Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
464/09.7GAOLH-A.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE DA DECISÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Após a reforma do C. Penal de 1995, a revogação da suspensão da pena pelo cometimento de um novo crime no período da suspensão, passou a depender de um pressuposto material, traduzido na revelação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, nem podem mais ser alcançadas.

II - O referido pressuposto material e passa a constituir a questão nevrálgica a decidir nos casos de cometimento de novo crime, cabendo maior responsabilidade ao intérprete e aplicador da lei na determinação dos casos de revogação, pois a decisão respetiva centra-se agora no especial impacto do novo crime na prossecução das finalidades que estavam na base da suspensão e não na natureza dolosa ou culposa do crime ou na espécie da pena aplicada.

III - Vigorando em toda esta matéria o princípio da atualidade, de acordo com o qual a decisão deve ter em conta a situação verificada no momento em que é proferida, o prognóstico de que era ainda possível a reinserção do arguido em liberdade, em que assentou a decisão de suspensão da pena, não fica irremediavelmente comprometido com a prática de novo crime no período da suspensão se, avaliando a relação entre a condenação pelo novo crime e a anterior, a aplicação de pena não privativa da liberdade pelo novo crime, o cumprimento da condição imposta à suspensão da pena em apreciação, a integração familiar do arguido, o cumprimento total ou parcial da pena não privativa da liberdade aplicada pelo novo crime e o lapso de tempo decorrido desde a prática dos crimes, o tribunal puder concluir ser ainda possível a reintegração do arguido em liberdade.
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

i. Relatório
1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que corre termos na secção de competência genérica da Instância local de Olhão da Comarca de Faro, A., ora arguido, foi condenado por sentença datada de 06 de Outubro de 2010, transitada em julgado em 26 de Outubro de 2010, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.°, 1, 145.°, 1, a) e 132.°, 2, c), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa, na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos, sob condição de o mesmo proceder, no prazo de 3 (três) meses, ao depósito, à ordem dos autos, da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a fim de a mesma ser entregue ao ofendido.

2. – Entretanto, o arguido, A. foi, condenado:

--- a) Pela prática, em 09 de Novembro de 2011, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.°, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de Trabalho a Favor da Comunidade - cfr. certidão da sentença, datada de 15 de Fevereiro de 2013, transitada em julgado em 07 de Março de 2013, proferida no âmbito do processo n.º ---/11.8GAOLH, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Olhão (já extinto), constante de fls. 208 e seguintes;

--- b) Pela prática, em 02 de Novembro de 2010, de um crime de roubo, p. c p. pelo art. 210.° 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, substituída por 480 (quatrocentas e oitenta) horas de Trabalho a Favor da Comunidade - cfr. certidão da sentença, datada de 18 de Fevereiro de 2015, transitada em julgado em 20 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º ---/10.0GAOLH, desta Secção de Competência Genérica da Instância Local de Olhão 01), constante de fls. 241 e seguintes.

3. – Por despacho judicial proferido em 15.02.2016 (cfr fls 122 a 125 dos presentes autos de recurso em separado), foi decidido não revogar a suspensão da execução da pena de prisão aqui aplicada e declarar-se extinta aquela mesma pena de prisão nos termos dos artigos 470º e 475º do C.P.P., indeferindo promoção do MP no sentido da revogação da suspensão da pena, conforme transcrição integral do despacho recorrido, a que se procede:

- «CONCLUSÃO - 15-02-2016 (Entregando em mão à Mmª. Juiz conforme ordenado no douto despacho de fls. 314)

(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Adjunto ------)

=CLS=
--- Por sentença datada de 06 de Outubro de 2010, transitada em julgado em 26 de Outubro de 2010, proferida no âmbito dos presentes autos, foi A. condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.°, 1, 145.°, 1, a) e 132.°, 2, c), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa, na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos, sob condição de o mesmo proceder, no prazo de 3 (três) meses, ao depósito, à ordem dos autos, da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a fim de a mesma ser entregue ao ofendido.

--- Considerado o período estipulado e a data do trânsito em julgado da sentença, o período de suspensão terminou em 26 de Outubro de 2012. -----

--- Conforme resulta do teor de fls. 142 a 146, durante o período da suspensão, o condenado cumpriu a condição de que foi feita depender essa mesma suspensão da execução da pena, apesar de o haver feito após o prazo concedido para o efeito, por invocada insuficiência económica. Nessa conformidade, foi entendimento do Tribunal não haver motivo para revogar, com fundamento no tardio cumprimento daquela condição, a suspensão da execução da pena - cfr. despacho de fls. 149. -----

--- Sucede que A. foi, entretanto, condenado: -----

--- a) pela prática, em 09 de Novembro de 2011, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.°, 2, do Decreto-Lei n." 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de Trabalho a Favor da Comunidade - cfr. certidão da sentença, datada de 15 de Fevereiro de 2013, transitada em julgado em 07 de Março de 2013, proferida no âmbito do processo n." ---/11.8GAOLH, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Olhão (já extinto), constante de fls. 208 e seguintes;

--- b) pela prática, em 02 de Novembro de 2010, de um crime de roubo, p. c p. pelo art, 210.°, 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, substituída por 480 (quatrocentas e oitenta) horas de Trabalho a Favor da Comunidade - cfr. certidão da sentença, datada de 18 de Fevereiro de 2015, transitada em julgado em 20 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º --/10.0GAOLH, desta Secção de Competência Genérica da Instância Local de Olhão 01), constante de fls. 241 e seguintes.

--- Ouvido que foi em declarações em 28 de Fevereiro de 2014, reportou o condenado ter aquele primeiro crime, no período da suspensão da execução da pena que lhe foi imposta no âmbito dos presentes autos, pelo facto de, na altura fazer consumo, aos fins-de-semana, de haxixe, tendo, entretanto, abandonado, por completo, tal prática. -----

--- Posto isto, importa dilucidar se é de revogar a suspensão da execução da pena - conforme promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público, considerando que A. foi, como acima se disse, condenado, por sentenças transitadas em julgado, pela prática, no período da suspensão, de dois ilícitos criminais.

-_. Em primeiro lugar, há que considerar que, quer no âmbito do processo n.º ---/11.8GAOLH, quer no processo n.º ---/10.0GAOLH, A. foi condenado pelo cometimento de crimes de diversas naturezas do em apreço nestes autos. -----

--- Em cada um desses processos - e não obstante os factos julgados no seu âmbito haverem sido praticados durante o período da suspensão da pena imposta nos presentes autos, em 02 de Novembro de 2010 e em 09 de Novembro de 2011, as penas de prisão impostas a A. foram, ainda, substituídas por Trabalho a Favor da Comunidade [sendo que a aplicada no processo n.º ---/11.8GAOLH já se mostra cumprida e, a outra, se encontra em cumprimento], tendo-se entendido que a aplicação de tais penas de substituição poderia, em concreto, conceder àquele uma oportunidade de ressocialização mais substancial. -----

--- Mais se entendeu que "o cumprimento de pena em estabelecimento prisional poder-se-ia revelar prejudicial, já que A. estará, presumivelmente, apartado da senda criminosa desde o ano de 2011, conforme se disse e encontra-se, actualmente, social, familiar e profissionalmente integrado, beneficiando do apoio de seus pais, quer no apelo a uma maior consciência do proibido e da necessidade de o abandonar, quer na efectiva integração no mercado de trabalho, consabidamente difícil de manter, nos tempos que correm, para os cidadãos em geral. Acresce que, a prestação de trabalho a favor da comunidade dará ao arguido a possibilidade de contactar com uma entidade beneficiária de trabalho, podendo assim encetar contactos que lhe permitam perspectivar, positivamente, a sua futura integração laboral em sector distinto do das pescas (actividade a que inerem dificuldades acrescidas, conforme é do conhecimento comum), ainda que a título complementar" - vide fls. 265. -----

--- Não podemos ignorar o expendido na motivação (da escolha da última das penas impostas ao condenado) expressa na sentença, proferida em 18 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo n.º ---/10.0GAOLH para concluir que, se existem, posteriormente, à condenação imposta no âmbito dos presentes autos, outras que continuam a fazer um juízo de prognose favorável quanto à ressocialização do arguido, optando-se por conceder-lhe a oportunidade de não se ver privado da sua liberdade, seria um contra-senso e uma quebra da unidade da justiça revogar-se a suspensão da execução da pena com fundamento nessas condenações posteriores, sobretudo, quando tudo evidencia que A. estará apartado da sua anterior senda criminosa desde o ano de 2011. Na verdade, a condenação posterior não tem como efeito automático a revogação da suspensão, tornando-se necessário demonstrar, inequivocamente, que as finalidades que estiveram subjacentes ao juízo de prognose se revelaram desadequadas - neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 25/09/2012, disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 413/04.9GTPTM.E1. -----

--- Não se nos afigura ser esse o caso, já que o condenado cumpriu a condição de que foi feita depender a suspensão da execução da pena e terá encetado, entretanto, novo percurso vivencial, conforme foi verificado nos processos em que foi condenado posteriormente, estando, actualmente, dedicado à família e ao trabalho. -----

--- Nesta medida, não pode afirmar-se terem sido grosseiramente goradas as expectativas de ressocialização do condenado, por forma a justificar, neste momento, uma decisão de revogação da suspensão da pena aplicada, volvidos que estão, também, mais de 3 (três) anos sobre o termo do prazo dessa mesma suspensão. -----

--- Por tudo quanto se expôs, decide-se; ~----
--- A) Não revogar a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos de prisão imposta a A. no âmbito dos presentes autos; -----

--- B) Declarar extinta, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 470.° e 475.° do Código de Processo Penal, aquela pena de prisão. -----

--- Notifique e, após trânsito, remeta boletim ao registo. -----

--- Em tempo, em vista do consignado a fls. 158, arquive-se os autos. -----
(processei, revi r: assinei digitalmente o texto)
Olhão, d.s,

4. – É deste despacho que o MP vem interpor o presente recurso, de cuja motivação extrai as seguintes

«III. CONCLUSÕES
I - Por decisão transitada em julgado a 26.10.2010, o Tribunal a quo condenou o arguido A. na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a condição de o mesmo proceder, no prazo de 3 meses, ao depósito, à ordem dos autos, da quantia de €200,00 (duzentos Euros), a fim de a mesma ser entregue ao ofendido, pela prática como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.°, nº 1 , 145.°, n.º 1, alínea a) e 132.°, n.º 2, alínea c), todos Código Penal.

II - Por decisão proferida a 15.02.2016, constante a fls. 329 e ss, o Tribunal a quo extinguiu a referida pena.

III - A 31.01.2014 o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena imposta ao condenado pois que do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos resulta que o mesmo, durante o período de suspensão, praticou, a 02.09.2010 um crime de condução sem habilitação legal ( ... ) no processo ---/10.6GDFAR (,..) e, a 09.11.211 praticou um crime de consumo de estupefacientes ( ... ) no processo ----/11.8GAOLH. Acresce que contra o mesmo foi recentemente, a 09.12.2013, deduzida acusação pelo crime de roubo ( ... )."

IV - Foram tomadas declarações ao condenado, a 28.02.2014, tendo resultado o seguinte despacho: /I Por ora, aguardar-se-á que seja proferida decisão final no âmbito do processo n. ---/10.0GAOLH, no qual está o arguido acusado pela prática, em co-autoria material, de um crime de Roubo, por reporte ao dia 02/11/2010 devendo oficiar-se a esse processo, solicitando a oportuna remessa de certidão da sentença que ali venha a ser proferida, com nota de trânsito em julgado.

Mais deverá diligenciar-se junto dos Serviços do Ministério Público com vista a, em face das declarações ora prestadas pelo arguido, aquilatar sobre se existe outro inquérito pendente, para lá do já identificado, contra o arguido.

Apurando-se existir tal inquérito, oficiar-se-á ao mesmo solicitando que informe o estado dos autos, bem como a natureza do crime investigado e a data a que se reportam os factos que tenham dado origem ao inquérito.

Oportunamente, dar-se-á vista nos autos ao Ministério Público, conforme promovido e notifique a douta promoção à Ilustre defensora do arguido para que esta, em 10 dias, se pronuncie."

V. Foi, então, entendimento do Tribunal a quo não haver motivo para revogar, com fundamento no tardio cumprimento daquela condição, a suspensão da execução da pena - cfr. despacho de fls. 149.

VI. A. foi, entretanto e no período da suspensão, condenado:

a) pela prática, a 09 de Novembro de 20ll, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.°, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade - dr. certidão da sentença, datada de 15 de Fevereiro de 20l3, transitada em julgado em 07 de Março de 2013, proferida no âmbito do processo n.º ---/11.8GAOLH, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Olhão (já extinto), constante de fls. 208 e seguintes;

b) pela prática, a 02 de Novembro de 2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade - cfr. certidão da sentença, datada de 18 de Fevereiro de 2015, transitada em julgado em 20 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º ---/10.0GAOLH, desta Secção de Competência Genérica da Instância

VII - A 24.09.2015, O Ministério Público tomou, novamente, a seguinte posição: II É nosso parecer que se encontra definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável de que beneficiou A. aquando da condenação proferida nestes autos.

Assumindo a revogação da suspensão da pena um carácter de cláusula de última ratio (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 356), contrariou-se o juízo de prognose positivo formulado naquela decisão.

Verificando-se a impossibilidade de as finalidades que estiveram na base da suspensão serem ainda alcançadas (uma vez que o condenado frustrou as expectativas que foram depositadas na sua conduta com a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada), parece-nos não se poder formular um juízo de prognose favorável.

Nestes termos, entende o Ministério Público que deverá ser revogada a suspensão aplicada nos presentes autos,"

VIII - A 15.02.2016, foi declarada extinta a pena aplicada ao condenado com os seguintes fundamentos: "Em primeiro lugar, há que considerar que, quer no âmbito do processo nº ---/11.8GAOLH, quer no processo n.º ---/l0,0GAOLH, A. foi condenado pelo cometimento de crimes de diversas naturezas do em apreço nestes autos.

Em cada um desses processos - e não obstante os factos julgados no seu âmbito haverem sido praticados durante o período da suspensão da pena imposta nos presentes autos, em 02 de Novembro de 2010 e em 09 de Novembro de 2011 -, as penas de prisão impostas a A. foram, ainda, substituídas por Trabalho a Favor da Comunidade [sendo que a aplicada no processo n.º---/11.8GAOLH já se mostra cumprida e, a outra, se encontra em cumprimento], tendo-se entendido que a aplicação de tais penas de substituição poderia, em concreto, conceder àquele uma oportunidade de ressocialização mais substancial.

Mais se entendeu que "O cumprimento de pena em estabelecimento prisional poder-se-ia revelar prejudicial, já que A. estará, presumivelmente, apartado da senda criminosa desde o ano de 2011, conforme se disse e encontra-se, actualmente, social, familiar e profissionalmente integrado, beneficiando do apoio de seus pais, quer no apelo a uma maior consciência do proibido e da necessidade de o abandonar, quer na efectiva integração no mercado de trabalho, consabidamente difícil de manter, nos tempos que correm, para os cidadãos em geral. Acresce que, a prestação de trabalho a favor da comunidade dará ao arguido a possibilidade de contactar com uma entidade beneficiária de trabalho, podendo assim encetar contactos que lhe permitam perspectivar, positivamente, a sua futura integração laboral em sector distinto do das pescas (actividade a que inerem dificuldades acrescidas, conforme é do conhecimento comum), ainda que a título complementar" - vide fls. 265.

Não podemos ignorar o expendido na motivação (da escolha da última das penas impostas ao condenado) expressa na sentença, proferida em 18 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo nº ---/10.0GAOLH para concluir que, se existem, posteriormente, à condenação imposta no âmbito dos presentes autos, outras que continuam a fazer um juízo de prognose favorável quanto à ressocialização do arguido, optando-se por conceder-lhe a oportunidade de não se ver privado da sua liberdade, seria um contra-senso e uma quebra da unidade da justiça revogar-se a suspensão da execução da pena com fundamento nessas condenações posteriores, sobretudo, quando tudo evidencia que A. estará apartado da sua anterior senda criminosa desde o ano de 2011. Na verdade, a condenação posterior não tem como efeito automático a revogação da suspensão, tomando-se necessário demonstrar, inequivocamente, que as finalidades que estiveram subjacentes ao juízo de prognose se revelaram desadequadas - neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 25/09/20012, disponível em www.dgsi.pt, processo nº 413/04.9GTPTM.El.
Não se nos afigura ser esse o caso, já que o condenado cumpriu a condição de que foi feita depender a suspensão da execução da pena e terá encetado, entretanto, novo percurso vivencial, conforme foi verificado nos processos em que foi condenado posteriormente, estando, atualmente, dedicado à família e ao trabalho.

Nesta medida, não pode afirmar-se ferem sido grosseiramente goradas as expectativas de ressocialização do condenado, por forma a justificar, neste momento, uma decisão de revogação da suspensão da pena aplicada, volvidos que estão, também, mais de 3 (três) anos sobre o termo do prazo dessa mesma suspensão.

Por tudo quanto se expôs, decide-se:

A) Não revogar a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos de prisão imposta a A. no âmbito dos presentes autos;

B) Declarar extinta, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts, 470.° e 475.° do Código de Processo Penal, aquela pena de prisão.

Notifique e, após trânsito, remeta boletim ao registo."

IX - Dispõe o artigo 56.º - 111 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres (.. .). 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado

x - A propósito da suspensão da execução da pena de prisão a jurisprudência acentua que a mesma é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado.

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa é a recção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social que antevê e propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a delinquir novamente.

XI - A suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição, autónoma. in casu importa apurar se o comportamento delituoso e reiterado por parte do condenado revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

XII - No caso concreto resulta cristalino que o condenado não correspondeu ao juízo de prognose favorável de que beneficiou aquando da condenação nestes autos.

XIII-Entende o Ministério Público que, com o descrito comportamento, o condenado demonstrou que não se cumpriram as expectativas que motivaram o Tribunal a quo a decretar a suspensão da pena; na verdade, o mesmo deitou ao abandono e à sorte o juízo de prognose que o tribunal depositou em si, sendo certo que, podendo e devendo manter um comportamento conforme à lei, por manifesto alheamento da presente condenação, o não fez e foi condenado, por duas vezes, pelo cometimento de crimes na pendência da suspensão aqui aplicada - o que denota a pena de prisão, suspensa na sua execução, não o fez reflectir pensar nos actos que havia praticado.

XIV - Em suma, face aos dados de que dispomos, afigura-se-nos claro que o condenado não soube aproveitar a oportunidade de que dispôs de se ressocializar em liberdade, deste modo frustrando o essencial das finalidades que conduziram à suspensão da execução da prisão vindo a infirmar o juízo de prognose que foi efectuado aquando da sentença condenatória dos presentes autos.

XV _ Transigir com tal comportamento significaria descredibilizar a suspensão da execução da pena, enquanto verdadeira pena autónoma, de substituição, susceptível de, por si, realizar as finalidades da punição.

Transigir com tal comportamento significa dizer ao condenado, e aos condenados em geral em circunstâncias semelhantes, que podem cometer não um, mas dois ou até mais crimes no decurso da suspensão da pena de prisão, porque, na verdade, nada lhes acontecerá.

XVI. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 55.° do Código Penal deveria o tribunal a quo ter determinado a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao abrigo do previsto no citado artigo 56.°, n." I, alínea b) e n.º 2 do Código Penal.

XVII - Nestes termos, deve pois o recurso ser declarado procedente e consequentemente aplicar-se o disposto no artigo 56.0 do Código Penal e, em consequência, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a revogação da suspensão da pena de prisão.

XVIII - O Tribunal a quo violou, com a decisão que aqui se sindica, o disposto nos artigos 56.0 e 57.0 do Código Penal.

Termos em que Vossas Excelências, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determine a revogação da suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao condenado nestes autos, farão a costumada Justiça.»

5. – Na sua resposta, o arguido pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho recorrido.

6. Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

ii. fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões da motivação do MP, a questão a decidir é a de saber se o despacho recorrido deve ser substituído por outro que revogue a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, nos termos do art. 56º do C. Penal, como pretende o MP recorrente.

2. Decidindo
A senhora juíza a quo tomou a decisão de não revogar a suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão aplicada ao arguido por sentença transitada em julgado a 26.10.2010, por considerar, em síntese, que seria um contra senso e uma quebra da unidade da justiça revogar-se a suspensão da execução da pena com fundamento em duas condenações posteriores por factos ocorridos em 2.11.2010 e 9.11.2011, quando nestas continuou a fazer-se um juízo de prognose favorável quanto à ressocialização do arguido, optando-se por conceder-lhe a oportunidade de não se ver privado da sua liberdade e tudo evidenciar que A. estará apartado da sua anterior senda criminosa desde o ano de 2011.

Assim e tendo ainda em conta que o condenado cumprira a condição de que foi feita depender a suspensão da execução da pena aplicada nestes autos e que terá encetado, efetivamente, novo percurso vivencial, concluiu o despacho recorrido que não pode afirmar-se terem sido grosseiramente goradas as expectativas de ressocialização do condenado, por forma a justificar uma decisão de revogação da suspensão da pena aplicada, volvidos mais de 3 (três) anos sobre o termo do prazo dessa mesma suspensão, verificado em 26.10.2012.

2.1. Em nosso ver, decidiu bem o tribunal a quo ao não revogar a suspensão da execução da pena de dois anos prisão, essencialmente pelas razões com que fundamenta aquela decisão.

Vejamos um pouco melhor.

Nos termos do artigo 56.º n.º 1 do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

- Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou

- Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.»

No que respeita a este último fundamento, prevê a al. b) do n º1 do art. 56º um pressuposto formal de revogação da suspensão da pena - o cometimento de novo crime no período de suspensão - e a verificação de um pressuposto material, traduzido na revelação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, nem podem mais ser alcançadas.

Conforme resulta dos pressupostos da suspensão da pena e do regime da sua revogação, aquela pena de substituição (tal como praticamente todas as demais) implica para o arguido o primeiro e autónomo dever de não voltar a delinquir no período da suspensão.

Apesar de não implicar a revogação automática da suspensão da pena, como sucedia na vigência do C.Penal de 1886 e da versão originária do C.Penal de 1982, a prática de novo crime pelo arguido no período de suspensão continua a ser autonomamente prevista como causa de revogação, sempre que tal revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, ou seja, na expressão do Prof F. Dias (Consequências jurídicas do Crime-1993, pp 356-7), se do concreto cometimento de novos crimes nascer a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Dito de outro modo, haverá lugar à revogação se o cometimento de novo crime levar a concluir que estão esgotadas as possibilidades de socialização do arguido em liberdade.

Ainda no plano da interpretação da lei, entendemos que o art. 56º do C.Penal não distingue, deliberadamente, entre a condenação do arguido em nova pena de prisão e em pena não privativa de liberdade, fruto da evolução legislativa registada desde a versão originária do art. 51º do C.Penal de 1982, que impunha, ope legis, a revogação da suspensão no caso de condenação por crime doloso em pena de prisão, enquanto o art. 50º al, c) previa que a prática de crime culposo ou doloso punido com pena não privativa de liberdade tivesse ope judicis a mesma consequência.

Na versão atual, introduzida pelo Dec-lei 48/95 de 15 de Março, a revogação da suspensão da pena pode ter agora lugar mesmo que o arguido não tenha sido condenado em pena privativa da liberdade, como sucedeu no caso presente, desde que se mostre preenchido o referido pressuposto material.

Este passa a constituir o ponto nevrálgico nos casos de cometimento de novo crime, cabendo maior responsabilidade ao intérprete e aplicador da lei na determinação dos casos de revogação, pois a questão centra-se agora no especial impacto do novo crime na prossecução das finalidades que estavam na base da suspensão e não na natureza dolosa ou culposa do crime ou na espécie da pena aplicada.

No caso sub judice não se discute a verificação do apontado pressuposto formal e a mesma não está em causa, pois o arguido foi condenado por dois crimes praticados no período de 2 anos de suspensão contado do trânsito em julgado da sentença condenatória, pelo que a questão central é, pois, a de saber se também se mostra preenchido o pressuposto material acolhido na al. b) do nº1 do art. 56º, ou seja, se aquelas condenações revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão não podem mais ser alcançadas, tendo presente que vigora em toda esta matéria o princípio da atualidade, de acordo com o qual a decisão deve ter em conta a situação verificada no momento em que é proferida.

b). A este respeito, importa enfatizar que a evolução do regime legal da revogação da suspensão a que fizemos referência, dita - contrariamente ao que foi considerado no período inicial de vigência do C.Penal de 1982 - que o prognóstico de que era ainda possível a reinserção do arguido em liberdade, em que assentou a decisão de suspensão da pena, não fica irremediavelmente comprometido com a prática de novo crime no período da suspensão, mesmo tratando-se de crime doloso punido com pena de prisão não substituída.

Daí que o regime legal saído da reforma de 1995 imponha que o tribunal avalie em todos os casos a relação entre a condenação pelo novo crime e a anterior, mas também que aprecie a situação pessoal do arguido, de modo a poder concluir se no momento da decisão de revogação ainda será possível a reintegração do arguido em liberdade, de acordo com o princípio da atualidade, cuja importância na fase de execução das penas deriva do peso decisivo que as finalidades de prevenção especial positiva ou de integração assumem nessa mesma fase, ainda que a esta fase não sejam alheias finalidades de prevenção geral.

Assim, o tribunal deve atender à afinidade ou heterogeneidade entre ambos os tipos de crime, mas também à forma como a prática dos mesmos se adequa à personalidade do arguido e às suas condições de vida, de modo a poder concluir se a prática do crime durante o período de suspensão da pena se enquadra num quadro vivencial que não permite nova prognose positiva sobre ressocialização do arguido em liberdade.

Isto é, as implicações da nova condenação na subsistência ou revogação da suspensão da pena dependem não só da natureza e medida da nova pena mas também do comportamento do arguido, nos seus diversos aspetos, após a suspensão da pena, incluindo eventuais vicissitudes relativas ao cumprimento desta.

A esta luz, releva terem sido aplicadas penas não privativa da liberdade (PTFC) em substituição da prisão inicialmente determinada pela prática dos novos crimes, ter o arguido cumprido a condição de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta, ter, ainda, cumprindo integralmente a PTFC aplicada por uma delas e cumprir atualmente a outra, e, encontrando-se o arguido inserido familiarmente, não haver notícia de outros ilícitos típicos apesar de terem decorrido mais de 4 anos sobre a data do último crime praticado.

Ou seja, apesar de a prática dos novos crimes comprometerem a prossecução em liberdade das finalidades preventivas que estiveram na base da decisão de suspender a execução da prisão nos presentes autos, à data em que foi proferido o despacho recorrido não pode concluir-se que se mostra definitivamente frustrado o propósito de reintegração do arguido em liberdade que ditou a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que o recurso procede quanto à pretendida revogação do despacho recorrido.

2.2. Isso não significa, porém, que concordemos com a decisão de julgar extinta a pena de substituição pelo decurso do prazo de suspensão, conforme decidido em primeira instância, pois afigura-se-nos indispensável à prossecução das finalidades de prevenção geral e especial das penas consagradas no artigo 40º do C. Penal, à própria credibilização da pena de suspensão e, sobretudo, à sedimentação da evolução positiva da conduta do arguido, verificada nos últimos anos, que se prorrogue o período de suspensão da pena pelo período de um ano (o mínimo legal de prorrogação), nos termos do art. 55º al. d) C.Penal, disposição aplicável nos casos de condenação por crime praticado no período de suspensão, como sucede in casu, pois conforme entendeu a Comissão de Revisão do C.Penal que deu origem à reforma de 1995, “ …se o condenado comete um crime, viola necessariamente as regras de conduta que lhe foram impostas”, o que determinou a eliminação da referência à prática de um crime feita no art. 53º de anterior projeto (correspondente ao atual art. 55º), por se entender ser a mesma redundante – cfr Actas e Projeto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça-1993 p. 65.

Assim, mantém-se a decisão de não revogar a suspensão da pena mas decide-se, em substituição, prorrogar a suspensão da prisão por mais um ano nos termos da alínea d) do artigo 55º do C. Penal.

iii. – Dispositivo
Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o preceituado nos arts. 56º, 55º e 40º, do C. Penal, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo MP, nos seguintes termos:

- Mantem-se o despacho judicial recorrido na parte em que não revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido e revoga-se o mesmo na parte em julgou extinta a suspensão da execução daquela mesma pena;

- Decide-se, em substituição, prorrogar o período de suspensão da execução da pena por mais um ano, contado do trânsito em julgado do presente acórdão;

Sem custas

Évora, 15 de dezembro de 2016

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Berguete