Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
249/13.6TTTMR.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
CLÁUSULA 74.ª
N.º 7
PRÉMIO TIR
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Numa ação emergente de contrato de trabalho, em que vem reclamado o pagamento de diversas atribuições patrimoniais, o montante da retribuição auferida pelo trabalhador é naturalmente um ponto concreto a considerar, que não pode por isso deixar de ser consignado na matéria de facto relevante para a decisão de direito.
2. No âmbito do CCTV para os transportes rodoviários de mercadorias, a prestação prevista na Cl. 74ª, nº 7, para os trabalhadores deslocados no estrangeiro, é uma componente da retribuição, e é devida em relação a todos os dias do mês de calendário.
3. O designado ‘prémio TIR’, embora denominado de ‘ajuda de custo’, tem um valor fixo e como tal assume natureza retributiva, dada também a sua feição de contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
4. As duas referidas atribuições patrimoniais devem integrar o cálculo do subsídio de férias, mas não do subsídio de Natal, nos termos dos arts.º 263º, nº 1, e 264º, nº 2, ambos do Código do Trabalho.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal do Trabalho de Tomar, e em ação com processo comum, instaurada a 11/6/2013, BB, identificado nos autos, demandou Transportes CC, S.A., com sede em Fátima, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia total de € 12.217,90, acrescida de juros de mora até integral pagamento, sendo € 6.862,86 a título de retribuição devida pela Cl. 74ª, nº 7, e ‘prémio TIR’, do CCTV ao caso aplicável, € 1.742,18 de dias de férias não gozados, € 514,85 de diferença do subsídio de férias de 2012, € 20,41 de diferença de subsídio de Natal de 2012, € 766,08 de proporcionais de férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal, € 493,62 de salário de 17 dias de Abril de 2013, € 1.469,46 de indemnização pela rescisão do contrato, com justa causa, e € 348,44 de trabalho prestado em dias que deveriam ser de descanso. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. em 30/10/2011, como motorista dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias; a demandada não lhe pagou porém as quantias peticionadas, o que o levou a rescindir o contrato, com invocação de justa causa, conforme carta que enviou à r. a 17/4/2013.
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, impugnando os factos e os pedidos formulados na p.i., deduzindo reconvenção, relativamente à indemnização devida pelo período de aviso prévio em falta na rescisão do contrato, e pedindo ainda a condenação do demandante como litigante de má fé.
À contestação veio depois responder o A., mantendo a posição e os pedidos que formulara na p.i..
Foi proferido despacho saneador, que admitiu o pedido reconvencional, e dispensou a elaboração de base instrutória.
Invocando o art.º 265º, nº 2, do Código de Processo Civil (C.P.C.), o A. veio ainda apresentar novo articulado ampliando o pedido com mais € 1.834,81, valor relativo ao trabalho alegadamente prestado em mais 34 dias que deveriam ter sido de descanso, de acordo com os registos de tacógrafo entretanto juntos pela R. aos autos.
A demandada, por sua vez, veio contestar esse pedido ampliado, mantendo a posição antes assumida na ação.
Procedeu-se a audiência de julgamento, e foi finalmente proferida sentença, datada de 19/8/2014, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia total de € 8.276,18, acrescida de juros moratórios, desde a data da citação e até integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, e tendo entretanto os autos transitado para a 2ª Secção do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, em Tomar, daquela sentença veio apelar a R. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1. - Deve ser alterada a decisão da matéria de facto respeitante ao ponto 13 da decisão da matéria de facto por erro da análise e apreciação crítica da prova, devendo dar-se como não provado que, após o dia 26 de Novembro de 2011, em que celebrou a adenda ao seu contrato de trabalho, não fez qualquer viagem ou deslocação a França, como motorista profissional ao serviço da Apelante.
2. – Devendo, antes, dar-se como provado que, a partir dessa data, o Autor apenas fez serviço nacional e esporadicamente algumas viagens a Espanha, o que é consonante com o que o Autor alega nos artigos 42º e 43º da sua douta P.I., ou seja: que fez viagens a Gijon, nas Astúrias, em Espanha, onde deixava cargas que daí eram transportadas por barco para França, trazendo de Gijon para Portugal outras cargas que tinham vindo de barco de França para Espanha, e que, para além de deslocações a Gijon, fez outras deslocações para outros locais em Espanha, mormente Burgos e Arraya, no País Basco.
3. – Por apenas estar afecto ao serviço do transporte nacional, fazendo esporadicamente algumas viagens a Espanha, não são devido ao Autor prémios TIR, ao abrigo do ponto 1 do Anexo I do CCTV aplicável.
4. – Pelo que não é devida ao Autor a peticionada quantia de 1.797,75 € (mil setecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), a título de prémio TIR, dos meses de Dezembro/2011, nem de 13 meses do ano de 2013, nem dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013.
5. – Ainda que se entenda que o prémio é devido, os cálculos quanto ao prémio TIR e Cláusula 74º, n.º 7, referentes ao ano de 2012, foram efectuados de forma errada.
6. – Escreveu o Meritíssimo Juiz “a quo”, na sua douta sentença que: “Quanto às ajudas de custo previstas em Nota ao Anexo II do Contrato Colectivo de Trabalho (alteração de 1997) e, vulgarmente designadas de “prémio TIR”, propende-se a considerar que a sua razão de ser funda-se no facto de existir um aumento de pequenas despesas, quando o motorista está deslocado no estrangeiro, não tendo natureza retributiva e por isso não deve ser incluída na retribuição de férias nem no subsídio de natal, sendo apenas devido onze meses por ano”.
7. – Tendo, por isso, efectuado o cálculo da seguinte maneira: “13 x (€275,52 + 105,75) = €4.956,51”, .
8. – Sucede que, quando calculou ao alegado prémio TIR devido no ano de 2012, o Meritíssimo Juiz “a quo” multiplicou o mesmo por treze vezes, e não por onze, entrando em contradição com aquilo que anteriormente havia fundamentado.
9. – E o valor estipulado a título da Cláusula 74º, n.º 7, devida no ano de 2012, foi multiplicado por trezes vezes.
10. – Porém, aquando do cálculo relativo ao subsídio de férias devido no ano de 2012, foi também o montante da Cláusula 74º, n.º 7 incorporado naquele cálculo, havendo, pois, uma duplicação do montante considerado.
11. – Deste modo, e a ser devido prémio TIR ao Autor, deveria ter sido este o cálculo efectuado quanto ao ano de 2012:
- Prémio TIR, no montante de 1.163,25 € (mil cento e sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos) - ( 11 x 105,75 € = 1.163,25 €);
- Cláusula 74º, n.º 7, no montante de 3.306,24 € (três mil trezentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos) - ( 12 x 275,52 € = 3.306,24 €).
12. – O que resulta no montante total de 4.472,49 € (quatro mil quatrocentos e setenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos), e não o montante de 4.956,51 €, em que vem a Apelante, erradamente, condenada.
13. – Ainda que se considere que o prémio TIR era devido ao Autor, não poderia o Meritíssimo Juiz “a quo” ter integrado aquele prémio na base de cálculo do subsídio de férias do ano de 2012, pois, como foi fundamentado pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, o prémio TIR não pode ser integrado no subsídio de férias.
14. – Assim, o montante devido a título de subsídio de férias de 2012 é de 418,09 € (quatrocentos e dezoito euros e nove cêntimos), assim calculado: 498,82 € + 275,52 € - 356.25 € = 418,09 €; e não de 514,85 €, em que foi a Apelante, erradamente, condenada.
15. – O Meritíssimo Juiz “a quo” integrou, erradamente, o prémio TIR e a Cláusula 74º, n.º 7 na base de cálculo dos proporcionais do subsídio de férias, férias e subsídio de Natal.
16. – Remetendo-nos ao quanto já foi relativamente ao facto de o prémio TIR não ser devido e, não obstante, ser devido apenas em onze meses, não integrando o subsídio de férias e de Natal, não poderia o mesmo ter sido, por isso, integrado a base de cálculo dos respectivos proporcionais.
17. – Por outro lado, a Cláusula 74º, n.º 4 também não integra a base de cálculo do subsídio de Natal, ao abrigo do disposto no artigo 263º, n.º 1 do CT e do artigo 262º do mesmo código, ao passo que na CCTV aplicável e no contrato celebrado entre a Apelante e o Autor apenas se prever que o subsídio de Natal é de valor igual a um mês de retribuição.
18. – Assim, a base de cálculo dos proporcionais do subsídio de férias e de férias apenas pode integrar o montante respeitante à retribuição base e à Cláusula 74º, n.º 1.
19. – Ao passo que, a base de cálculo dos proporcionais do subsídio de Natal apenas integra a retribuição base.
20. – Deste modo, deveria ter o cálculo relativo aos proporcionais do subsídio de férias, férias e subsídio de Natal ter sido feito separadamente da seguinte forma:
- proporcionais do subsídio de férias e de férias: 2 x (489,82 € + 275,52 €) : 22 x 6 = 417,44 €;
- proporcionais do subsídio de Natal: 107 x 489,82 : 365 = 143,59 €.
21. – O que perfaz o valor total de 561,03 € (quinhentos e sessenta e um euros e três cêntimos) – (417,44 € + 143,59 = 561,03 €), e não o montante de 766,08 € em que foi a Apelante, erradamente, condenada.
22. – Por último, o Meritíssimo Juiz “a quo” integrou, erradamente, o prémio TIR e a Cláusula 74º, n.º 7 na base de cálculo da retribuição de oito dias de descanso que o Autor passou em viagem ao serviço da Apelante.
23. – Não obstante, como defende a Apelante, não ser devido prémio TIR ao Autor, ainda que assim não se considere, não poderia o Meritíssimo Juiz “a quo” ter integrado aqueles dois elementos no cálculo da retribuição dos oito dias de descanso.
24. – Aludindo ao supra citado artigo 262º, n.º 1 do CT e não se vislumbrando, quer no Código do Trabalho, quer no CCTV aplicável, quer no contrato celebrado entre a Apelante e o Autor, qualquer disposição que preveja outro elemento a ser integrado na base de cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado em dias de descanso ou feriado, não poderia o Meritíssimo Juiz “a que” ter nele integrado o prémio TIR e a Cláusula 74º, n.º 7.
25. – Deste modo, o montante devido pelos dias passados no estrangeiro ao serviço da Ré é de 195,92 € (cento e noventa e cinco euros e noventa e dois euros), calculado da seguinte forma: 8 x 489,82 € : 30 x 1,50 € = 195,92 €; e não o valor de 348,44 € em que a Apelante foi condenada.
26. – Foram violadas as seguintes disposições legais:
- Artº 607, n.º 4, do Código de Processo Civil;
- Ponto 1 do Anexo I do CCTV aplicável ao sector do transporte rodoviário de mercadorias;
- Cláusula 74º, n.º 7, CCTV aplicável ao sector do transporte rodoviário de mercadorias;
- Cláusula 44, n.º 1, do CCTV aplicável ao sector do transporte rodoviário de mercadorias;
- Artigos 263º, n.º 1, 262º, 263º, n.º 1, todos do Código do Trabalho;
Terminou a recorrente formulando os seguintes pedidos:
1) – Ser alterada a resposta constante no n.º 13 dos factos assentes, dando-se-lhe resposta negativa, como pugnamos no presente recurso, ou seja, dando-se como não provado que, depois de celebrado a adenda ao contrato de trabalho, em 26 de Novembro de 2011, o Autor tenha efectuado qualquer viagem a França, enquanto motorista profissional ao serviço da apelante, dando-se como não provado que o estivesse afecto ao serviço de transporte internacional;
2) Ser a Apelante absolvida do pagamento de todas as quantias em que foi condenada a título de prémio TIR, por não lhe serem devidos esse tipo de prémios;
3) Ser, proporcionalmente, reduzida a quantia em que foi a Apelante condenada a pagar ao Autor, em consequência dos erros materiais de cálculo, conforme foram expostos nas presentes alegações.
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Notificado da interposição do recurso, o A. veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:
1. Deve ser mantida a decisão da matéria de facto respeitante ao ponto 13 da decisão da matéria de facto, não existindo erro na análise da apreciação da prova.
2. O A. fez viagens a Franca e a Espanha, mas mesmo que só as tivesse efectuado a Espanha tinha direito a auferir a ajuda custo – prémio Tir – porque os veículos tinham e têm todos licença comunitária para ir a Espanha.
3. Ao contrário do que a R. quer fazer crer e NÂO PROVOU o veículo não tinha licença para o nacional, caso contrário não podia ir a Espanha e muito menos andar a passear de barco para Franca.
4. É devido o premio tir e bem andou o Tribunal a quo ao condenar a recorrente no pagamento da quantia de 1.797,75 € (mil setecentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), a título de prémio TIR, dos meses de Dezembro/2011, dos 13 meses do ano de 2013, e dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013.
5. Os cálculos do premo tir e da clª 74 nº 7 foram correctamente calculados pelo Tribunal a quo.
6. A R./recorrente não invoca nenhuma violação da lei ou normativo pela douta sentença posta em crise.
7. Pelo que, dever-se-á manter a douta decisão recorrida, na parte posta em crise pela R. recorrente, pelas razões de facto e de direito que dela constam e que, com a devida vénia se subscrevem.
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Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Magistrada do MºPº emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de a apelação dever ser julgada improcedente.
Colhidos os vistos dos Exs.º adjuntos, cumpre decidir.
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (cfr. arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do C.P.C.), são no essencial as seguintes as questões que na hipótese dos autos vêm suscitadas pela apelante, e que esta Relação sucessivamente abordará:
- a impugnação da matéria de facto julgada provada pelo tribunal recorrido;
- o direito do A. ao pagamento do prémio TIR;
- o cálculo do valor relativo ao trabalho prestado em dias de descanso.
Antes porém de nos debruçarmos sobre os vários pontos temáticos do recurso, recordemos a matéria de facto dada como provado pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1. A Ré dedica-se ao Transporte Público Rodoviário de Mercadorias.
2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 30 de Outubro de 2011.
3. Como motorista.
4. Desempenhando as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias.
5. Trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
6. O Autor no estrangeiro só gastava o necessário com as refeições.
7. A Ré não pagava ao Autor as refeições à factura.
8. Nem antes da saída para as viagens lhe fazia os adiantamentos para suportar os custos das refeições.
9. Em vez disso pagava por cada quilómetro percorrido uma determinada quantia que só ela conhecia e que levava aos recibos de vencimento no código R57 a título de quilómetros.
10. E por isso o Autor não pedia, não entregava, nem guardava as facturas dos alimentos.
11. As quatro refeições diárias custam em termos médios €40,00, sendo €15,00 para o almoço, €15,00 para o jantar, €5,00 euros para o pequeno almoço e €5,00 para a ceia.
12. O horário do Autor era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil de 2.a a 6.0 feira, constituindo o sábado e o domingo os dias, respectivamente de descanso complementar e de descanso obrigatório.
13. O Autor fazia viagens a França. (alterado infra)
14. Por vezes fazia também viagens para Espanha. (alterado infra)
15. No dia 17 de Abril de 2013 o Autor enviou à Ré a carta cuja cópia dos autos consta a fis. 31/32, subordinada ao "Assunto: Rescisão do Contrato de Trabalho", cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.
16. A Ré não efectuava o pagamento referente à cláusula 74.°, nº 7, bem como não' efectuava o pagamento do prémio TIR.
17. A Ré no ano de 2012 efectuou o pagamento do subsídio de férias ao Autor devido pelo montante de €356,25.
18. E no mesmo ano de 2012 pagou o subsídio de Natal pelo montante de €469,41.
19. O Autor passou ao serviço da Ré nas viagens por este determinadas ao estrangeiro, os seguintes dias de descanso: ano de 2012 - Novembro, dias 10 e 17; ano de 2013; Fevereiro, dia 16; Março, dias 16 e 17; Abril, dias 6, 7 e 14, num total de oito dias.
20. Entre o Autor e a Ré, no dia 26 de Novembro de 2011 foi efectuado um aditamento ao acordo inicialmente celebrado entre as partes.
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A discordância manifestada pela recorrente relativamente à matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo resume-se ao conteúdo do ponto nº 13 dessa mesma factualidade, onde ficou consignado, como facto provado, que ‘o Autor fazia viagens a França’. Defende a apelante que quer a prova documental junta aos autos, no que toca em concreto aos discos de tacógrafo juntos com a contestação, quer a prova testemunhal produzida em audiência, e designadamente os depoimentos das testemunhas DD e EE, não permitiriam semelhante afirmação, devendo pelo contrário dar-se ‘como não provado que, depois de celebrado a adenda ao contrato de trabalho, em 26 de Novembro de 2011, o Autor tenha efectuado qualquer viagem a França, enquanto motorista profissional ao serviço da apelante, dando-se como não provado que o estivesse afecto ao serviço de transporte internacional’’.
Ora, importa a tal propósito antes de mais referir que não se afigura estar devidamente cumprido o ónus de impugnação previsto no art.º 640º do C.P.C., na precisa medida em que, incidindo a sua discordância num único ponto da decisão de facto, o referido nº 13, a recorrente vem depois pugnar pela alteração de outra matéria, sedeada noutros pontos daquela decisão. Ao pretender, por exemplo, que deve dar-se como não provado que o A. estivesse afeto ao serviço de transporte internacional, a recorrente está obviamente a questionar o conteúdo do nº 4 da referida factualidade. Ao questionar apenas aquele nº 13, a apelante não poderia ignorar que o subsequente nº 15 não poderia subsistir tal como se encontra redigido (v. o advérbio ‘também’), e careceria portanto de ser igualmente alterado.
Ou seja: o nº 1, al. c), daquele art.º 640º, não se mostra devidamente observado, com o rigor que a lei processual exige, porque a solução alternativa proposta excede em muito o âmbito do concreto ponto de facto que a recorrente afirma pretender impugnar.
De qualquer forma, e em homenagem ao princípio da verdade material, sempre diremos que assiste alguma razão à apelante quanto ao fundo da impugnação deduzida, muito embora longe da extensão que a mesma pretendia ver agora reconhecida.
A prova documental junta aos autos, e bem assim os depoimentos das testemunhas referidas, tal como aliás as próprias declarações de parte do A., apontam inequivocamente no sentido de dever ser alterada a matéria daquele nº 13, invertendo-a em termos relativos com o conteúdo do subsequente nº 14. Na realidade, as viagens do A. fora de Portugal eram sobretudo efetuadas em território espanhol, embora por vezes se prolongassem também para França.
Em consequência, e fazendo uso dos poderes que à Relação são conferidos pelo art.º 662º, nº 1, do C.P.C., altera-se a redação dos pontos 13 e 14 da decisão de facto, que passa a ser a seguinte:
13. O Autor fazia viagens a Espanha.
14. Por vezes fazia também viagens para França.
Há no entanto um outro ponto concreto, omitido na decisão de facto, e que não foi abordado no recurso, mas que nos parece essencial numa descrição que deve ser auto-suficiente, e incluir toda a matéria que seja relevante para a abordagem jurídica da lide.
Referimo-nos naturalmente à retribuição auferida pelo demandante, que como os parece óbvio constitui o ponto de partida para a consideração de quaisquer outras prestações patrimoniais, designadamente aquelas que se acham peticionadas na ação. Numa relação laboral subordinada, que é por natureza onerosa, o montante salarial que esteja em causa é com efeito um elemento de facto incontornável, sobretudo quando, como no caso dos autos, vem reclamado o pagamento de outras atribuições patrimoniais, alegadamente não cumpridas pela entidade empregadora.
Trata-se aliás de matéria que não é controvertida, e que de resto se acha também demonstrada por prova documental junta aos autos, designadamente recibos de remuneração.
Adita-se em consequência um novo ponto à decisão de facto, que aí passa a ter o nº 21, com o seguinte teor.
21. Ao serviço da R. o A. auferia a retribuição base mensal de € 489,82.
Em toda a demais factualidade relevante, mantém-se a redação que lhe foi dada pelo tribunal a quo.
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Assente que está a matéria de facto a considerar a solução do litígio, ocupemo-nos então da decisão de direito, na parte em que a mesma se mostra impugnada pela recorrente.
Anotemos antes de mais não estar em causa a aplicabilidade à hipótese dos autos do Contrato Coletivo de Trabalho Vertical celebrado entre a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, e a ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, publicado no BTE nº 9/80, e alterações publicadas nos BTEs. nsº 16/82, 18/86, 20/89, 19/90, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96, e 30/97, com portarias de extensão publicadas nos BTEs. nsº 30/80, e 33/82.
Mas importa também sublinhar que a sentença recorrida reconheceu ao trabalhador o direito a receber a quantia total de € 6.862,86, relativa à retribuição prevista na já referida Cl. 74ª, nº 7, e ao designado ‘prémio TIR’ (cfr. anexo II do CCT), mais € 514,85 de diferença de subsídio de férias de 2012, € 20,41 de diferença de subsídio de Natal de 2012, € 766,08 de subsídios de férias e de Natal proporcionais e referentes ao ano da cessação do contrato, € 493,62 de 17 dias de salário de Abril de 2013, e € 348,44 de trabalho prestado em dias de descanso.
De acordo com o mencionado instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, e enquanto motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias (cfr. facto 4), será inequívoco que o recorrido tem direito às duas referidas atribuições patrimoniais, ali previstas.
Com efeito, o nº 7 daquela Cl. 74ª, epigrafada de ‘Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro’, determina precisamente que ‘os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondentes às horas de trabalho extraordinário por dia.’
Por outro lado, nos termos da ‘Nota’ aposta no Anexo II do CCT, onde se contém a tabela de remunerações mínimas e o seu enquadramento profissional, também ‘os motoristas deslocados em serviço internacional auferirão uma ajuda de custo de 21.200$ mensais, excepto se em veículos deslocados em Espanha que estejam licenciados para o transporte nacional.’ Não estando provada esta exceção, cujo ónus incumbiria à recorrente, há assim que considerar igualmente devida ao recorrido esta prestação, conhecida como ‘prémio TIR’.
Nessa medida, e não estando em causa o montante que a sentença recorrida quantificou para cada uma de tais prestações (€ 275,52/mês de Cl. 74ª, nº 7, e € 105,75/mês de prémio TIR), subsiste apenas a questão de saber se esses valores devem ou não ser considerados no cálculo das demais componentes remuneratórias que o tribunal a quo reconheceu serem devidas ao trabalhador demandante.
Da relativamente abundante jurisprudência existente sobre a matéria, em que nos louvamos, podem apontar-se as seguintes linhas de orientação:
- A remuneração correspondente à Cl. 74ª, nº 7, é uma componente da retribuição, e é devida em relação a todos os dias do mês de calendário (cfr. Ac. STJ de 27/6/2012);
- Ambas as referidas prestações devem integrar o cálculo do subsídio de férias (cfr. art.º 264º, nº 2, do Código do Trabalho – C.T., e Ac. STJ de 12/2/2014);
- Ambas as referidas prestações não devem integrar o cálculo do subsídio de Natal (cfr. art.º 263º, nº 1, do C.T., e Ac. STJ de 3/7/2014[2]).
A tal propósito, e no que concretamente diz respeito ao ‘prémio TIR’, acrescentaremos apenas que, não obstante o mesmo vir denominado no CCT como ‘ajuda de custo’, o seu montante fixo indicia claramente uma natureza retributiva. Como se apontou no citado Ac. de 12/3/2014, o ‘prémio TIR’ assume seguramente ‘a feição de contrapartida do modo específico da execução do trabalho’, como tal constituindo sem dúvida uma prestação remuneratória.
Nesta lógica, nada há apontar quanto ao valor de € 6.862,86, atribuído na sentença recorrida a título de diferenças salariais, pelo período em que subsistiu a relação contratual entre A. e R.. Os 13 meses considerados em 2012 incluem as férias e o respetivo subsídio, cujo montante, como se referiu, deve integrar também aquelas duas componentes.
Da mesma forma, também se acham corretamente calculados os valores atribuídos pelos 17 dias de Abril de 2013 (€ 493,62), e pelo trabalho prestado em dias de descanso (€ 348,44), cuja base de cálculo deverá obviamente ser a remuneração devida pelo trabalho prestado em tempo normal. E nada há apontar aos € 20,41, de diferença de subsídio de Natal de 2012, valor aliás não questionado no recurso.
Importa todavia retificar o montante de € 514,85, atribuído como diferença de subsídio de férias de 2012, pois o mesmo considerou quer a Cl. 74º, nº 7, quer o prémio TIR, que já foram tinham sido computados nos apontados 13 meses de diferenças salariais de 2012. Ou seja, a tal título é agora apenas devida ao A. a diferença entre o que a R. lhe pagou (€ 356,25 – facto 17) e a remuneração base mensal auferida (€ 489,82 – facto 21), o que equivale a € 133,67.
E no que respeita ao subsídio de Natal, cujo valor, de acordo com o já referido art.º 263º, nº 1, deve considerar apenas a retribuição base e diuturnidades, há também que dele excluir a parte relativa ao mesmo prémio TIR, e bem assim da Cl. 74º, nº 7, do montante total de € 766,08 que a sentença atribuiu. A este valor, que englobou aliás as férias, o subsídio de férias, e o subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato (107 dias), deve portanto ser deduzido, mas apenas na parte respeitante ao subsídio de Natal, o montante excedente à retribuição base auferida que nele foi considerado.
Ou seja:
Ao A., de férias e respetivo subsídio, proporcionais, é devido assim um total de € 510,72: ((€489,82+€275,52+€105,75)X2) X 107/365. A parcela relativa ao subsídio de Natal, por sua vez, ascende apenas a € 143,59: €489,82 X 107/365.
O total de férias e subsídios proporcionais é pois de € 654,31, e não de € 766,08, como se consignou na sentença recorrida, que nesta medida deve ser também retificada.
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Importa por último referir ocorrer um manifesto erro de cálculo no segmento condenatório da mesma sentença, quando aí se escreveu ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia total de € 8.276,18, acrescida de juros moratórios. Cumprirá agora corrigi-lo, à luz dos princípios enunciados no art.º 614º do C.P.C..
Com efeito, a soma aritmética dos diferentes valores atribuídos no segmento dispositivo dessa decisão, enumerados supra, equivale sim a um resultado de € 9.006,26 (€6862,86 + €514,85 + €20,41 + €766,08 + €493,62 + €348,44). Com as correções ora introduzidas, esse montante total ascende a € 8.513,31 (€6862,86 + €133,67 + €20,41 + €654,31 + €493,62 + €348,44).
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Nesta conformidade, por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência condenam a R. a pagar ao A. a quantia total de € 8.513,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vencidos até efetivo pagamento.
Custas por A. e R., na proporção de 1/10 para o recorrido e de 9/10 para a recorrente.

Évora, 07-07-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Joaquim António Chambel Mourisco
José António Santos Feteira

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