Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
80/22.8T8PTG.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
PLURALIDADE DE EMPREGADORES
SUCURSAL
ESTRANGEIRO
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Não é de qualificar como trabalho suplementar o prestado pelo trabalhador a título espontâneo, mas não justificado em termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior, nas mesmas condições que são impostas à empregadora pelo art. 227.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
2. Tendo o trabalhador sido admitido ao serviço de uma empresa estabelecida em Portugal, para desempenhar as suas funções em Portugal ou no estrangeiro, e tendo sido destacado em Angola, ao serviço da sucursal dessa empresa naquele Estado soberano, não se pode concluir por uma situação de pluralidade de empregadores, se apenas se demonstrou que celebrou com essa sucursal quatro escritos titulando contratos de trabalho por períodos sucessivos de um ano, destinados a permitir a obtenção do necessário visto de trabalho e pelo prazo de um ano por este autorizado.
3. Nestas específicas condições, a outorga de tais escritos com a sucursal de Angola constituía requisito indispensável ao destacamento do trabalhador naquele Estado soberano, sendo assim meros instrumentos de execução do contrato de trabalho celebrado em Portugal com a empresa portuguesa.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Portalegre, J… demandou Conduril – Engenharia, S.A., e Conduril – Engenharia, S.A. – Sucursal de Angola, pedindo a condenação das Rés no pagamento de € 5.766,24 a título de trabalho suplementar prestado e não pago, e ainda a declaração de ilicitude do despedimento, com condenação das Rés na sua reintegração e pagamento dos salários de tramitação.
Sustenta que foi admitido ao serviço da 1.ª Ré, para o exercício das funções de engenheiro mecânico em Angola, sob as ordens e direcção da 2.ª Ré, e após regressar a Portugal de férias foi despedido sem qualquer procedimento disciplinar.
As Rés contestaram, sustentando que o A. foi admitido a termo incerto para exercer as suas funções na sucursal de Angola e que lhe foi atempadamente comunicada a caducidade do contrato de trabalho. Acrescentam que o A. não prestou o trabalho suplementar reclamado.
Após julgamento, a sentença julgou o pedido totalmente improcedente, absolvendo as Rés.

Inconformado, o A. recorre e formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto, aliás, Douta Sentença proferida nos autos de processo comum, em que decidiu:
- Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, decidindo-se, consequentemente absolver as RR. do pedido.
2. Desde logo ao julgar-se como não provado «que o Autor tenha trabalhado, no decurso da sua actividade para as Rés, todas as sextas-feiras das 16.30 às 17.30 e sábados, das 7.30 às 12.30 e que tal lhe tenha sido determinado pelas Rés» não se fez uma interpretação adequada da prova produzida;
3. Ora, do depoimento do Autor verifica-se que tal facto foi confirmado pelo mesmo, conforme resulta das suas declarações, gravadas a 04/04/2022, entre as 10 horas 44 minutos e as11 horas e 17 minutos. Questionado o A. sobre o seu horário de trabalho, o mesmo foi claro, referindo que “iniciava funções às 07H30 e terminava às 12H30, sendo o segundo período entre as 13H30 e as 17H30”.
4. Mais referiu que “aos fins-de-semana iniciava às 07H30 e terminava às 12H30”, esclarecendo, a instâncias do Ministério Público, que tal horário apenas era praticado aos Sábados durante o período da manhã (gravação entre 02:55m e 04:49m).
5. Por outro lado, a testemunha L… que prestou depoimento no dia 17/05/2022, e cujas declarações estão gravadas entre 10 horas e 16 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos.
6. Esta testemunha, questionada pelo Ministério Público, referiu que o horário de trabalho era aquele que acima se referiu, esclarecendo que nas sextas-feiras “ficava quem queria, até às 17H30”, o mesmo sucedendo ao Sábado em que “quem quisesse ia trabalhar” sendo o horário no período compreendido entre as 07H30 e 12H30 (gravação entre 02:48 m e 06:31 m).
7. Perante o exposto, impõe-se concluir que o facto em causa deverá ser considerado provado, condenando-se as RR. no pagamento das respectivas horas de trabalho suplementar prestado pelo A.
8. Assim como deverá considera-se como existente e válido o contrato de trabalho que vigorava entre o A. a Ré Conduril (Angola) na medida em que não resulta dos autos ou da prova produzida fundamentos que permitam concluir, contrariamente ao que se fez na douta sentença, pela sua inexistência jurídica.
9. Isto porque o A. é alheio a qualquer “esquema” remuneratório ou outro que implicasse a existência dos referidos contratos, havendo que considerar estes válidos e, como tal, declarar-se ilícito o despedimento com as legais consequências.
Face ao exposto e no demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser a Douta Sentença revogada por outra que se mostre adequada.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
Argumenta o Recorrente que deveria ter sido considerado provado – ao contrário do que fez a sentença recorrida – que “no decurso da sua actividade para as Rés, (trabalhava) todas as sextas-feiras das 16.30 às 17.30 e sábados, das 7.30 às 12.30 e que tal lhe tenha sido determinado pelas Rés”.
De acordo com o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como vimos defendendo nesta Relação de Évora, esta norma não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.[1]
Na apreciação da impugnação fáctica, a Relação não deve atender, apenas, aos meios de prova indicados pelo recorrente ou pelo recorrido, pois detém poderes de investigação oficiosa – art. 640.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil –, devendo apreciar a globalidade da prova produzida, analisando criticamente as provas e retirando as ilações que se mostrarem necessárias, como o determina o art. 607.º n.º 4 do mesmo diploma.
Adianta-se, desde já, que não se detecta na sentença recorrida qualquer lapso relevante na apreciação da prova que imponha decisão diversa a esta Relação, devendo afirmar-se que, ao contrário do que alega o Recorrente, a prova produzida sustenta a decisão de facto proferida pela primeira instância.
Com efeito, apenas o A. afirmou, nas suas declarações de parte, que prestava a sua actividade em todas as sextas-feiras das 16.30 às 17.30 e também aos sábados, das 7.30 às 12.30, por determinação da empregadora.
Porém, a única testemunha ouvida acerca desta matéria – L…, serralheiro mecânico, cidadão angolano e a trabalhar em Luanda na sucursal de Angola, que trabalhou com o A. enquanto este ali esteve – referiu que esse não era o horário determinado pela empresa e que apenas quem queria ficava a trabalhar mais uma hora às sextas e também ao sábado de manhã, sendo que o A. nem sempre o fazia, porque tal não lhe era exigido.
Note-se que as declarações de parte não podem valer como prova de factos favoráveis se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova isento e imparcial.
Lebre de Freitas[2] escreve que “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.”
Trata-se de um meio de prova cuja apreciação se faz segundo as regras normais de formação da convicção do juiz, o que implica que, em relação a factos favoráveis à parte interessada na procedência da causa, o juiz não deve ficar convencido apenas com o seu depoimento, carecendo de um mínimo de corroboração por outras provas isentas e independentes da parte.[3]
As declarações de parte constituem, pois, mero princípio de prova, não se mostrando bastantes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de certeza final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova.[4]
Teixeira de Sousa[5] esclarece que “o princípio (ou começo) da prova é o menor grau de prova: ele vale apenas como factor corroborante da prova de um facto. Isto é, o princípio da prova não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova de um facto.”
Poderá admitir-se a validade da prova por declarações de parte quando a mesma se reportar essencialmente a “acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes”[6], ou, em formulação equivalente, a “factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa”[7].
Porém, não nos encontramos em tal campo, pois os factos alegados resultam da interacção directa do A. com a empregadora e com os colegas de trabalho, que os poderiam testemunhar, pelo que as suas declarações de parte, sem outra corroboração, não serão bastantes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de certeza final.
Deste modo, com estes elementos de prova não podemos afirmar que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo valorativo da prova, motivo pelo qual a impugnação fáctica não procede.

A matéria de facto fica assim estabelecida:
1. Em 3 de Novembro de 2017, o Autor obrigou-se, mediante pagamento da quantia mensal de 1.000,00 €, a desempenhar, sob autoridade, direcção e fiscalização de Conduril – Engenharia, S.A. as funções de engenheiro mecânico em qualquer dos estabelecimentos ou obras onde a Ré exercesse a sua actividade, incluindo em território estrangeiro, conforme documento particular junto a fls. 8 e ss e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Porque a Ré tinha a seu cargo execução de trabalhos de construção civil em obras em Angola, em 1 de Março de 2018, Autor e Ré outorgaram escrito particular que epigrafaram de “contrato de trabalho tempo determinado”, pelo qual o Autor acordava em desempenhar as suas funções de engenheiro mecânico em várias obras a decorrer em Angola mediante o pagamento da quantia de 1.851,00 USD, o equivalente a 1.500,00 € mensais, conforme documento junto a fls. 11 e ss cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Com efeito, Autor e Ré Conduril Sucursal de Angola, subscreveram escritos particulares que epigrafaram de “Contrato de trabalho Tempo Determinado”, por períodos de um ano, sendo o primeiro com início a 1 de Março de 2018, o segundo com início a 6 de Março de 2019, o terceiro com início a 27 de Março de 2020 e o último, com início a 9 de Março de 2021, conforme documentos particulares juntos a fls. 11 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Nos termos dos quais, o Autor desempenhava as suas funções por períodos de 44 horas semanais, distribuídos por 9 horas diárias, sendo 8 horas diárias às sextas-feiras de acordo com o seguinte horário de trabalho: 2ª a 5ª feira, das 7.30 às 12.30 e das 13.30 até às 17.30, 6ª feira das 7.30 às 12.30 e das 13.30 às 16.30.
5. No dia 15 de Junho de 2021, a primeira Ré informou o autor, por carta registada, que o contrato celebrado em 3 de Novembro de 2017 cessaria, por caducidade, em 27 de Agosto de 2021 pela diminuição do número e conclusão das obras em curso em Angola, sendo as contas processadas e os créditos laborais pagos ao Autor com efeitos a 5 de Setembro de 2021, conforme documento junto a fls. 15 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Em Agosto de 2021, o Autor deslocou-se a Portugal, conforme acordado com a Ré tendo em vista gozar um período de férias, não lhe tendo sido assegurado voo de regresso a Angola;
7. Em 27 de Agosto de 2021, o Autor redigiu e enviou e-mail dirigido a Sónia Cardoso, responsável pelos recursos humanos da 2ª Ré, solicitando instruções e informações sobre o seu regresso a Angola;
8. Nesse mesmo dia 27 de Agosto de 2021, Sónia Cardoso reenviou o conteúdo do e-mail supra mencionado a Filipa Lemos, responsável pelos recursos humanos da 1ª Ré que reafirmou a comunicação da cessação do contrato de trabalho do Autor e o pagamento dos correspondentes créditos salariais, conforme documento particular junto a fls. 16, verso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Mercê do supra exposto, o Autor não mais regressou a Angola.
10. O esquema remuneratório mencionado em 1 e 2 garantia ao Autor protecção social em Portugal e contagem de antiguidade para efeitos de reforma.
11. A redacção dos documentos mencionados em 2 configurava uma formalidade necessária à obtenção de visto de trabalho em Angola, sendo os prazos apostos nos mesmos totalmente coincidentes com os prazos de validade dos respectivos vistos (um ano) e condição necessária ao desempenho de actividade do Autor em Angola.

APLICANDO O DIREITO
Do ónus de alegação e prova da prestação de trabalho suplementar
A propósito deste tema, já se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça que “não tendo sido prévia e expressamente determinada, não é de considerar como realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador a prestação de trabalho suplementar realizada a título espontâneo, prolongada para além do contratado período (de mais uma hora) de isenção de horário de trabalho, se o trabalhador não alegou/demonstrou que trabalho prestou suplementarmente, concretizando-o e justificando a sua necessidade.”[8]
Podemos afirmar que o trabalhador que invoca a prestação de trabalho suplementar deve alegar – e provar – não apenas quais os horários de trabalho praticados ao longo da relação laboral, mas ainda quais os dias e horas em que prestou trabalho para além desses horários e que o mesmo foi prévia e expressamente determinado, ou realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador. Apenas assim se poderá apurar a regularidade e periodicidade dessa prestação laboral para além do horário definido e determinar qual o montante que corresponde ao efectivo pagamento desse trabalho.
Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que a determinação da realização do trabalho suplementar “cabe ao empregador, uma vez que se funda em motivos de gestão ou de força maior que só a ele cabe avaliar”, não sendo de “qualificar como trabalho suplementar o prestado pelo trabalhador fora do seu horário de trabalho, a título espontâneo e sem para tal ter sido solicitado pelo empregador”, tanto mais que a norma que admite a prestação de trabalho suplementar espontâneo – art. 268.º n.º 2, in fine, do Código do Trabalho – deve ser interpretada de modo restritivo, “sob pena de permitir que a gestão do trabalho suplementar passe a caber ao trabalhador, o que contraria frontalmente a razão de ser da figura”.[9]
Ainda de acordo com a mesma autora, “só é reclamável o pagamento de trabalho suplementar determinado expressamente pelo empregador, devendo o trabalho suplementar espontâneo ser justificado pelo trabalhador nos mesmos termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior que fundamentam o recurso à figura, de acordo com o art. 227.º n.ºs 1 e 2, para que possa reclamar o respectivo pagamento.”[10]
Ora, como correctamente se observa na sentença recorrida, não está provado que tenha sido determinada ao A. a prestação de trabalho suplementar, como igualmente não está provado que o eventual trabalho suplementar espontâneo prestado se justificasse em termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior, enquadrável nos n.ºs 1 e 2 do art. 227.º do Código do Trabalho.
Não tendo cumprido o ónus de prova que lhe assistia, apenas resta concluir que a pretensão do A. relativa ao pagamento de trabalho suplementar não merece atendimento.

Da ilicitude do despedimento
Nas suas conclusões, o A. não discute a validade da motivação do termo incerto aposto ao contrato de trabalho celebrado com a 1.ª Ré em 03.11.2017, pelo que tal questão não é objecto do recurso – arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Igualmente, o A. não discute nas conclusões a validade da comunicação de caducidade desse contrato, operada pela 1.ª Ré através da sua comunicação escrita de 15.06.2021, pelo que tal matéria também não está sujeita à nossa apreciação.
O que é ali argumentado é que o contrato de trabalho celebrado com a 2.ª Ré, em Angola, se mantém válido, porquanto não foi comunicada a sua cessação.
Havia o A. alegado na sua petição inicial que, tendo celebrado o contrato de trabalho a termo incerto com a 1.ª Ré, datado de 03.11.2017, para desempenhar as suas funções em obras a decorrer em Portugal e no estrangeiro, passou a exercer a sua actividade laboral em Angola, celebrando com a 2.ª Ré – Sucursal de Angola – quatro contratos de trabalho por tempo determinado, cada um pelo período de um ano.
A este respeito, está provada a outorga – em Angola – de quatro escritos particulares, epigrafados de “Contrato de Trabalho Tempo Determinado”, por períodos de um ano, datados de 01.03.2018, 06.03.2019, 27.03.2020 e 09.03.2021, sendo que a redacção desses documentos configurava uma formalidade necessária à obtenção de visto de trabalho em Angola: os prazos apostos coincidiam com os de validade dos vistos (um ano) e condição necessária ao desempenho de actividade do A. em Angola.
Antes do mais, convirá recordar que as sucursais não gozam de personalidade jurídica e como tal não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações, pois são meros órgãos de administração local dentro da estrutura da sociedade.[11] O art. 13.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais admite a criação de sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro, enquanto o art. 13.º n.º 1 do Código de Processo Civil lhes reconhece personalidade judiciária, mas restrita a facto por elas praticado.
No caso, não está alegado que a 2.ª Ré, Sucursal de Angola, detivesse qualquer autonomia jurídica em relação à 1.ª Ré, e que fosse algo mais que um estabelecimento desta sociedade naquele Estado soberano. O que se sabe é que o A. celebrou um contrato de trabalho com a 1.ª Ré e foi esta quem determinou a sua colocação em Angola, ao serviço da sua Sucursal naquele país, tendo ali celebrado quatro escritos, destinados a permitir a obtenção do necessário visto de trabalho e pelo prazo de um ano por este autorizado.
Está em causa, pois, o destacamento de trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, para prestar a sua actividade em Estado não-membro da UE, nos termos expressamente permitidos pelos arts. 6.º n.º 1 al. a) e 8.º n.º 1 do Código do Trabalho, mantendo o trabalhador o seu vínculo laboral com a 1.ª Ré.
Nestas específicas condições, a outorga dos escritos particulares com a Sucursal de Angola era apenas requisito indispensável ao destacamento pela 1.ª Ré do trabalhador naquele Estado soberano e em estrita execução do contrato de trabalho entre ambos celebrado. Tais escritos particulares não possuíam, assim, autonomia em relação ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 03.11.2017 entre o A. e a 1.ª Ré, por serem meros instrumentos de execução desse contrato.
Recordando, mais uma vez, que as sucursais não detêm, sequer, personalidade jurídica, concorda-se com a sentença recorrida quando concluiu que tais escritos nada mais eram “que documentos necessários a instruir os sucessivos pedidos de visto, acompanhando-os e coincidindo na sua duração (períodos de um ano)”, não existindo assim uma situação de pluralidade de contratos de trabalho e de empregadores, enquadrável no art. 101.º do Código do Trabalho, que nos permita reconhecer a existência de autónomo contrato de trabalho celebrado com a Sucursal de Angola.
Eis porque o recurso não merece provimento.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da sentença absolutória proferida na primeira instância.
O Recorrente, representado pelo Ministério Público, goza da isenção prescrita no art. 4.º n.º 1 al. h) do RCP.

Évora, 10 de Novembro de 2022

Mário Branco Coelho
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] Vide, por todos, o Acórdão de Relação de Évora de 30.06.2021 (Proc. 2287/15.3T8STR-E.E1), publicado em www.dgsi.pt.
[2] In A Acção Declarativa Comum, 3.ª ed., pág. 278.
[3] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 20.11.2014 (Proc. 1878/11.8TBPFR.P2), em www.dgsi.pt.
[4] Vide o Acórdão desta Relação de Évora de 06.10.2016 (Proc. 1457/15.0T8STB.E1), no mesmo local.
[5] In As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex – Edições Jurídicas, 1995, pág. 203.
[6] Remédio Marques, in A Aquisição e a Valoração Probatória dos Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Parte, Revista Julgar, 2012, n.º 16, pág. 168.
[7] Elisabeth Fernandez, in Nemo Debet Esse Testis In Propria Causa – Sobre a (in)coerência do sistema processual a este propósito, Revista Julgar Especial, A prova difícil, Abril de 2014, pág. 37.
[8] Em Acórdão de 17.12.2014 (Proc. 1364/11.6TTCBR.C1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[9] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, págs. 425-426.
[10] Idem, pág. 426.
[11] Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 112.