suicídio.

52) O arguido não sofria e não sofre de anomalia psíquica, é capaz de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação.

53) Elaborado relatório social pelos serviços da DGRSP, do mesmo consta:

I - Dados relevantes do processo de socialização

A. integrou um conjunto familiar de modesta condição sócio-económica, composto pelos pais e dez irmãos, constituindo-se o arguido como um dos mais velhos.

Acusando algumas dificuldades de aprendizagem e alguma desmotivação para as matérias escolares, abandonou o ensino, sem completar qualquer grau de escolaridade. Cedo se iniciou no desenvolvimento de trabalhos rurais, juntamente com o pai. A família enquadrava-se residencialmente em montes, cedidos pelos proprietários para quem o pai do arguido desenvolvia atividade laboral, alguns com reduzidas condições de habitabilidade.

A dinâmica familiar acusou, por diversas vezes, intensa conflituosidade, atendendo aos hábitos de consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, redundando em agressões do mesmo aos filhos e à companheira, na decorrência da intensa instabilidade pessoal que o caracterizava nesses momentos.

A. autonomizou-se da família de origem, passando ele próprio a visitá-la ao fim de semana, já que passou a pernoitar em montes cedidos pelos patrões, onde desempenhava o trabalho de pastor, à semelhança do pai.

Em 1986 casou-se, união conjugal da qual nasceram cinco filhos. O casal passou a manter o mesmo padrão de vida que o arguido assumia, enquadrando-se em diversos montes, disponibilizados pelos patrões, tendo aquele evidenciando alguma mobilidade residencial, na zona do Baixo Alentejo, conforme as condições remuneratórias que lhe eram proporcionadas.

Atendendo ao facto de terem sido notadas as deficientes condições em que o casal e a prole viviam e a negligência a que os menores estariam votados, pela ausência de cuidados efetivos e supervisão aos mesmos, a família passou a ser intervencionada, pelos serviços sociais a partir de 1998 e, após processo iniciado em 2002, os cinco filhos foram retirados ao casal e inseridos em instituições, em Beja e Stº André, processo com o qual A. lidou de forma penosa.

Há cerca de seis anos, o casal havia-se deslocado para Benavente, onde o arguido desenvolvia trabalho como vigilante numa empresa. Ocasionalmente, A. e o cônjuge deslocavam-se às instituições onde os filhos se encontravam, em visita aos mesmos.

A inter-relação no casal foi caracterizada como evidenciando períodos de conflituosidade, existindo a suspeita de A., desde há vários anos, da infidelidade do cônjuge. Esta, segundo o arguido, tinha por hábito ausentar-se de casa, muitas vezes para a cidade de Beja, sem disso dar conhecimento ao arguido, recusando-se, por vezes, a atender-lhe o telemóvel, circunstâncias que desencadeavam intensa instabilidade emocional em A. e que alimentavam as suas suspeições em relação à sua conduta.

O arguido referiu-nos ocasiões de intensa depressão, em que ideias suicidárias o assolaram, tendo frequentado, no passado, consulta de psiquiatria, em Beja, e efetuado toma de medicação que lhe foi prescrita. Contudo, não prosseguiu o acompanhamento, atendendo ao que justificou como alterações de residência, na decorrência da sua inserção laboral fora de Beja.

Para A. este não se constitui como o primeiro contacto com o sistema de justiça, tendo já sido condenado, por cinco vezes, pelo crime de condução sem habilitação legal, e uma vez pelo de detenção ilegal de arma.

II - Condições sociais e pessoais

À data da instauração da ação judicial, o arguido integrava-se em Benavente, onde se inseria laboralmente como vigilante, numa quinta.

Os quatro filhos mais velhos já se encontravam fora das instituições, de onde saíram após a maioridade ou perto dela, à exceção do menor R (vítima nos autos), que se mantinha integrado na Casa Pia de Beja.

O agregado vivenciava uma dinâmica relacional dificultada, por via da vontade de reintegração dos filhos, fora de Benavente. Após terem integrado o agregado dos pais, por curto espaço de tempo, abandonaram-no, opção que desagradou ao arguido, atribuindo-lhes a defesa de planos de vida pouco consistentes, com necessidade de reestruturação e suporte parental. A existência de entendimentos diferentes quanto às opções de vida dos filhos, a que estaria ligada a ausência de laços afetivos vinculativos destes, em relação aos pais, por via da permanência longa dos mesmos em instituições, levou-os à escolha da zona de Beja, como preferencial na sua reintegração social, onde possuíam outros familiares, o que magoou emocionalmente o arguido.

O abandono de Benavente pelos filhos e a deslocação frequente da mãe dos mesmos, para Beja, constituíam-se como realidades difíceis de interiorizar para o arguido. Na decorrência destas opções de vida, com as quais o arguido discordava, a instabilidade emocional deste agravou-se, bem como, por último, conflituosidade com o cônjuge.

Recluso, no Estabelecimento Prisional de Beja, desde 27/01/2013, A. tem vindo a ser acompanhado, em termos psiquiátricos, pelos serviços clínicos do Hospital Prisional de Caxias, bem como pelos serviços de Psicologia do estabelecimento prisional onde se integra.

Não possui visitas, o que o deixa emocionalmente fragilizado, e não existe registo de incumprimento às normas institucionais.

III - Impacto da situação jurídico-penal

A. reconhece a gravidade dos factos que se inscrevem nos presentes autos, tem uma perceção das vítimas e atribui legitimidade à intervenção judicial.

Salienta a insuficiente ponderação da sua parte, em relação aos atos praticados, não tendo refletido sobre a consequência dos mesmos, avaliação que reforça o pesar que afirma vivenciar. Coloca enfoque na instabilidade emocional que experiencia e no reconhecimento de que deverá seguir as orientações relativas ao acompanhamento psiquiátrico e psicológico a que se deverá submeter. Na perspetiva de condenação, afirma alimentar planos de transferência para estabelecimento prisional onde tenha oportunidade de vir a ocupar-se laboralmente.

IV – Conclusão
A. é oriundo de um agregado familiar numeroso, de condição sócio-económica frágil, onde terá experienciado uma dinâmica relacional desestruturada, por via dos consumos abusivos de bebidas alcoólicas por parte do pai, desencadeadores de processos de violência doméstica. Sem qualificações escolares ou profissionais específicas, cedo se integrou laboralmente, a maior parte das vezes como pastor, registando intensa mobilidade residencial, integrado em montes, de condições habitacionais precárias, votando-o a vivências interrelacionais escassas e sem vínculos regulares, pelo isolamento que as circunstâncias profissionais lhe impunham.

A perceção da existência de deficientes condições habitacionais, em que tanto o arguido como a família que constituiu viviam, forçou a intervenção dos serviços sociais da comunidade. Nesta sequência, foi avaliado processo de negligência no cuidado aos cinco filhos do casal, que foram retirados do agregado e entregues a instituições, processo que o arguido lidou de forma penosa.

Por último, radicado em Benavente, onde se integrava laboralmente, A. vivenciava período de espiral emocional negativa, por via das opções de vida dos filhos, após saída das instituições, e da conduta do cônjuge, com as quais discordava.

A perceção de uma realidade com a qual não soube lidar, desencadeador de intensa instabilidade pessoal e fragilidade emocional, bem como a inexistência de competências de raciocínio crítico, nomeadamente de ponderação adequada sobre as consequências dos seus atos ter-se-á constituído, por último, para A, como fator criminógeno significativo.

Assim, considera-se determinante a continuidade da sujeição do mesmo a acompanhamento psiquiátrico/psicológico regular, de forma a dinamizar processo de motivação para uma mudança assertiva, de consciencialização das suas fragilidades, que promova a opção por uma conduta social responsável, uma vez que retorne a meio livre.

A sujeição a tal acompanhamento apresenta-se deveras determinante numa personalidade com tendências depressivas que, no passado, relata circunstâncias de experiência de auto-estima diminuída e de ideação suicida.”.

54) O arguido foi anteriormente condenado:

1) Por sentença transitada em julgado no dia 19.02.2001, proferida nos autos de Processo Comum Singular n.º ---/2000, do Tribunal Judicial de Ourique, foi o condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, por factos praticados em 18.03.2000;

2) Por sentença transitada em julgado no dia 14.07.2006, proferida nos autos de Processo Comum Singular n.º ---/03.6GTBJA, do 2.º Juízo deste Tribunal, foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos, sob condição de demonstrar nos autos, no prazo de 6 meses, que se propõe a obter licença para conduzir ciclomotores, por factos praticados em 06.04.2003;

3) Por sentença transitada em julgado no dia 01.02.2007, proferida nos autos de Processo Comum Singular n.º --/05.5GAMTL, do Tribunal Judicial de Mértola, foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5, e, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.º 85 n.ºs 1, 2 e 4 do Código Estrada, numa coima de € 150, por factos praticados em 12.08.2005;

4) Por sentença transitada em julgado no dia 12.03.2009, proferida nos autos de Processo Comum Singular n.º --/05.2GAMTL, do Tribunal Judicial de Mértola, foi condenado, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 2, por factos praticados em 24.09.2005;

5) Por sentença transitada em julgado no dia 14.07.2010, proferida nos autos de Processo Comum n.º --/09.7GTBJA, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Beja, foi condenado, pela prática de um crime de condução se habilitação legal, numa pena de 3 meses de prisão, a cumprir em 18 períodos sucessivos, por factos praticados em 11.12.2008

7. E não se provou:
- Que o arguido contactou previamente o seu filho R;
- Que o menor R. estava de braços abertos para proteger a mãe;
- Que o arguido afastou o filho;
- Que o R. decidiu atravessar a rua, pretendendo ir em busca de socorro para a mãe, altura em que o arguido o atingiu a tiro;
- Que anteriormente aos factos o arguido já se havia registado na hospedaria com um nome falso;
- Que a M. ainda não teve alta médica,
- Que o arguido pretendeu causar a morte ao R. atingindo-o a tiro pelas costas, quando este buscava socorro para a mãe, apesar de saber tratar-se do seu filho, mas apenas o que consta de 44);
- que o arguido encontrou-se com o menor R. e foi com ele à procura da sua esposa para a fazer regressar a casa, tendo tido a colaboração do filho nessa busca;
- Que foi este que, de certa forma, providenciou o encontro entre os progenitores na expetativa destes se poderem, mais uma vez, reconciliar;
- Que a vivência do casal sempre se pautou por comportamentos disfuncionais da M;
- Que foi por esse motivo que o próprio arguido, convicto da impossibilidade de proporcionar aos filhos uma vivência familiar normal, promoveu a institucionalização dos mesmos, a fim de garantir-lhes casa, comida e educação;
- Que, nas horas imediatamente anteriores aos factos, o arguido ingeriu vários comprimidos, acompanhados de bebidas alcoólicas, pelo que teria, naturalmente, o seu raciocínio e reflexos diminuídos;
- Que, quando teve conhecimento da morte do seu filho, já em prisão preventiva, tentou pôr fim à vida por enforcamento.
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8. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se – “na conjugação dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, com a informação de serviço de fls. 15 a 22, a reportagem fotográfica do local de fls. 23 a 31, o auto de apreensão da mochila de fls. 43, o auto de busca e apreensão de fls. 49/50, o auto de apreensão do revólver de fls. 51, a reportagem fotográfica do quarto e WC onde se encontrava o revólver de fls. 52 a 60, o relatório de urgência relativo ao R. de fls. 89 a 100, o relatório de urgência da ULSBA relativa a M. de fls. 101 a 103 e 176 a 185, a reportagem fotográfica roupa das vítimas de fls. 188 a 195, o croqui de fls. 256, o auto de exame das armas e munições de fls. 267 a 269, 397 a 403 e 439 a 450, o relatório autópsia de fls. 285 a 291, o relatório de internamento M. de fls. 316 a 370, relatório de exame pericial ao vestuário de fls. 459 a 467, o relatório pericial de dano corporal relativo a M. de fls. 530 a 531, 540 a 542, os assentos de nascimento de M. de fls. 535 a 537 e 545, o processo clínico do arguido de fls. 723 a 729, o relatório pericial psiquiátrico de fls. 750 a 757, o Certificado de Registo Criminal de fls. 826 a 835 e o relatório social de fls. 836 a 840 e fazendo apelo às regras da experiência comum.

Concretizando.

O arguido admitiu parcialmente os factos, confirmando ter efectuado os disparos que vitimaram quer a sua mulher quer o seu filho, a sua intenção de matar aquela e negou peremptoriamente ter tido qualquer intenção de provocar a morte ao seu filho ou sequer que o tivesse atingido pelas costas.

Referiu que veio para Beja para levar o seu filho R., que se encontrava acolhido na Casa Pia. Cá chegado começou a procurar pela mulher, que sabia encontrar-se com o filho. Encontrou o filho R. e este disse-lhe que a mãe queria falar com ele porque queria voltar a casa porque não tinha dinheiro. Estava com o filho R. quando a sua esposa apareceu e ficou à espera para ver onde ela ia, escondido. Seguiu-a até ao mercado, escondido atrás dos carros porque pretendia ver se estava lá o individuo que julgava ser amante dela. Ela quando o viu começou a gritar que ia chamar a polícia, que não voltava para casa porque ele tinha batido na filha. Vieram então na direcção da PT e dirigiram-se para a rua onde acabou por efectuar os disparos. Agarrou-se a ela a chorar e a perguntar porque não ia com ele para casa, ao que ela recusou. Ela começou a chamar-lhe nomes. Puxou pela arma, apontou-lha ao pescoço e disse-lhe “ou vais comigo ou morremos os dois”. Ao tirar a arma, esta disparou e atingiu-a. Ela começou a chorar e atirou-se para o chão (ou caiu) e chamou-lhe nomes. Atirou contra ela quando esta se encontrava de costas, caída no chão. O filho jogou-se para cima da mãe quando ele estava a tentar disparar contra a cabeça dela e foi nessa altura que o atingiu. Estava de frente para ele, desconhecendo onde o atingiu, mas afirmando não ter sido pelas costas. Viu-o cair em cima da mãe e puxou esta para cima do passeio para lhe dar mais tiros mas não conseguiu porque não foi capaz de abrir a arma para o carregar de novo. Como o revólver estava encravado foi embora do local para ir buscar um outro revólver que tinha escondido junto ao cemitério para se suicidar. Após foi a uma casa de banho pública onde escondeu o revólver com que tinha efectuado os disparos, porque este se encontrava encravado. Dirigiu-se à residencial onde se registou com um nome que não era o seu porque a pessoa que lá estava não era o funcionário habitual.
E foi esta a descrição inicial que o arguido fez dos factos. À medida que foi sendo confrontado com as discrepâncias, incoerências e inverosimilhanças, o mesmo não conseguiu apresentar qualquer explicação plausível e, dessa forma, lograr convencer o Tribunal da veracidade da versão dos factos por si apresentada.

E são vários os exemplos em que a versão apresentada pelo arguido não se mostra plausível ou minimamente coerente. Vejamos: em primeiro lugar refere o arguido que veio para Beja para levar o filho consigo. Não obstante, vem munido de um revolver. Como explicação refere que pretendia matar o amante da mulher. Contudo, é à procura desta que vai. Refere que o filho lhe havia dito que a mãe queria falar com ele e que pretendia voltar para casa mas ainda assim, admite que a seguiu, escondido atrás dos carros. Nega que tenha atingido o filho pelas costas quando resulta claramente do relatório de autópsia que o orifício de entrada da bala de situa ao nível do pescoço, na porção inferior da região posterior lateral-esquerda. Refere que após os disparos o filho ficou caído em cima da mãe. Confrontando com a localização dos corpos no local, afirmou ter puxado a mulher para cima do passeio para continuar a disparar sobre ela!! Mais uma vez não soube explicar o que teria feito ao corpo do filho que alegadamente se encontrava sobre aquela. Referiu igualmente que abandonou o local e foi buscar outra arma que tinha para por termo à sua vida. Apesar dessa intenção suicida, teve a preocupação de esconder a arma com que efectuou os disparos no interior de um autoclismo numa casa de banho pública, alegando no entanto que não foi para a ocultar, foi apenas porque se encontrava avariada. Tal como não conseguiu igualmente explicar de uma forma minimamente coerente o motivo pelo qual se registou na residencial com um nome falso.

E por tudo isto o Tribunal apenas aceitou como verdadeiros os factos relatados pelo arguido que foram confirmados pela restante prova produzida.

E além do arguido, a única pessoa que presenciou a totalidade dos factos e que os relatou a este tribunal foi M. Esta testemunha, apesar de ter sido uma das vítimas da conduta do arguido, seu marido, e mãe do menor R., que faleceu igualmente em consequência de um disparo efectuado por aquele, prestou um depoimento que o tribunal julgou sincero embora pouco preciso e até confuso no que concerne à forma como foram efectuados os disparos e a localização de cada um dos intervenientes. Contudo tal falta de precisão e confusão não resultou, no entender deste tribunal, de uma qualquer tentativa de ocultar a verdade mas sim da circunstância de a testemunha ter vivido uma situação traumática que de alguma forma perturbou a sua capacidade de apreender e descrever o que realmente ocorreu.

Esclareceu a testemunha M. que saiu da casa de morada de família no dia 24 de Janeiro, acompanhada da filha e dirigiu-se a Beja, onde se encontrou com o filho R. No dia em que ocorreram os factos o menor encontrava- se com ela. Próximo do mercado, o menor disse-lhe "olha quem vem atrás de ti", tendo avistado o seu marido junto aos correios. Quando se encontraram disse-lhe que não valia a pena vir com conversas que cada um ia fazer a sua vida. Continuaram em direção à rua do centro de radiologia e o arguido foi atrás deles. Chegados próximo do centro de radiologia o arguido colocou uma pequena mochila que trazia em cima do muro, tirou e revólver e começou a carregá-lo. Ficou paralisada com medo e não conseguiu fugir. O arguido disse-lhe então "ou falas a bem ou a mal". Nessa altura virou-se de costas e foi atingida com um primeiro tiro. De imediato o menor R. colocou-se à frente do arguido e disse “na mãe não”. O arguido continuou a disparar e não viu efectuar qualquer gesto com vista a afastar o filho de ambos. Referiu ainda que quando recebeu o segundo tiro, o menor já se encontrava caído no chão.

E se a primeira parte do seu depoimento nenhuma reserva suscitou em face da sinceridade e coerência reveladas, o tribunal já não pôde aceitar como válido este relato dos factos relativamente quer ao local onde foi atingida pelo primeiro disparo – a testemunha refere que foi nas costas e do relatório pericial junto aos autos resulta que inexiste qualquer orifício de entrada do projéctil no local referido – quer quanto ao facto de o filho já se encontrar caído no chão quando esta ainda se encontrava a ser alvejada. E isto porque tal foi contrariado pelo depoimento isento e desinteressado da testemunha MG. Esta testemunha encontrava-se na altura no edifício da PT de costas para a janela com visibilidade para o local onde ocorreram os factos quando ouviu um barulho semelhante ao estouro de uma bomba ao longe. Ao voltar-se para ver o que tinha sucedido ouviu um segundo estouro, após o que viu através da janela 2 pessoas de pé, que lhe pareciam ser dois homens, de frente um para o outro. A pessoa que estava no passeio deu como que um salto e caiu na faixa de rodagem e o outro individuo fugiu do local. Só depois é que verificou que se encontrava uma outra pessoa caída no passeio. Ora em face destas declarações, o tribunal não pode igualmente aceitar que o menor R. já se encontrava caído no chão (por ter sido atingido) e que só depois é que o arguido continuou a disparar sobre a sua mulher uma vez que este abandonou local imediatamente após o seu filho ter caído no chão.

Mas este depoimento também não serviu para ajudar o tribunal a determinar em que momento o menor R. foi efectivamente atingido já que a testemunha refere que ambos se encontravam de frente e dúvidas inexistem, em face do relatório de autópsia, que o orifício de entrada do projéctil se encontrava no pescoço, ou seja, o tiro foi necessariamente desferido quando o menor R. se encontrava de costas.

A testemunha Marisa encontrava-se igualmente no edifício da PT, confirmou que efectivamente o arguido fugiu do local, mas nada mais soube esclarecer quanto à forma como foram efectuados os disparos.

As testemunhas MC e JT ouviram os disparos e estiveram no local mas apenas após a ocorrência dos factos, revelando apenas conhecimento acerca da posição dos corpos no local.

O agente da PSP JF e o inspector da PJ LM descreveram as diligências efectuadas no local e com vista à identificação e localização do arguido, buscas e apreensões efectuadas mas também nenhum facto relataram que permitisse concluir efectivamente em que momento e em que local concreto o menor R. se encontrava quando foi atingido a tiro.

E do que supra ficou exposto resulta que o tribunal não pôde considerar como provado que o arguido atingiu o filho quando este se encontra a fugir do local. Já quanto ao facto de o mesmo ter sido atingido pelas costas, dúvidas inexistem, conforme já se disse, em face da localização do orifício de entrada da bala atestado no relatório pericial,

Quanto aos demais factos relativos ao comportamento do arguido logo após os disparos e até à sua detenção, além do já descrito o tribunal teve ainda em consideração o depoimento da testemunha JV, proprietário da residencial onde o arguido se encontrava.

No que se refere às intenções do arguido, importa salientar que a intenção de matar, por se tratar de matéria do foro íntimo, resultará dos factos objectivos apurados, conjugados com as regras da experiência comum.

No caso concreto e no que concerne à intenção de matar M., nenhuma dúvida existe já que o arguido acabou por confessar a sua intenção de matar. Mas mesmo que não o tivesse feito, o conjunto dos factos provados determinaria idêntica conclusão. Com efeito o arguido deslocou-se de Benavente a Beja munido de um revólver e munições, que transportava consigo quando foi ter com a sua esposa e, ao verificar que a mesma recusava voltar para casa, disparou contra ela sucessivamente atingindo-a em diversas locais do corpo - cabeça, tórax, abdómen e membro superior esquerdo - locais esses onde se encontram vários órgãos cuja lesão é susceptível de causar a morte.

Já no que concerne ao menor R, o tribunal ficou com dúvidas de que efectivamente a intenção do arguido era igualmente retirar-lhe a vida, dúvidas essas que não foi possível ultrapassar.
E essas dúvidas foram suscitadas por várias circunstâncias.

Em primeiro lugar, não ficou demonstrado que o arguido tivesse atingido o menor quando este procurava fugir do local.

E embora inexistam dúvidas de que o tiro foi efectivamente desferido quando o menor se encontrava de costas, a circunstância de não ter sido possível determinar concretamente a posição exacta de cada um dos intervenientes faz igualmente questionar se a intenção do arguido era efectivamente matar o seu filho.

Por outro lado, resulta dos factos provados que o arguido mantinha com o seu filho uma relação afectiva forte, não se vislumbrando pois, à partida, qualquer motivo para que a sua intenção fosse igualmente matá-lo. Era a mulher que ele pretendia que regressasse consigo a casa, foi esta que recusou e foi o comportamento desta que levou o arguido a querer matá-la.

Por tudo isto o Tribunal não consegue, com a certeza necessária, assegurar que a intenção do arguido era tirar a vida ao filho pelo que, em obediência ao princípio in dubio pro reo, não resta senão considerar tal como não provado.

Contudo, considerando os demais factos designadamente que o menor se encontrava junto ao arguido e sua mãe, que claramente tentou defender aquela, colocando-se de frente para o pai dizendo “na mãe, não”, conduta esta que não demoveu o arguido do seu propósito de atingir mortalmente a mulher, o mesmo tinha necessariamente de ter considerado a forte possibilidade de o atingir numa zona letal quando se encontrava a disparar uma arma de fogo (revolver calibre 22) sobre aquela, atento o meio utilizado, a proximidade entre todos mas também porque, atento o instinto de defesa relativamente à mãe manifestado pelo menor, era muito provável que este se colocasse em frente daquela para evitar que esta continuasse a ser atingida ou tentasse evitar que o arguido continuasse a disparar, afastando-o. E não obstante o arguido não pudesse ter deixado de representar o sério risco de vir a atingir o filho numa zona letal, assim lhe causando a morte, o certo é que na prossecução do seu objectivo de matar a esposa, continuou a disparar até gastar todas as munições e, segundo afirmou, só não efectuou mais disparos (mesmo após o filho já se encontrar inanimado na via pública) por não ter conseguido recarregar a arma, revelando assim claramente que se conformou com a realização do resultado típico – a morte do filho.

Assim, e como se refere no ac. da Relação do Porto de 14.11.2012, disponível in www.dgsi.ptSe, necessariamente, existia o risco sério de produção do resultado e se, não obstante, o arguido continuou com a sua conduta, pode, com razoável segurança, concluir-se que o intuito que originou a sua actuação justificou, na sua perspectiva, a realização do tipo, ficando deste modo indiciado que o arguido está intimamente disposto a arcar com o seu desvalor. A circunstância de, não obstante os riscos previstos de lesão do bem jurídico, levar a acção a cabo revela uma decisão contra a norma jurídica de comportamento. Na verdade, saliente-se que num âmbito de dinâmica social existem condutas especialmente aptas para produzir determinados resultados. A regra nestes casos é simples: quando um sujeito leva a cabo uma conduta especialmente apta para produzir um determinado resultado lesivo e o faz sendo conhecedor da perigosidade abstracta de tal conduta e contando com um perfeito «conhecimento situacional» entende-se, num ponto de vista social, que necessariamente avaliou que a sua conduta era apta para produzir o citado resultado lesivo naquela especifica situação

Em face do exposto, o tribunal não teve qualquer dúvida em considerar que o arguido admitiu como possível que pudesse causar a morte ao seu filho e agiu conformando-se com o resultado.

No que concerne às testemunhas arroladas pela defesa, de referir que o tribunal não atribuiu qualquer credibilidade à testemunha DN por se ter revelado claramente parcial.

O depoimento da testemunha MC, directora da Casa Pia serviu para formar a convicção do Tribunal relativamente à relação afectiva do arguido com os filhos, em especial com o menor R.

No que concerne aos factos não provados, além do já referido, o decidido funda-se na circunstância de não ter sido feita prova suficiente da sua verificação”.
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9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 n.º 1 do CPP).

Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 13.03.91, in Proc. 416794, 3.ª Secção, que mantém atualidade, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art.º 412 do Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição).

Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões ou fundamentos em que o recorrente baseia a sua pretensão, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

Feitas estas considerações, e tendo em conta as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:

1.ª – A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP);

2.ª – A contradição insanável da fundamentação (art.º 410 n.º 2 al.ª b) do CPP);

3.ª – A qualificação jurídica dos factos (no que respeita ao crime de homicídio);

4.ª – Se a pena aplicada, relativamente ao crime de homicídio, deve ser reduzida e, consequentemente, reduzida a pena única a aplicar em cúmulo jurídico.
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9.1. – 1.ª questão
O arguido vem expressamente afirmar que o recurso se reporta “à insuficiência da matéria de facto para a decisão, qualificação jurídica dos factos e determinação da medida da pena arbitrada relativamente ao crime de homicídio qualificado…”, e que – no que à primeira questão respeita – a matéria de facto é “manifestamente insuficiente para fundamentar a qualificação jurídica do crime”, que dela não decorre em momento algum que “o arguido se dirigiu ao filho, o ameaçou, discutiu com ele, lhe apontou a arma, pretendeu atingir o seu filho R. ou sequer que praticou qualquer ato que lhe fosse dirigido, desconhecendo-se… a forma como o disparo o atingiu…”.

É verdade que não consta da matéria de facto que “o arguido se dirigiu ao filho, o ameaçou, discutiu com ele, lhe apontou a arma, pretendeu atingir o seu filho R. ou sequer que praticou qualquer ato que lhe fosse dirigido…”, factualidade que, a ser dada como provada, levaria a que o arguido fosse condenado, não pela atuação com dolo eventual – como foi - mas por atuação com dolo direto, situação bem mais gravosa e certamente que não é isso o que o arguido pretende (dir-se-ia que nessa parte o arguido nem tem interesse em agir, pois que a sua pretensão levaria a efeito contrário ao pretendido), sendo certo que não é de todo verdade que se desconheça “a forma” como o disparo atingiu o menor (o disparo atingiu o menor na face posterior esquerda do pescoço, quando este se encontrava de costas).

Depois, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, enquanto vício da sentença, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP, existirá quando – apreciada a decisão recorrida, na sua globalidade – se chega à conclusão que existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão, seja porque o tribunal não se pronunciou sobre toda a factualidade – relevante - alegada em sede de acusação/pronúncia e contestação, enquanto peças delimitadoras do objeto do processo/julgamento (havendo, por isso, uma omissão de pronúncia sobre factos relativamente aos quais o tribunal devia pronunciar-se), seja porque omitiu o dever de investigar determinados factos – de que lhe era lícito conhecer – essenciais para a decisão, não sendo os factos apurados, por isso, suficientes para a decisão.

Em síntese – e como se escreveu no acórdão do STJ de 24.07.98, Proc. 436/98, que mantém atualidade – “a insuficiência da matéria de facto provada não se confunde com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada.

Para que exista aquele vício é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto.

Não ocorre aquele vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar.

A demonstração dessa insuficiência não pode emergir da mera discordância em relação à forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida, pois aí poderá haver erro de julgamento…”.

No caso em apreço não se descortina na decisão recorrida – e este vício, enquanto vício da sentença, terá de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como expressamente se dispõe no art.º 410 n.º 2 do CPP - a omissão de pronúncia sobre qualquer facto de que o tribunal devesse conhecer e não conheceu ou que o tribunal devesse averiguar outros factos e não averiguou.

Ou seja, a factualidade dada como apurada é suficiente para a decisão a proferir, ou seja, para concluir que o arguido – que efetuou “vários disparos na direção de M,…” (nas circunstâncias descritas) - atingiu o seu filho com um desses disparos, quando este se encontrava de costas, na face posterior esquerda do pescoço (o qual veio a falecer devido às lesões provocadas com tal disparo), e “admitiu como possível” que ao efetuar o disparo que atingiu o seu filho “lhe pudesse causar a morte, conformando-se com o resultado…”, factualidade bastante para concluir que pela prática do crime de homicídio pelo qual foi condenado.

Improcede, por isso, a invocada insuficiência da matéria de facto para a decisão.
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9.2. – 2.ª questão
Pretende o arguido que o facto dado como provado no ponto 44 da matéria de facto dada como provada (respeitante ao modo como o menor foi atingido e ao dolo eventual) está em contradição insanável com a motivação do acórdão, “nomeadamente, na concretização do depoimento da testemunha MG…”.

Não se percebe onde está a contradição.

Como resulta da transcrição do depoimento desta testemunha, este relevou essencialmente para justificar o não acolhimento do depoimento da testemunha M., ou seja, que “o menor R. já se encontrava caído no chão (por ter sido atingido) e que só depois é que o arguido continuou a disparar sobre a sua mulher, uma vez que este abandonou o local imediatamente após o seu filho ter caído no chão”.

Mas, por outro lado, “este depoimento também não serviu para ajudar o tribunal a determinar em que momento o menor foi efetivamente atingido, já que a testemunha refere que ambos se encontravam de frente e dúvidas inexistem, em face do relatório da autópsia, que o orifício de entrada do projétil se encontrava no pescoço, ou seja, o tiro foi necessariamente desferido quando o menor R se encontrava de costas”.

A contradição insanável da fundamentação é um vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª b) do CPP, e verificar-se-á quando, “fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 4.ª edição, Rei dos Livros, 72 e 73).

No acórdão do STJ de 12.03.97, proferido no Proc. 902/96, citado pelos mesmos autores, in obra citada, 75, decidiu-se que “há contradição insanável da fundamentação da sentença quando esta assentou em factos ou motivos que se mostram como logicamente inconciliáveis, pondo à mostra a impossibilidade de os factos terem ocorrido nos termos em que são nela fixados”.

Tal vício terá que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, apreciada na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, como expressamente resulta do art.º 410 n.º 2 do CPP; trata-se, em suma, de um vício da sentença, que não do julgamento.

Assim entendido, não se descortina na decisão recorrida qualquer contradição – insanável – da fundamentação, concretamente entre a matéria de facto dada como provada no ponto 44 e o depoimento (na parte que consta da fundamentação) da testemunha MG, pois que este depoimento, como aí consta, não permite concluir o momento em que o menor foi atingido (facto que resulta de outra prova, como da fundamentação consta), mas também não permite a afastar aquela prova, vertida no ponto 44, o que equivale a dizer que não há qualquer incoerência entre os fundamentos invocados pelo tribunal para justificar a sua convicção e aquela factualidade dada como provada.

Não deixará de se acrescentar que os fundamentos invocados pelo tribunal para justificar a sua convicção não se esgotam nesse depoimento (relevaram ainda o relatório de autópsia e outros elementos de prova, concretamente, as circunstâncias objetivas em que os factos se passaram, analisados criticamente, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade).

Como aí se escreveu, “no que se refere ao menor R, o tribunal ficou com dúvidas de que efetivamente a intenção do arguido era tirar-lhe a vida, dúvidas essas que não foi possível ultrapassar.

Contudo, considerando os demais factos, designadamente, que o menor se encontrava junto ao arguido e sua mãe, que claramente tentou defender aquela, colocando-se de frente para o pai dizendo «na mãe não», conduta esta que não demoveu o arguido do seu propósito de atingir mortalmente a mulher, o mesmo tinha necessariamente de ter considerado a forte probabilidade de o atingir numa zona letal quando se encontrava a disparar uma arma de fogo… sobre aquela, atento o meio utilizado, a proximidade entre todos, mas também porque, atento o instinto de defesa em relação à mãe manifestado pelo menor, era muito provável que este se colocasse em frente daquela para evitar que esta continuasse a ser atingida ou tentasse evitar que o arguido continuasse a disparar, afastando-o. E não obstante o arguido não pudesse ter deixado de representar o sério risco de vir a atingir o filho numa zona letal, assim lhe causando a morte, o certo é que na prossecução do seu objetivo de matar a esposa, continuou a disparar até gastar todas as munições e, segundo afirmou, só não efectuou mais disparos (mesmo após o filho já se encontrar inanimado na via pública) por não ter conseguido recarregar a arma, revelando assim claramente que se conformou com a realização do resultado típico – a morte do filho.

Assim, e como se refere no ac. da Relação do Porto de 14.11.2012, disponível in www.dgsi.pt «Se, necessariamente, existia o risco sério de produção do resultado e se, não obstante, o arguido continuou com a sua conduta, pode, com razoável segurança, concluir-se que o intuito que originou a sua atuação justificou, na sua perspetiva, a realização do tipo, ficando deste modo indiciado que o arguido está intimamente disposto a arcar com o seu desvalor. A circunstância de, não obstante os riscos previstos de lesão do bem jurídico, levar a acção a cabo revela uma decisão contra a norma jurídica de comportamento. Na verdade, saliente-se que num âmbito de dinâmica social existem condutas especialmente aptas para produzir determinados resultados. A regra nestes casos é simples: quando um sujeito leva a cabo uma conduta especialmente apta para produzir um determinado resultado lesivo e o faz sendo conhecedor da perigosidade abstracta de tal conduta e contando com um perfeito “conhecimento situacional” entende-se, num ponto de vista social, que necessariamente avaliou que a sua conduta era apta para produzir o citado resultado lesivo naquela especifica situação».

Em face do exposto, o tribunal não teve qualquer dúvida em considerar que o arguido admitiu como possível que pudesse causar a morte ao seu filho e agiu conformando-se com o resultado”.

Tudo muito claro e tudo muito simples, realçando-se que esta factualidade, respeitante ao dolo eventual, não resulta de prova direta – nem poderia resultar, por se tratar de matéria que respeita ao foro íntimo do agente – mas da chamada prova indireta ou por dedução, que o tribunal realiza através da dedução lógica de outra factualidade – objetiva - dada como provada, como sua consequência lógica e necessária, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127 do CPP.

Improcede, por isso, a invocada contradição insanável a fundamentação.
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9.3. – 3.ª questão

Alega o arguido que da prova produzida resulta tudo menos claro que em algum momento o arguido se tenha conformado com a eventualidade da morte do seu filho, que “as limitadas capacidades psicológicas e emocionais do arguido, reconhecidas no relatório social, a sua pobreza e fragilidade emocional, «a perceção de uma realidade com a qual não soube lidar, desencadeadora de intensa instabilidade pessoal e fragilidade emocional, bem como a inexistência de raciocínio crítico» deverão ser determinantes para entender que o arguido não teria sequer a possibilidade de supor que, com o seu comportamento poderia pôr em causa a vida do seu filho”.

Ora, sem grandes delongas, dir-se-á que, de acordo com o relatório pericial psiquiátrico junto aos autos:
- o arguido “não sofria e não sofre de qualquer anomalia psíquica”;

- o arguido “é capaz de se determinar de acordo com os valores jurídico-criminais e pode avaliar a ilicitude dos seus atos”;

- o arguido “revela capacidade para ser influenciado pela pena…”.

Ou seja, o arguido estava no pleno gozo das suas faculdades mentais e gozava de capacidade para avaliar a ilicitude dos seus atos e para se determinar de acordo com essa avaliação, o que equivale a dizer que, fazendo apelo às regras da experiência comum e aos critérios da normalidade, não pode deixar de se concluir que o arguido efetuou os disparos que efetuou (vários, nas circunstâncias dadas como provadas) porque quis - agindo com vontade livremente determinada - e consciente/sabedor das consequências previsíveis da sua conduta, como qualquer cidadão, no uso das suas faculdades mentias, e naquelas circunstâncias, não podia deixar de prever e, não obstante, não se absteve de a levar a cabo, indiferente ao resultado, com ele se conformando.

As razões invocadas pelo recorrente – concretamente, a fragilidade emocional e a dificuldade em lidar com a situação/litígio que o opunha à sua mulher, circunstâncias que relevam ao nível da culpa - não são razão adequada para questionar o juízo pericial sobre a sua capacidade para avaliar a ilicitude dos seus atos e para se determinar de acordo com essa avaliação, designadamente, para questionar a sua capacidade de prever as consequências – altamente previsíveis, repete-se - dos disparos que efetuava (que queria, no que respeita à sua mulher) e para se abster de os efetuar.

Por outro lado, as circunstâncias em que efetua os disparos (vários), encontrando-se o seu filho entre si e a sua mulher, de costas (como se conclui com toda a segurança pelo modo como o projétil entrou no pescoço daquele) – consciente, portanto, do elevado risco de algum dos disparos vir a atingir o filho (como atingiu), não pode deixar de levar a concluir – até porque, segundo declarou, mesmo após atingir o filho só não continuou a disparar “sobre ela” por não ter conseguido recarregar a arma - que admitiu como possível a morte do filho (em consequência dessa sua conduta) e que, pela indiferença com que atuou, se conformou com tal resultado.

Isto não colide com a conclusão - que consta do relatório social – de que se mostra “pesaroso pelo falecimento do filho”, o que é perfeitamente normal, quer porque esse não era o resultado que pretendia (note-se que não se provou que esse fosse um resultado que pretendeu), quer pelos fortes laços afetivos que existiam entre si e o filho (facto dado como provado no ponto 48), circunstância que – repete-se – é perfeitamente compatível com a factualidade dada como provada no ponto 44 da matéria de facto dada como provada.
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Questão diversa, mas com esta relacionada, é a de saber se as circunstâncias em que ocorreram os factos – em suma, a conduta do arguido que vitimou o seu filho – é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª a) do CP, com referência ao n.º 1 do mesmo preceito.

Aí sem dispõe que é “susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

a) Ser descendente ou ascendente… da vítima”.

No acórdão recorrido considerou-se que sim, em síntese, porque:
- “existem situações que explicam e justificam que o agente tenha ultrapassado a barreira das contramotivações éticas inerentes aos laços mais apertados de parentesco, fazendo desaparecer a distância entre a determinação normal pelos valores e a determinação do agente que fundamenta a qualificação do crime” (acórdão da RC de 07.11.2012);

- não se demonstrou no caso concreto a existência de qualquer problema, animosidade ou conflitualidade entre pai e filho, pelo que inexiste “qualquer fundamento para se considerarem abalados os vínculos filiais existentes entre ambos e que exigiam necessariamente um comportamento diverso ou ultrapassadas as referidas contramotivações éticas inerentes à relação pai/filho e afastar a qualificação referida”;

- não obsta à qualificação o facto do arguido ter agido com dolo eventual, já que a sua conduta – ainda assim – é reveladora da especial censurabilidade (neste sentido invocam-se os acórdãos do STJ de 2.12.1996, 22.05.1996 e 21.01.1999, in www.dgsi.pt).

Assim não o entendemos.

Não se provou que o arguido “pretendeu causar a morte ao R, atingindo-o a tiro pelas costas, quando este buscava socorro para a mãe, apesar de saber tratar-se do seu filho”, mas apenas que, “o efetuar o disparo que atingiu o menor R pelas costas, na região do pescoço… admitiu como possível que lhe pudesse causar a morte e conformou-se com tal resultado, apesar de saber tratar-se do seu filho”, situação que – como se defendeu no acórdão recorrido – e bem – configura uma atuação como dolo eventual.

A este propósito escreve Teresa Serra, in Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, Teresa Serra, 2000, 63 a 65, em excerto transcrito pelo Ministério Público no parecer que emitiu nestes autos, a fol.ªs 967:

… a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a conceção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No art.º 132 trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores… Com a referência à especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade… poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente… A razão da qualificação do homicídio reside exatamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete”.

Ora, como demonstrado ficou:

- o alvo da conduta do arguido era M – com quem era casado e cuja separação não aceitou – em direção à qual “efetuou vários disparos… atingindo-a no crânio, tórax, abdómen e membros”;

- um dos disparos efectuados pelo arguido atingiu o seu filho - que se encontrava de costas, entre o arguido e a mãe – na face posterior esquerda do pescoço, causando-lhe lesões que foram causa direta e necessária da sua morte 4 dias e cinco horas depois;

- o arguido – que, acordo com a prova produzida, não se provou que “pretendeu causar a morte de seu filho” (com quem, aliás, mantinha fortes laços afetivos) – agiu de forma livre, voluntária e consciente, e admitiu como possível que pudesse causar a morte do seu filho, conformando-se com tal resultado.

Ou seja, esta forma de atuação – com dolo eventual - em que o arguido não pretende, não quer aquele resultado, embora o admita como possível, com ele se conformando, sendo censurável, não pode ter-se como especialmente censurável ou reveladora de uma especial perversidade.

De facto – e como se escreveu no acórdão do STJ de 15.05.2003, Proc. 856/03-5, em excerto transcrito no acórdão do mesmo tribunal de 23.11.2006, in www.dgsi.pt – “tendo o legislador posto o acento tónico na configuração do homicídio qualificado num tipo especial de culpa, particularmente intenso, dificilmente se pode configurar, embora sem excluir a hipótese, um homicídio qualificado cometido a título de dolo eventual, pois esta é a forma mais mitigada da intenção criminosa”.

Por isso – concluiu-se neste último acórdão, aliás, citado no parecer do Ministério Público – “não se tendo provado o dolo direto ou necessário quanto à intenção de matar, mas apenas o dolo eventual, não se verifica uma especial censurabilidade que se possa reconduzir ao homicídio qualificado tentado… pois aquela forma mitigada de dolo é, neste caso, incompatível com um tipo especial de culpa” (sic).

Consequentemente, em face de quanto se deixa dito – e tendo em conta, concretamente, as circunstâncias em que os factos ocorreram, supra analisadas – entendemos que não se verifica no caso em apreço, relativamente ao crime de homicídio, a qualificativa prevista na al.ª a) do n.º 2 do art.º 132 do CP.

E não se verificando aquela circunstância qualificativa, a conduta do arguido – de que foi vítima o seu filho - é punível nos termos do art.º 131 do CP, com referência ao art.º 86 n.º 3 da lei 5/2006, de 23.02, na redação que lhe foi dada pelas Leis 17/2009, de 6.05, e 12/2011, de 27.04, com pena de prisão de 8 a 16 anos, agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, ou seja, com a pena de 10 anos e oito meses a 21 anos e quatro meses.
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9.4. – 4.ª questão

Dentro da moldura de 16 anos a vinte e cinco anos de prisão, considerando a circunstância qualificativa prevista no art.º 132 n.º 2 al.ª a) do CP, o tribunal condenou o arguido – relativamente a este crime – na pena de 20 anos de prisão; não considerando aquela circunstância – pelas razões supra apontadas – e não se questionado as demais circunstâncias que o tribunal considerou para a determinação da medida concreta da pena, concretamente:

- o grau da ilicitude do facto, elevado, “atendendo a que o arguido tirou a vida a um menor que havia acabado de completar 15 anos de idade, menor esse que era seu filho, com quem mantinha uma relação afetiva forte, que nada tinha a ver com os problemas existentes entre os seus progenitores e que, inclusivamente, procurou proteger a mãe dos intentos homicidas do pai”;

- a conduta do arguido posterior aos factos, pondo-se em fuga, deixando o filho caído no local sem cuidar se saber se estava vivo ou morto e sem diligenciar por socorro, conduta reveladora de “uma absoluta falta de arrependimento relativamente aos factos que havia acabado de praticar e uma total insensibilidade” relativamente à vida do filho, que se encontrava prostrado no chão;

- as elevadas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, face ao crescente aumento deste tipo de crimes, de que os órgãos de comunicação social diariamente nos dão conta, e a necessidade de, através da pena, reforçar o sentimento de confiança da sociedade na eficácia do sistema de justiça juríco-penal;

- os antecedentes criminais do arguido, a revelar alguma dificuldade em moldar o seu modo de vida em conformidade com as normas vigentes, não obstante se tratar de crimes de diferente natureza;

- e o dolo com que o arguido atuou (dolo eventual),----

temos que a pena de quinze anos de prisão, dentro da moldura de 10 anos e oito meses a 21 anos e quatro meses de prisão, não indo além da culpa, se mostra adequada/justa a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
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Não vêm questionadas as demais penas aplicadas.

Com a consequente redução da pena de prisão relativamente ao crime de homicídio a pena resultante do cúmulo há-de situar-se entre o mínimo de quinze anos de prisão e o máximo de 31 anos e seis meses de prisão (art.º 77 n.º 2 do CP).

Considerando o conjunto dos factos provados e circunstâncias em que ocorreram – o arguido tentou matar a sua mulher (disparando vários tiros na sua direcção), por esta o ter abandonado e ter recusado voltar para casa, e matou o seu filho, que se colocou entre ambos, quando disparava sobre a mulher, abandonando o local sem se preocupar com o destino das vítimas, que deixou prostradas no chão, preocupado em esconder a arma com que praticou os crimes e em ir buscar outra e registar-se numa residencial com nome falso, de forma a impossibilitar/dificultar a sua localização e detenção – e a personalidade do arguido, que se revela, por um lado, pelo modo meticuloso como planeia matar a sua mulher e dispara sobre ela, por outro, pelas fragilidades emocionais e ausência de competências de raciocínio crítico, com tendências depressivas, como nos dá conta o relatório social junto, e tendo em conta o disposto no art.º 77 n.º 1 do CP e a moldura dentro da qual há-de ser encontrada a pena única, entendemos como adequada, em cúmulo jurídico, a pena única de vinte anos de prisão.

10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, considerando que a conduta do arguido – de que foi vítima o seu filho – integra a prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131 do CP, agravado nos termos do art.º 86 n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, decidem:

1) Condenar o arguido, pela prática do mencionado crime de homicídio, na pena de quinze anos de prisão;

2) Condenar o arguido, em cúmulo jurídico – desta pena e das demais penas aplicadas na decisão recorrida (pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida) – na pena única de vinte anos de prisão;

3) Manter, quanto ao mais, a decisão recorrida.

Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 2014/06/03

(Alberto João Borges)

(Maria Fernanda Pereira Palma)