Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
470/17.8T8OLH.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em processo de insolvência não está o credor que a requer dispensado de alegar e provar os factos dos quais se possam extrair os pressupostos que a lei erigiu em fundamentos para ser decretada a insolvência de algum particular ou empresa, previstos no artigo 20.º do CIRE.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 470/17.8T8OLH.E1 – APELAÇÃO (OLHÃO)


Acordam os juízes nesta Relação:

O Apelante “Banco (…) Português, S.A.”, com sede na Praça D. (…), n.º 28, no (…), nestes autos de insolvência, que instaurara no Tribunal da comarca de Faro (Juízo de Comércio de Olhão) contra os Apelados (…) e marido, (…), residentes na Estrada da Rocha (…), Urbanização (…), lote 272, apartamento 105, em (…), Quarteira, Albufeira – e onde pedira e lhe foi denegada a declaração de insolvência dos Requeridos, por douta sentença proferida em 17 de Julho de 2017 (ora a fls. 132 a 139 dos autos), com o fundamento aí aduzido, a fls. 138, de que se salientam “os factos dados como provados, nomeadamente quanto à composição do activo dos requeridos que se mostra ser muito superior ao passivo invocado e devido ao requerente; acresce que mesmo sendo o activo deste valorado pelo valor que consta das respectivas cadernetas prediais, sempre seria, no conjunto, mais do que suficiente para cobrir o passivo para com o requerente, razão pela qual não se pode concluir pela declaração de insolvência dos requeridos” –, vem tal Apelante, dizíamos, interpor recurso dessa douta sentença, intentando a sua revogação e que venha a declarar-se o estado de insolvência dos Requeridos, que se justifica plenamente, e terminando a sua alegação a formular as seguintes Conclusões:

a) Vem o Recorrente interpor recurso da douta sentença de 21-07-2017 (ref.ª 106599586), a qual julgou improcedente a acção, absolvendo os Recorridos do pedido de declaração de insolvência.
b) Considera-se que, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, a acção deveria ter sido procedente e os Recorridos declarados insolventes.
c) Conforme se pode retirar da sentença e com os factos provados no que respeita ao rendimento dos Recorridos, a verdade é que estes não dispõem de solvabilidade para fazer face às despesas e aos incumprimentos verificados desde 2009.
d) Estando preenchidos os factos indiciadores duma situação de insolvência previstos nas alíneas a), b) e g) do nº 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
e) Os Recorridos têm dívidas para com o Recorrente, à data da propositura da acção, no valor de € 113.904,34 (cento e treze mil, novecentos e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).
f) Tendo dívidas ainda junto da Autoridade Tributária.
g) Na verdade, o passivo dos Recorridos ascende tal como provado na douta sentença, a € 114.730,04 (cento e catorze mil e setecentos e trinta euros e quatro cêntimos).
h) Em acrescento, o facto dos Recorridos se encontrarem em incumprimento com o Recorrente desde 2009, ou seja, há 7 anos. Ora,
i) E, pese embora a superioridade do activo dos Recorridos face ao passivo, a verdade é que não existe capacidade creditícia para cumprir pontualmente as suas obrigações, a verdade é que os rendimentos demonstrados pelos Recorridos não demonstram capacidade para liquidar a quantia em falta.
j) Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante C.I.R.E. que (...) “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
k) Entendendo-se por obrigações vencidas, as obrigações decorrentes de um vínculo jurídico pelo qual uma pessoa/empresa ficou obrigada para com a outra à realização de uma prestação, cujo prazo de cumprimento já se esgotou ou venceu.
l) Neste sentido, o artigo 20.º, nº 1, C.I.R.E. estipula um quadro de factos que indiciam a situação de insolvência.
m) Entendendo-se que o devedor está numa situação de insolvência, sempre que se torne incapaz, por ausência de liquidez, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem.
n) Os Recorridos têm um rendimento anual global de € 6.148,00 (seis mil e cento e quarenta e oito euros).
o) Pelo que encontra-se demonstrado que os mesmos estão impossibilitados de cumprirem com as obrigações vencidas.
p) Não dispondo de meios para efectuar o pagamento das suas dívidas vencidas junto dos credores.
q) Pelo que não dispõem da solvabilidade necessária nem do património para assegurar o pagamento das suas dívidas.
r) Pelo que o Recurso agora apresentado deverá ser julgado procedente (…) alterando-se a decisão de que agora se recorre, com as legais consequências.

Os Apelados (…) e (…) apresentam contra-alegações (a fls. 162 a 170 verso dos autos) para dizerem, também em síntese, que não assiste razão ao Apelante, pois que nem se percebe se intentou, ou não, a reapreciação da matéria de facto, ou se só da matéria de direito, sendo que nem vêm alegadas as normas jurídicas violadas. Como quer que seja, não se comprovaram os factos alegados na douta petição inicial, previstos nas alíneas a), b) e g) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, como era intenção do Requerente que se provassem. “Por conseguinte, para vir requerer a insolvência do devedor não basta a demonstração do crédito e do inerente direito a ver satisfeito o seu direito por via da venda da liquidação de bens do devedor, sendo necessária a demonstração da situação de insolvência”. Pelo que “com os factos provados relativos ao património dos Requeridos, está afastada a incapacidade patrimonial de solvência dos Recorridos”, aduzem. São, pois, termos em que se deve negar provimento ao recurso, vindo a confirmar-se a douta sentença por ele impugnada, concluem.

E nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso, o qual, ao contrário do alegado pelos Recorridos, versa, indubitavelmente, sobre a matéria de direito da douta sentença. Pois que o Apelante não põe, agora, minimamente, em causa quanto ali se deixou provado e não provado – apenas extrai conclusões jurídicas diversas das que levaram a Mm.ª Juíza a quo a julgar a acção improcedente, não decretando o estado de insolvência dos Requeridos, e indicando as normas que não terão sido devidamente interpretadas, designadamente o art.º 20.º do CIRE.
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Vêm dados como provados os seguintes factos:

1) Por contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado no dia 02 de Outubro de 2013, nas instalações do “Banco (…) Português, SA”, em Olhão, perante o Advogado, (…), os Requeridos constituíram a favor da Requerente hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra Q, correspondente ao rés-do-chão, nível superior, destinada a comércio, e que é composta de um compartimento, sito na Trav. (…), n.º 7, freguesia e concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) – (vide o documento n.º 4 junto com a petição inicial).
2) Encontra-se por pagar, quanto ao contrato referido supra em 1), o valor referente a capital de € 29.400,00 (vinte e nove mil e quatrocentos euros), aos juros moratórios no valor de € 10.319,40 (dez mil e trezentos e dezanove euros e quarenta cêntimos) e ao respectivo imposto de selo no montante de € 412,78 (quatrocentos e doze euros e setenta e oito cêntimos), tudo no montante total de € 40.132,18 (quarenta mil, cento e trinta e dois euros e dezoito cêntimos).
3) Por escritura de mútuo com hipoteca, lavrada no Cartório Notarial de Olhão no dia 24 de Junho de 2009, e exarada do Livro (…) e documento complementar, a fls. 129 a 131, a Requerida constituiu a favor da Requerente hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao segundo andar esquerdo, que faz parte integrante do prédio urbano sito em (…), denominado lote oito, da freguesia de Quelfes, do concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…) – (vide o documento n.º 5 junto com a petição inicial).
4) Encontra-se por pagar, quanto ao contrato referido em 3), o capital de € 58.349,64 (cinquenta e oito mil, trezentos e quarenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), juros moratórios de € 14.305,00 (catorze mil, trezentos cinco euros) e respectivo imposto de selo no valor de € 572,20 (quinhentos e setenta e dois euros, vinte cêntimos), tudo no montante total de € 73.226,84 (setenta três mil e duzentos e vinte e seis euros e oitenta e quatro cêntimos).
5) A Requerida é titular de uma conta de depósitos à ordem com o n.º 65989877, que apresenta um saldo devedor num valor de € 238,12 (duzentos e trinta e oito euros e doze cêntimos), juros moratórios no montante de € 295,39 (duzentos e noventa e cinco euros, trinta e nove cêntimos) e respectivo imposto de selo num valor de € 11,82 (onze euros e oitenta e dois cêntimos), tudo no montante total de € 545,32 (quinhentos e quarenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
6) Os Requeridos são casados entre si (vide fls. 8 verso a 11 dos autos).
7) O Requerido marido não tem dívidas à Fazenda Nacional (vide fls. 81 verso dos autos).
8) A Requerida tem em dívida à Fazenda Nacional a quantia de € 825,70 (oitocentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos) – (vide fls. 81 dos autos).
9) O prédio identificado supra em 1) tem um valor patrimonial de € 18.036,90 (dezoito mil e trinta e seis euros e noventa cêntimos), e está integrado num centro comercial, tendo a área de 25 m2, tendo um valor vendável de cerca de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) – (vide fls. 80 e verso dos autos).
10) O prédio identificado supra em 3) tem um valor patrimonial de € 63.310,00 (sessenta e três mil e trezentos e dez euros), sendo uma fracção de tipologia T3, com a área de 99 m2, tendo um valor vendável de cerca de € 90.000,00 (noventa mil euros) – (vide fls. 82 e verso dos autos).
11) Os Requeridos têm rendimentos de trabalho (vide declaração de IRS de fls. 90 a 96 verso dos autos).
12) A Requerente mulher é proprietária de uma fracção autónoma designada pela letra L, destinada a habitação, tipologia T1, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), da união de freguesia de Albufeira e Olhos d’Água, do concelho de Albufeira, descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob a descrição (…), com a área de 74 m2, e o valor patrimonial de € 106.254,11 (cento e seis mil e duzentos e cinquenta e quatro euros e onze cêntimos) – (vide o documento de fls. 83 a verso dos autos).
13) A mencionada fracção encontra-se localizada em zona turística no Algarve, com muita procura de imóveis possuindo um valor comercial vendável de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros).
14) Sobre o referido imóvel incide uma hipoteca voluntária a favor do “Banco (…) de Investimento S.A.”, e cujo valor actual em dívida é de € 93.186,79 (noventa e três mil, cento oitenta seis euros, setenta e nove cêntimos) – (vide o documento de fls. 84 dos autos).
15) O Requerido marido é proprietário duma quota-parte de uma fracção autónoma designada pela letra BC, destinada a habitação, tipologia T4, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob a descrição nº (…), com a área de 152,69 m2, com valor patrimonial de € 168.845,43 (cento e sessenta oito mil, oitocentos e quarenta e cinco euros, quarenta e três cêntimos) – (vide o documento de fls. 84 verso e seguintes dos autos).
16) A referida fracção encontra-se localizada num condomínio fechado denominado (…), composto de piscina privada, e localizado em zona conceituada em Olhão, com elevada procura, possuindo um valor comercial vendável de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros).
17) O Requerido marido é ainda proprietário de um 1/58 de uma fracção autónoma designada pela letra BI, destinada a habitação, tipologia T4, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob a descrição nº (…), com a área de 152,69 m2, com valor patrimonial de € 75.235,55 (setenta e cinco mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos) – (vide o documento de fls. 84 verso e seguintes dos autos).

E como não provados:

Não se considerou provado, que os Requeridos têm outras dívidas, em incumprimento, para além das devidas ao Requerente e a identificada no artigo 8), supra exposto.
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo andou bem ou mal ao não decretar a insolvência dos Requeridos, com a factualidade que veio a julgar provada e não provada na sentença, e que ora se mantém intocada – que o mesmo é dizer se, afinal, como pretende ainda o Recorrente, se encontra preenchido algum dos pressupostos da lei para a declaração dessa situação de insolvência, maxime se ficaram provados factos suficientes para se chegar a um tal resultado. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado, supra transcritas. Esta é, aliás, a questão do recurso e da sentença.
Vejamos, pois.

E, assim, nos termos da previsão do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – alterado e republicado no Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e, ultimamente, também pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril –, poderá vir a declarar-se a insolvência de um devedor quando, designadamente, se verifique: “Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (sua alínea a); “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante, ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” (sua alínea b); ou se verifique “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: Tributárias (sua alínea g)-i).

Pois que foram precisamente estas três alíneas que o Requerente invocou para fundar o pedido de insolvência dos Requeridos, conforme ao ponto VII da sua douta petição inicial: “Os factos fundamentam a declaração de insolvência, nos termos das alíneas a), b) e g)-i) do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, referiu naquele ponto.
[Vide Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Reimpressão, da ‘Quid Juris’, ano de 2009, na anotação 3 àquele artigo 20.º, a páginas 133: “Trata-se daquilo a que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto”.]

Mas terão sido provados factos suficientes pelo requerente para preencher tais pressupostos da lei, em ordem a uma declaração segura e fundada do estado de insolvência dos requeridos? Cumpriu-se o seu ónus de prova desses factos?
A douta sentença recorrida e os Apelados vêm dizer que não se cumpriu; o Apelante vem aduzir, no recurso, que sim, sendo esse o cerne da sua posição.
Mas não cremos que lhe assista razão, salva naturalmente melhor opinião.

Começando pela alínea g)-i) – “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: Tributárias” –, afinal o que se verificou (por documentação emanada da própria Autoridade Tributária) foi que o Requerido marido não tem dívidas à Fazenda Nacional e que a Requerida mulher tem em dívida à Fazenda Nacional uma quantia de € 825,70 – o que está muito longe de constituir aquele “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses” de dívidas de natureza tributária a que se reporta a lei, e que constituiria, isso sim, factor precursor e de alarme de uma situação de insolvência daqueles.

Já quanto àquelas als. a) e b) do preceito – respectivamente, “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” e “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante, ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” –, o que ficou provado foi que os visados têm em dívida, para com o Requerente “Banco (…) Português, S.A.”, o montante global de € 40.132,18 (capital de € 29.400,00, juros moratórios de € 10.319,40 e imposto de selo de € 412,78), quanto ao empréstimo datado de 2 de Outubro de 2013 (que tem a garanti-lo uma hipoteca sobre a fracção ‘Q’, artigo matricial … e uma fiança), e o montante global de € 73.226,84 (capital de € 58.349,64, juros moratórios de € 14.305,00 e imposto de selo de € 572,20), quanto ao empréstimo datado de 24 de Junho de 2009 (que tem a garanti-lo uma hipoteca sobre a fracção ‘E’, artigo matricial …).
Ainda que a Requerida é titular de uma conta de depósitos à ordem, com o saldo devedor de € 238,12, juros moratórios de € 295,39 e imposto de selo de € 11,82, tudo num montante de € 545,32.
Que, como se viu, o Requerido não tem dívidas à Fazenda Nacional e que a Requerida lhe deve a quantia de € 825,70.
Por fim, não se provou que, para além das enunciadas, os Requeridos têm outras dívidas em incumprimento (v. g. ao “Banco de … Imobiliário, SA”, como vinha alegado pelo Requerente).

Pelo que nem se vê que haja uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, nem que se revele uma impossibilidade de satisfação da generalidade das suas obrigações, como exigem aquelas duas alíneas que se vêm de citar. A acrescer que tudo se terá de enquadrar numa situação (provada) patrimonial em que o valor dos bens de que são titulares os Requeridos excede largamente o valor daquelas dívidas.
[A douta sentença afirma: “E a este propósito salienta-se os factos dados como provados, nomeadamente quanto à composição do activo dos requeridos, que se mostra ser muito superior ao passivo invocado e devido ao requerente. Acresce que mesmo sendo o activo deste valorado pelo valor que consta das respectivas cadernetas prediais, sempre seria no conjunto mais do que suficiente para cobrir o passivo para com o requerente, razão pela qual não se pode concluir pela declaração de insolvência dos requeridos”.]

Por isso que se não poderá concluir, como não concluiu a douta sentença, que os aqui requeridos estejam numa situação de insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, nº 1, do CIRE, que reza: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Se os Requeridos não cumprem perante o Requerente, este poderá lançar mão do processo executivo para se fazer valer dos seus créditos – que há bens e os créditos dispõem de garantias sobre eles, isto é, não cumprem mas podem ter que vir a cumprir coercitivamente, que há condições para tal. Ora, quando assim é, não se poderá recorrer à insolvência, que é uma execução universal – a não ser como meio de persuadir ao cumprimento, como é muitas vezes usada, mas que não é o seu escopo legal; haverá que recorrer, então, ao processo executivo. E aí já o credor poderá lançar mão do facto-índice que consta precisamente da alínea e) do nº 1 do artigo 20.º do Cire: “Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor”.
Mas dos autos não resulta que essa execução tenha tido lugar, pois que o Requerente nem sequer identifica qualquer execução donde se pudesse extrair a verificação de tal alínea, apenas afirmando que os Requeridos deixaram de lhe pagar (o Requerente prova, efectivamente, o incumprimento, mas não que tenha instaurado qualquer acção executiva contra os Requeridos, partindo logo para a declaração de insolvência dos mesmos).
Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta sentença da 1ª instância que não decreta o estado de insolvência dos Requeridos, em consequência do que se tem também de julgar improcedente o presente recurso de Apelação.

E, em conclusão, dir-se-á:

Em processo de insolvência não está o credor que a requer dispensado de alegar e provar os factos dos quais se possam extrair os pressupostos que a lei erigiu em fundamentos para ser decretada a insolvência de algum particular ou empresa, previstos no artigo 20.º do CIRE.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo Requerente (artigo 304.º do CIRE).
Registe e notifique.
Évora, 12 de Outubro de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral