Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
52/15.9T8ORQ.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O artigo 31.º do NRAU regula só a resposta do inquilino.
II. O artigo 30.º exige do senhorio um determinado conteúdo à sua declaração que tem por função fornecer ao inquilino todos os elementos relevantes do contrato a propor.
III. Não cumpre o citado preceito a comunicação que não indica o prazo de arrendamento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 52/15.9T8ORQ.E1 (2.ª Secção)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…), na qualidade de cabeça de casal da Herança de (…), e da Herança de , intentou acção declarativa com processo comum contra (…) e (…) pedindo que sejam os réus condenados a reconhecer o direito de propriedade das autoras sobre o prédio dos autos; a restituí-lo de imediato com todos os seus pertences; e a indemnizar as autoras em quantia a apurar em execução de sentença.
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Os réus contestaram alegando que são arrendatários do prédio em causa nos autos, defendendo a improcedência da acção.
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Foi proferido saneador sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. dos pedidos.
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Desta sentença recorreu a A..
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Em recurso, a sentença foi revogada e ordenado o prosseguimento dos autos.
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Foi proferida nova sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. dos pedidos.
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De novo recorre a A. alegando o seguinte:
1. A comunicação feita pela A. aos RR. em 27.11.2013, sobre o arrendamento da renda e a transição do arrendamento para o NRAU é válida e eficaz;
2. Ao caso tem aplicação o disposto na al. b) do n.º 7 (atual al. b) do n.º 10) do artigo 31.º do NRAU;
3. Ao decidir em contrário, a sentença ora sob recurso violou o disposto no art.º 9.º, n.ºs 2 e 3, do C.C., bem como o normativo referido no número anterior;
4. Pelo que não poderá ser mantida;
5. Devendo antes ser revogada e substituída por outra que considere a ação procedente, por provada;
6. Condenando os RR. no despejo do prédio dos autos;
7. Assim como no pagamento das rendas vencidas e das vincendas até efetiva entrega do locado, renda essa no montante de € 250,00 mensais.
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Os RR. contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A Autora é cabeça de casal das heranças abertas por óbito de (…) e de (…), seus pais.
2. Do acervo hereditário de (…) e de (…) faz parte o seguinte imóvel: prédio urbano sito na Rua (…) do Poço, Aldeia de Palheiros, em Ourique, composto por prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da Freguesia de Ourique.
3. Em data não concretamente apurada, (…) e (…) deram de arrendamento a (…) e marido, (…), o prédio referido no ponto 2.
4. Em 2013, a renda mensal era de 25,00 €.
5. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 27 de Novembro de 2013, a Autora, na qualidade de cabeça de casal da herança de (…), comunicou aos Réus que o contrato de arrendamento “transitará para o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano), aprovado pela lei n.º 6/2006 e alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, nos termos do disposto no seu art.º 30.º e que a renda passará a ser, por mês, de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), devida a partir do dia 1 do próximo mês de Janeiro de 2014.
Nos termos do disposto no mesmo artigo 30.º, junto cópia da caderneta predial urbana, da qual consta o valor do locado, no caso € 12.545,40 (doze mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos).
Sendo quanto me cumpre comunicar, fica a aguardar o pagamento da renda já no próximo mês de Janeiro”.
6. Com a carta foi junta uma cópia da caderneta predial de 2010, indicando que o valor patrimonial actual do locado era de € 12.545,40.
7. Os Réus receberam as cartas em 28 de Novembro de 2013.
8. Por carta datada de 6 de Janeiro de 2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, os Réus declararam desconhecer se a Autora era a cabeça de casal da herança de (…), mais informando que “caso o cabeça-de-casal pretenda aumentar as rendas do locado deverá ter em conta a minha idade a idade da minha mulher superior a 65 anos, bem como os nossos rendimentos anuais (RABC), não aceitando, por isso, um aumento da renda no valor de € 250,00”.
9. Por carta datada de 8 de Janeiro de 2014, a Autora comunicou aos Réus que “Embora a tanto me não obrigue a nova Lei do Arrendamento Urbano, incluso, envio documento que comprova a minha qualidade de cabeça de casal na herança deixada por morte de (…)”.
10. Por carta datada de 27 de Janeiro de 2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, os Réus, por intermédio da sua mandatária, informaram a Autora que não concordavam com o aumento da renda para € 250,00 e que o contrato se mantinha como estava, mais informando que o Rendimento Anual Bruto Corrigido do seu agregado familiar era inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais.
11. Com a carta foi junto comprovativo do requerimento de emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n-º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.
12. Os Réus continuaram a pagar a renda mensal no valor de 25,00 €.
13. Por notificação judicial avulsa de 7 de Abril de 2014, a Autora comunicou aos Réus a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas, bem como para desocuparem o locado no espaço de um mês a contar da notificação.
14. Os Réus continuam a habitar no locado.
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Está fora de dúvida que ao caso se aplicam as regras do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 (já antes foi decidido que a Lei n.º 79/2014 não se aplica).
O art.º 30.º do NRAU, com a redacção aqui aplicável, tem o seguinte conteúdo:
«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
«a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
«b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
«c) Cópia da caderneta predial urbana».
Na comunicação que foi enviada aos RR., nada é indicado quanto ao tipo e tempo de contrato.
A sentença decidiu que faltou um requisito legal na referida comunicação pelo que ela não é eficaz.
A recorrente defende, ao invés, que não tem que indicar tais elementos porque a própria Lei prevê que o não faça ao estabelecer, no seu art.º 31.º, n.º 7, al. b), que no «silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos».
Concordamos com a sentença porque, e desde logo, falta um elemento da previsão legal: que o inquilino aceite o valor da renda proposto pelo senhorio (proémio do citado n.º 7). Ou seja, as disposições que constam das alíneas do referido preceito apenas se aplicam se aquele pressuposto existir, isto é, se a renda tiver sido aceite. Se, ao contrário, o inquilino não aceitar o valor proposto, tal preceito não tem aqui aplicação.
Acontece que os RR. logo disseram que não aceitavam a renda que o senhorio tinha apresentado (n.º 10).
Por isso, não é possível recorrer à dita al. b).
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Por outro lado, a lei é clara ao exigir um determinado conteúdo à declaração do senhorio e isto tem uma função: fornecer ao inquilino todos os elementos relevantes do contrato a propor.
Feita a proposta, o art.º 31.º regula só a resposta do inquilino: o conteúdo que pode ter, os elementos que deve indicar e as cominações estabelecidas. Mas nada disto supre as omissões da comunicação do senhorio. Como se escreve na sentença, «não podemos fazer recair sobre o arrendatário o ónus de responder à comunicação “imperfeita” do senhorio, sob cominação de a renda ser actualizada para o valor indicado pelo senhorio, e o contrato ficar sujeito ao tipo e duração previstos na al. b) do n.º 7 do art.º 31.º do NRAU caso nada diga dentro do prazo de 30 dias».
E logo se acrescenta:
«Admitir uma solução destas equivaleria a uma afronta clamorosa ao princípio da igualdade das partes perante a lei, na medida em que a lei seria complacente com as omissões do senhorio (que contaria com a salvaguarda de uma “regulação supletiva” dos aspectos omissos da sua comunicação), mas seria implacável com as omissões do arrendatário que, nada dizendo no prazo de 30 dias, inclusivamente quanto a aspectos do contrato que o próprio senhorio não comunicou, teria de sujeitar-se à renda proposta pelo seu senhorio, bem como a um contrato com prazo certo e com a duração de 5 anos».
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 28 de Junho de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho