Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8112/08.6TCLRS.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: COMPRA E VENDA
DOAÇÃO
SIMULAÇÃO
INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS
NULIDADE
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1 - Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado, sendo o negócio simulado nulo.
2 - Na simulação relativa, existem dois negócios jurídicos, já que é declarada a celebração de um dado negócio jurídico (o negócio simulado), muito embora, na realidade, as partes tenham celebrado um outro negócio jurídico, de tipo, natureza, objeto ou conteúdo jurídico diverso, ou concluído com sujeitos diversos (o negócio dissimulado).
3 - Enquanto o negócio simulado é sempre nulo, o negócio dissimulado fica sujeito a uma valoração jurídica autónoma, destinada a verificar se os requisitos legais de validade para o negócio em causa foram ou não observados com a celebração do negócio simulado.
4 - Se houverem sido observados os requisitos legais, o negócio dissimulado é válido; se não foram, o negócio será nulo ou anulável, conforme o vício que estiver em causa.
5 – Tendo as partes outorgado uma doação dissimulando um compra e venda poderia esta ser considerada válida, atendendo à forma que foi seguida no negócio simulado.
6 - Mas, não sendo os mesmos, os intervenientes nos dois negócios jurídicos, o negócio dissimulado tem de ser sancionado com a nulidade porquanto não é possível aproveitar a forma observada na celebração do negócio simulado (em que tiveram intervenção sujeitos diversos daqueles que efetivamente celebraram o negócio oculto ou dissimulado).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém – Instância Central – Secção Cível – J1), corre termos ação declarativa, com processo ordinário, intentada por AA, casada e residente na Rua …, Lote …, Silveira, Torres Vedras, contra BB, divorciada, residente na Rua …, Lote …, 3º …, Sacavém, Loures, CC, solteiro, maior, residente na Rua …, nº …, 3º …, Mafra e DD, solteira, maior, residente na Rua …, Lote …, 3º …, Sacavém, Loures, alegando em síntese:
- A autora e a ré BB são filhas de EE, falecido em 19-11-2006, sendo a ré BB do primeiro casamento e a autora do segundo casamento daquele, que do seu acervo hereditário faz parte um único imóvel, um prédio urbano, sito em Salvaterra de Magos e que, embora não registado em nome de seu pai, este vendeu-o à ré BB, em 1987, sem que tal compra e venda fosse formalizada, que em 2006 mediante justificação judicial, o imóvel em questão ficou registado a favor do EE, vindo este a doá-lo aos seus netos, CC e DD, filhos da 1ª ré.
- Tal doação é nula, por simulada, uma vez que foi feita como forma de impedir ou dificultar a autora de ficar com o imóvel em questão, tanto mais que a autora não prestou o seu consentimento à pretensa venda.
Concluindo peticiona:
a) Seja declarada a nulidade da doação, por simulação, e nulos os registos efetuados com base em tal transmissão;
b) Em consequência e cumulativamente, seja declarado nulo o alegado negócio de compra e venda celebrado entre a 1ª Ré BB e o falecido EE, por falta de forma legal;
c) Ou, não concedendo quanto ao supra requerido, quando assim não se entenda, seja declarada a anulabilidade da compra e venda por falta de consentimento da A.
d) Consequentemente, sejam os R.R. condenados a reconhecer a A. como proprietária, em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio urbano em questão.
e) Sejam os R.R. condenados em custas e procuradoria.
Citados os réus vieram contestar sustentando que à data do óbito de EE, o imóvel que este vendeu, em 08-09-1987, à sua filha, 1ª ré, era pertença desta, não integrando, desta forma, o acervo hereditário e que em nenhum momento, quer a 1ª ré, quer o seu falecido pai, pretenderam esconder o que quer que fosse de terceiros, nesse caso à autora, com o intuito de a enganar, não se verificando, desta forma, qualquer simulação.
Arguiram, ainda, a caducidade do direito de a autora, propor a ação, porquanto teve conhecimento da venda do imóvel em causa, vários anos antes de instaurar a presente ação.
Na contestação, os réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação da autora no pagamento da quantia de €42.255,62, pelas despesas que suportaram com a legalização, doação e aquisição do prédio em questão.
Concluem pela improcedência da ação e procedente o pedido reconvencional.
A autora respondeu à arguida exceção de caducidade, pugnando pela sua não verificação, e contestou o pedido reconvencional.
Realizou-se a audiência prévia e elaborou-se despacho saneador, tendo a autora sido absolvida da instância relativamente ao pedido reconvencional.
Realizada audiência final, foi proferida sentença pela qual se julgou improcedente a ação e se absolveram os réus dos pedidos formulados.
+
Por não se conformar com a sentença, foi interposto, pela autora, o presente recurso de apelação, terminando por formular as seguintes conclusões (diga-se que de conclusões têm pouco, sendo antes um «resumo» das alegações) que se transcrevem:
a) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância da Comarca de Santarém que, julgou improcedentes os pedidos formulados nos Autos pela Autora, mas a Recorrente não se pode conformar com a mesma e entende, que esta merece reparo, quer relativamente à matéria de facto, quer relativamente à solução jurídica preconizada pela MM.ª Juiz “a quo”.
b) Pelo que, o Recurso ora apresentado tem por objeto submeter a V.Exas. a apreciação de toda a matéria de facto e de direito em que se louvou a Douta Sentença proferida, pelas razões que, seguidamente, enunciaremos, as quais, estamos seguros, obterão o acolhimento de V. Exas..
c) Cumpre por isso apurar se, no caso sub iudice, foram considerados provados todos os factos resultantes da prova produzida e indispensáveis à boa decisão da causa.
d) Designadamente, verificar se entre os factos dados como provados não deveria igualmente constar que: o de cujus EE vendeu à filha e 1ª R. BB, o imóvel em causa nos Autos, que EE, BB e demais RR., tiveram o intuito de impedir ou dificultar a A. de ficar com o imóvel em causa, e que EE e os RR. CC e DD não pretenderam, na verdade, realizar uma doação, strictu sensu, mas apenas formalizar o negócio celebrado entre o 1º e a mãe daqueles, a R. BB.
e) O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1) Em 31-05-1953, EE casou com FF, segundo o regime de comunhão geral de bens e deste casamento nasceu, em 01-03-1954, BB.
2) FF faleceu em 15-02-1978.
3) Em 02-09-1978, EE casou com GG e deste casamento nasceu, a 21-05-1980, HH. Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 29-06-1983 e transitada em 11-07-1983, da 3ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Família de Lisboa.
4) CC, nascido a 04-04-1976 é filho de José … e de BB … e neto materno de EE.
5) DD, nascida a 28-11-1978 é filha de José … e de BB … e neta materna de EE.
6) Por escritura de justificação outorgada em 10 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada a fls. 39 a 40 verso do Livro 161-D, EE declarou ser dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, de um prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação com a área coberta de sessenta e nove metros quadrados, confrontando do Norte com João …, do Sul com Manuel …, do nascente com João … e do Poente com Estrada, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e omisso na Conservatória do Registo Predial competente.
7) O prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº …, freguesia de Marinhais, encontra-se registado a favor de EE, pela inscrição G-1, Ap. 10/20060221.
8) Por escritura de doação outorgada em 29 de Maio de 2006, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada de fls. 34 a 35 do Livro 167 D, CC e DD, sem qualquer reserva ou restrição, em comum e em partes iguais, o prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº …, freguesia de Marinhais e ali registada a aquisição a favor do doador pela inscrição G-1.
9) Através de Ap.3 de 2006/06/05, o prédio identificado no item 7 ficou inscrito a favor de CC e de DD, em comum e partes iguais, por doação.
10) EE faleceu a 19-11-2006.
f) E deu como não provados os seguintes factos:
a) Em 08-09-1987, EE tivesse vendido, verbalmente, à BB e ao então marido José …, entretanto falecido, por 7.500 contos, o prédio identificado no item 7.
b) Aquando da outorga da escritura de doação, EE e BB tivessem tido o intuito de impedir ou dificultar a A. de ficar com o imóvel identificado no item 7.
g) Sucede que, para chegar a essa Decisão, o Tribunal a quo teve em consideração apenas alguns dos documentos juntos aos Autos e desconsiderou não só outros documentos juntos, bem assim como, as próprias peças processuais apresentadas nos Autos e os depoimentos de parte dos RR., as declarações de parte da A. e os depoimentos das testemunhas.
h) Desde logo, o Tribunal a quo não teve em consideração a Sentença junta aos Autos pela R. BB, como doc. n.º 1 da Contestação apresentada em 16/10/2012, a qual foi proferida no âmbito do Processo de Inventário que correu termos no então 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures sob o Processo n.º 3249/07.1TCLRS.
i) E naquela Sentença constam como factos assentes, entre outros, os seguintes:
“(…)
c) Por escritura de justificação outorgada em 10 de Janeiro de 2006, no cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada de fls. 39 a 40 verso do Livro 161 D, EE declarou ser dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, de um prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação com a área coberta de sessenta e nove metros quadrados, confrontando do Norte com João …, do Sul com Manuel …, do Nascente com João … e do Poente com Estrada, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 41.430,00, omisso na conservatória do registo predial competente.
d) Por escritura de doação outorgada em 29 de Maio de 2006, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada de fls. 34 a 35 do Livro 167 D, EE doou a CC e DD, sem qualquer reserva ou restrição, em comum e em partes iguais, o prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 41.430,00, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º …, da freguesia de Marinhais e ali registada a aquisição a favor do doador pela inscrição G-1.
(…)
f) Em data não concretamente apurada, mas situada entre o final dos anos 80 e o início da década de 90 do século 20, EE havia vendido à cabeça de casal, a parte que lhe pertencia do prédio urbano identificado em c).
g) A venda foi realizada verbalmente e o preço pago faseadamente em bens e dinheiro.
h) No início dos anos 90 do século 20 a cabeça de casal e o, à data, marido passaram a residir no referido prédio.
i) No início de 2005, EE e a cabeça de casal iniciaram as diligências com vista à legalização do prédio identificado em c), tendo decidido proceder à realização das escrituras referidas em c) e d).
j) A escritura de justificação referida em c) foi outorgada com a finalidade de proceder à descrição e inscrição do referido prédio na Conservatória do Registo Predial competente. (…)”
j) Acresce que, a própria R. na sua Douta Contestação (e considerando aqui como contestação apenas a segunda contestação, apresentada em 16/10/2012), afirma que é verdade que “comprou ao pai de ambas (EE) o imóvel referido nos autos por 7.500 contos”, no ano de 1987, mais propriamente em 08.09.1987.”
k) Mais, acresce que, o Tribunal a quo não teve, também, em consideração os depoimentos de parte dos RR, as declarações de parte da A. e o depoimento das testemunhas.
l) O R. CC, no seu depoimento de parte, afirmou com certeza que a sua mãe, a R. BB, comprou o prédio ao avô, e mais tarde, para regularizar a situação e dadas as dificuldades financeiras daquela no estabelecimento comercial que explorava , decidiram proceder à doação do prédio a si e à sua irmã e que o pretendido com a doação realizada era concluir o processo de transmissão do prédio para a mãe, ficando neste caso, ele e a irmã como adquirentes
m) O R. afirmou também, que o avô nunca devolveu à sua mãe qualquer valor dos montantes que esta alegadamente lhe entregara para pagamento do preço.
n) Acresce que, também a R. DD, durante o seu depoimento vem confirmar, não só a existência da venda, mas, também, que a doação feita a si e ao seu irmão, mais não era do que uma formalização da venda feita, anteriormente, a seus pais.
o) Por sua vez, a própria A. foi inquirida em sede de declarações de parte, tendo dito que o pai nunca lhe contou nada sobre qualquer venda do prédio, que sempre teve para si que a quinta era dele e apenas teve conhecimento dessa venda na pendência do processo de inventário.
p) A testemunha Alice …, mãe da A. e ex-mulher do de cujus, EE, referiu que conhecia o prédio em causa, sempre a teve como sendo propriedade dele e ele nunca lhe disse que a tinha vendido a quem quer que fosse.
q) A testemunha Carlos …, marido da A., prestou o seu depoimento, referindo que a mulher apenas soube da doação do prédio após a morte do pai e da alegada compra e venda do prédio em Dezembro de 2007
r) A testemunha Sílvia …, amiga da A., inquirida sobre o assunto, disse que falava muitas vezes com o Sr. EE sobre a quinta e que este sempre se referiu a ela como sendo dele, mais, disse que a A. apenas teve conhecimento da alteração da propriedade daquele bem após a morte do pai.
s) Mais, acresce que as próprias testemunhas dos RR. confirmaram a existência daquela venda, designadamente, a testemunha Cláudia …, que vive em união de facto com o R. CC, disse que sempre conheceu o prédio como sendo da sogra e que esta sempre disse que o tinha comprado.
t) Por último, a testemunha Aurora …, filha dos caseiros da quinta em causa, referiu que em determinado momento passou a ser a R. BB que procedia aos pagamentos dos trabalhos efetuados pelos seus pais porque esta o tinha comprado.
u) Assim, e como resulta do depoimento de todas as testemunhas, efetivamente, a R. BB comprou o dito prédio ao seu pai, EE e alegadamente até terá procedido ao respetivo pagamento.
v) Ou seja, a escritura de doação, realizada muitos anos depois, mais não foi do que a “legalização” daquela venda, através da colocação do prédio em nome dos herdeiros daquela compradora, os RR. CC e DD, de forma a que esta não tivesse bens em seu nome.
w) De acordo com todos os depoimentos prestados em Tribunal, quando EE procedeu à doação do prédio aos netos, não pretendia mais do que formalizar a venda que anteriormente tinha feito à filha mais velha, tanto que não lhe devolveu qualquer montante pago por esta.
x) Logo, havia uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada aquando da outorga da escritura de doação, dado que estivemos perante uma compra e venda, e não uma doação!
y) Mais, a comprovar que existia um acordo simulatório, os RR., disseram, sem qualquer hesitação, que eram conhecedores de toda a situação, e que apenas foi utilizada a figura da doação do avô para eles porque a mãe não queria ter bens em seu nome.
z) Assim, não temos dúvidas que se encontram preenchidos os requisitos da simulação:
- Existe um acordo simulatório entre o declarante, EE, e os declaratários, os RR. CC e DD - (acordo);
- Há divergência entre a declaração e a vontade das partes dado que apenas foi realizada a doação aos netos para formalizar a venda à filha; e,
- Intuito de enganar terceiros, pois o bem não foi colocado em nome da R. BB, porque o seu negócio estava mal, ou seja, houve a intenção de defraudar os credores daquela; e mais do que isso, houve intenção clara de retirar o bem da esfera jurídica e património do de cujus, de forma a prejudicar a A., fazendo com que esta não herdasse nada.
aa) Mas a verdade é que para efetuar uma escritura de compra e venda, fosse com a R. BB (filha), ou como os RR. CC e DD (netos) era sempre necessário o consentimento da A., o qual os RR. sabiam que nunca iriam obter, nem tinham interesse em tal.
bb) Razão pela qual é fácil perceber porque optaram pela doação e não pela compra e venda.
cc) Que era, aliás, a melhor forma de retirarem o bem da partilha.
dd) O que foi conseguido, dado que com a prova da alegada compra e venda no âmbito do processo de Inventário, o referido bem foi afastado da partilha.
ee) Sendo certo que, só no âmbito daquele processo de Inventário é que a A. tomou conhecimento da alegada compra pela irmã do prédio em causa.
ff) Aqui chegados, deve ser revista parte dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, considerando-se como provados, além dos factos dados já como assentes, que:
- que EE vendeu, verbalmente, à BB, o prédio identificado no item 7 da matéria assente; bem assim como,
- que EE, BB e demais RR., tiveram o intuito de impedir ou dificultar a A. de ficar com o imóvel em causa.
gg) Mais, deve ser acrescido aos factos dados como provados, o seguinte:
- que EE e os RR. CC e DD não pretenderam, na verdade, realizar uma doação, strictu sensu, mas apenas formalizar o negócio celebrado entre o 1º e a mãe daqueles, a R. BB.
hh) O que desde já se requer!
ii) Acresce que, o Tribunal a quo, no seguimento de não considerar provados os factos supra referidos, faz, posteriormente, e a final, uma interpretação do direito aplicável de forma errónea e desadequada ao cerne da questão em causa nos presentes Autos.
jj) Assim, e como bem define o Tribunal a quo, são três os requisitos para a simulação:
- acordo entre o declarante e o declaratário (acordo simulatório);
- divergência entre a declaração e a vontade das partes;
- intuito de enganar terceiro.
kk) O que, conforme se demonstrou em z), todos os requisitos estão preenchidos neste caso.
ll) Sendo certo que nos termos do referido art.º 241º do Código Civil, estamos perante uma simulação relativa uma vez que existia um outro negócio que as partes pretenderam ocultar mas que era, efetivamente, o negócio pretendido, na medida em que já tinha sido concretizado, mas não formalizado.
mm) No sentido supra referido, veja-se a totalidade do resumo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 09-10-2003, no Processo nº 03B2536, citado pelo Tribunal a quo, na Douta Sentença, ora recorrida:
“I - O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no nº. 1º do artº. 240º, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.
II - Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) - caso mais frequente -, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi).
III - A simulação pode ser absoluta - hipótese em que o negócio por tal viciado colorem habet, substantiam vero nullam -, ou relativa, caso em que o negócio celebrado colorem habet, substantiam vero alteram, como acontece no caso da alegada doação disfarçada de venda: nesse caso, subjaz ao negócio ostensivo ou aparente, fictício, um outro, latente, oculto, encoberto, dissimulado, disfarçado ou camuflado, que é o verdadeiramente querido pelas partes.
IV - É nulo por simulação o contrato de compra e venda de imóvel destinado a encobrir uma doação quando se prove que o pretenso vendedor apenas teve em vista prejudicar os seus herdeiros legitimários, subtraindo aquele imóvel à herança e partilha por sua morte.
V - Assim subtraído o imóvel pretensamente vendido ao acervo hereditário, os herdeiros defendem, nesse caso, um direito próprio à quota hereditária.

VI - O intuito de enganar constitui matéria de facto fora do âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
VII - Não pode recorrer-se a presunções simples, naturais, judiciais ou hominis para suprir a falta de prova relativamente a factos oportunamente discutidos e apreciados na audiência de discussão e julgamento.
VIII - Identificado o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência, essa intenção é necessariamente revelada pela divergência entre a vontade real e a declarada e pelo acordo que tal determina, de tal modo que assim concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se evidenciado o intuito ou propósito de enganar terceiros.
IX - Consagrando a nulidade do negócio simulado, a lei quer nomeadamente dizer que a simulação pode ser invocada por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso: pelo que sempre a simulação fiscal terá de ser oficiosamente declarada.
X - Como decorre do artº. 241º, nº. 1, C.Civ., tratando-se de simulação relativa, a lei admite a validade do negócio dissimulado: uma vez desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado, que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto, de tal modo que, prevalecendo o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, o acto dissimulado, vindo à superfície, fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras, tendo pois, valor jurídico, salvo se, por qualquer razão, for nulo, como será o caso se não revestir a forma legal, ou anulável.
XI - Mesmo quando considerado que a forma legal abrange a causa negotii, é de ter em atenção que, na aplicação do direito, a procura de soluções razoáveis sobreleva à procura de uma verdade apodíctica, e que a noção de razoável tem sobretudo que ver com critérios sociológicos.
XII - Nas acções de condenação, a declaração do direito em causa e do que dele resulta, ou do que determina, funciona como meio da condenação que constitui o fim próprio dessas acções: como assim, o pedido de declaração da nulidade de negócio jurídico deduzido numa tal acção só formalmente, que não substancialmente, como tal pode ser efectivamente considerado, sendo essa nulidade, afinal, com evidência, o fundamento de direito da acção, e, assim, nos factos que concretamente a determinam, a respectiva causa de pedir.”

nn) Ora, atento tudo quanto supra se expôs, temos de concluir o seguinte:
nn.1) É nulo por simulação o contrato de doação de imóvel destinado a encobrir uma compra e venda quando se prove que as partes nele envolvidas pretenderam prejudicar a A., subtraindo aquele imóvel à herança e partilha, bem assim como, pretenderam prejudicar outros, não fazendo aquele imóvel constar no património de quem alegadamente o comprou (R. BB).
nn.2) Estando identificado o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência, essa intenção é necessariamente revelada pela divergência entre a vontade real e a declarada e pelo acordo que tal determina, de tal modo que assim concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se evidenciado o intuito ou propósito de enganar terceiros.
nn.3) Nos termos do artº. 241º, nº. 1, C.Civ., mesmo tratando-se de simulação relativa, a lei admite a validade do negócio dissimulado, nesse caso, desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado (a doação), que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto (compra e venda). Assim, prevalece o negócio que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, ou seja, o ato dissimulado vem à superfície e fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras. Pelo que seria este negócio de compra e venda que teria valor jurídico, se não fosse nulo ou anulável, ou seja, se tivesse revestido a forma legal exigida (escritura pública de compra e venda com a autorização da A.).
oo) Em suma, a doação foi, sem dúvida, simulada e por esse motivo aquela doação é nula nos termos do n.º 2, do art. 240.º do Código Civil e declarada a nulidade da doação por simulação, prevalece o alegado contrato de compra e venda.
pp) Sucede que, a compra e venda de bem imóvel está sujeita à celebração de escritura publica ou documento particular emitido por entidade competente para tal, sob pena de invalidade, pelo que, a compra e venda deve ser declarada nula – art. 875.º do Código Civil.
qq) Acresce que, a compra e venda de pais a filhos carece do consentimento dos restantes filhos, nos termos do n.º 1, do art. 877.º do Código Civil.
rr) Sendo que, a compra e venda em causa foi celebrada sem o consentimento da A. pelo que seria sempre anulável, nos termos do n.º 2, do art. 877.º do Código Civil.
ss) Assim, deve ser proferida Decisão, que considere provados os factos supra referidos em 46. e 47.; e, em consequência,
tt) Seja declarada a simulação da escritura de doação efetuada pelo EE a seus netos, os RR. CC e DD e, em consequência, seja declarada nula a referida doação, devendo, igualmente, ser declarados nulos os registos de aquisição efetuados com base em tal transmissão;
uu) Em consequência e cumulativamente, seja declarado nulo o alegado negócio de compra e venda celebrado entre a 1.ª Ré BB e o falecido EE, por falta de forma legal;
vv) Ou, sem conceder, caso assim não se entenda seja declarada a anulabilidade da compra e venda por falta de consentimento da A.; e, em consequência,
ww) Sejam os RR., condenados a reconhecer a A. como proprietária, em comum e sem determinação de parte ou direito, com a R. BB, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º ….
xx) Face a todo o supra exposto, deve a Sentença ora Recorrida ser substituída por outra Decisão que conclua em sentido diverso e decida que o Bem é Propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, das duas irmãs, Recorrente e Recorrida, como efetivamente é.
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Não foram apresentadas alegações por parte dos apelados.
Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o Tribunal Superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª – Do erro de julgamento da matéria de facto;
2ª – Da inadequada aplicação do direito aos factos dados como provados..
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No Tribunal “a quo” foi dada como a assente a seguinte matéria factual:
1- Em 31-05-1953, EE casou com FF, segundo o regime de comunhão geral de bens e deste casamento nasceu, em 01-03-1954, BB.
2)- FF faleceu em 15-02-1978.
3)- Em 02-09-1978, EE casou com GG e deste casamento nasceu, a 21-05-1980, HH. Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 29-06-1983 e transitada em 11-07-1983, da 3ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Família de Lisboa.
4)- CC, nascido a 04-04-1976 é filho de José … e de BB e neto materno de EE.
5)- DD, nascida a 28-11-1978 é filha de José … e de BB e neta materna de EE.
6)- Por escritura de justificação outorgada em 10 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada a fls. 39 a 40 verso do Livro 161-D, EE declarou ser dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, de um prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação com a área coberta de sessenta e nove metros quadrados, confrontando do Norte com João …, do Sul com Manuel …, do nascente com João … e do Poente com Estrada, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e omisso na Conservatória do Registo Predial competente.
7)- O prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº …, freguesia de Marinhais, encontra-se registado a favor de Emídio Martins, pela inscrição G-1, Ap. 10/20060221.
8)- Por escritura de doação outorgada em 29 de Maio de 2006, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, exarada de fls. 34 a 35 do Livro 167 D, EE doou a CC e DD, sem qualquer reserva ou restrição, em comum e em partes iguais, o prédio urbano sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, Concelho de Salvaterra de Magos, composto por uma casa de rés-do-chão para habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marinhais, sob o artigo …, com o valor patrimonial de €41.430,00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº …, freguesia de Marinhais e ali registada a aquisição a favor do doador pela inscrição G-1.
9)- Através de Ap.3 de 2006/06/05, o prédio identificado no item 7 ficou inscrito a favor de CC e de DD, em comum e partes iguais, por doação.
10)- EE faleceu a 19-11-2006.
Foram considerados não provados os seguintes factos:
a)- Em 08-09-1987, EE tivesse vendido, verbalmente, à BB e ao então marido José …, entretanto falecido, por 7.500 contos, o prédio identificado no item 7.
b)- Aquando da outorga da escritura de doação, EE e BB tivessem tido o intuito de impedir ou dificultar a A. de ficar com o imóvel identificado no item 7.
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Conhecendo da 1ª questão
Invoca a recorrente a existência de erro de julgamento da matéria de facto que foi considerada não provada, pretendendo que tal matéria seja considerada provada, face à prova testemunhal produzida, bem como aos depoimentos de parte dos réus, e, ainda pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente a sentença proferida no processo de inventário que correu termos no então 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures sob o processo nº 3249/07.1TCLRS, bem como ao teor da contestação apresentada pela ré BB.
Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC.
Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e a recorrente deu cumprimento ao preceituado no artigo 640º do NCPC, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
A recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria não provada que, no entender da recorrente, deveria ter sido dada como provada, pretendendo ainda que seja aditada aos factos dados como provados um outro facto, que em seu entender resultou provado.
Há que aferir da pertinência da alegação da recorrente, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respetiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Há, pois, que atentar na prova gravada e na sua referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparo.
Vejamos, então a matéria que foi considerada não provada e que a recorrente pretende a sua modificação, para provada:
Não se provou que:
a) - Em 08-09-1987, EE tivesse vendido, verbalmente, à BB e ao então marido José …, entretanto falecido, por 7.500 contos, o prédio identificado no item 7.
b) - Aquando da outorga da escritura de doação, EE e BB tivessem tido o intuito de impedir ou dificultar a A. de ficar com o imóvel identificado no item 7.
Pretende, ainda que se acrescente aos factos dados como provados o seguinte: “Que EE e os RR. CC e DD não pretenderam, na verdade, realizar uma doação, strictu sensu, mas apenas formalizar o negócio celebrado entre o 1º e a mãe daqueles, a R. BB.
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão da matéria de facto não provada:
“- Item a) - Tanto a AA., ouvida em declarações de parte, como a testemunha Alice …, que foi casada com o falecido EE, não demonstraram ter conhecimento pessoal da pretensa venda do imóvel, referindo terem sido informadas dessa alegada venda, no âmbito do processo de inventário que a A. instaurou por óbito de EE.
As testemunhas Carlos … e Sílvia … não sabiam de qualquer eventual venda do imóvel em questão à Ré BB, pelo falecido EE.
A testemunha Cláudia …, companheira da R. CC referiu ter ouvido EE dizer que a quinta havia sido vendida à R. BB.
A testemunha Aurora … que conheceu o falecido EE, porquanto eram vizinhos e eram seus pais quem cuidavam dos terrenos e da casa do Sr. EE, que apenas ia à quinta aos fins de semana, referiu que em finais de 1987, o Sr. EE, que até então pagava aos seus pais, disse-lhes que a partir dessa altura os pagamentos passariam a ser feitos por BB, pois vendera o terreno e a casa à sua filha Anabela.
A testemunha António …, que viveu em união de facto com a 1ª Ré BB, referiu que o falecido EE, que conhecia desde 1958, lhe havia dito que a BB lhe pagava mensalmente um “x” pelo terreno e como a mesma tinha grandes dificuldades, a testemunha prontificou-se a emprestar-lhe dinheiro.
Analisando os depoimentos das testemunhas que afirmaram que o falecido EE lhes tinha referido ter vendido o terreno à BB, temos para nós que os mesmos não se mostram consistentes e isto porque, nenhuma testemunha demonstrou saber quando tal venda teria ocorrido, nem por que valor, ainda que aproximado, o que não nos pareceu consentâneo com a realidade.
Com efeito, não se nos afigura plausível que, pelo menos, quanto à testemunha António … que viveu com a BB e conhecia EE desde 1958, este se tivesse limitado a dizer-lhe, sem mais, que a BB andaria a pagar-lhe um “x” pelo terreno que lhe teria comprado.
E dos documentos juntos pelos R.R., a fls. 125/142, não resulta que os valores neles constantes e depositados na conta do falecido EE por BB se destinassem ao pagamento da alegada compra do imóvel em questão.
O mesmo se diga quanto ao doc. junto a fls. 147, que se desconhece o autor do escrito.
E nenhuma outra prova foi produzida quanto a esta matéria.
Assim, não pode o Tribunal deixar de considerar como não provada a matéria referente à pretensa venda do mencionado imóvel, sito em Marinhais, por parte de EE à sua filha BB.
Mas sempre se dirá que na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, as dúvidas que surjam têm de ser resolvidas de acordo com o disposto no artº 414º do C.P.C., isto é, no caso concreto, contra a A.
- Item b) - Os depoimentos dos R.R. CC e DD não consubstanciam confissão relativamente à invocada divergência entre a vontade real e a declarada na escritura de doação.
As testemunhas inquiridas não demonstraram ter conhecimento da matéria.
E nenhuma outra prova foi produzida no tangente a esta questão.
Donde, a nossa convicção negativa”.
Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pela recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela recorrente, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, e tendo, de resto, presente que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
E, de harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efetuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).
No caso em apreciação, não restam dúvidas, quanto ao facto de o falecido EE ter vendido verbalmente o imóvel referido no ponto 7 dos factos dados como provados à ré BB, (filha do seu primeiro casamento com FF), face à própria confissão dos réus na sua contestação (conjunta), onde os mesmos são perentórios em afirmar que o falecido EE vendeu verbalmente à sua filha BB, o referido imóvel (cfr. artº 6º da contestação).
Esta confissão dos próprios réus na sua contestação não pode deixar de ser considerada, e relevada, mesmo que outra prova não existisse.
Mas, conforme se verifica dos autos, a fls. 33 a 38, a própria ré BB, quando apresenta a relação de bens, na qualidade de cabeça de casal, nos autos de inventário, no proc. 3249/07.1 TCLRS, por falecimento de seus pais, a mesma já ai refere que o seu falecido pai lhe havia vendido verbalmente o imóvel em questão nos autos, referindo que o mesmo não pertencia ao acervo patrimonial do inventariado à data da sua morte (que ocorreu em 19/11/2006).
E, por decisão proferida em 06/01/2009, que se encontra junta aos autos a folhas 232 a 241, do Tribunal judicial da Comarca de Loures, no processo de inventário, foi aí dado como provado que “Em data não concretamente apurada, mas situada entre o final dos anos 80 e o inicio de 90 do século 20, EE havia vendido verbalmente à cabeça de casal, a parte que lhe pertencia do prédio urbano identificado em c)., e o preço pago faseadamente em bens e dinheiro”.
O referido bem foi excluído da partilha.
Esta decisão há muito transitada em julgado e junta aos autos, também não podia, como meio de prova, ser desconsiderada pelo Julgador “a quo”.
Também do depoimento dos réus CC e DD (filhos da ré BB), resulta que o avô tinha vendido o imóvel à sua mãe, só que na altura de finalizarem a venda, cerca de dez anos depois, o avô e a sua mãe acordaram, que em vez de lavrar escritura de compra e venda, o avô fazia doação do mesmo imóvel aos netos (réus CC e DD), esclarecendo que tal se deveu à circunstância de o estabelecimento comercial da sua mãe, estar na altura, com dificuldades financeiras e a sua mãe não pretendia ter bens imóveis registados em seu nome.
Face a toda esta prova, resulta da mesma que o falecido EE vendeu, verbalmente á sua filha BB, (1ª ré), em data não concretamente apurada, mas situada entre o final dos anos 80 e o inicio de 90 do século 20, a parte que lhe pertencia do prédio urbano sito em Marinhais e aqui em discussão e que o preço foi pago faseadamente em bens e dinheiro.
E, dizemos parte, conforme resulta da decisão do inventário, porque a ré BB pelo falecimento da sua mãe, que ocorreu em 15/02/1978, já era herdeira de parte desse imóvel.
Também resulta provado que o falecido EE e os réus CC e DD, (seus netos) não pretenderam realizar uma doação, mas sim formalizar o negócio celebrado anteriormente entre aquele e a 1ª ré BB e que esta não queria ter bens em seu nome devido à sua situação financeira.
Relativamente à matéria que consta dos factos não provados sob a alínea b), a mesma também terá, em parte, de constar dos factos provados, pois resulta inequívoco da prova produzida que as partes tiveram o intuito de impedir ou dificultar a autora de ficar com a parte que teria direito do imóvel em causa.
Assim, procede o recurso interposto pela autora, relativamente à impugnação da matéria de facto, sendo por isso de excluir a factualidade dada como não provada e de aditar aos factos dados como provados, os seguintes:
11) - O falecido EE vendeu, verbalmente á sua filha BB, (1ª ré) em data não concretamente apurada, mas situada entre o final dos anos 80 e o inicio de 90 do século 20, a parte que lhe pertencia do prédio urbano sito em Marinhais, e aqui em discussão e que o preço foi pago faseadamente em bens e dinheiro.
12) - O falecido EE e os réus CC e DD, (seus netos) não pretenderam realizar uma doação, mas sim formalizar o negócio celebrado anteriormente entre aquele e a 1ª ré BB.
13) – A 1ª ré não foi parte no contrato de doação, por desejar não ter bens registados em seu nome devido à sua situação financeira.
14) - As partes tiveram o intuito de impedir ou dificultar a autora de ficar com direito a parte do imóvel em causa.

Conhecendo da 2ª questão
Pretende a autora/recorrente que seja declarada nula a doação que o seu falecido pai, EE efetuou aos netos CC e DD, filhos da 1ª ré BB, também ela filha do doador EE, do prédio urbano, sito na Rua … nº …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, por a mesma ter sido simulada.
Na decisão sob censura decidiu-se que não se tinha provado a simulação do negócio em discussão, a doação que foi efetuada.
Mas, face á alteração da matéria de facto, vejamos então se a doação que EE fez aos netos se deve considerar nula por simulação.
Nesta matéria, dispõe o artº 240º do C. Civil que:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.”
Assim, de harmonia com o disposto no nº1 deste artigo, são requisitos da simulação: uma divergência bilateral entre a vontade real e a vontade declarada; um acordo ou conluio entre declarante e declaratário (o acordo simulatório, também denominado pactum simulationis); a intenção de enganar terceiros. (cfr. Ac. do STJ de 26/11/2009, proc. 336/1999.S1, in www.dgsi.pt).
O acordo simulatório implica um encontro de vontades entre os simuladores com um objetivo comum.
Trata-se no dizer de Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed, 682 “…. De um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso, e a regulamentação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real”.
No Ac. do STJ, de 22/05/2012, (no proc.82/04.6TCFUN-A.L1.S2, in www.dgsi.pt) “simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio”.
No mesmo sentido, se referiu no Ac. do STJ, de 30/05/1995, in C.J. Tomo II,118, que “o intuito de enganar terceiros identifica-se, por via de regra, com a intenção de criar uma aparência e que é no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade, “fazendo crer que”, que há o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros”.
De salientar que, para efeitos de simulação, o terceiro abrange “quaisquer pessoas, titulares de uma relação jurídica ou, praticamente, afetada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros (depois da morte do de cujus), conforme refere Mota Pinto, in Teoria geral do Direito Civil, 3ª ed, 481, a menos que (quanto a estes) se trate de herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas”.
A simulação pode ser absoluta ou relativa, em função do tipo de divergência.
A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar.
Ou seja, as partes declaram a vontade de celebrar um negócio jurídico quando, na realidade, não pretendem celebrar nem esse nem qualquer outro negócio jurídico.
Na simulação relativa, que vem enunciada no artº 241º do C. Civil é declarada a celebração de um dado negócio jurídico (o negócio simulado), muito embora, na realidade, as partes tenham celebrado um outro negócio jurídico, de tipo, natureza, objeto ou conteúdo jurídico diverso, ou concluído com sujeitos diversos (o negócio dissimulado). Na simulação relativa existem dois negócios jurídicos: o simulado, que as partes declararam, mas não pretenderam celebrar, e o dissimulado, correspondente ao negócio querido pelo declarante e pelo declaratário e que se oculta sob o negócio simulado (o “outro que as partes quiseram realizar”).
Tratando-se de simulação relativa, o artº 241º, nº 1 do C. Civil, manda aplicar ao negócio dissimulado, que está em conformidade com a vontade das partes, “o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”.
Enquanto o negócio simulado é sempre nulo (art. 240º, nº2), o negócio dissimulado fica sujeito a uma valoração jurídica autónoma, destinada a verificar se os requisitos legais de validade para o negócio em causa foram ou não observados com a celebração do negócio simulado. Se houverem sido, o negócio dissimulado é válido; se não foram, o negócio será nulo ou anulável, conforme o vício que estiver em causa (v. Ac do STJ de 22/05/2012, já referido).
Face á matéria que resultou provada nos presentes autos, encontramos todos os referidos elementos que caracterizam a simulação e mais concretamente a simulação relativa, já que as partes celebraram um negócio jurídico de natureza formal, como o de doação de um imóvel, dissimulado em negócio de compra e venda do mesmo imóvel.
Na doação que EE fez aos dois netos CC e DD, concorrem os requisitos apontados, para que o negócio simulado seja nulo: o acordo simulatório; divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada e o intuito de enganar a autora, pois esta é herdeira legitimária, como filha do EE.
Ora, conforme resultou provado, o EE, e os réus não quiseram fazer nenhuma doação; o que eles quiseram fazer foi formalizar o negócio celebrado anteriormente entre aquele e a 1ª ré BB (a compra e venda verbal do referido prédio).
A 1ª ré não foi parte no contrato de doação, por desejar não ter bens registados em seu nome devido à sua situação financeira.
É inquestionável que as partes quiseram uma coisa e declararam outra e com o propósito concertado de prejudicarem a ora recorrente.
Conforme se refere no Ac. do STJ de 7/02/2002, in C.J. tomo I, 80 “A disciplina da simulação é inspirada na exigência de proteger terceiros, não frustrando a sua confiança na situação aparente concertada pelas partes. Por forma que, verificado o conluio, fingindo-se uma declaração de vontade, enganadora de terceiros, quando a verdadeira vontade negocial é outra, a lei vai ao encontro da proteção da confiança dos terceiros enganados”.
A referida doação feita aos réus é nula por simulada, não pode valer como venda, ou melhor dizendo não pode formalizar o negócio celebrado anteriormente de compra e venda verbal realizada entre EE e a filha, a ré BB.
Nos casos de simulação relativa, como nos presentes autos se revela, uma vez desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado, que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto. Prevalece o que na realidade se quis e fez sobre o que simultaneamente se concebeu. O ato dissimulado vem à superfície e fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras. Terá valor jurídico, salvo se, por qualquer razão, for nulo - como será o caso de não revestir a forma legal (artº 220º) - ou anulável (cfr. Ac. do STJ de 9/10/2003, in C.J. tomo III, 97).
Perante o nº1 do artº 241º, do CC, fica claro que a validade do negócio dissimulado não é afetada, em princípio, pela nulidade do negócio simulado.
Porém, através do nº 2 do mesmo artigo, conclui-se que o negócio dissimulado só poderá ser reputado válido, em caso de contrato de natureza formal, se tiver sido observada a forma exigida por lei.
No caso dos presentes autos, sendo a doação nula por simulada, nos termos do artº 240º, nº 2 do C.Civil o negócio dissimulado (a venda) poderia ser considerada válida, atendendo à forma que foi seguida no negócio simulado – artº 241º, nº 2 do CC.
Mas, em face da matéria que se encontra provada, os intervenientes não são os mesmos, nos dois negócios jurídicos, pois na doação apenas intervém o doador EE e os dois netos, o réu CC e a ré DD; enquanto no contrato de compra e venda verbal intervém a 1ª ré BB e o seu falecido pai EE, pelo que o negócio dissimulado tem de ser sancionado com a nulidade porquanto não é possível aproveitar a forma observada na celebração do negócio simulado (em que tiveram intervenção sujeitos diversos daqueles que efetivamente celebraram o negócio oculto ou dissimulado), v. Acs. do STJ de 27/05/2004, proc. 04A1442 e de 25/03/2010, proc. 983/06.7TBBGR.G1.S1, in www.dgsi.pt.
Por outro lado, tendo por base os fundamentos de facto, sempre o negócio (venda) se teria de considerar nulo/anulável, em virtude por um lado existir venda de bens alheios, da parte do bem de que o vendedor não era exclusivo proprietário e por outro lado pelo facto do vendedor mesmo que fosse considerado proprietário exclusivo do bem alienado, não o poder vender livremente a um seu descendente, sem consentimento da outra filha, ora autora, conforme dispõe o artº 877º, nº 1 do C. Civil.
Consequentemente, dir-se-á que o negócio é nulo entre as partes como doação, já que não foi a doação que quiseram, devendo nessa medida serem restituídas à situação originária, como determina o artº 289º, nº 1 do CC; ordenando-se o cancelamento do respetivo registo, bem como nulo o negócio dissimulado (venda), por vício de forma, dada a impossibilidade de aproveitamento da forma usada no negócio simulado.
Nestes termos, relevam as conclusões da apelante, sendo de julgar procedente a apelação e de revogar a sentença recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se a sentença recorrida, declarando-se nos termos acima explicitados, nulas, quer a doação quer a compra e venda, ordenando-se o cancelamento dos registos sobre o imóvel que tenham origem nestes negócios, condenando-se os réus a reconhecerem a autora como proprietária em comum do mesmo.
Custas pelos apelados.

Évora, 30 de Junho de 2016
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes