Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
356/18.9T8LAG.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: RECURSO DA DECISÃO DO CONSERVADOR
REGISTO PROVISÓRIO
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O registo é efectuado provisoriamente por dúvidas quando, designadamente, existam falta de elementos necessários, vício ou deficiência no título ou em outros documentos.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 356/18.9T8LAG.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial de Faro (Juízo de Competência Genérica de Lagos) Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de (…), Lda., veio apresentar recurso da decisão do Conservador do Registo Predial de Lagos, de 17/12/2017, que qualificou provisório o registo por dúvidas no segmento em que o faz por falta de licença a que se refere o art. 1070.º, n.º 1, do C. Civil.
O recurso foi julgado improcedente e como tal foi mantida a decisão do Conservador do Registo Predial.
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Inconformada, de novo, com tal decisão, veio interpor o presente recurso, tendo apresentado as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
“PRIMEIRA CONCLUSÃO
O arrendamento, cujo registo se pretendia, e se continua a pretender, tem como objecto mediato um terreno para construção, o qual, pela sua própria natureza, não está sujeito a licença de utilização.
SEGUNDA CONCLUSÃO
Cabendo pois o arrendamento em questão, na exceção constante do artigo 1070.º, n.º 1, do CC, consistente em a licença de utilização, por tal artigo exigida poder ser dispensável, no caso de ela não ser exigível.
TERCEIRA CONCLUSÃO
Tendo pois a sentença sob recurso violado os artigos 2.º-1-m), do CRP e o artigo 1070.º do CC.
QUARTA CONCLUSÃO
Motivo pelo qual tal sentença deverá ser anulada, prolatando-se, em substituição dela, douto acórdão que determine que o registo pretendido seja lavrado, nos precisos termos em que foi requisitado.”
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O M P alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a questão que importa apreciar consiste em saber se o pedido de registo efetuado em 22/11/2017, relativo ao contrato de arrendamento de 30/10/2004, para o exercício do comércio, tendo por objeto prédio que se trata de parcela de terreno para construção, não exigia a apresentação da licença de utilização para celebração do mesmo, pelo que se impunha que não fosse lavrado registo provisório por dúvidas, com fundamento na falta de licença a que se refere o artº 1070º, n.º 1, do CC.

Na decisão recorrida teve-se em conta o seguinte factualismo:
1. Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob a descrição …/20060530, da freguesia de Vila Real, S. Dinis, o prédio “(…) urbano situado em: Vila Real (S. Dinis) Rua (…), Área Total: 491m2 Matriz: (…) Natureza: urbana (…) Composição e Confrontações: parcela de terreno para construção (…)” – cfr. certidão permanente a fls. que, no mais, se dá por integrada e reproduzida.
2. Encontra-se inscrita no prédio identificado em 1 (…).
3. Na sequência do referido em 2 foi inscrita no prédio referido em 1 (…).
4. No âmbito da Ap. referida em 2 pela Sr.ª Conservadora foi proferido em
17.12.2017 o seguinte: (…).
5. A instruir a Ap. referida em 2 foram juntos:
a) documento particular denominado “contrato de arrendamento” de 30.10.2004, no qual figuram como outorgantes “Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta (…), Lda., na qualidade de “locadora” e “Garagem Principal de (…), Lda.”, na qualidade de locatária, tendo por objecto o imóvel identificado em 1, acordando: (…).
b) documento particular denominado “cessão de posição contratual”, de 31.01.2008, no qual figuram como outorgantes Garagem Principal de (…), Lda., na qualidade de cedente, e Garagem Principal de (…) II, Lda., na qualidade de cessionária, nos termos do qual “(…) a Garagem Principal de …, Lda., como cedente, cede, à Garagem Principal de … II, Lda., como cessionária, a posição contratual de locatária (…)” no acordo referido em 5. a);
c) documento particular denominado “cessão de posição contratual” de 20.01.2013, no qual figuram como outorgantes Garagem Principal de (…), Lda., na qualidade de cedente, e Farmácia (…) III, Lda., na qualidade de cessionária, nos termos do qual “(…) a Garagem Principal de … II, Lda., como cedente, cede, à Farmácia … III, Lda., como cessionária, a posição contratual de locatária (…)” no acordo referido em 5. a);
d) documento denominado “alteração de contrato de arrendamento”, de 20.11.2017, no qual figuram como outorgantes Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de (…), Lda., na qualidade de locadora no âmbito do acordo referido em 5 a), e Sociedade Imobiliária da (…), SA.

Conhecendo da questão
Apesar de a provisoriedade do registo ter sido alicerçada em diversas vertentes, como resulta do ponto 4 dos factos provados, a recorrente veio apenas impugnar a decisão do Conservador relativamente a uma das vertentes, defendendo que versando o arrendamento cujo registo se pretende, sobre um terreno para construção, não está o mesmo, atenta natureza, sujeito a licença de utilização pelo que está excluída a aplicação ao caso do disposto no artº 1070º, n.º 1, do CC quando dispõe que “o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível.”
Nos termos do disposto no artigo 2.º, 1, m), do Código do Registo Predial, está sujeito a registo o arrendamento por mais de seis anos e as suas transmissões ou sublocações, excetuando-se o arrendamento rural, por força no n.º 4 do artº 6º do Dec. Lei 294/2009, de 23/10.
O registo é efectuado provisoriamente por dúvidas quando, designadamente, exista falta de elementos necessários, vício ou deficiência no título ou em outros documentos.
Assim sendo, é essencial apurar se o prédio em causa é urbano ou rústico, sendo que a natureza do prédio é a que resultar da sua afetação económica.
Ora, na cláusula 5.º do contrato de arrendamento em apreço as partes estabeleceram a finalidade principal do arrendamento como sendo o exercício do comércio, para todos os efeitos legais, designadamente os previstos no artº 1028º do CC que versa sobre a pluralidade de fins.
Pretendendo a recorrente o registo de contrato de arrendamento para comércio ademais nos termos e para efeitos do disposto o art. 1028.º C. Civil [o qual foi objeto de sucessivas cessões de posição contratual, bem como alteração do seu clausulado, datada de 20/11/2017, no sentido nomeadamente de passar a vigorar por um prazo de 30 anos (v. cláusula 2ª do documento “alteração do contrato de arrendamento”] e não sendo obrigatório o registo de arrendamento rural, parece evidenciar-se, até para por aí, para se aferir da natureza do prédio, a apresentação, ou, ao menos, menção no contrato da licença de utilização.
Na data da celebração do contrato de arrendamento com fins comerciais encontrava-se em vigor o DL 321-B/90, de 15/10 (RAU), em cujo artº 8.º, n.º 2, al. c), se estipulava que o contrato de arrendamento deve mencionar “a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente;” mais resultando do seu artigo 9º que “só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização, passada pela autoridade municipal competente, mediante a vistoria realizada menos de oitos anos antes da celebração do contrato (cfr. n.º 1) e que “quando as partes aleguem urgência na celebração do contrato, a licença referida no número anterior pode ser substituída por documento comprovativo de a mesma ter sido requerida, em conformidade com o direito à utilização de prédio nos termos legais com a antecedência mínima requerida por lei” (cfr n.º 2), mais se exigindo que “a mudança de finalidade no sentido de permitir arrendamentos comerciais deve ser sempre previamente autorizada pela câmara municipal, seja através de nova licença, seja por averbamento à anterior” (cfr. n.º 3), estipulando-se ainda, que teria de ser referido no texto do contrato a existência de licença de utilização, ou documento comprovativo que foi requerida, “não podendo ser celebrado qualquer contrato de arrendamento sem essa menção” (cfr. n.º 4).
Pelo que, assim sendo, tal licença seria essencial para comprovar a afetação económica do prédio, que no registo até consta como sendo urbano.
Donde, como se salienta na decisão impugnada “tanto basta para que se sustente a posição defendida pela Sr.ª Conservadora no Despacho de qualificação do registo como provisório pelo facto de não ter sido apresentada a referida licença de utilização”.
O arrendamento urbano pode ter a finalidade habitacional e não habitacional, na qual se integram o comércio, a indústria, os serviços, o exercício de profissões liberais, o estacionamento, armazém ou afixação de publicidade.
Tendo as partes estipulado no texto do contrato de arrendamento fim não habitacional para “o exercício do comércio” parece evidente que, pelo menos, para verificação da conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares em vigor que fixam as utilizações permitidas, haverá que ser solicitada licença ou autorização de utilização do prédio para o fim em vista, atendendo a que não estamos (pelo menos não consta, nem se indicia no teor do contrato de arrendamento) perante nenhum dos casos da sua não exigibilidade, designadamente por o arrendamento do prédio se destinar à afixação de publicidade, armazenagem, parqueamento de viaturas ou outro fim limitado.
Como salienta Maria Olinda Garcia in Arrendamento para Comércio e Fins Equiparados, 2006, 40, é necessário “que a aptidão do imóvel para servir determinado fim se encontre legalmente certificada, mediante documento administrativo: a licença de utilização”, que não é mais do que um documento camarário que titula e comprova essa mesma aptidão.
De modo que, sendo verificado pelo Conservador um impedimento de ordem legal o registo não poderia ser definitivamente lavrado, mas apenas provisoriamente, por dúvidas.
Nestes termos irrelevam as conclusões da apelante, não se mostrando violadas as normas legais cuja violação foi invocada, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença impugnada.
Custas pela recorrente.
Évora, 14 de Março de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes