Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
532/16.9T8ABT.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I – Estando em causa a prolação de decisão baseada em fundamento não considerado pelas partes e que conduz à aplicação de regime jurídico diverso do que fora por estas equacionado, impõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a audiência prévia das mesmas, devendo ser alertadas para a eventualidade de vir a decisão a ser proferida no âmbito daquele quadro normativo e ser-lhes facultada a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão de direito nova;
II – Não tendo o Tribunal auscultado as partes previamente à prolação da sentença, na qual foi o réu absolvido do pedido com base em regime jurídico por aquelas não equacionado e relativamente ao qual não tomaram posição, verifica-se que a omissão do convite à emissão de pronúncia sobre a questão de direito oficiosamente suscitada influiu na decisão da causa, assim constituindo nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC;
III – Se a nulidade só se manifesta com a prolação da decisão, é de considerar tempestiva a arguição da nulidade nas alegações do recurso interposto da decisão;
IV – A nulidade importa a anulação da decisão recorrida, se influiu no sentido do decidido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
BB e CC intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra DD, pedindo a condenação do réu: a) a pagar à autora quantia não inferior a € 780, a título de indemnização por danos causados no veículo …-…-HD; b) a pagar ao autor quantia não inferior a € 48,13, a título de indemnização por danos causados no veículo …-…-CX; c) a pagar ao autor quantia não inferior a € 1400, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da aplicação de vigas no anexo identificado nos autos, nos termos relatados na petição inicial; d) a realizar as obras necessárias a evitar futuras infiltrações no prédio do autor, a determinar em execução de sentença; e) a pagar a cada um dos autores quantia não inferior a € 1500, a título indemnização por danos não patrimoniais; f) a pagar juros de mora, à taxa legal, sobre as indicadas quantias, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Os autores formulam os aludidos pedidos a título de indemnização pelos danos que alegam ter sofrido em consequência de estragos em veículos de que são proprietários, causados no decurso da realização de obras em imóvel pertencente ao réu, bem como de estragos em imóvel pertencente ao autor, causados pela colocação de vigas em anexo integrado em imóvel contíguo pertencente ao réu, pretendendo sejam realizadas as obras necessárias a evitar danos futuros no prédio do autor, como tudo melhor consta da petição inicial.
O réu contestou, defendendo-se por exceção – invocando a ilegitimidade passiva e sustentando que, sendo casado, a ação deveria ter sido intentada contra ambos os cônjuges – e por impugnação, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Por despacho de 02-12-016, os autores foram convidados a pronunciar-se quanto à matéria de exceção arguida na contestação.
Os autores apresentaram articulado, no qual se pronunciam no sentido da não verificação da exceção arguida e requereram, subsidiariamente, a intervenção provocada de EE, cônjuge do réu.
Por despacho de 22-02-2017, foi admitida a intervenção principal de EE.
Citada, a chamada não apresentou articulado ou qualquer declaração.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador – no qual se considerou sanada a exceção da ilegitimidade passiva deduzida pelo réu –, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo o réu e a interveniente do pedido e condenando os autores nas custas.
Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que condene os recorridos a pagar aos recorrentes os montantes indemnizatórios que indicam, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 – O facto provado da alínea T) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “Na ocasião em que os Autores se encontravam no Algarve a passar férias, no verão de 2014, o Réu decidiu construir, pelo interior da sua propriedade, um muro em blocos que ficou encostado ao muro do Autor, a uma altura superior a este, tendo adquirido blocos com acabamento especial, e dado serventia em conjunto com um amigo, e contando com a ajuda de um pedreiro”;
2 – Esta alteração resulta da circunstância de compaginando os depoimentos das testemunhas, se constatar que a obra de construção do muro em blocos ter decorrido com intervenção e sob direcção directa do Recorrido marido, que contou com a ajuda de um pedreiro para assentar blocos, tendo a serventia sido prestada pelo próprio Recorrido e, pontualmente, por um amigo e vizinho deste;
3 – A este respeito, a testemunha Eduardo …, pedreiro que auxiliou na obra, referiu expressamente o seguinte: “(0:06:40.4) Eu é que era para o ir pintar mas ele depois disse, epa, eu desenrasco-me ca de cima, em cima do cavalete.”;
4 – Por outro lado, inquirida sobre esta matéria, a testemunha Amílcar …, referiu: “0:04:05.5 - O pedreiro era uma pessoa conhecida ou ainda parente do Sr. DD” e mais à frente à questão “E quem é que andou lá a fazer o muro, andou lá o senhor, andou esse tal sr. pedreiro, e?” respondeu “0:07:49.6 E o DD, o DD também ajudava, o dono, era o dono da obra.”, referindo que o Sr. DD “0:07:58.5 Era servente também, o profissional era o outro senhor.”;
5 – Destes depoimentos resulta que, conforme refere a testemunha Amílcar … que “0:04:05.5 – O pedreiro é uma pessoa conhecida ou ainda parente do Sr. DD”, pelo que se tem de admitir a possibilidade de se ter tratado de um trabalho gratuito, de parente para parente;
6 – Por outro lado, a testemunha Eduardo … referiu que “0:05:04.6 (…) sim senhor foi comprar os blocos com acabamento especial (…)”, motivo pelo qual o pedreiro não forneceu qualquer material para a obra;
7 – Acresce ainda referir, que o Recorrido marido é que pintou os blocos aplicados e não o pedreiro, conforme resulta do depoimento da testemunha Eduardo …, que relatou: 0:06:32.6 A parte de pintura foi .... ele disse que pintava ele” e “0:06:35.6 O Sr. DD” e mais à frente “0:06:40.4 Eu é que era para o ir pintar mas ele depois disse, epa, eu desenrasco-me ca de cima, em cima do cavalete.”;
8 – Também das inquirições realizadas e do depoimento da testemunha Amílcar …, resulta que o Sr. DD fazia a massa, o amigo ajudava a por alguns tijolos lá em cima e o pedreiro assentava;
9 – Alude-se, também, nesse facto T), bem como no M), a um encosto a um muro comum e a uma separação efectuada por um muro comum entre ambos os proprietários, sendo que, para chegar a essa conclusão o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo baseou-se no depoimento do anterior proprietário que vendeu ao Recorrente BB;
10 – Contudo, do ponto de vista técnico, os Srs. Peritos ao elaborarem o relatório pericial tiveram diferente opinião, nomeadamente na resposta ao quesito 2, pág. 6 do Relatório Inicial: “O limite que separa o prédio do A. BB e do R. é constituído por 2 muros a par da alvenaria de blocos de cimento, com alturas variáveis e com uma extensão total (desde o limite com a via pública e as primeiras edificações localizadas do lado do prédio do A. BB) de 19,44 metros.”;
11 – E, também na audição realizada aos Srs. Peritos, em audiência de julgamento, confrontados com a questão de saber se “ o limite que separa o prédio do autor BB e do Réu é constituído por dois muros a par de alvenaria de blocos, esses dois muros que estão a par, evidenciam ser autónomos ou não? Ou seja ser um muro do prédio do autor e outro muro do prédio do réu?” responderam “0:12:06.3 - Sim.” e mais à frente “0:21:46.3 - O muro de vedação é um do autor e um do réu.”, tendo chegado a essa conclusão “0:21:48.1 - Pelo licenciamento, porque no licenciamento do autor está aquele muro de vedação.” e ainda 0:22:34.5 - Mas nós estamos a ir mais tarde, estamos a ir ao licenciamento inicial, e no licenciamento inicial do antigo proprietário aparece esse muro.
12 – Face à circunstância de no licenciamento o muro do Recorrente BB constar no projecto como fazendo parte integrante da sua propriedade, tem que levar a desconsiderar-se a alusão a “muro comum” constante dos factos T) e M);
13 – Deste modo, o facto da alínea M) deve passar a ter a seguinte redacção: “A separação entre os prédios do Autor BB e do Réu é efectuada por um muro, que se desenvolve em “degraus” ou “escadas” e que, no licenciamento camarário inicial surge como fazendo parte exclusivamente do prédio do Autor”;
14 – Deu-se como provado no facto AB), que “Foram as pessoas que o Réu contratou para fazer tais trabalhos, que procederam à construção e pintura do muro.”;
15 – Contudo, não existem evidências no depoimento das testemunhas que o Recorrido marido tenha contratado pessoal para fazer tais trabalhos e que, nomeadamente, a pintura do muro tenha sido realizada por terceiros;
16 – Conforme já se deixou expresso e consta dos depoimentos transcritos em relação à imputação dos factos T) e M) e resulta do depoimento das testemunhas Eduardo … e Amílcar …, o Recorrido marido adquiriu o material, deu serventia e acompanhou a obra do princípio ao fim; o vizinho Amílcar pontualmente também ajudou na serventia e o pedreiro assentou e fez os acabamentos finais;
17 – A este respeito, a testemunha Eduardo … referiu o seguinte: “0:05:04.6 Como é que eu fiz, não precisei, o Sr. DD queria meter blocos para ser rebocados ou tijolo, e eu disse ao Sr. DD que há uns blocos especiais agora, que já com acabamento próprio, que não é preciso ir lá para o vizinho do lado, eu consigo fazer o muro aqui do seu lado, e do lado dele e betumar as juntas e passar a esponja sem pisarmos o terreno do vizinho do lado. Então ele concordou comigo, sim senhor foi comprar os blocos com acabamento especial, que dá para pintar e que se pode pintar cá de cima também com um rolo, a ponta de um pau não tem problemas nenhuns sem pisa o terreno do vizinho”;
18 – E a testemunha Amílcar … declarou, nomeadamente, “0:04:05.5 - O pedreiro era uma pessoa conhecida ou ainda parente do Sr. DD” e “0:04:51.3 - Eu andei lá aí dois dias, mas não era dia inteiro, eram uns bocados só.” E mais à frente “0:07:49.6 - E o DD, o DD também ajudava, o dono, era o dono da obra.”, e ainda “0:07:58.5 – Era servente também, o profissional era o outro senhor”;
19 – A mesma testemunha, confrontado com a seguinte questão: “0:08:03.8 – Advogado - Portanto um fazia a massa que era o DD, o Senhor punha os tijolos lá em cima, e o outro assentava?” respondeu “0:08:07.0 - Pois, pois sim.”, e questionado sobre quem é que pintou o muro, declarou: “0:12:18.7 Eu não vi, mas acho que foi o DD que o pintou, porque ele, a gente as vezes falava, e ele disse que pintava o muro, até disse que o pintava só pelo lado dele.”;
20 – Assim, o facto da alínea AB) deve passar a ter a seguinte redacção: “Tais trabalhos foram realizados pelo Réu com auxílio de outras pessoas, tendo o Réu procedido à pintura do muro”;
21 – O facto AK) deve ser alterado no sentido de constar: “O Réu que decidiu construir e que pintou o muro, colocou por cima do Xantia um pano branco, por cima do tejadilho, e umas tábuas sobre o pano a segurar.”;
22 – Esta alteração resulta do facto de ter sido o Recorrido marido que pintou o muro, conforme depoimentos atrás transcritos;
23 – Sendo que, quanto à colocação dos panos no tejadilho, também foi da iniciativa e realizado pelo mesmo, conforme declaração do Recorrido marido “(00.13.37) “Pusemos lá umas mantas velhas e um plástico e um pedaço de esferovite” e da testemunha Eduardo … “0:06:15.0 - Não foi necessário, o Sr. DD ainda foi buscar umas mantas para proteger os carros , e eu disse ao Sr. DD, você faz isso porque quer, mas isso não é necessário porque eu não vou sujar nada disso, mas ele tapou-os.”;
24 – O facto da alínea AR), deve passar a ter a seguinte redacção: “O muro que o Réu decidiu construir e que ajudou a edificar, ficou por pintar, naquela parte do prédio do Autor, onde ficou estacionado o veículo Xantia, por falta de espaço para o efeito”;
25 – Esta alteração resulta do já proposto relativamente às alíneas T) e M), para que exista consonância com as mesmas;
26 – O facto não provado da alínea A) deve passar para Provada e ter a seguinte redacção “O muro aludido na al. M) dos factos provados é propriedade do Autor BB”; e no que concerne à alínea B), deve a mesma passar para Provada e com a seguinte alteração: “O muro que o Réu mandou construir ficou encostado ao muro do Autor”;
27 – Tal resulta de tudo o que deixou referido na abordagem relativamente à alteração da alínea M), dos factos provados, tendo os Srs. Peritos concluído, sem margem para dúvida, que existem dois muros de vedação e que “o muro de vedação é um do autor e um do réu.”;
28 – Tendo os Srs. Peritos referido que chegaram a essa conclusão “Pelo licenciamento, porque no licenciamento do Autor está aquele muro de vedação”, referindo que esse muro “está nas peças desenhadas” e, referiram ainda que “estamos a ir ao licenciamento inicial e no licenciamento inicial do antigo proprietário aparece esse muro”;
29 - Ou seja, o antigo proprietário, que vendeu ao Recorrente, no respectivo projecto de licenciamento menciona o muro originário como estando integrado no lote que foi vendido ao Recorrente BB;
30 - Esta posição resulta, ainda, da resposta dada pelos três peritos em relação ao quesito 2º, a páginas 6 do Relatório Pericial, bem como no Relatório Complementar, através do qual prestaram esclarecimentos, questionava-se: “A que parede em concreto se reporta a resposta que deram ao artigo 61º da petição inicial e qual a titularidade dessa parede”, sendo que os Srs. Peritos responderam, sem margem para dúvidas, o seguinte: “De acordo com o projecto de licenciamento aprovado, a parede é do Autor”;
31 – No que concerne à alínea D) dos factos não provados a mesma deve passar a ter a seguinte redacção: “A parede do prédio do Autor apresenta fissuras pontuais no reboco e em alguns azulejos na parede da cozinha do Autor BB, do lado do prédio do Réu e na ligação entre a parede exterior do prédio do Autor BB e, entre a cobertura do prédio do Réu, observa-se uma fissura contínua”, passando, assim, a facto provado;
32 – Esta alteração deve-se ao facto dos Srs. Peritos, na resposta dada ao ponto 58º da petição inicial, confirmaram o seguinte: “Observam-se fissuras pontuais no reboco e em alguns azulejos da parede da cozinha do Autor BB e do lado do prédio do Réu.
Na ligação entre a parede exterior do prédio do Autor BB e a cobertura do prédio do Réu observa-se uma fissura contínua, pelo que se julga por ser esta a origem das infiltrações mencionadas no processo pelo Autor”;
33 – As alíneas E) e F), dos factos não provados, devem ser condensadas numa única alínea com a seguinte redacção: “O Réu abriu três aberturas numa parede exterior confinante com a parede da edificação do Autor BB, as quais têm como função suportar o topo de vigas de madeira sobre as quais assenta a cobertura de um anexo, cuja profundidade permite perceber que as mesmas se desenvolvam parcialmente na parede do prédio do Autor BB, em cerca de 5cmt. O que provocou dano no prédio do Autor”;
34 – Tal deve-se à circunstância do que resulta do depoimento das testemunhas, nomeadamente da testemunha Vítor …, a qual declarou que existiam humidades na parede do Recorrente “0:02:17 Do lado, do outro senhor do lado”, e que antes de realizar os trabalhos pelos quais foi contratado pelo Recorrente viu “0:02:32 -Sim humidades, e azulejos partidos, estalados”, tendo confirmado a existência de fissuras (0:02:50);
35 – A mesma testemunha confirmou que após as conclusões dos trabalhos, foi chamado novamente pelo Recorrente, por se manter a humidade na parede “0:03:20 Depois de eu acabar o telhado, fizemos contas, pagou-me, não me ficou a dever nada, passado uns dias chamou-me lá outra vez, “afinal tenho aqui humidades outra vez na parede, eu disse oh DD não pode ser, então isso está tudo bem, mas pronto vamos por aqui um bocado de tela líquida em volta da chaminé, por cima dessa parede, que liga para o vizinho, que essa parede tinha humidades, pus em cima dessa parede, está lá que se pode ver - impercetível – e o assunto assim ficou resolvido” e ainda “0:03:48 – Passados uns dias chama-me ou outra vez, e eu disse, não pode ser, andei cá espreitar, uma casinha encostada a essa casa com as vigas enfiadas nessa parede, e eu disse olha talvez seja daí.
36 – E a mesma testemunha, referiu, mais adiante do seu depoimento, que “0:05:15 “Eu vi lá uma barraquinha, com umas vigas metidas para a parede do Sr. DD, porque o senhor tem, o muro pegado à parede do Sr. DD e mete as vigas em cima, talvez aquilo não acontecia, ele abriu uns buracos e meteu as vigas na casa do senhor DD, e não acompanhou, aquilo não estava acompanhado”; e mais à frente, referindo-se ao Recorrente “0:10:19 Acho que ele também não sabia nada”;
37 – Da conjugação das respostas periciais com o depoimento da testemunha, nomeadamente conforme resulta da fotografia junta a folhas 4, do 1º Relatório Pericial e a folhas 3 do Relatório Complementar, entendem os Recorrentes que se do lado do prédio do Recorrido foi possível observar a existência de aberturas na parede exterior confinante com a parede da edificação do Recorrente DD, de acordo com as regras da experiência comum, com certeza que não foi o Recorrente que abriu essas aberturas, só se podendo concluir que foi o Recorrido que as realizou, o que provocou danos no prédio do Recorrente, aberturas essas com uma componente algo desleixada e arcaica, com a função de suportar o topo de vigas de madeira sobre as quais assenta a cobertura de um anexo propriedade dos Recorridos;
38 – Também resulta do depoimento prestado pelos Srs. Peritos que com a aplicação das três vigas “0:06:21 – Ou seja, aquilo que dá a entender, e que nesta…(impercetível) mas na que está no processo que foi a cores, dava a entender é que tinha sido partido o reboco e um canudo do tijolo da parede do autor” e reportando-se ao comprimento “0:06:48 – Se o reboco tiver um 2 centímetro, mais o canudo do tijolo 3 cm, eventualmente 5 cm.” Tendo provocado os danos “0:09:06 – O partir do reboco e o canudo tijolo por ter fissurado esta junta do telhado (…) porque se vibrou as paredes”;
39 – A alínea K) dos factos não provados, tem de ser dada como provada, com a seguinte redacção: “Com a reparação o Autor BB gastou a quantia de € 1.200,00.”, face ao teor do depoimento confirmativo do pedreiro contratado pelo Recorrente, o qual inquirido sobre quanto é que o Sr. DD lhe pagou, respondeu: “0:11:33 – Ora, uma vez 600, outra vez 600, 1200, 1200, mil duzentos e tal, entre os mil e duzentos.”;
40 – Quanto ao Direito, a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo enferma de um vício de nulidade, pelo facto de se ter considerado a existência de um contrato de empreitada entre os Recorridos e um Pedreiro, à revelia do articulado pelos mesmos, que nunca mencionaram factos que pudessem enquadrar o contrato como empreitada e sem que fosse concedido às partes o contraditório prévio, nos termos do artigo 3º, nº 3, do CPC, o que deveria ter sido realizado, pelo menos antes de ter sido proferida a sentença;
41 – No caso concreto, o Tribunal dispõe de elementos necessários para concluir que inexiste esse modelo de contrato, dado que, com as alterações apresentadas é manifesto que a obra foi realizada pelos Recorridos, em regime de administração directa, tendo sido o Recorrido marido que comprou os blocos especiais, que acompanhou a obra no dia a dia, fazendo a massa e dando serventia, em conjunto com um amigo e contando com a ajuda de um pedreiro, sendo que, para finalizar, foi o próprio Recorrido marido que pintou parcialmente os blocos;
42 – Deste modo, a responsabilidade dos Recorridos tem que ser aferida à luz das regras da responsabilidade civil extra contratual, prevista no artigo 483º, do Código Civil;
43 – No caso concreto encontram-se verificados todos os requisitos previstos nesse preceito legal, a nível do facto ilícito, dano, nexo de causalidade e culpa;
44 – Os Recorridos, ao erigir o muro, permitiram que daí resultassem danos nos veículos dos Recorrentes, o mesmo ocorrendo na cozinha rústica cuja parede foi esburacada com vigas provenientes do prédio dos Recorridos, violando assim, de forma injustificada, o direito de propriedade dos Recorrentes;
45 – E de todo esse circunstancialismo resultaram ainda danos não patrimoniais, traduzidos no stress, ansiedade e angústia que a violação dos direitos dos Recorrentes e o distúrbio do seu bem-estar e paz lhes causaram, que igualmente resultaram do comportamento ilícito dos Recorridos, o qual podiam ter evitado, mas optaram por não o fazer, os quais pela sua gravidade são objecto da tutela do Direito nos termos do artigo 496º do Código Civil;
46 – Nesta conformidade deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene os Recorridos a pagar aos Recorrentes, os danos patrimoniais dados como provados nas alíneas AT) no valor de € 780,00; alínea AV) no valor de € 48,13 e de € 1.200,00 relativamente às reparações efectuadas e ainda, de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, sendo € 1.500,00 para cada um dos Recorrentes;
47 – Mostra-se violado o preceituado nos artigos 3º, nº 3 e 615º, nº 1 al.s c) e d) do CPC; e 483. 496º, 564º, 1207º e 1225º, do Código Civil.»
O réu apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da obrigação de pagamento pelo réu das quantias peticionadas pelos autores.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
A) O Autor BB é proprietário do prédio urbano sito na Rua …, Casal da Preta, nº … em Abrantes, composto de moradia unifamiliar, com a superfície coberta de 192 m2 e logradouro com 328 m2, matricialmente inscrito sob o artigo …º, da actual União das Freguesias de Abrantes ( São João e São Vicente) e Alferrarede, sendo que este prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, a favor do Autor Celso Ferreira, pela Ap. ….
B) Este prédio do Autor confronta, do lado nascente, com o prédio do Réu, que serve de casa de morada da família do Réu e do seu cônjuge, a ora interveniente.
C) Os Autores vivem em união de facto.
D) Em finais de Julho de 2014, deslocaram-se, para o Algarve, para gozarem de um período de férias.
E) No logradouro frontal do prédio do Autor BB, ficaram estacionados dois veículos.
F) Um veículo com a matrícula …-…-HD, marca Citroen Xantia, propriedade da Autora CC.
G) E um veículo de marca Renault Clio, com a matrícula …-…-CX, naquela ocasião, propriedade do Autor BB.
H) Quando os Autores se deslocaram para o Algarve para passar férias, os veículos supra identificados, ficaram estacionados no logradouro do prédio do Autor BB.
I) Mais concretamente na rampa de acesso à casa de habitação, pois nesse local o piso do prédio do Autor forma uma rampa, no sentido ascendente.
J) A qual parte, do inicio, junto do portão de entrada, e se desenvolve até às traseiras do prédio.
K) O prédio, pela frente, tem um muro e dois portões que os Autores deixaram fechados à chave quando se ausentaram para gozarem o referido período de férias.
L) O corredor ou rampa do prédio do Autor, no início, é largo mas, nas traseiras, estreita para cerca de dois metros de largura, devido à existência de uma entrada lateral, com escada e varanda, para o prédio do Autor.
M) A separação entre os prédios do Autor BB e o do Réu é efectuada por um muro comum a ambos os proprietários, que se desenvolve em “escada” ou degraus.
N) Na entrada, junto ao portão principal, o muro tem a altura de cerca de 1,30 metros, a contar do solo, ao longo do comprimento de cerca de cerca de 2 metros.
O) Depois, sobe e existe um segundo vão, com a altura de cerca de 1,30 metros, a contar do chão e o comprimento de cerca de 2 metros.
P) De seguida, o muro volta a subir e forma um terceiro vão, com a altura de cerca de 1,10 metros, a contar do chão e o comprimento de cerca de 2 metros.
Q) Existe um quarto vão, com a altura de 0,85 metros, a contar do chão e o comprimento de cerca de 2 metros.
R) Seguidamente, existem um quinto e um sexto vão, ambos com a mesma altura de cerca de 0,85 metros, a contar do chão, e o comprimento de cerca de 2 metros.
S) A largura do muro é igual ao longo de todo o comprimento e é de cerca 15 centímetros.
T) Na ocasião em que os Autores se encontravam no Algarve a passar férias, no Verão de 2014, o Réu mandou construir, mediante um preço não concretamente apurado, pelo interior da sua propriedade, um muro em blocos que ficou encostado ao muro comum, a uma altura superior à deste.
U) Junto ao primeiro vão, a contar da estrada, o muro do Réu ficou cerca de 0,40 metros acima do muro pré-existente.
V) Junto do segundo vão, ficou cerca de 0,65 metros acima do muro pré-existente.
W) Junto do terceiro vão, ficou cerca de 0,70 metros acima do muro pré-existente.
X) Junto ao quarto vão, ficou cerca de 0,87 metros acima do muro pré-existente.
Y) Junto ao quinto vão, ficou cerca de 0,93 metros acima do muro pré-existente.
Z) Junto ao sexto e último vão, ficou cerca de 0,78 metros acima do muro pré-existente.
AA) O Réu aproveitou a ausência dos Autores, em férias, para complementar e pintar aquele seu muro.
AB) Foram as pessoas que o Réu contratou para fazer tais trabalhos, que procederam à construção e pintura do muro.
AC) O veículo Citroen Xantia havia ficado estacionado em frente ao terceiro vão do muro, a contar da entrada principal.
AD) A uma distância do muro de cerca de 10 centímetros, o que impossibilitou a pintura desse vão do lado do Autor.
AE) O veículo Renault Clio havia ficado estacionado entre o primeiro e o segundo vãos do citado muro, a contar da entrada principal.
AF) Distando deste, cerca de 30 centímetros.
AG) Os Autores deixaram os veículos sem qualquer cobertura, na medida em que se encontravam no interior do prédio do Autor, o qual se encontrava com os portões de acesso fechados à chave.
AH) Quando os Autores se encontravam no Algarve a passar férias, em data não concretamente apurada, mas situada em finais de Julho ou início de Agosto de 2014, as pessoas que andavam a construir e a pintar o muro do Réu, chegaram a pisar o prédio do Autor.
AI) Para permitir a construção e a pintura do muro, tais pessoas, do lado da propriedade do Réu, colocaram uma escada junto ao muro, que foi utilizada para permitir o acesso entre as duas propriedades.
AJ) Ao construírem e pintarem o muro, por falta de cuidado, salpicaram de cimento o veículo Xantia, nomeadamente no tejadilho, no lado direito, no guarda lamas, no puxador, nas jantes, na traseira, nos vidros e até no chão do logradouro do Autor existiam vestígios de cimento.
AK) As pessoas que construíram e pintaram o muro do Réu, também colocaram, por cima do Xantia, um pano branco por cima do tejadilho e uma tábuas colocadas sobre o pano para o segurar.
AL) O que se revelou inútil, porque esse veículo já estava todo salpicado de cimento.
AM) E, durante a execução dos trabalhos de reboco, as tábuas foram apoiadas no tejadilho do veículo Xantia, o que deixou amolgadelas no veículo, a meio do tejadilho.
AN) As pessoas que, a mando do Réu, procediam a tais trabalhos de construção e pintura do muro, escalaram os muros de separação entre os dois prédios, usando a referida escada, sendo que, nesse local, o muro comum tem cerca de 1,10 metros e o muro do Réu tem cerca de mais 70 centímetros acima, no total de cerca de 1,80 metros.
AO) Em consequência dos referidos trabalhos, o veículo Renault ficou com o vidro da porta do “pendura” picado com salpicos de limalha.
AP) O que resultou de projecção de limalha devido ao uso de uma rebarbadora.
AQ) Isto porque, o Réu aproveitou, igualmente, a ausência dos Autores também para mandar cortar vários tubos de ferro, tipo “latada”, para suporte de videiras.
AR) O muro que o Réu mandou construir, ficou por pintar, naquela parte do prédio do Autor, onde ficou estacionado o veículo Xantia, por falta de espaço para o efeito.
AS) Os Autores tiveram conhecimento de toda esta situação, quando se encontravam de férias no Algarve, aproximadamente nos dias 5 ou 6 de Agosto de 2014, porque o pai da Autora, Manuel F…, os informou do sucedido.
AT) A construção e pintura do muro do Réu causou danos no veículo Xantia, dado que o cimento secou e deixou manchas, marcas e pontos de corrosão, que só podem ser resolvidos com a remoção do cimento, aplicação de aparelho de enchimento e tinta, o que tem custos não inferiores a € 780,00, porquanto a situação persiste.
AU) Este veículo havia sido pintado, de novo, em 27 de Junho de 2014, tendo sido paga, para o efeito, a quantia de € 676,50.
AV) O dano provocado no Renault Clio obrigou à aquisição de um vidro novo, cujo custo estimado é de € 48,13.
AW) O Réu tem um anexo no seu prédio, destinado a arrecadação e que confina directamente com o prédio do Autor, com cerca de 25m2.
AX) Este anexo está situado mais concretamente na zona em que, do lado da propriedade do Autor, se localiza uma cozinha rústica.
AY) Para além desse, o Réu tem outro anexo, destinado a garagem, que foi edificado com a construção originária.
AZ) Na zona de confinação entre a arrecadação do Réu e a cozinha rústica do Autor, a parede do lado do prédio do Autor apresenta uma fissura e existem infiltrações de águas para o interior do prédio do Autor.
BA) Esta fissura é uma fissura contínua e localiza-se entre a parede do prédio exterior do prédio do prédio dos Autores e a cobertura do prédio do Réu, sendo a mesma que provoca as infiltrações de água, o que sucede, não só no prédio do Autor, como também no prédio do Réu.
BB) Com os danos provocados nas viaturas automóveis, os Autores sentiram-se nervosos, tristes, angustiados e revoltados.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A) Que o muro aludido na al. M) dos factos provados seja propriedade do Autor BB.
B) Que o muro que o Réu mandou construir, tivesse ficado encostado ao muro do Autor (na realidade, ficou encostado ao muro comum).
C) Que os vários tubos de ferro, tipo “latada”, para suporte de videiras aludidos na al. AQ) dos factos provados tivessem sido inseridos no muro do Autor BB.
D) Que a parede do lado do prédio do Autor apresente mais do que uma fissura e que apresente, também, rachaduras.
E) Que as mesmas, juntamente com a fissura existente, tenham tido a sua causa na aplicação de vigas, por parte do Réu, no seu anexo, pelo interior da parede do seu prédio, sem o conhecimento ou a autorização do Autor BB.
F) Que, para esse efeito, o Réu tivesse esburacado a parede do prédio do Autor BB, naquela zona de confinação em três locais, (em três pontos da viga), ou seja, entrou com as vigas na parede do prédio do Autor BB, mas não foram isoladas e motivaram a entrada da água.
G) Água essa que escorria e caía numa zona em cima da bancada da cozinha rústica e que provinham dessa parede.
H) O que fez com que alguns azulejos estalassem ao colocar as vigas.
I) Para além de que, o próprio esquentador que o Autor BB aí tinha, enferrujou devido a essas infiltrações.
J) O Réu, só em finais de Junho de 2014 e após ter sido alertado, acabou por cortar as vigas, retirando-as da parede que abusiva e danosamente ocupou.
K) Com a reparação, o Autor BB gastou a quantia de € 1.400,00.
L) Que as férias dos Autores, no Algarve, em 2014, tivessem ficado irremediavelmente comprometidas desde o momento em que Manuel F… os informou dos acontecimentos.
M) Com as actuações descritas, ocorridas durantes essas férias, o Réu tivesse afectado o repouso, a tranquilidade e o descanso dos Autores.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Pretendem os autores, com a presente ação, ser indemnizados pelos danos resultantes de estragos causados nos veículos automóveis e no bem imóvel que identificam, dos quais são proprietários, em consequência de obras realizadas pelo réu num bem imóvel de que é proprietário, confinante com aquele. A decisão recorrida considerou que as obras em causa foram executadas por meio de contrato de empreitada outorgado entre o réu e terceiro e entendeu não poder o réu, atenta a sua qualidade de dono da obra, ser responsabilizado pelos danos causados pelas obras, dado serem os trabalhos orientados pelo empreiteiro, em consequência do que o absolveu dos pedidos formulados.
Os apelantes arguiram a nulidade da decisão recorrida, com fundamento, conforme sintetizam na conclusão 40.ª das alegações apresentadas, no facto de se ter considerado a existência de um contrato de empreitada entre os recorridos e um pedreiro, à revelia do articulado pelos mesmos, que nunca mencionaram factos que pudessem enquadrar o contrato como empreitada e sem que fosse concedido às partes o contraditório prévio, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o que deveria ter sido realizado, pelo menos antes de ter sido proferida a sentença.
Sustentam os recorrentes que as partes, seja nos respetivos articulados ou em sede de julgamento, nunca levantaram a questão da existência de um contrato de empreitada, sendo que os temas da prova igualmente não versam sobre qualquer tipo contratual, pelo que o enquadramento jurídico efetuado na decisão recorrida constituiu uma surpresa, ao considerar a existência de um contrato de empreitada; acrescentam que deveriam as partes ter sido convidadas a pronunciar-se sobre a possibilidade de ser efetuado tal enquadramento jurídico, assim como a suprir quaisquer exceções de ilegitimidade que daí pudessem decorrer, concluindo que a omissão de tal convite configura violação do princípio do contraditório, nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Vejamos se lhes assiste razão.
Os autores, na petição inicial, alegaram que o réu, sendo proprietário de um prédio urbano confinante com um prédio urbano pertencente ao autor, construiu um muro e realizou no respetivo imóvel as demais obras que descrevem, o que executou com recurso a pessoas a seu mando, tendo com essas obras provocado danos aos autores. Na contestação, o réu impugna parte da factualidade alegada pelos autores, designadamente os factos relativos aos danos invocados, mas admite ter construído o muro, não alegando a existência de qualquer contrato de empreitada que tenha celebrado com terceiros para executar a obra, nem que lhe não coubesse a orientação da efetivação dos trabalhos.
No despacho saneador, por seu turno, em matéria de exceções, apenas se fez menção à ilegitimidade passiva arguida pelo réu na contestação, a qual foi considerada sanada, inexistindo qualquer referência à alegação de matéria que se considere poder afastar a responsabilidade do réu por danos eventualmente provocados pelas obras, designadamente a circunstância de as obras serem executadas por meio de algum contrato no âmbito do qual caiba a terceiro a orientação dos trabalhos.
Por outro lado, no despacho a que alude o artigo 596.º, n.º 1, do CPC:
i) o objeto do litígio foi identificado nos termos seguintes: O objecto do litígio consiste em definir quais as obras realizadas pelo Réu e identificar se as mesmas violaram algum direito dos Autores, definindo qual, ou quais, os direitos violados e em que medida foram violados, retirando as legais consequências, quer em termos indemnizatórios, quer em termos de saber se é necessária a realização de obras, por parte do Réu, necessárias para evitar futuras infiltrações em casa do Autor BB;
ii) foram enunciados os temas da prova seguintes: 1 - identificação do prédio dos Autores; 2 - identificação dos veículos automóveis dos Autores; 3 - local onde os Autores estacionam os veículos automóveis; 4 - identificação das obras realizadas, ou mandadas realizar pelo Réu, na sua propriedade; 5 - danificação, ou não, desses veículos em consequência dessas obras, sendo que, em caso afirmativo, dever-se-á apurar em que circunstâncias de tempo, modo e lugar os veículos foram danificados, quais os danos sofridos e qual a responsabilidade que o Réu teve em relação a essa danificação; 6 - quantificação dos prejuízos sofridos, pelos Autores, em consequência da danificação dos veículos automóveis; 7 - ocorrência, ou não, do corte de tubos de ferro, tipo « latada », para suporte de videiras, por parte do Réu e, em caso afirmativo, identificação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que tal ocorreu; 8 - definição e quantificação dos prejuízos que esse corte provocou nos Autores; 9 - ocorrência de fissuras, rachaduras e infiltrações na zona de confinação entre a arrecadação do Réu e a cozinha rústica do Autor; 10 - Em caso afirmativo, identificação precisa das causas dessas anomalias; 11 - Identificação e quantificação dos prejuízos sofridos pelos Autores em consequência das mesmas; 12 - Existência, ou não, de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, em consequência de todos estes factos e identificação desses danos; 13 - Circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o Réu edificou o muro e razão pela qual foi edificado; 14 - Informação prévia dada, ou não, pelo Réu, ao Autor, de que iria construir o muro e reacção do Autor, no caso de lhe ter sido dada tal informação; 15 - Identificação de algum comportamento ofensivo por parte dos Autores em relação ao muro e definição desse comportamento e das suas circunstâncias de tempo e modo, bem como das respectivas consequências.
Analisando os termos em que o litígio foi delineado pelas partes, verifica-se que a questão da execução das obras por meio de um contrato de empreitada e respetivas consequências não foi colocada nos articulados, sendo que o réu baseia a peticionada absolvição do pedido na negação de parte da factualidade alegada pelos autores e não na invocação da responsabilidade de terceiro. De igual modo, tal questão não foi identificada no âmbito da delimitação do objeto do litígio, nem se extrai da matéria constante dos temas da prova enunciados.
Assim sendo, quando, em sede de sentença, se considerou que as obras foram executadas por meio de contrato de empreitada outorgado entre o réu e terceiro e se entendeu que a responsabilidade pelos danos causados aos autores cabe ao empreiteiro e não ao réu, o que constituiu o fundamento da absolvição do réu do pedido, dúvidas não há de que foi apreciada e decidida questão de direito não anteriormente colocada nos autos. Efetivamente, o fundamento que determinou a improcedência da ação – a execução das obras em causa através de contrato de empreitada e a consequente não orientação dos trabalhos pelo réu –, não decorre da alegação de qualquer das partes, sendo certo que não se extrai dos autos que as mesmas tenham sido ouvidas sobre a questão, isto é, que lhes tenha sido facultada a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o seguinte: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagra este preceito o princípio do contraditório, proibindo a chamada decisão-surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 31), “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Esclarecem os autores (ob. cit., p. 32) que “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”, acrescentando que “a omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do art. 195”.
É certo que a aplicação do direito constitui questão de conhecimento oficioso, conforme decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, e que, em princípio, não implica a prévia auscultação das partes; porém, estando em causa, no caso presente, a prolação de decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, o qual conduziu a uma absoluta diferenciação entre o regime jurídico por estas equacionado e aquele que veio a ser aplicado na sentença, mostrava-se necessário alertar as partes para a eventualidade de vir a decisão a ser proferida no âmbito de um quadro normativo distinto do invocado, facultando-lhes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão de direito nova, a fim de evitar a prolação de uma decisão-surpresa, pelo que deveriam ter sido convidadas a emitir pronúncia sobre a mesma.
Não tendo o tribunal auscultado previamente as partes, verifica-se que a sentença proferida constitui efetivamente uma decisão-surpresa, conforme alegado pelos recorrentes, em violação da proibição constante do citado artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Tal omissão, do convite às partes para emitirem pronúncia sobre a questão de direito oficiosamente suscitada pelo Tribunal, influiu na decisão da causa, considerando que a absolvição do pedido se baseou em regime jurídico relativamente ao qual não tomaram as partes posição, assim constituindo nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
Não se tratando de nulidade principal, encontra-se a nulidade em causa sujeita ao regime de arguição fixado nos artigos 197.º e 199.º, do qual decorre, além do mais, a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, dispõe para a arguição do prazo geral de 10 dias, contado desde o conhecimento de que foi cometida a nulidade. No entanto – conforme se entendeu em situações análogas nos acórdãos desta Relação de 25-09-2014 (relator: Francisco Xavier), proferido no processo n.º 380/12.5T2STC.E1, e de 19-05-2016 (relator: Bernardo Domingos), proferido no processo n.º 124/14.7T8ABT.E1, disponíveis em www.dgsi.pt –, considerando que a nulidade em causa se corporiza na decisão recorrida e só com a notificação desta se manifesta, verifica-se que a arguição da nulidade é incindível da impugnação da decisão, pelo que cumpre considerar tempestiva a respetiva arguição nas alegações do recurso interposto de tal decisão.
Nesta conformidade, considerando que a omissão da audição prévia das partes, em violação do dever imposto pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC, influiu na decisão recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do mesmo Código, há que anular tal decisão e determinar seja proferido o despacho omitido, isto é, o convite às partes para se pronunciaram, querendo, sobre a questão de direito nova supra indicada, alertando-as para a eventualidade de vir a decisão a ser proferida no âmbito do indicado quadro normativo.
Procede, assim, nesta parte, a apelação, em consequência do que se encontra prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos apelantes.

Em conclusão:
I – Estando em causa a prolação de decisão baseada em fundamento não considerado pelas partes e que conduz à aplicação de regime jurídico diverso do que fora por estas equacionado, impõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a audiência prévia das mesmas, devendo ser alertadas para a eventualidade de vir a decisão a ser proferida no âmbito daquele quadro normativo e ser-lhes facultada a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão de direito nova;
II – Não tendo o Tribunal auscultado as partes previamente à prolação da sentença, na qual foi o réu absolvido do pedido com base em regime jurídico por aquelas não equacionado e relativamente ao qual não tomaram posição, verifica-se que a omissão do convite à emissão de pronúncia sobre a questão de direito oficiosamente suscitada influiu na decisão da causa, assim constituindo nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC;
III – Se a nulidade só se manifesta com a prolação da decisão, é de considerar tempestiva a arguição da nulidade nas alegações do recurso interposto da decisão;
IV – A nulidade importa a anulação da decisão recorrida, se influiu no sentido do decidido.


3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, declarar nula a sentença recorrida, determinando que os autos voltem ao Tribunal de 1.ª instância para que aí seja dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, in fine, do CPC, assegurando-se o contraditório mediante a prolação de despacho que alerte as partes para a eventualidade de vir a ser proferida decisão no âmbito do quadro normativo do contrato de empreitada e as convide a pronunciar-se quanto à aludida questão de direito, após o que se proferirá nova decisão.

Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 02-05-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato