Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
616/18.9T8PTM.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: RECURSO PARA A RELAÇÃO
PRAZO DO RECURSO
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O recurso interposto com base no estipulado no artigo 644º, nº 2, alínea c), do C.P.C. (suspensão do processo por existência de questão prejudicial) tem um prazo de 15 dias para a sua interposição – artigo 638º, nº 1, do C.P.C.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 616/18.9T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente acção declarativa comum contra Condomínio do prédio sito na Rua (…) – Lote 3 – Edifício (…), Portimão, representado pelo seu Administrador, (…), pedindo a condenação do R. nos seguintes temos:
1) Declarar e reconhecer que o A. tem direito a altear o muro/parede do terraço da sua fração até à altura máxima de 3m;
2) Ser o R. condenado a reconhecer o direito de tapagem declarado e reconhecido supra;
3) Declarar ilegal a recusa/não autorização do R. em impedir o A. exercer do direito de passagem forçada momentânea;
4) Condenar o R. a consentir / permitir o acesso e passagem de materiais, montagem de andaime, colocação de objetos e instalação dos equipamentos necessários, do seu prédio, ao A. e ao pessoal por ele contratado para execução da conclusão da obra de alteamento de muro do A. (rebocando e pintura), pela duração mínima de 5 (cinco) dias seguidos ou interpolados.
5) Ser o R. condenado a abster-se à prática de qualquer ato que impeça ou diminua o exercício e gozo do A. do direito de tapagem e do direito de passagem forçada momentânea;
6) Ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros desde citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Devidamente citado para o efeito veio o R. contestar, impugnando, no essencial, a factualidade alegada pelo A. e concluindo pela improcedência da acção, absolvendo-se o R. dos pedidos contra si formulados.
Posteriormente, o M.mo Juiz “a quo” proferiu decisão no processo, tendo ordenado a sua suspensão, com base na existência de causa prejudicial (pendência de acção a correr termos no Tribunal Administrativo de Loulé) – cfr. artigo 92º, nº 1, do C.P.C.

Inconformado com tal decisão dela apelou o A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) O recorrente procedeu a um “acréscimo de altura do muro” na sua fração autónoma e o recorrido não aceitando tal acréscimo reclamou junto da Câmara Municipal que ordenou que o recorrente demolisse o acréscimo ou apresentasse o projeto de legalização.
B) O ato administrativo que ordenou a demolição foi impugnado no TAF, tendo o Descacho recorrido sobrestado os autos até desfecho da ação administrativo, nos termos do art. 92.º, n.º 1, CPC.
C) Mesmo considerando que o “acréscimo de altura do muro” do recorrente é, eventualmente, administrativamente ilegal, porque foi realizado “sem os necessários atos administrativos de controlo prévio” (Cfr. art. 102.º, n.º 1, al. a), RJUE), a solução passará obrigatoriamente pelo n.º 1 do art. 102.º-A, RJUE que expressamente prevê: “Quando se verifique a realização de operações urbanísticas ilegais nos termos do n.º 1 do artigo anterior, se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a câmara municipal notifica os interessados para a legalização das operações urbanísticas, fixando um prazo para o efeito.”
D) Nos presentes autos o recorrente peticiona o reconhecimento do direito de tapagem, a condenação do recorrido na passagem forçada momentânea e peticiona, por fim, indemnização por danos, ora para o gozo/exercício dos seus direitos, não pode ser fundamento para causa prejudicial o facto da Câmara Municipal de Portimão, alegadamente, considerar que a obra carece de licenciamento e, na falta desse, ordenar a demolição, pois a matéria não é da competência deste tribunal nem a sua apreciação caberia ou caberá neste processo, que não tem que questionar, para condenar na prática dos atos descritos no n.º 1, do art.º 1349.º, do CC ou no reconhecimento do direito de tapagem, no art. 1356.º do CC, da existência ou não de licença de obras, que é matéria de direito administrativo e que nessa sede deve ser apreciada (vide acórdão do TRL n.º 0006446, in www.dgsi.pt).
E) O direito do recorrente a altear o muro/parece e o seu direito a aceder ao prédio do recorrido para exercício desse primeiro direito, não se confunde com a eventual sujeição a controlo prévio pela autoridade administrativa do exercício de tais diretos privados.
F) Acresce que os factos/pressupostos da responsabilidade civil alegados já se verificaram e considerando que não houve embargo de obra nova, nem embargo urbanístico, a eventual “ilegalidade urbanística” não constitui causa legítima de violação do direito de tapagem e direito de passagem forçada momentânea.
G) Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ordenar-se o prosseguimento dos autos, fazendo-se, assim, a tão habitual e costumada Justiça.
Pelo R. não foram apresentadas contra-alegações de recurso.

Por se afigurar que a apelação interposta pelo A. não podia ter sido admitida – por extemporaneidade do recurso – proferiu o relator despacho nos presentes autos, no sentido de serem ouvidas as partes para esse efeito (cfr. art. 655º, nº 1, do C.P.C.).
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se inexiste qualquer questão prejudicial que obste ao conhecimento do mérito da causa e, por via disso, este processo não devia ter sido suspenso até à prolação de sentença transitada em julgado nos autos que se encontram a correr termos no Tribunal Administrativo de Loulé (cfr. art. 92º, nº 1, do C.P.C.).
No entanto – e não obstante a questão supra referida suscitada pelo A./apelante – impõe-se apreciar, desde já, como questão prévia, o de saber se o recurso interposto pelo A. devia ter sido rejeitado por ser o mesmo extemporâneo.

Ora, apreciando, de imediato, tal questão prévia constata-se que a decisão recorrida teve na sua base a suspensão do processo por existência de uma questão prejudicial cuja apreciação compete ao Tribunal Administrativo.
E, da análise dos autos, constata-se que o A. veio interpor recurso da referida decisão proferida pelo M.mo Juiz “a quo”, datada de 18/9/2018, juntando também as respectivas alegações, sendo que a notificação da referida decisão foi feita em 20/9/2018, presumindo-se a mesma efectuada e recebida pelo A. em 24/9/2018.
Assim sendo, uma vez que o recurso interposto tem por base o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 644º do C.P.C. (suspensão da instância por questão prejudicial), constata-se que o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias – cfr. art.638º, nº 1, do C.P.C.
Ora, o referido prazo de 15 dias terminava em 9/10/2018, podendo o acto ainda ser praticado nos 3 dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa (cfr. art. 139º, nºs 5 e 6, do C.P.C.), ou seja até 12/10/2018.
Todavia, verifica-se que o recurso e as respectivas alegações do A. deram entrada em juízo, apenas, em 24/10/2018, ou seja, já muito depois de ter expirado o prazo para a respectiva interposição, pelo que é nosso entendimento que o mesmo será sempre extemporâneo.
Nestes termos, pelas razões e fundamentos supra explanados, forçoso é concluir que o recurso ora em análise, interposto pelo A. é, de todo, extemporâneo, pelo que não poderá conhecer-se do seu objecto.
Assim sendo, não devia, sequer, tal recurso ter sido admitido na 1ª instância, muito embora tal admissão não vincule este Tribunal Superior, atento o disposto no art. 641º, nº 5, do C.P.C.
Deste modo, resulta claro que, por este recurso ser, indubitavelmente, extemporâneo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 644º, nº 2, alínea g) e 638º, nº 1, ambos do C.P.C., não é possível este Tribunal Superior tomar conhecimento da questão suscitada pelo A. no presente recurso de apelação, estando, por isso, prejudicada a sua apreciação.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- O recurso interposto pelo A. tem por base o estipulado no art. 644º, nº 2, alínea c), do C.P.C. (suspensão do processo por existência de questão prejudicial), sendo que, neste caso, o prazo para a sua interposição é de 15 dias – cfr. art. 638º, nº 1, do C.P.C.
- “In casu”, a decisão sob censura tem-se por efectuada e recebida pelo A. em 24/9/2018, pelo que o prazo de 15 dias para recorrer da mesma terminava em 9/10/2018, podendo o acto ainda ser praticado nos 3 dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, ou seja, impreterivelmente até 12/10/2018 – cfr. art. 139º, nºs 5 e 6, do C.P.C.
- Todavia, o recurso interposto pelo A. apenas deu entrada em juízo em 24/10/2018, ou seja, já muito depois de ter expirado o prazo para a respectiva interposição, pelo que é nosso entendimento, que o mesmo será sempre extemporâneo.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, nos termos do art. 652º, nº 1, alínea h), do C.P.C., em não conhecer do objecto do recurso interposto pelo A., por ser o mesmo extemporâneo, face às razões e fundamentos supra referidos, determinando-se, em consequência, a devolução dos autos à 1ª instância.
Custas pelo A., ora apelante.
Évora, 28 de Fevereiro de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).