Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
232/08.3TBCUB-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Em sede de acção executiva, de acordo com a interpretação integrada dos artigos referentes à competência para a prática de actos, o juiz profere nalguns casos despacho liminar, intervém para resolver dúvidas, serve de garante na protecção de direitos fundamentais e na defesa do sigilo e assegura a realização dos fins da execução;
2 - Porém, deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas – na fase da penhora, da venda ou do pagamento –, nem lhe incumbe extinguir a instância executiva.
Decisão Texto Integral: Processo nº 232/08.3TBCUB-A.E1
Tribunal da Comarca de Beja – Instância Local – Secção de Competência Genérica de Cuba – J1
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “Banco (…), SA” contra (…), a sociedade exequente veio interpor recurso do despacho que ordenou a deserção da instância nos termos do artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou a seguinte conclusão:
1) Por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º, nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a decisão que ordenou a extinção da execução e substituindo-se a mesma por Acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma, Justiça».

A parte contrária não contra-alegou.

Admitido o recurso, foram observados os vistos leg
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à questão da verificação da deserção da instância executiva por o processo se encontrar há mais de 6 meses sem andamento por negligência da exequente.
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III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso:
1) Em 06/05/2013, a exequente solicitou a penhora de todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnece a residência da executada e, bem assim, do veículo automóvel, de marca Renault, modelo Clio, de matrícula UX.
2) A exequente, na pessoa do mandatário, foi notificada em 20/06/2013 pelo Sr. Agente de Execução das diligências relacionadas com as penhoras requeridas.
3) A pedido do Agente de Execução foi proferido despacho a ordenar o levantamento do sigilo e obtidas as competentes informações não consta que as mesmas tenham sido comunicadas ao executado.
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IV – Fundamentação:
O Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013 tem o seu início de vigência em 1 de Setembro de 2013 e aplica-se a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, como consta do artigo 6º da referida Lei, com as excepções ali provisionadas.
No quadro da reforma da acção executiva, o juiz passou a exercer funções de tutela, intervindo em caso de litígio surgido na pendência da execução [artigo 723º, nº 1, alínea b)] e de controlo. Nesta sede, de acordo com a interpretação integrada dos artigos referentes à competência para a prática de actos, o juiz profere nalguns casos despacho liminar, intervém para resolver dúvidas, serve de garante na protecção de direitos fundamentais e na defesa do sigilo e assegura a realização dos fins da execução. Porém, deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas – na fase da penhora, da venda ou do pagamento – nem lhe incumbe extinguir a instância executiva.
Por força da lei, a prática de tais actos e a realização de outras diligências executivas, quando a lei não determine diversamente, passaram a caber ao agente de execução, como se extraí dos artigos 719º, nº 1 e 720º, nº 6, do Código de Processo Civil, que não surge no processo «como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado»[1].
Destes dispositivos decorre que o agente de execução tem competência para efectuar todas as diligências do processo executivo que não sejam da competência da secretaria (artigo 719º, nºs 3 e 4), nem do juiz (artigo 723º), sendo que, indiscutivelmente, por exclusão de partes, no seio desta competência residual se integra a decisão de extinguir a instância por deserção.
De harmonia com o disposto nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil, o agente de execução tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, incumbindo-lhe, em especial, informar o exequente de todas as diligências efectuadas, bem como dos motivos da frustração da penhora e providenciar pelo imediato averbamento no processo de todos os actos de penhora que haja realizado.
Nos termos do nº 2 do citado dispositivo, as informações e comunicações referidas no número anterior são efectuadas preferentemente por meios electrónicos, após a realização de cada diligência ou do conhecimento do motivo da frustração da penhora.
Esse dever de informação e comunicação do agente de execução perante as partes, garante da transparência na condução de cada processo e está igualmente inscrito no artigo 42º da Portaria nº 282/2013, de 29/8[2] [3].
Como decorrência lógica do novo paradigma do processo executivo, onde impera a ideia matriz da desjudicialização, é actualmente desnecessária a emissão de decisão judicial que declare a deserção da instância executiva e, por princípio, a avaliação do comportamento negligente das partes no impulso processual apenas será feita pelo juiz se a questão lhe for expressamente colocada, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 723º do Código de Processo Civil[4].
A dispensa legal da intervenção do juiz na verificação da deserção nos processos executivos, não dispensa, no entanto, o agente de execução da verificação do outro requisito que lhe confere à inércia da parte força extintiva da instância, ou seja essa inércia, como se disse tem que resultar de uma negligência efectiva da parte da parte em impulsionar o seu andamento[5].
Efectivamente, a extinção da execução é comunicada, por via electrónica, ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e electrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria, conforme decorre do nº 3 do artigo 849º do Código de Processo Civil.
Nesta óptica, a mudança de regime deve ser também seguida pela alteração de procedimentos. Às partes exige-se um maior cuidado no acompanhamento das suas causas, para que as mesmas atinjam a finalidade normal para que foram instauradas, ou seja, a declaração, por acto jurisdicional, do direito controvertido, e ao tribunal, por sua vez, exige-se igualmente que só cancele a tutela jurisdicional que lhe foi solicitada se houver dados bastantes para concluir, com certeza, pelo total alheamento das partes em relação à referida finalidade[6].
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No domínio da legislação do pretérito concorriam três modalidades de paralisação dos termos normais da acção, a saber: a suspensão, a interrupção e a deserção[7]. Actualmente a figura da interrupção encontra-se eliminada.
Prescreve o artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil que «no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre fazem notar que «no esquema do código revogado, tal como no do C.P.C. de 1939, a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da instância, quando as partes, máxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente»[8].
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro assinalam que «com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção»[9].
Buscando influência na lição de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na busca do lugar paralelo, um sector jurisprudencial defende que, para a verificação da negligência na falta de impulso no processo executivo, «o prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o acto que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não peremptório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. Segue-se assim o regime que anteriormente se aplicava, pelo menos, quando, não obstante a parte não tivesse o ónus de impulso subsequente, o juiz ordenasse que o processo aguardaria o requerimento das partes, sem prejuízo do disposto no art. 29-3-a Reg.Custas: o prazo conta-se a partir da notificação do despacho judicial e a deserção produz-se automaticamente com o seu decurso»[10].
A partir desta ideia formou-se uma corrente jurisprudencial que entende que com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transitou para a deserção, devendo aquela ser verificada, quanto ao processo declarativo e aos recursos, no despacho previsto no nº4 do artigo 281º do Código de Processo Civil. Em função disso, a verificação de tal negligência impõe que seja dada a possibilidade ao Exequente de se pronunciar previamente a propósito[11].
Nessa perspectiva, sempre que não resultarem elementos seguros sobre a negligência do exequente em promover os termos do processo, para que o Juiz possa concluir pela existência dessa inércia, o Tribunal deve ao abrigo do dever de cooperação, ouvir, previamente, as partes sobre a verificação da falta de impulso processual[12].
Ou, noutra formulação, estando apenas retratado nos autos, em termos de paralisação processual, a ausência de actos por parte do agente de execução, tal é insuficiente para, sem notificar o exequente para se pronunciar sobre tal paralisação processual, estabelecer a sua negligência na paragem do processo[13].
No entanto, naquele enquadramento também é dito que haverá situações em que o contraditório prévio se mostra, em face de elementos resultantes dos autos, desnecessário e inútil, tanto por a negligência ser já patente, como por ser evidente a falta dela[14].
Contudo, pergunta-se se será esta a solução preconizada pela lei?

A inexistência de movimento processual durante um prazo igual ou superior a seis meses pode ser imputável ao próprio tribunal (porque os ulteriores termos do processo dependem de um despacho judicial que ainda não foi proferido), pode ser imputável ao agente de execução (porque o processo aguarda a prática de actos que são da sua competência) ou pode ser imputável à parte (porque é esta que tem o ónus de praticar um determinado acto sem o qual o processo não pode prosseguir). E só no último caso se pode afirmar que o processo se encontra há mais de seis meses a aguardar impulso processual por negligência da parte em promover os seus termos e que, como tal, operou, de forma automática (ao fim dos seis meses), a deserção da instância[15].
Nos termos do nº 5 do artigo 281º do Código de Processo Civil, para se considerar deserta a instância será necessário, não apenas que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência (da parte) em promover o seu andamento.
No caso das acções executivas não se pode presumir que a inactividade da acção se deve à negligência do exequente, tendo em conta as competências cometidas aos agentes de execução, designadamente as diligências de penhora, ou venda, agindo este de forma autónoma, sendo que não é impossível, que a causa da paralisação dos autos seja atribuída aos ditos agentes[16].
A alocução negligência das partes pressupõe efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto[17]. Na verdade, a lei não faz apelo a um ideal de responsabilidade automática objectiva que integre a mera paralisação aparente decorrente da inoperância do agente de execução e antes exige a violação do dever de cuidado e diligência no accionamento das providências processuais adequadas à reparação efectiva do direito violado.
Seja pela falta de diligência em promover os termos da execução, seja por, face à inexistência de bens do Executado, não haver razões para esperar a satisfação do crédito exequendo, o comportamento omissivo da parte tem assim de ser apreciado e valorado, dado que a justa resolução da questão judicanda não abdica do hiato temporal mas também não se descola da questão base da dinâmica processual.
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Resulta tanto do texto legal – conforme ressalta da mera leitura do nº 3 do artigo 849º do Código de Processo Civil – como da operação de inferência lógica de regras imanentes, que nos processos executivos a lei não exige a prolação de qualquer decisão judicial a julgar a deserção, dado que a própria verificação da extinção da execução executiva também ocorre independentemente de decisão judicial.
Não obstante o artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil afirmar que se «considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial», tal não é impeditivo a que, por despacho, se proceda à apreciação da imputação subjectiva da paralisação processual. Todavia, na perspectiva legal essa actuação jurisdicional apenas deverá ocorrer sob impulso das partes e na resolução de uma dúvida fundada.
No entanto, esta actuação banalizou-se e, no quotidiano dos Tribunais, assiste-se progressivamente a uma intervenção substitutiva dos Juízes na deliberação de extinguir as execuções paradas por período superior a 6 meses. Na exposição de motivos da nova legislação adjectiva aponta claramente no sentido de evitar que «as execuções se prolonguem no tempo, muitas das vezes artificialmente (isto é, quando não há razões para esperar a satisfação do crédito exequendo)».
Na realidade, aquilo que, infortunadamente, sucede é que os juízes do processo estão fortemente influenciados por uma pressão estatística e, ao aperceberem-se que o processo se encontra parado há mais de seis meses, se substituem ao agente de execução na decisão de declarar extinto o processo, quando não dispõem dessa competência primária. Na medida em que se trata de um processo desjudicializado e com tramitação virtual, por vezes, também por falta da correcta colaboração dos agentes de execução, descura-se a avaliação da correcta razão de ser da paragem e essa constatação pelos Tribunais Superiores deu origem a emissão de uma linha jurisprudencial correctiva que impõe um passo procedimental que, salvo melhor opinião, não é querido pela lei.
Não se pode aqui estabelecer uma equivalência acrítica entre os requisitos exigíveis para a declaração da deserção na acção declarativa e respectivos incidentes com aqueles que deliberadamente foram objecto de decisão expressa do legislador no sentido de os afastar, sob pena de, assim sendo, se estimular uma interpretação contra legem e manifestamente antagónica à mens legis e que não se adequa às actuais especificidades da acção executiva. Esta interpretação correctiva acaba por não ter no texto da lei a mínima correspondência verbal e atinge a própria unidade do sistema jurídico.
Aliás, como é facilmente intuível, se o legislador houvesse querido uma plena comunhão de requisitos no accionamento dos mecanismos de aferição da negligência das partes na acção declarativa e nas execuções não teria editado o nº 5 do artigo 281º do Código de Processo Civil, bastando-se com as regras estabelecidas para a primeira.
Se ao agente de execução a quem cabe executar o arquivamento electrónico e automático do processo e a subsequente notificação da extinção da execução ao executado, exequente e credores reclamantes não é imposta uma notificação prévia no sentido de indagar o motivo da falta de impulso processual parece-nos evidentemente excessivo exigir esse procedimento a um Juiz de Direito que apenas actua de forma substitutiva e no uso de poderes de gestão processual, os quais, na generalidade, estão apenas estribados em factores relacionados com a monitorização e a estatística processual e não se mostram fundados em razões de justiça concreta.
Entende-se que o Tribunal não se pode limitar a constatar a falta de movimento processual para declarar deserta a instância e também não existe a obrigação legal de notificar o exequente para que este pronuncie sobre a razão da eventual inércia, quando é a própria lei que dispensa essa intervenção para se atingir o fim extintivo ali condensado.
Por conseguinte, na generalidade dos casos, não nos parece curial que, quando determine oficiosamente a extinção da instância, o juiz fique vinculado a emitir despacho preliminar destinado a notificar o exequente para se pronunciar sobre tal paralisação processual, circunstância essa que, além de estimular a burocracia processual e de fomentar artificialmente o prolongamento da lide, acaba por se constituir num mero alerta para o exequente impulsionar o andamento da causa.
Sempre que o julgador se pretenda substituir ao agente de execução na emissão da decisão de extinção da execução, aquilo que, à luz do novo desenho legal, aparenta maior razoamento é que o acto processual que determina a deserção da instância – a qual, reitera-se, na estrutura legal incumbe matricialmente ao agente de execução – esteja minimamente fundamentado.
Ou seja, o Tribunal deve exteriorizar os motivos em que factualmente se funda para concluir pela existência de negligência da parte activa, seja através da directa menção aos factos de suporte, seja pela remissão para autos físicos de peças processuais que foram tramitadas virtualmente (sendo aconselhável até a incorporação das mesmas nos autos enquanto não ocorrer a integração plena do sistema Citius nos Tribunais de recurso) e que justificam a sanção da extinção da instância.
Do ponto de vista processual aquilo que é necessário é que os autos evidenciem que, após a nomeação de bens à penhora ou de outro acto praticado pelo exequente, se desenvolveu uma tramitação processual intermédia – seja por iniciativa do agente de execução, seja através da intervenção subsidiária do Tribunal – que ilustre que a paragem do processo por um período superior a seis meses está alicerçada numa negligência da parte que deve promover o seu regular andamento.
A decisão do agente de execução é naturalmente reclamável para o juiz de execução [artigo 723º, nº 1, al. c)] e esta espécie de auto promovida funcionalização de poderes transforma assim uma resolução de agente de execução que era meramente objecto de reclamação numa decisão directamente impugnável por via recursal. Na realidade, à luz da al. c) do nº1 do artigo 723º, a decisão sobre actos e impugnações do agente de execução até nem é susceptível de recurso.
Assim sendo, em alternativa à ordem de notificação do exequente para se pronunciar sobre a sua possível inércia, quando essa informação não tenha sido disponibilizada nos autos, o Tribunal deverá notificar o agente de execução para dar cumprimento ao disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, seja através de despacho ad hoc ou, em respeito ao primado da desjudicialização, por intermédio da intervenção dos serviços de secretaria[18].
Depois disso, caso pretenda ter essa intervenção substitutiva, a qual não estava minimamente nos horizontes procedimentais e axiológico-normativos do legislador, no despacho que ordena a extinção da instância deve transmitir sumariamente a motivação que sustenta a decisão de considerar que a inércia na tramitação da execução se deve a comportamento negligente da parte activa, sob pena de falta de fundamentação.
Apesar do exequente estar habilitado a renovar a instância nos termos do disposto no artigo 850º, nº 5, do Código de Processo Civil, a decisão extintiva comporta um traço de punição cuja fundamentação deve permitir ao destinatário e à sociedade em geral compreender o motivo em que se justifica e permitir uma análise crítica da situação por parte dos Tribunais Superiores, sempre que a mesma seja admissível.
Recentemente foi divulgada uma outra linha de orientação que aponta para a nulidade da intervenção do juiz quando profere decisão extintiva do processo executivo[19]. Embora se parta do pressuposto da não competência primária do juiz para julgar extinta a instância executiva, não se comunga da solução ali encontrada que poderá acarretar um impacto sistémico cujos efeitos também não são queridos nem foram perspectivados pelo legislador, sempre que sejam levadas à letra todas as repercussões processuais associadas à incompetência funcional[20].
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Requisitada à primeira instância a documentação de suporte relacionada com a inércia do processo, é de concluir que, num primeiro momento, a paragem dos autos se deveu a mera negligência da parte activa, que notificada do resultado das diligências tendentes à realização das penhoras não promoveu o regular andamento dos autos.
Porém, na sequência do pedido de levantamento do sigilo, nada consta quanto à notificação das competentes informações obtidas, posto que, em face desse circunstancialismo, não podemos concluir que o exequente negou o necessário impulso à execução.
E, assim sendo, a decisão do Tribunal de primeira instância deve ser revogada, dado que o processo não se encontra a aguardar o impulso processual há mais de seis meses por negligência do exequente.

V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas nos termos e ao abrigo do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).

Évora, 26/01/2017

José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
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[1] Rui Pinto, Manual da Execução, pág. 134.
[2] Aqui aplicável, na redacção introduzida pela Portaria nº233/2014, de 14/11.
[3] No desenvolvimento da ideia expressa no preâmbulo da Portaria nº 282/2013, de 29/08, o artigo 62º, nº 1, desse instrumento legislativo, preceitua que «o sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução assegura a disponibilização ao exequente, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, no endereço http://citius.tribunaisnet.mj.pt, de informação sobre: a) O resultado das diligências prévias à penhora, previstas nos artigos 748º e 749º do Código de Processo Civil; b) Todas as demais diligências efectuadas pelo agente de execução ou sob sua responsabilidade; c) O motivo de frustração da penhora (nº 1)».
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/06/2014, in www.dgsi.pt.
[5] Decisão Sumária de 10 de Maio de 2016, proferida pela Exma. Sr.ª Desembargadora Sílvia Pires nos autos de Apelação nº 191/12.8TBTBU.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra, citada no Acórdão de 14/06/2016 desse Tribunal, in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/02/2015, in www.dgsi.pt.
[7] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, págs. 226-227.
[8] Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 555.
[9] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, Coimbra 2013, págs. 249- 250.
[10] Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 557.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/07/2015, in www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2015, in www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/12/2015, in www.dgsi.pt.
[14] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/02/2015, 12/05/2015, 16/06/2015, 9/07/2015, 15/10/2015 e 4/11/2015, do Tribunal da Relação do Porto de 28/10/2015 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/12/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/06/2016, in www.dgsi.pt.
[16] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/07/2016, in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/12/2015, in www.dgsi.pt.
[18] Admite-se que essa intervenção possa ter na sua origem uma ordem genérica de uniformização de procedimentos alcançada através de provimento, se o juiz de direito competente assim o entender, na medida em que se está perante a obtenção de uma mera informação não impugnável por via de recurso.
[19] Face à importância da solução ali vertida, cumpre, ainda assim, fazer uma referência pontual ao decidido nesse arresto. Esse acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 15/12/2016, in www.dgsi.pt, sustenta que «pese embora a pouca clareza do texto do preceito quanto à competência para determinar a deserção da instância, entendemos que, sem prejuízo do disposto no art.º 723º, n.º1, alíneas c) e d) do NCPC, e não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao Agente de Execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1 do NCPC, decidir, em primeira linha, da deserção da instância do processo executivo. 2. Assim sendo, e não se estando perante uma situação enquadrável nas alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 723º do NCPC, não tem o Sr. Juiz “a quo” competência para determinar a deserção da instância».
[20] Por isso, na presente situação se optou por fixar um efeito com alcance mais restrito do que aquele decorria da aplicação das regras associadas à incompetência funcional.