Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1008/21.8PBFAR.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE CONVICÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A atribuição de credibilidade, ou não, a prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar se for contrária às regras da experiência comum e lógica.
II - Nada impede que a convicção do julgador se possa alicerçar no depoimento de uma única testemunha, mesmo que se trate do ofendido, nas declarações do assistente ou do demandante, desde que devidamente explicitadas, pelo julgador, na motivação da decisão de facto, as razões do seu convencimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, com a intervenção do tribunal singular, n.º 1008/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foram submetidas a julgamento as arguidas AA, BB e CC, melhor identificadas nos autos, estando acusadas, as arguidas AA e CC, da prática, em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal e a arguida BB da prática de um crime da mesma natureza.
1.2. A ofendida DD constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra as arguidas/demandadas, pedindo a condenação das mesmas no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.
1.3. No decurso da audiência de julgamento, finda a produção da prova, foi comunicada às arguidas uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP, nada tendo sido requerido pelas arguidas.
1.4. Foi proferida sentença, em 29/09/2021, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«A. Condeno a arguida AA pela prática, em 02.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
B. Condeno a arguida AA pela prática, em 07.10.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, , na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
C. Efetuado o cúmulo jurídico das penas referidas em A e B, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, condeno a arguida AA na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de €1.040,00 (mil e quarenta euros);
D. Condeno a arguida BB pela prática, em 02.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,30 (cinco euros e trinta cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de €477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros);
E. Absolvo a arguida CC da prática, em 01.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal;
F. Condeno a arguida CC pela prática, em 07.10.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o quantitativo global de €500,00 (quinhentos euros);
G. Condeno as arguidas AA, BB e CC, no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC - cfr. artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Judiciais, com referência à tabela III, anexa àquele, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam;
H. Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante DD e, em consequência, condeno as demandadas AA, BB e CC a pagarem, solidariamente, à demandante, 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros legais desde a notificação das demandadas para contestar o pedido até efetivo e integral pagamento, absolvendo-as do demais peticionado;
I. Fixo à ação cível 5.000,00 (cinco mil euros) – cfr. artigos 296.º, 297.º, n.º 1 e 306.º, todos do Código de Processo Civil;
J. Condeno a demandante e as demandadas nas custas do pedido de indemnização civil deduzido, na proporção do respetivo decaimento – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
(...).»
1.5. Inconformadas com o assim decidido, recorreram as arguidas para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso que respetivamente apresentaram as seguintes conclusões:
1.5.1. A recorrente AA:
«a. Nos presentes autos, a Arguida, ora Recorrente AA vem condenada pela prática de dois crimes de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) e na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), respectivamente e, consequentemente, efetuado o cúmulo jurídico das penas, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de €1.040,00 (mil e quarenta euros).
b. O presente recurso tem como objeto impugnar a decisão proferida no que concerne à matéria de facto, por incorrecta análise dos factos julgados em sede de Audiência de Julgamento.
c. A apreciação crítica da prova testemunhal deverá ter em consideração a autenticidade, a segurança, a isenção, a perceptibilidade, a coerência, a verosimilhança, a razoabilidade, o rigor, a fundamentação, a idoneidade e razão de ciência da(s) testemunha(s), o que manifestamente o Tribunal a quo não logrou aquilatar.
d. A livre apreciação da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova, razão porque o Tribunal a quo avaliou erroneamente a prova produzida.
e. Quanto aos factos ocorridos em 02/07/2021, o Tribunal a quo formou a sua convicção no depoimento de EE, que considerando atentas as circunstâncias de tempo e de lugar da alegada verificação dos factos, não presenciou.
f. O depoimento da testemunha EE não logra concretizar as autoras de tais insultos ou ameaças de forma a que com rigor, isenção e segurança se possa imputar uma concreta ameaça e/ou insulto – suscetível de preencher a prática de um crime de injuria –, a determinada arguida, porquanto não estabelece com estas qualquer contacto visual ou outro meio idóneo de identificação rigorosa da sua autoria.
g. A única testemunha de acusação constante dos autos de forma mitigada e manifestamente questionável à luz das regras da experiência comum – considerando o desagarro até, porventura, físico à realidade factual –, ensaiar a narrativa dos factos que melhor encaixa no discurso da assistente (sua mãe), sem qualquer outra sustentação probatória e com recurso a uma comunicação pouco espontânea, improvável e não circunstanciada com a dinâmica dos factos e demais meio probatórios.
h. Considerando que a testemunha EE, não logrou estabelecer contacto visual com os autores das expressões insultuosas ou ameaçadores, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar que o seu depoimento estaria desprovido de qualquer razão de ciência.
i. As declarações da assistente estão condicionadas à sua concreta posição processual, cujo valor probatório é tão mitigado que a lei processual penal as dispensa da obrigação de serem precedidas de juramento – artigo 145.º n.º 2 e 3 do Código do Processo Penal, por conseguinte o Tribunal a quo deveria reconhecer, por princípio, que o assistente (e as partes civis) tem um concreto interesse na causa e que atentas às circunstâncias concretas dos autos a existência de uma increbilidade subjectiva, considerando a existência de um móbil de ressentimento e inimizade pelo histórico de incidentes existentes entre a assistente e a generalidade dos moradores vizinhos, entre as quais as arguidas e que, inevitavelmente, condiciona as declarações que prestou [Assistente] e que se encontra patente, entre outros, no documento denominado “abaixo-assinado”, cuja junção aos autos foi requerido pelas arguidas.
j. O depoimento da testemunha EE, relativamente aos factos ocorridos em 07/10/2021 foram aquelas foram recolhidas na fase de inquérito, de fls. 18, e que concretizam manifestamente afirmações genéricas e, sobretudo, de apreensão indirecta dos factos, limitando-se a relatar factos apreendidos por aquilo que “ouviu dizer”, designadamente os que a assistente lhe relatou, sendo evidente a parcialidade, inautenticidade, carência de exactidão, veracidade e razão de ciência daquele depoimento.
k. Impende sobre a decisão do Tribunal a quo a dúvida razoável, objectiva na formação da sua convicção, em face dos elementos probatórios constantes nos autos.
l. O princípio in dubio pro reo configura-se como uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, o juiz deve decidir a favor do arguido dando como não provado o facto que lhe é desfavorável, constituindo um critério de decisão apenas relativo à matéria de facto, que beneficiará a arguida, sempre que a autoridade judiciaria se veja colocada perante um duvida razoável, objectiva e insanável.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência a sentença recorrida ser totalmente revogada e, em consequência:
a) A arguida, ora Recorrente, ser absolvida dos autos considerada a insuficiência da matéria de facto, a incorrecta apreciação da prova, e a insuficiente fundamentação das motivações da sentença.
Só assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!»
1.5.2. A recorrente BB:
«A) Nos presentes autos a arguida BB foi condenada pela prática, em 02.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,30 (cinco euros e trinta cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de €477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros);
B) Consequentemente, foi condenada a pagar, solidariamente, à demandante, a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros legais desde a notificação das demandadas para contestar o pedido até efetivo e integral pagamento, absolvendo-as do demais peticionado;
C) A distonia que a recorrente pretende demonstrar relativamente à sentença em análise, em sede de recurso quanto à matéria de facto, prende-se com a matéria dada como provada nos pontos 1, 2 e 21 dos factos provados.
D) Assim, devem os pontos 1 e 2 da matéria de facto dada como provada serem considerados como incorretamente julgados e alterados em consonância, ou seja, relegados para os factos não provados, o que ditará a absolvição da aqui recorrente, nesta parte, dando aqui por reproduzidas as transcrições efectuadas no corpo destas alegações e apelando para a audição da gravação da prova, da qual se extrairão tais conclusões.
E) Na realidade, os meios probatórios submetidos à apreciação imediata do Tribunal não permitem tais conclusões, pelo que a matéria de facto considerada provada nos autos é manifestamente insuficiente para a decisão proferida nos autos.
F) O Tribunal incorreu no erro na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, do modo descriminado nas alegações anteriores.
G) A este propósito, basta serem ouvidas as gravações das declarações prestadas pela Assistente (cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 30/05/2022, se encontra gravado em ficheiro próprio no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 29 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 23 minutos.); pela testemunha EE (cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 30/05/2022, se encontra gravado em ficheiro próprio no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 54 minutos);, conjugados com o auto de denuncia a fls.4, para que, Venerandos Desembargadores, concluam de forma inequívoca pela existência de erro de julgamento de facto e concluir que a motivação vertida na sentença recorrida não se adequa aos factos ocorridos e provados, nos termos das alienas a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do C. Processo Penal.
H) Tais depoimentos jamais poderão ser tidos como claros e circunstanciados, porque são (e estão) objectivamente em contradição entre si.
I) Assim, na base do vício a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C. Processo Penal, encontramos uma insuficiência de factos que podendo e devendo ser apurados o não foram, comprometendo, assim, uma decisão jurídica justa e criteriosa que urge colmatar.
J) Por outro lado, como é sabido, na decisão da matéria de facto deve o Juiz analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que forem decisivos para a sua convicção, não equivalendo o princípio da liberdade de julgamento a uma arbitrariedade da decisão.
K) Deveria, assim, o tribunal a quo explicitar a forma como chegou à decisão, devendo fundamentar a decisão da matéria de facto quanto à ora recorrente.
Sem prescindir,
L) Entende-se que os factos provados não permitem concluir no sentido de que a conduta da arguida haja preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça pelo qual veio acusada, razão pela qual não existe qualquer razão válida para que se analise do tipo subjectivo de crime, da ilicitude, culpa ou punibilidade do seu ato, sendo manifesto que a mesma terá de ser absolvida da prática do crime de ameaça pelo qual veio acusada.
M) No caso concreto, tendo-se alegado na acusação (e provado) simplesmente que a arguida disse “Eu sou uma pessoa muito calma, mas se a apanho…”, não as proferiu à assistente com intenção de lhe provocar algum mal, tal não é de todo suficiente para que se possa concluir ou interpretar no sentido de que se tratará do anúncio de um mal que seja necessariamente futuro, ou do eventual anúncio de um mal que possa ser iminente.
N) Aliás, da prova produzida resultou até claramente que a arguida, nada mais fez, pois reside no mesmo bairro e todos os dias se cruzam.
O) A sentença recorrida viola a norma constante do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, encontrando-se violadas as normas dos artigos 410º n.º 2 al. a) e c) do C. P Penal, 127º e 379º/a) do CPP e as normas dos artigos 153º n.º 1 do Código Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, considerando a insuficiência da matéria de facto, a incorrecta apreciação da prova bem como a insuficiência da fundamentação das motivações da sentença, deve esta ser totalmente revogada por V.ªs Ex.ªs e consequentemente absolver-se a arguida do crime que vinha acusada.
Só assim se fazendo Justiça!».
1.5.3. A recorrente CC:
«- O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou a arguida na pena de 100 (cem) dias de multa, pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153. º, n.º 1, do Código Penal.
- a arguida tem 32 anos de idade, não apresentando qualquer condenação anterior no seu Certificado de Registo Criminal.
- A arguida não trabalha em virtude de ser cuidadora da sua filha menor portadora de 94% de incapacidade.
- a pena de 100 dias de multa é excessiva e desproporcional em face da pena aplicada às coarguidas nos autos.
- A pena adequada ao caso em apreço é de 60 dias de multa.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
I - A pena atribuída à arguida ser reduzida até um máximo de 60 (sessenta) dias de multa.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.».
1.6. Os recursos foram regularmente admitidos.
1.7. O Ministério Público, junto da 1.ª Instância, apresentou resposta aos recursos, pronunciando-se no sentido da sua improcedência e manutenção do julgado, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1.- a) - A arguida AA foi condenada pela prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º n.º 1, do Código Penal, na pena única de 160 dias à taxa diária de € 6,50;
b) – a arguida BB foi condenada pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 dias à taxa diária de € 5,30; e
c) – a arguida CC foi condenada pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias à taxa diária de € 5,00.
2.- As arguidas AA e BB Insurgem-se contra a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, porquanto consideram que existe erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo, artigo 410.º n.º 2 alínea c), do Código de Processo Penal.
3.- Já a arguida CC insurge-se contra a pena que foi aplicada pelo Tribunal a quo.
4.- Apreciando os fundamentos apresentados pelas recorrentes, somos de nos pronunciar pela sua total improcedência, pelas seguintes razões:
a) – As recorrentes AA e BB o que pretendem é um novo julgamento em que a sua opinião e visão dos factos tenha provimento, não se conformando com a apreciação e argumentos, adiantamos, racionais e lógicos, utilizados pelo Tribunal a quo;
b) – Todas as provas e meios de prova oferecidos quer pelo Ministério Público, quer pelas arguidas foram analisadas e devidamente apreciadas pelo Tribunal a quo na sua decisão;
c) – Inexiste quaisquer razões, factos ou provas, que imponham decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, que efetuou análise crítica de todas as provas que lhe foram apresentadas e fez uma valoração lógica e racional;
d) – As penas aplicadas estão de acordo com o grau de culpa das arguidas, manifestados nas ocasiões, o grau de ilicitude e bem assim com as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto impõe. A pecar, as penas aplicadas pelo Tribunal a quo pecariam por defeito e nunca por excesso.
5.- Das alegações de recurso apresentadas pelas recorrentes AA e BB não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária a logica e experiência comum.
6.- Pelo contrário, as alegações apresentadas por ambas as arguidas esclarecem-se a si próprias, senão vejamos:
7.- A recorrente AA refere na conclusão e) das suas Alegações de Recurso que a testemunha EE não presenciou os factos ocorridos a 2/7/2021, contudo nas alegações da recorrente BB - na conclusão G das suas Alegações de Recurso - indica a passagem em que a testemunha EE refere que presenciou esses factos.
8.- As recorrentes AA e BB lavram em erro quando se referem a eventuais factos ocorridos a 30/6/2021 ou 1/7/2021, uma vez que o Tribunal a quo deu como não provados os factos que eram imputados no libelo acusatório as recorrentes ocorridos nessa situação.
9.- Os factos ocorridos a 30/6/2021 ou a 1/7/2021, esses sim não foram presenciados pela testemunha EE (alegação da recorrente AA) e, por outro lado, ao contrário do que é referido pela recorrente BB não existe qualquer contradição entre o facto do Tribunal ter dado como provado que os factos descritos em 1 da douta sentença ocorreram a 2/7/2021 (apesar do Auto de Denuncia ser datado de 1/7/2021 e referir-se a factos que teriam ocorrido a 30/6/2021, sendo que a Assistente referiu nas suas declarações que apresentou queixa na PSP ... no dia seguinte aos factos ocorrerem) pela simples razão de que o Tribunal a quo deu como não provados os factos ocorridos a 30/6/2021 ou 1/7/2021.
10.- Por outro lado, não se alcança o como e porquê das declarações da ofendida/assistente e de familiares próximos ter um valor probatório inferior ou menor que outros meios de prova, até porque por vezes são apenas esses os testemunhos disponíveis em Tribunal – o das vítimas de crimes – tendo apenas o Tribunal de os valorar e formar a sua convicção sobre se são credíveis ou não.
11.- Em suma, a apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a quo assentou num raciocínio lógico e totalmente de acordo com aquilo que são as regras da experiência comum, decidindo em conformidade com a análise crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, não se vislumbrando qualquer incongruência ou contradição quer no raciocínio efetuado, quer na valoração da prova, quer ainda na decisão proferida.
12.- Quanto ao recurso apresentado pela arguida CC, a douta sentença ora recorrida apreciou as finalidades e critérios de determinação das penas e fê-lo adequada e ponderadamente.
13.- Atenta a matéria de facto dada como provada, o grau de ilicitude (alto, atento que as arguidas atuaram sempre em grupo e num quadro de intensa conflitualidade, indo a casa da assistente proferir as ameaças), o dolo intenso porque direto, bem como o quadro factual em que os factos ocorreram, não pode deixar de concluir-se que a pena de multa aplicada, a pecar, é por defeito.
14.- Nestes termos nenhuma censura merece a douta sentença proferida.
Termos em que, deve ser rejeitados os recursos apresentados pelas recorrente e, consequentemente, ser mantida a douta sentença nos seus precisos termos.
DECIDINDO NESTA CONFORMIDADE SERÁ FEITA JUSTIÇA!».
1.8. Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de deverem os recursos ser julgados totalmente improcedentes e, consequentemente, mantida a sentença recorrida, nos seus precisos termos, acompanhando a resposta oferecida pelo MP, na 1.ª Instância.
1.9. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, o Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cf. artigo 428º do CPP).
As conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. artigo 412º do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelas arguidas/recorrentes da motivação de recurso que, respetivamente, apresentaram, são suscitadas as seguintes questões:
A – No recurso interposto pela recorrente AA:
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 5, por erro de julgamento;
- Violação do princípio in dubio pro reo.
B – No recurso interposto pela recorrente BB:
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 e 2, por erro de julgamento;
- Contradição insanável na fundamentação da sentença recorrida e entre a fundamentação e a decisão;
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Erro de subsunção.
C – No recurso interposto pela recorrente CC:
- Medida da pena

*
2.2. Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter presente o teor da sentença recorrida, nos segmentos, para o efeito relevantes, e que se passam a transcrever:
«(…)
II - Fundamentação de Facto
2.1. Factos Provados:
Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada, com interesse para a decisão da mesma, a seguinte factualidade:
Da acusação
1. No dia 02/07/2021, pelas 17h00, as arguidas AA, BB e CC dirigiam-se ao prédio onde reside DD, sito na Rua ..., n.º ..., ..., em ..., e colocaram-se debaixo da janela desta.
2. As três arguidas começaram a gritar fazendo com que a DD se deslocasse até à janela. Ao ver DD à janela, a arguidas BB e CC gritaram na sua direção: “puta do primeiro andar, puta, vaca”. A arguida AA disse: “se desces arrebento-te toda, vou-te fazer a folha, quando saíres de casa vou-te partir os dentes todos, vais beber água por uma palhinha”. A arguida BB ainda disse após as palavras proferidas pela arguida AA: “eu sou uma pessoa muito calma, mas se a apanhar na rua ...”.
3. No dia 07/10/2021, em hora não concretamente apurada, as arguidas AA e CC dirigiram-se à residência de DD e disseram a esta: “parto-te a boca e os dentes”.
4. As arguidas, ao atuar das formas descritas, quiseram amedrontar DD com a prática de crimes contra a integridade física dela, bem sabendo que as expressões por si proferidas eram adequadas e suscetíveis de causar medo e inquietação àquela, o que efetivamente conseguiram.
5. As arguidas agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Do Pedido de Indemnização Civil
6. Como consequência direta e necessária da atuação das arguidas, DD sofreu, irritabilidade, medo, instabilidade, depressão, alheamento da comunidade envolvente, vergonha e inquietude.
7. DD continua, desde a data dos factos, sem conseguir dormir convenientemente, com recorrentes pesadelos com o sucedido, que a transportam para momentos de pânico durante a noite.
Mais se provou que:
8. A arguida AA tem o 7.º ano de escolaridade.
9. A arguida AA é solteira e tem 2 filhas, com 5 anos e 10 meses de idade.
10. A arguida AA vive numa casa arrendada por €182 mensais, com as suas duas filhas e a sua mãe.
11. A arguida AA é cantoneira e aufere mensalmente €725.
12. A mãe da arguida AA está reformada, auferindo uma pensão de €300 mensais.
13. A arguida AA tem um encargo mensal de €100 com a cresce da sua filha de 5 anos.
14. A arguida AA tem um encargo mensal de €81 decorrente de um crédito para obter a licença de condução.
15. A arguida AA tem despesas com luz e água que rondam os €50 mensais.
16. A arguida AA não tem outros encargos significativos.
17. A arguida AA não tem antecedentes criminais.
18. A arguida BB não tem nenhum grau de escolaridade e não sabe ler nem escrever.
19. A arguida BB é solteira e tem cinco filhos, com 3 anos, 7 anos, 9 anos, 13 anos e 18 anos de idade.
20. A arguida BB vive numa casa arrendada por €41 mensais, com os seus cinco filhos e o seu companheiro.
21. A arguida BB trabalha como empregada de limpeza na segurança social, a tempo parcial – das 17h às 21h –, auferindo mensalmente €354.
22. A arguida BB tem um encargo mensal de €32 decorrente de um crédito contraído para comprar uma “Bimbi”.
23. A arguida BB tem despesas com água e luz que rondam os €50 mensais.
24. A arguida BB encontra-se a pagar mensalmente à Vodafone um encargo mensal de €80.
25. A arguida BB não tem outros encargos significativos.
26. A arguida BB não tem antecedentes criminais.
27. A arguida CC tem o 6.º ano de escolaridade.
28. A arguida CC é solteira e tem dois filhos, com, respetivamente, 8 e 14 anos de idade.
29. A arguida CC vive numa casa arrendada por €170, com os seus dois filhos e a sua mãe.
30. A arguida CC encontra-se desempregada há 6 meses, não tem rendimentos próprios, e está à espera de receber o estatuto de cuidador informal porque a sua filha de 14 anos tem 94% de incapacidade.
31. A arguida CC recebe €100, a título de pensão de alimentos relativa a um dos seus filhos, e €75, a título de pensão de alimentos referente ao outro filho.
32. A mãe da arguida CC trabalha como cantoneira na Fagar, auferindo mensalmente €725.
33. A arguida CC tem um encargo mensal de €130, decorrente de um crédito para colocar um aparelho para arranjar os dentes.
34. A arguida CC tem despesas com a luz, água e gás que rondam mensalmente os €80.
35. A arguida CC não tem outros encargos significativos.
36. A arguida CC não tem antecedentes criminais.
37. DD tem quatro filhos, sendo dois deles dependentes.
38. DD vive numa casa arrendada por €26, com três dos seus filhos e o seu companheiro.
39. DD trabalha na cozinha de uma escola, como assistente operacional, e aufere €715 mensais.
40. O companheiro de DD encontra-se reformado por invalidez, auferindo mensalmente uma pensão no valor de €68.
41. O filho de DD, EE, contribui mensalmente com cerca de €200 para as despesas domésticas.
42. DD tem despesas de saúde no valor aproximado de €40 mensais.

2.2. Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:
A. No dia 01.07.2021, pelas 08h00, a arguida FF viu a denunciante a regressar à residência e dirigiu-se a ela dizendo: “puta, não passas mesmo de uma puta, logo falamos as duas quando estiveres sozinha.”.

2.3. Motivação
Para formar a sua convicção quanto aos factos provados e não provados supra elencados, o tribunal atendeu à prova documental junta aos autos, bem como à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, analisada e conjugada, criticamente, à luz das regras da experiência comum, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Vejamos, concretamente.
Para prova da matéria de facto ínsita no ponto 1 dos factos provados, o Tribunal valorou as declarações da assistente DD, o depoimento da testemunha EE (filho da assistente) prestado em sede de audiência de julgamento, bem como o seu depoimento prestado em sede de inquérito, constante do auto de fls. 18 dos autos e lido em julgamento ao abrigo do artigo 356.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal.
Conquanto a assistente e a testemunha EE não tenham conseguido precisar, em audiência de julgamento, o dia específico em que se desenrolou o evento a que se reportam os pontos 1 e 2 dos factos provados, do depoimento da testemunha EE prestado em sede de inquérito foi possível determinar o contexto temporal em que aquele teve lugar, tendo a testemunha EE reiterado, em audiência de julgamento, de forma séria, espontânea e credível, que ouviu a sua mãe ser insultada e ameaçada quando chegou a casa, após regressar do trabalho, por voltas das 17h da tarde, pois saiu do serviço pelas 16h30, após o qual seguiu diretamente para casa.
Por seu turno, afirmou a assistente DD, de modo sério, objetivo e espontâneo, que se encontrava no seu domicílio e, após ouvir gritos provenientes da rua, deslocou-se à janela, constatando a presença de AA, acompanhada por BB e CC. Identicamente, a testemunha EE confirmou ter visualizado, a partir da janela, as três arguidas, o que se revelou coerente com o que já havia narrado no âmbito do inquérito.
A convicção quanto à factualidade descrita no ponto 2 dos factos provados estribou-se, assim, igualmente, na conjugação entre as declarações da assistente DD, e o depoimento da testemunha EE prestado em audiência de julgamento e em inquérito, constando este último do auto de fls. 18, lido em julgamento ao abrigo do artigo 356.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
De forma sincera, objetiva e convincente, relatou a assistente DD ter-se deslocado à janela em virtude dos gritos que se faziam ouvir, oriundos da rua, e detalhou as palavras articuladas pela arguida BB, o sentido que delas retirou, e explanou que esta frase da arguida BB foi antecedida pelas expressões proferidas pela arguida AA.
As concretas palavras pronunciadas pela arguida AA extraíram-se do depoimento prestado pela testemunha EE em inquérito, tendo este reforçado, em audiência de julgamento, coerentemente e em harmonia com as declarações prestadas pela assistente DD, que a arguida AA proclamou para a assistente que esta iria “beber água por uma palhinha”.
Quanto aos insultos e quem os proferiu, o Tribunal formou a sua convicção valorando o depoimento da testemunha EE prestado em inquérito – que deu a entender que os insultos não foram dirigidos à ofendida por parte da arguida AA, mas sim pelas arguidas BB e CC – e as declarações da assistente DD, que acrescentou que as arguidas frequentemente se referiam a si como a “puta do primeiro andar”.
A matéria de facto contida no ponto 3 dos factos provados resulta, por um lado, do depoimento prestado pela testemunha EE em sede de inquérito (constante do auto de fls. 18, lido em julgamento ao abrigo do artigo 356.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal), onde mencionou a data da ocorrência e relatou que a sua mãe foi novamente insultada e ameaçada no mesmo contexto que os anteriores acontecimentos, e, por outro lado, das declarações da assistente DD que afirmou, com sinceridade e espontaneidade, que, deste vez, a arguida BB não se encontrava presente, e que as arguidas AA e CC lhe disseram que lhe partiam a boca e os dentes.
A assistente DD, de modo sério, objetivo e claro, também adicionou que as ameaças, tal como os insultos, eram dirigidas a si, e não a outrem que se encontrasse nas imediações, pois as arguidas haviam mencionado que desconfiavam que a assistente apresentou queixa da arguida AA, conduzindo, desta forma, a um processo concernente com o filho desta última.
Não se olvidando que as arguidas acabaram por, já produzida toda a prova, decidir afinal prestar declarações sobre os factos – uma vez que inicialmente haviam exercido o direito constitucionalmente consagrado ao silêncio –, certo é que as mesmas se limitaram a negar a prática dos factos que lhe estão imputados, sem, contudo, apresentarem qualquer versão diversa dos mesmos ou sequer justificação para lhe estarem a ser imputados os factos em questão. Não lograram, por isso, as arguidas, abalar minimamente, sequer, a credibilidade que nos mereceram as declarações da assistente e os depoimentos da testemunha EE.
A convicção relativamente à matéria de facto constante nos pontos 4 e 5 dos factos provados fundou-se no conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, porquanto “o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum” – cfr. Ac. do TRP de 13/01/2021 (Eduarda Lobo), proc. n.º 501/18.4GAVCD.P1, in www.dgsi.pt.
Com efeito, conforme se lê no referido Acórdão “existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspeto subjetivo da conduta criminosa.
Excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”.
Neste sentido, o conhecimento e vontade das arguidas relativamente aos factos praticados sobre a assistente resultam da sua forma de atuação, evidenciada nos factos objetivamente imputados, atenta à dinâmica dos eventos.
Para prova da factualidade descrita nos pontos 6 e 7 dos factos provados valoraram-se as declarações prestadas pela assistente DD que esclareceu, de forma séria, objetiva, clara e sincera, que as arguidas a insultaram e ameaçaram em público, em voz alta e gritando, o que fez com que os seus vizinhos assistissem ao sucedido, e por isso sente vergonha perante os demais; que tem ataques de ansiedade; que sentiu stress em consequência das condutas das arguidas; que teve que começar a tomar medicação para dormir e para a depressão; que deixou de fazer a sua vida normal, pois ficou com receio de andar sozinha na rua, sem a companhia dos seus filhos ou do seu companheiro, considerando o que as arguidas lhe poderiam fazer, e que deixou de sair à rua, ou então apenas sai por períodos de tempo reduzidos, quando não se encontra acompanhada por um familiar; e que psicologicamente não se encontra bem e, nesta sequencia, perdeu bastante peso.
A testemunha EE, com honestidade, objetividade e assertividade, corroborou, em parte, os efeitos gerados na assistente, decorrentes dos comportamentos das arguidas, confirmando o stress e os ataques de ansiedade sofridos pela sua mãe, e o receio que a DD sente de que as arguidas concretizem as ameaças, bem como a medicação que agora tem de tomar.
No que se refere à matéria de facto vertida nos pontos 8 a 16 dos factos provados – condições socioeconómicas da arguida AA –, 18 a 25 dos factos provados – condições socioeconómicas da arguida BB –, e 27 a 35 dos factos provados – condições socioeconómicas da arguida CC – foram consideradas as declarações prestadas pelas próprias, a esse propósito, as quais se mostraram séria e, por isso, credíveis.
Já a prova da ausência de antecedentes criminais das arguidas – pontos 17, 26 e 36 dos factos provados – resulta do teor dos respetivos certificados de registo criminal juntos aos autos a fls. 104, 105 e 106 dos autos.
Por fim, a convicção do Tribunal quanto a matéria de facto descrita nos pontos 37 a 42 dos factos provados assentou nas declarações prestadas pela assistente DD, consideradas sérias, objetivas e convincentes.

*
Conquanto a assistente DD tenha desvelado, de forma séria, assertiva e espontânea, que era frequentemente alvo de insultos e ameaças pelas arguidas AA e CC e que as ameaças eram sempre as mesmas, ou seja, que lhe batiam e que lhe partiam os dentes, não foi produzida prova cabal que permitisse inferir que, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, a arguida CC tenha proferido as concretas palavras apontadas, pelo que a factualidade vertida no ponto A dos facto não provados resultou, assim, não verificada.
***
III Fundamentação de Direito
3.1. Enquadramento jurídico penal dos factos
Às arguidas é imputada a prática, de vários crimes de ameaça, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, do Código Penal.
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, contra a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
O tipo objetivo deste ilícito consiste na comunicação, verbal ou escrita, a um destinatário, de uma mensagem com um significado da prática futura de um mal contra o destinatário ou contra um terceiro que se encontre na mesma situação de perigo do destinatário, ou numa situação de proximidade existencial da pessoa do destinatário.
Ameaçar é anunciar o propósito de fazer mal a alguém. Pressupondo o conceito de “ameaça” um mal que constitua crime – crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor –, que seja futuro e, além disso, que a ocorrência desse mal futuro dependa (ou apareça como dependente) da vontade do agente.
Exige, ainda, o tipo legal deste crime que a ameaça seja adequada a provocar no seu destinatário medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
No que se refere ao tipo subjetivo do ilícito em questão, a lei exige o dolo, em qualquer das suas modalidades: direto, necessário ou eventual (artigo 14.º do Código Penal).
Definidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime em análise, importa, agora, determinar se as arguidas praticaram os crimes de ameaça que lhes são imputados.

3.1.1. Da arguida AA
Resulta provado nos presentes autos que, no dia 02.07.2021, pelas 17h00, a arguida AA proferiu, em direção de DD, as palavras “se desceres arrebento-te toda, vou-te fazer a folha, quando saíres de casa vou-te partir os dentes todos, vais beber água por uma palhinha”.
Desta expressão retira-se a ameaça com um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade da agente.
Em primeiro lugar, o mal com que a ofendida é ameaçada, ou seja, o objeto da ameaça – “arrebento-te toda”, “fazer a folha”, “partir os dentes todos”, “vais beber água por uma palhinha” (refletindo esta última expressão os efeitos provenientes das agressões com que a ofendida é ameaçada) –, configura um crime de ofensa à integridade física (cujo tipo base está previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal), que consiste num dos crimes enumerados no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
O mal com que a arguida ameaça a ofendida é futuro, o que é evidenciado pelos verbos empregados e pelas condições impostas para a prática das agressões - “se desces”, “vou-te”, “quando saíres de casa” e “vais” –, não se tendo verificado, nesta situação, uma execução iminente do crime de ofensa à integridade física.
Por outro lado, como se expôs, a prática do crime ameaçado tem de depender (ou aparecer como dependente) da vontade do agente. O juízo sobre a dependência assenta na perspetiva do homem comum, ou seja, da pessoa adulta e normal, aliada às características individuais da pessoa ameaçada (as que forem conhecidas ou cognoscíveis do agente).
É notório, das especificas expressões dirigidas à ofendida, que um homem médio entenderia que o mal futuro se encontra na dependência da vontade da arguida AA, pois tratam-se de atos que esta mesma pode fisicamente levar a cabo e qualquer pessoa comum, ouvindo as declarações emitidas verbalmente pela arguida, visualizaria como uma real possibilidade a concretização das palavras por esta proferidas.
Ademais, tendo em conta que a arguida AA se dirigiu ao prédio onde reside DD, colocou-se debaixo da janela desta, começou a gritar fazendo com que a DD se deslocasse até à janela, e ao ver a ofendida disse na sua direção as expressões em causa, é patente que o sujeito passivo, DD, tomou conhecimento da ameaça.
Noutra senda, o crime de ameaça é, pois, um crime de perigo concreto, exigindo-se que a ameaça da prática do crime seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação. Sucede que a ameaça efetuada pela arguida AA é adequada a provocar na destinatária medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, tanto que chegou mesmo a provocar receio e inquietude na ofendida, conforme resultou provado.
Com efeito, a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, e atendendo às palavras proferidas e ao contexto como chegaram ao conhecimento de DD, o homem comum tomaria a ameaça como sendo séria.
Ao nível do tipo subjetivo, o ilícito criminal previsto no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, é necessariamente doloso, podendo o agente atuar com dolo direito, necessário ou eventual (cfr. artigo 14.º do Código Penal).
Ficou provado que, ao atuar da forma exposta, a arguida AA quis amedrontar DD com a prática de um crime contra a integridade física dela, bem sabendo que as expressões por si proferidas eram adequadas e suscetíveis de causar medo e inquietação àquela, o que efetivamente conseguiu.
Mais se demonstrou que a arguida AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Nesta senda, encontram-se preenchidos os dois elementos do dolo do tipo: (i) o elemento intelectual, que corresponde à correta representação da realidade típica; (ii) e o elemento volitivo, que equivale à vontade de realização do ilícito-típico. A arguida atuou com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), uma vez que agiu movida por um substrato volitivo diretamente orientado à prática do ilícito.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que afaste a sua responsabilidade criminal, conclui-se que a arguida AA praticou, no dia 02.07.2021, pelas 17h00, um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.

*
Ficou igualmente provado que, no dia 07.10.2021, em hora não concretamente apurada, a arguida AA dirigiu-se à residência de DD e disse a esta “parto-te a boca e os dentes”.
A expressão proferida consubstancia a ameaça de um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade da agente.
O mal com que DD é ameaçada – “parto-te a boca e os dentes” –, corresponde a um crime de ofensa à integridade física, cujo tipo-base está previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, tratando-se de um dos crimes enumerados no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
Este mal é um mal futuro, uma vez que as palavras traduzem um ato que viria a ser executado. Realmente o tempo verbal empregado é o presente do indicativo – “parto” –, mas tendo a arguida apenas articulado as referidas palavras sem desencadear qualquer ato que efetivamente conduzisse, ou pudesse conduzir, à materialização do que foi anunciado, não estava iminente a execução do crime de ofensa à integridade física.
Uma vez mais se volta a dizer que a prática do crime ameaçado tem de depender, ou aparecer como dependente, da vontade do agente. Atento às palavras dirigidas a DD, um homem comum entenderia que o mal futuro se encontra na vontade da arguida AA, pois tratam-se de atos que esta mesma pode fisicamente levar a cabo e qualquer pessoa adulta e normal, ouvindo o que foi declarado pela arguida, entenderia ser real a possibilidade de esta vir a concretizar o mal anunciado.
Conforme se tem vindo a dar a entender, mas cuja afirmação expressa se impõe, DD tomou conhecimento da ameaça: a arguida AA dirigiu-se à residência da ofendida e disse-lhe “parto-te a boca e os dentes”.
Por outro lado, o crime de ameaça é um crime de perigo concreto, exigindo-se que a ameaça da prática do crime seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação. As palavras articuladas pela arguida AA são, de facto, adequadas a provocar na destinatária medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, tendo efetivamente provocado receio e inquietude em DD.
Considera-se adequada a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, e atendendo às palavras proferidas e ao contexto como chegaram ao conhecimento de DD, o homem comum tomaria a ameaça como sendo séria.
Ficou provado, ainda, que, ao atuar da forma exposta, a arguida AA quis amedrontar DD com a prática de um crime contra a integridade física dela, bem sabendo que as expressões por si proferidas eram adequadas e suscetíveis de causar medo e inquietação àquela, o que efetivamente conseguiu. Mais se demonstrou que a arguida AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Nesta senda, encontram-se preenchidos os dois elementos do dolo do tipo: (i) o elemento intelectual, que corresponde à correta representação da realidade típica; (ii) e o elemento volitivo, que equivale à vontade de realização do ilícito-típico. A arguida AA atuou com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), uma vez que agiu movida por um substrato volitivo diretamente orientado à prática do ilícito.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que afaste a sua responsabilidade criminal, conclui-se que a arguida AA praticou, no dia 07/10/2021, em hora não concretamente apurada, um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
*
Do concurso de crimes
Estatui o artigo 30.º do Código Penal que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério legal consagrado no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal é o defendido por Eduardo Correia, segundo o qual há concurso (efetivo) de crimes quando os factos praticados pelo agente são subsumíveis a crimes que protegem bens jurídicos diferentes (ou, protegendo o mesmo bem jurídico, forem cometidos em ocasiões diferentes) cfr. Ac. do STJ de 24/04/2019 (Maia Costa), proc. n.º 308/12.2TAABF.S1.
Neste sentido, e tendo em conta o já exposto, a arguida AA praticou, em concurso efetivo, dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
*
3.1.2. Da arguida AA
Da matéria de facto provada resulta que, no dia 02/07/2021, pelas 17h00, a Arguida BB proferiu em direção de DD as palavras “eu sou uma pessoa muito calma, mas se a apanho na rua ...”.
Destas palavras proferidas pela Arguida BB decorre a ameaça de um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade da agente.
O objeto da ameaça configura um crime de ofensa à integridade física, cujo tipo-base está previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, sendo um dos crimes elencados no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
O mal com que a arguida BB ameaçou DD é futuro, pois o segmento “se a apanhar na rua ...”, reporta-se a uma situação que virá a acontecer, não tendo, concomitantemente, ocorrido a prática de condutas que constituíssem a iminente execução do crime de ofensa à integridade física.
A prática do crime ameaçado tem ainda de depender, ou aparecer como dependente, da vontade do agente. O juízo sobre a dependência assenta na perspetiva do homem comum (pessoa adulta e normal), atendendo-se, talqualmente, às características individuais da pessoa ameaçada (as que forem conhecidas ou cognoscíveis do agente).
Avaliando as palavras articuladas pela a arguida BB, vislumbra-se que uma pessoa adulta e normal consideraria que o mal futuro se encontra na vontade da arguida, pois os comportamentos que integram o crime de ofensa à integridade física são condutas que a arguida BB pode fisicamente exercer e qualquer pessoa comum, ouvindo o que foi dito pela arguida, entenderia como sendo possível que esta levasse avante a ameaça anunciada.
No contexto em que se verificou a ameaça, ou seja, em que a arguida BB se dirigiu ao prédio onde reside DD, colocou-se debaixo da janela desta, começou a gritar fazendo com que a DD se deslocasse até à janela, e ao ver a ofendida disse na sua direção a frase em questão, conclui-se que DD tomou conhecimento da ameaça enquanto destinatária.
Por sua vez, o crime de ameaça é um crime de perigo concreto, requerendo-se que a ameaça da prática do crime seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação, algo que até acabou por acontecer. Sucede que a ameaça efetuada pela arguida BB é adequada a provocar receio e inquietude no ameaçado, o que efetivamente a arguida logrou fazer.
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objetivo-individual. Portanto, deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa, relevando, também, as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada.
Enquanto tal, a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características e aquelas que são do conhecimento do agente, independentemente do destinatário da ameaça ficar ou não intimidado.
Neste momento cabe analisar as concretas palavras articuladas pela arguida BB “eu sou uma pessoa muito calma, mas se a apanho na rua ...”.
É certo que a arguida BB não formulou palavras que exprimem diretamente um crime de ofensa à integridade física, que viria a ser cometido contra a ofendida, mas o contexto em que elas foram articuladas demonstra precisamente o cariz ameaçadora a elas inerente.
Primeiramente, a arguida BB encontrava-se acompanhada das duas outras aqui arguidas, uma das quais já se comprovou ter cometido, nas mesmas condições de tempo e lugar, um crime de ameaça contra a ofendida, e a outra, CC, que, conjuntamente com BB, dirigia insultos contra DD.
Em segundo lugar, o segundo segmento da frase expressa pela arguida BB – “mas se a apanho na rua ...” – visa contradizer o primeiro segmento - “eu sou uma pessoa muito calma” –, dando a entender que a primeira parte não é um obstáculo àquilo que a segunda parte tenciona transmitir.
Por último, a expressão que a arguida BB disse – “eu sou uma pessoa muito calma, mas se a apanho na rua ...” –, surgiu posteriormente à ameaça feita pela arguida AA – “se desces arrebento-te toda, vou-te fazer a folha, quando saíres de casa vou-te partir os dentes todos, vais beber água por uma palhinha” –, pelo que, embora não tenha sido especificada como seria materializada a ofensa à integridade física de DD, a índole da frase formulada pela arguida BB e o significado a ela subjacente não se distancia das palavras tecidas pela arguida AA.
Posto isto, o homem comum tomaria a ameaça como sendo séria, sendo, pois, apta a intimidar ou gerar intranquilidade em qualquer pessoa e na própria ofendida, tal como aconteceu mesmo.
Ficou provado, também, que, ao atuar da forma exposta, a arguida BB quis amedrontar DD com a prática de um crime contra a integridade física dela, bem sabendo que as expressões por si proferidas eram adequadas e suscetíveis de causar medo e inquietação àquela, o que efetivamente conseguiu. Mais se demonstrou que a arguida BB agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Enquanto tal, estão preenchidos os dois elementos do dolo do tipo: (i) o elemento intelectual, que corresponde à correta representação da realidade típica; (ii) e o elemento volitivo, que equivale à vontade de realização do ilícito-típico. A arguida BB atuou com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), uma vez que agiu movida por um substrato volitivo diretamente orientado à prática do ilícito.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que afaste a sua responsabilidade criminal, conclui-se que a arguida BB praticou um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
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3.1.3. Da arguida CC
A Arguida CC vem acusada da prática, em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
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Não se demonstrou que no dia 01/07/2021, pelas 08h00, a arguida CC viu a denunciante a regressar à residência e dirigiu-se a ela dizendo: “puta, não passas mesmo de uma puta. Logo falamos as duas quando estiveres sozinha”(cfr. ponto A da factualidade não provada).
Deste modo, não é possível preencher os elementos do ilícito típico, tal como apresentados, por não se ter logrado provar que os factos tiveram lugar e que foi a arguida CC a autora dos mesmos, pelo que, deve a arguida CC ser absolvida do crime de ameaça cuja imputada prática teria tido lugar em 01.07.2021.
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Compulsada a factualidade provada, observa-se que, no dia 07/10/2021, em hora não concretamente apurada, a arguida CC dirigiu-se à residência de DD e disse a esta: “parto-te a boca e os dentes”.
A expressão proferida consubstancia a ameaça de um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade da agente.
O mal com que DD é ameaçada – “parto-te a boca e os dentes” –, consiste num crime de ofensa à integridade física, cujo tipo-base está previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, tratando-se de um dos crimes identificados no artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
Este mal é um mal futuro, uma vez que as palavras traduzem um ato que será praticado. Tendo a arguida apenas articulado as referidas palavras sem efetuar qualquer ato que conduzisse à materialização do que foi anunciado, não se observou a execução iminente do crime de ofensa à integridade física.
A prática do crime ameaçado tem de depender, ou aparecer como dependente, da vontade do agente. Atento às palavras dirigidas a DD, um homem adulto e normal entenderia que o mal futuro se encontra na vontade da arguida CC, pois equivale a um comportamento que esta mesma pode fisicamente levar a cabo e qualquer pessoa comum, ouvindo a que foi articulado pela arguida, consideraria uma verdadeira possibilidade a materialização da imagem que esta pintou através das suas palavras.
Embora seja cristalino, importa afirmar que DD tomou conhecimento da ameaça, porquanto a arguida CC dirigiu-se à residência da ofendida e disse-lhe “parto-te a boca e os dentes”.
Sendo o crime de ameaça um crime de perigo concreto, exige-se que a ameaça da prática do crime seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação. As palavras articuladas pela arguida CC são adequadas a provocar na destinatária medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, tendo inclusivamente provocado, de facto, receio e inquietude em DD.
Considera-se adequada a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, e atendendo às palavras proferidas e o contexto como chegaram ao conhecimento de DD, a pessoa adulta e normal tomaria a ameaça como sendo séria.
Noutra senda, o crime de ameaça é necessariamente doloso (artigos 153.º, n.º 1, e 14.º do Código Penal).
Ficou provado que, ao atuar da forma apresentada, a arguida CC quis amedrontar DD com a prática de um crime contra a integridade física dela, bem sabendo que as expressões por si proferidas eram adequadas e suscetíveis de causar medo e inquietação àquela, o que efetivamente conseguiu. Mais se demonstrou que a arguida CC agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Destarte, encontram-se preenchidos os dois elementos do dolo do tipo: (i) o elemento intelectual, que corresponde à correta representação da realidade típica; (ii) e o elemento volitivo, que equivale à vontade de realização do ilícito-típico. A arguida CC atuou com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), uma vez que agiu movida por um substrato volitivo diretamente orientado à prática do ilícito.
Preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que afaste a sua responsabilidade criminal, conclui-se que a arguida CC praticou, no dia 07/10/2021, em hora não concretamente apurada, um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal.
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3.2. Da escolha e determinação das penas e respetivas medidas
Qualificados juridicamente os factos e operada a respetiva subsunção aos preceitos incriminadores, importa, agora, proceder à escolha e determinação das penas a aplicar às arguidas e das respetivas medidas.
Nos termos do disposto nos artigos 153.º, n.º 1, do Código Penal, pela prática dos crimes de ameaça incorre, cada uma das arguidas, em penas de prisão até 1 ano ou penas de multa até 120 dias.
Uma vez que o tipo legal em análise admite, em alternativa, a pena principal de prisão ou de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido pela prática do referido crime.
Preceitua o artigo 70.º do Código Penal, que a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Estas finalidades são, como se determina no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Terá, por isso, na escolha da pena a aplicar, de se atender quer a razões de prevenção geral positiva, quer a razões de prevenção especial positiva, estando excluída qualquer consideração atinente à culpa do agente.
A aplicação de uma pena visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na respetiva validade e vigência, sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva ou de integração), e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da “prevenção da reincidência” (prevenção especial positiva).
O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, a não ser que razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem.
Aliás, “a pena alternativa (...) só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias” – Figueiredo Dias, in Direito Penal PortuguêsAs Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pág. 333.
Dito de outro modo, constituindo a pena de prisão a ultima ratio da política criminal subjacente ao nosso ordenamento jurídico e considerando-se adequada e suficiente a pena de multa, para que sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com a reação penal, deve a mesma ser aplicada.
Revertendo ao caso dos autos, e considerando o tipo legal em análise, dir-se-á, desde logo, que são muito fortes as exigências de prevenção geral, na vertente de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, dada a relevância dos bens jurídicos protegidos.
No entanto, neste contexto, a prevalência deve ser dada a exigências de prevenção especial ou de socialização.
Ora, no que respeita às exigências de prevenção especial, haverá que considerar a circunstância de as arguidas não possuírem antecedentes criminais, se mostrarem inseridas familiar e social, e ainda profissionalmente, no que respeita às arguidas AA e BB, surgindo as situações em apreço como isoladas nas suas vidas.
As referidas circunstâncias permitem concluir que não existe, no presente caso, uma particular necessidade de punição, ao nível da prevenção especial de socialização. Com efeito, as exigências de prevenção especial, não se afiguram tão proeminentes que imponham a aplicação, às arguidas, de uma pena privativa da liberdade, nem as exigências de prevenção geral saem diminuídas pela aplicação de pena não privativa.
Tudo ponderado, considera-se que a pena de multa é adequada, no presente caso, realizando, de forma suficiente, as finalidades da punição, pelo que se opta pela aplicação, a cada uma das arguidas, de penas de multa.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, ambos do Código Penal, pela prática dos crimes de ameaça, incorrem as arguidas em penas de multa de 10 a 120 dias.
Assim, estabelecida a moldura penal abstrata aplicável ao caso vertente, cabe agora determinar a medida concreta das penas a aplicar a cada uma das arguidas.
A determinação da medida concreta de uma pena a aplicar terá como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal. O limite mínimo será fornecido pelas exigências de prevenção geral, sendo a culpa do agente que fornece o limite inultrapassável da pena (artigo 40.º, n.º 2 do C.P.). Será dentro destes limites que, atendendo às necessidades de prevenção especial ou de socialização do agente, se determinará a medida concreta da pena.
Ensina Figueiredo Dias – in “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícia, 1993, pág. 198 – que, “a pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial nomeadamente de prevenção especial de socialização – os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (...). E é ainda, em último termo, uma certa conceção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a proteção dos bens jurídicos.”
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 12.02.2009, proferido no processo 08P2191, disponível em www.dgsi.pt: “será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.”
Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem, como fasquia superior, o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos, e inferior, o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, encontrando-se, assim, a pena adequada e justa.
Dispõe o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal que, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, elencando de seguida um conjunto exemplificativo de circunstâncias a atender, entre as quais, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este.
Posto isto, passa-se, de seguida, à determinação concreta das penas a aplicar a cada uma das arguidas.
Há que relevar, desde logo, contra as arguidas, as elevadas exigências de prevenção geral, na vertente de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas, dada a relevância dos bens jurídicos protegidos.
Releva, de igual modo, contra todas as arguidas, a intensidade do dolo com que atuaram, o qual se situa ao nível do dolo direto.
No que concerne ao grau de ilicitude, o mesmo é já elevado relativamente aos factos praticados por cada uma das arguidas, considerando as concretas expressões proferidas por cada uma, e o facto de, em todas as situações, tais expressões terem sido proferidas em público.
Também contra as arguidas pesam as apuradas consequências, para a assistente, dos factos praticados por aquelas, consequências essas que são já de gravidade elevada, tendo tido repercussões, inclusivamente no estado de saúde da assistente.
Acresce o comportamento das arguidas posterior à prática dos factos, designadamente em audiência de julgamento, quando depois de produzida toda a prova e após inicialmente terem exercido o direito ao silêncio, optaram por afinal prestar declarações negando a prática dos factos, o que denota a falta de capacidade de autocensura daquelas e de consciência do mal praticado.
Em favor das arguidas releva a ausência de antecedentes criminais, e o facto de se mostrarem inseridas familiar e social, e ainda profissionalmente, no que respeita às arguidas AA e BB.
Assim, tudo ponderado, julgo adequado aplicar:
- à arguida AA, pela prática, em 02.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma pena de 100 (cem) dias de multa;
- à arguida AA, pela prática, em 07.10.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma pena de 100 (cem) dias de multa;
- à arguida BB, pela prática, em 02.07.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma pena de 90 (noventa) dias de multa;
- à arguida CC, pela prática, em 07.10.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma pena de 100 (cem) dias de multa.
Terminadas as operações de concretização das penas de multa a aplicar a cada uma das arguidas, importa agora fixar a respetiva taxa diária.
A cada dia de multa corresponde uma quantia entre €5,00 e €500,00, que o tribunal fixa, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, sem colocar em causa os mínimos de subsistência.
Relativamente à arguida AA, considerando que aufere mensalmente a quantia de €725, e tem despesas fixas de, pelo menos, €413, e atendendo à composição do seu agregado familiar, julgo adequado fixar um quantitativo diário de 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).
Por sua vez, quanto à arguida BB, resulta da matéria de facto provada que a mesma tem um rendimento de €354, despesas fixas de, pelo menos, €203, e cinco filhos a seu cargo, que se mostra adequado fixar um quantitativo diário de 5,30 (cinco euros e trinta cêntimos).
Finalmente, no que se refere à arguida CC, tendo presente que dispõe apenas de €175 mensais relativos a alimentos dos filhos menores, e que tem despesas fixas de, pelo menos, €380, com dois filhos menores consigo residentes, entendemos por adequado fixar um quantitativo diário de €5,00 (cinco euros).
*
3.4. Da pena unitária da arguida AA
Tendo em conta que a arguida AA praticou dois crimes antes de ter sido condenada por qualquer um deles, é necessário recorrer às regras da punição do concurso de crimes, previstas no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que dispõe que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, na medida da qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Nos termos do n.º 2 deste normativo, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes efetivamente cometidos, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.
Ora, o Tribunal aplicou à arguida AA, pela prática de cada um dois crimes de ameaça, uma pena de 100 dias de multa.
Assim, no presente caso, a moldura do concurso fixar-se-á entre 100 (cem) e 200 (duzentos) dias de multa.
Dentro desta moldura, há que considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente –parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal –, avaliando, assim, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique – Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2009, pág. 291. Isto não significa que se valorarão novamente os fatores anteriormente ponderados aquando da determinação das penas concretas, procurando-se, pelo contrário, realizar uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto.
Sobretudo, há que aferir se a personalidade do agente, manifestada nos factos praticados, revela já uma tendência para o crime ou apenas uma pluriocasionalidade, bem como o efeito previsível que a pena terá no comportamento futuro do agente.
Assim sendo, há que fazer uma avaliação de conjunto da factualidade em causa, designadamente considerando que a arguida, com a sua conduta, violou efetivamente, bens jurídicos da ofendida por mais que uma vez.
Há que considerar, também, que a arguida não tem antecedentes criminais, sendo estas duas situações isoladas na sua vida, e se mostra inserida familiar, social e profissionalmente. Por outro lado, importa considerar a sua falta de capacidade de autocensura, patente na negação dos factos, e a gravidade das consequências para a ofendida, decorrente da sua atuação.
Ponderadas estas específicas circunstâncias, reveladoras da personalidade da arguida, em conjugação com os factos apurados que nos revelam a natureza dos bens jurídicos violados com a atuação delituosa, o modo de atuação, as consequências dos factos, o grau da culpa revelado – mostra-se adequada a fixação da pena única, do concurso dos dois crimes de ameaça, em 160 (cento e sessenta) dias de multa.
(...).»

2.3. Conhecimento do mérito dos recursos
2.3.1. Recurso interposto pela arguida AA
2.3.1.1. Da impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 5, por erro de julgamento
Impugna a arguida/recorrente AA a factualidade dada como provada nos pontos 1 a 5, no que a si se refere, sustentando não ter sido produzida prova suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar tais factos como provados.
Alega a recorrente que a testemunha EE, filho da assistente, no depoimento que prestou, referiu não ter visto as arguidas, aquando da prática dos factos e a assistente DD, tendo manifesto interesse no desfecho do processo – tanto mais, que deduziu pedido de indemnização civil –, prestou declarações imbuídas desse espírito, pelo que, não deviam ter sido valoradas, pelo Tribunal a quo.
Manifesta, ainda, a recorrente, existir insuficiência da fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo sobre o juízo de credibilidade e autenticidade formulado em relação ao depoimento da testemunha EE e às declarações da assistente.
Em consonância com o alegado, defende a recorrente que se impunha fossem dados como não provados os factos agora impugnados.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o Tribunal a quo apreciou corretamente a prova produzida, fundamentando devidamente a sua decisão.
Vejamos:
O recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, pode fazê-lo por duas vias, sendo uma delas, de âmbito mais restrito, invocando os vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP – a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova – e a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do C.P.P.
Em relação aos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, conforme decorre dessa norma e vem sendo reiteradamente enfatizado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, os mesmos têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão recorrida, para fundamentar a impugnação, ainda que constem dos autos ou resultem do próprio julgamento.
Como se refere no Acórdão do STJ de 08/07/2020[1], «A sindicância da matéria de facto consentida pelo art. 410.º, n.º 2, do CPP, tem um âmbito restrito, pois nesta forma de impugnação, as anomalias, os vícios da decisão elencados no n.º 2 do art. 410.º têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma.».
A impugnação ampla da matéria de facto a que alude o artigo 412º, n.º 3, do CPP, visa a correção do erro de julgamento, que ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Diversamente do que sucede quando são invocados os vícios do artigo 410º, n.º 2, do CPP, essa reapreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada/gravada) produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, sem prejuízo de poder ouvir outras passagens que não as indicadas no recurso (n.º 6 do artigo 412º do CPP).
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem (cf. al. b) do n.º 3 do referenciado artigo 412º).
A decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade, sobretudo quando tem de se debruçar sobre a valoração da prova por declarações e/ou testemunhal, efetuada na 1.ª instância.
No caso dos autos, a recorrente AA, ao convocar a prova produzida, na audiência de julgamento, concretamente, o depoimento da testemunha EE e as declarações da assistente DD, entendendo terem sido incorretamente valorados, evidencia pretender impugnar amplamente a matéria de facto dada como provada, nos pontos 1 a 5.
Como é sabido, na impugnação ampla da de decisão de facto, visando a correção do erro de julgamento, é exigido que o recorrente cumpra o ónus de especificação previsto no n.º 3 do artigo 412º do CPP, indicando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e
c) as provas que devem ser renovadas [quando disso for caso].
E de harmonia com o disposto no n.º 4 artigo 412º do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas na al. b) do n.º 3 do mesmo artigo, fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do artigo 364º do CPP, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Neste domínio, ainda que a jurisprudência se tenha orientado no sentido de uma menor exigência para que se considere cumprido o ónus de especificação previsto na al. b), do n.º 3 do artigo 412º do CPP, tendo o STJ, no Acórdão n.º 3/12, de 08/03/2012[2], fixado jurisprudência no sentido de que: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412º n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações», ainda, assim, continua a impor ao recorrente que indique «concretamente as passagens das declarações, em que se funda a impugnação, nomeadamente, com a referenciação dos concretos pontos da gravação onde se funda para sustentar posição diversa da do tribunal.[3]»
Ora, no caso dos autos, a recorrente não cumpriu o enunciado ónus de especificação, previsto na al. b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP.
Constitui entendimento consolidado na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o recurso da matéria de facto, não visa a realização de um segundo e novo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse. O que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Neste quadro, não tendo a arguida/recorrente AA cumprido o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, na vertente prevista na al. b) do n.º 3 e no n.º 4, do artigo 412º do CPP, sendo certo que, tal omissão, por que se verifica também no corpo da motivação de recurso, não pode ser suprida, por via do convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, estando-se perante uma insuficiência do próprio recurso, não pode este Tribunal ad quem, conhecer da impugnação ampla da matéria de facto, pelo que, se rejeita o recurso, nesta parte.
Ainda, assim, sempre se dirá o seguinte:
A atribuição de credibilidade, ou não, à prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção e tribunal de recurso só poderá censurá-la se for contrária às regras da experiência comum e lógica[4].
E nada impede que a convicção do julgador se possa alicerçar no depoimento de uma única testemunha, mesmo que se trate do(a) ofendido(a), nas declarações do(a) assistente ou do(a) demandante, desde que devidamente explicitadas, pelo julgador, na motivação da decisão de facto, as razões do seu convencimento[5].
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
In casu, lida a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo enunciou as provas e o exame crítico das mesmas, que fundamentam a decisão de dar como provados os factos que são impugnados pela recorrente, tendo explicitado devidamente – ao invés do que alega a recorrente – as razões por que lhe merecerem credibilidade e, por isso, valorou, as declarações da assistente DD e o depoimento da testemunha EE, em detrimento das declarações das arguidas, que negaram a prática dos factos, explicitando as razões por que assim decidiu e o raciocínio efetuado, subjacente à tomada de decisão nesse sentido, os quais se mostram consentâneos com as regras da experiência comum e da lógica racional, em observância dos critérios ínsitos no princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do CPP.
2.3.1.2. Da violação do princípio in dubio pro reo
Sustenta a recorrente que ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 1 a 5, no que a si se refere, apenas com base no depoimento da testemunha EE, filho da assistente e nas declarações desta última, havendo incerteza quanto à ocorrência dos factos, impunha-se que, nessa situação, o Tribunal a quo aplicasse o princípio in dubio pro reo, dando como não provados os factos impugnados, consequentemente, que absolvesse a arguida, ora recorrente, da prática dos crimes por que foi acusada, com referência a esses factos.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não ter sido violado, pelo Tribunal a quo, o enunciado princípio.
Apreciando:
O princípio in dubio pro reo, que é decorrência do princípio constitucional da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2 da CRP, constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido.
Como decidiu o STJ, em Acórdão de 15/06/2000[6] «O princípio in dubio pro reo acha-se intimamente ligado ao da livre apreciação da prova do qual constitui faceta e este último apenas comporta as exceções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida ou ofensiva das regras da experiência comum.»
De harmonia com o que vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, o tribunal de recurso apenas pode censurar o não uso do princípio in dúbio pro reo, se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido[7].
Noutra vertente, a violação do princípio in dubio pro reo, poderá ser sindicada pelo tribunal de recurso e afirmada a sua verificação, quando, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, resulte demonstrado, o erro na apreciação da prova produzida, em termos de se concluir que o julgador, ao condenar o arguido, com base na prova a que atendeu e na valoração a que procedeu, contrariou as regras da experiência comum, quando, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido[8].
No caso dos autos, lida a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, resulta evidente que o tribunal a quo considerou provados os factos, designadamente, os agora impugnados pela arguida/recorrente, sem que evidenciasse qualquer dúvida acerca da sua ocorrência, tal como se encontram descritos.
Assim sendo, não resultando do texto da sentença recorrida que o julgador se tivesse confrontado com qualquer dúvida insanável sobre os factos em referência, não conhecendo esta Relação da impugnação ampla da matéria de facto, pelas razões sobreditas, há que concluir não existir violação do princípio in dubio pro reo.
Conclui-se, assim, não se verificarem os vícios da decisão da matéria de facto, nem a violação dos princípios e/ou das disposições legais, nesse âmbito, invocadas pela recorrente.
Improcede, assim, também este fundamento do recurso.

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2.3.1.3. Permanecendo inalterada a matéria de facto provada fixada na 1.ª instância, no que à arguida, ora recorrente, AA se refere, mantém-se a sua condenação, pela prática, como autora material e em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal, nos precisos termos decididos na sentença recorrida.

2.3.2. Recurso interposto pela arguida BB
2.3.2.1. Da impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 e 2, por erro de julgamento
Alega a recorrente terem sido incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 1 e 2, no que a si se refere, porquanto a prova produzida, na audiência de julgamento – declarações da assistente e depoimento da testemunha EE – e a prova documental junta aos autos – auto de denúncia de fls. 4 – impunham decisão diversa, dando-se esses factos como não provados.
Neste enfoque manifesta a recorrente que, no auto de denúncia inserto a fls. 4, consta que os factos ocorreram no dia 30/06/20121, pelas 21h, tendo a assistente, nas declarações que prestou na audiência de julgamento referido não se recordar da data em que os acontecimentos tiveram lugar “mas era verão, fim da tarde” e que, logo no dia a seguir apresentou queixa contra as arguidas, o que coincide como o teor do aludido auto de denúncia, elaborado pela PSP no dia 01/07/2021.
Donde, entende a recorrente ser forçoso concluir não ter ameaçado a assistente, no dia 02/07/2021, pelas 17 horas, contrariamente ao que é dado como provado no ponto 1, não resultando do depoimento da testemunha EE prestado em sede de inquérito, exarado no auto de fls. 18, que, na data em questão, a ora recorrente proferisse quaisquer ameaças dirigidas à assistente.
O Ministério Público pronuncia-se pela inexistência do apontado erro de julgamento, manifestando que a recorrente impugna a matéria de facto, com vista a fazer valer convicção diferente, que é a sua, esquecendo o princípio da livre apreciação da prova contido no artigo 127º do CPP, o que não pode ser atendido, não existindo fundamento válido para que seja alterada a matéria de facto.
Antes de apreciarmos a concreta questão suscitada, importa tecer algumas considerações teóricas sobre os termos em que impugnando o recorrente a matéria de facto fixada na 1ª instância, ao abrigo do disposto no artigo 412º, n.º 3, do CPP, o Tribunal da Relação pode alterar essa decisão.
Assim:
O erro de julgamento, reportado à previsão do artigo 412º, n.º 3, do CPP, ocorrerá quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado como não provado ou quando se deu como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
Daí que, impugnando a matéria de facto, invocando o erro de julgamento, o recorrente deva cumprir o ónus da tripla especificação, previsto no artigo 412º, n.º 3, do CPP, designadamente, devendo especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – al. b) do citado artigo –.
O Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de formar uma nova convicção, ainda que a possa vir a alicerçar, avaliando e comparando as provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da recorrida e os meios de prova que foram considerados nesta última, só podendo a Relação alterar a decisão de facto proferida pela 1.ª instância se concluir no sentido de que as concretas provas especificadas pelo recorrente impõem decisão diversa da recorrida e não se apenas a permitirem.
É que a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal - de acordo com a qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente - e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade, sobretudo quando tem de se debruçar sobre a valoração efetuada na 1ª instância da prova por declarações e/ou testemunhal.
A livre apreciação da prova, como vem sendo frisado pela jurisprudência, não significa “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova”, nem apreciação subjetiva do julgador.
O enunciado princípio constitui, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias[9] “uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material” e assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, comportando algumas limitações, que se prendem com aspetos particulares das declarações do arguido, da prova testemunhal, e da prova pericial e documental.
Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva[10], a livre apreciação da prova deve ser entendida como “valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”.
Neste quadro, vem sendo reiteradamente entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com referência ao duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto e quando invocado o erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova, que se a decisão factual do tribunal recorrido for uma das soluções plausíveis a retirar da prova produzida, mostrando-se a convicção devidamente fundamentada - sendo obtida com beneficio da imediação e oralidade -, apenas pode ser afastada pelo tribunal de recurso se ficar demonstrado ser inadmissível por que contrária regras da lógica e da experiência comum.
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e revertendo ao caso dos autos, tendo a recorrente cumprido o dever de especificação previsto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP (enunciando os excertos das declarações da assistente e do depoimento da testemunha EE, com a indicação das passagens da respetiva gravação, bem assim como prova documental junta aos autos, que, em seu entender, impõem decisão diversa), vejamos, então, se o tribunal a quo fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida, em relação aos factos provados que a recorrente considera incorretamente julgados, vertidos nos pontos 1 e 2, no que a si se refere.
Desde logo, importa fazer notar que o Tribunal a quo procedeu a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, a qual comunicou às arguidas, em observância do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP.
Na acusação deduzida pelo Ministério Público, no segmento que releva para a questão agora em apreciação, consta a narração dos seguintes factos – cf. fls. 58 –:
«No dia 30/06/2021, pelas 21h00 (nosso sublinhado), as três arguidas dirigiram-se ao prédio onde reside DD, sito na Rua ..., n.º ..., ..., em ..., e colocaram-se debaixo da janela desta.
As três arguidas começaram a gritar fazendo com que a DD se deslocasse até à janela. As três arguidas ao ver DD à janela, gritaram na sua direção: “és uma puta, uma chiba, quando te apanhar sozinha logo vês minha puta”. A arguida BB ainda disse: “eu sou muito calma, mas quando a apanhar na rua parto-lhe os dentes.” (nosso sublinhado).
(...)
No dia 2/7/2021, pelas 19h30, AA dirigiu-se à sua residência e dirigindo-se à denunciante disse: “és uma grande puta, vaca, vou-te fazer a folha, quando saíres de casa vou-te partir esses dentes. Vais beber por uma palhinha”.»
A alteração não substancial dos factos descritos na acusação, a que o Tribunal a quo procedeu e comunicou às arguidas, na parte que aqui releva, foi do seguinte teor (cf. ata com a Ref.ª no Citius ...42):
«No dia 02/07/2021, pelas 17h00 (nosso sublinhado), as arguidas AA, BB e CC dirigiram-se ao prédio onde reside DD, sito na Rua ..., n.º ..., ..., em ..., e colocaram-se debaixo da janela desta.
As três arguidas começaram a gritar fazendo com que a DD se deslocasse até à janela. Ao ver DD à janela, as arguidas AA, BB e CC gritaram na sua direção: “puta do primeiro andar, puta, vaca”. A arguida AA disse “se desceres arrebento-te toda, vou-te fazer a folha, quando saíres de cada vou-te partir os dentes todo, vais beber água por uma palhinha”. A arguida BB ainda disse, após as palavras proferidas por AA: “eu sou muito calma, mas se a apanhar na rua ...” (nosso sublinhado).
A enunciada factualidade integrante da alteração não substancial dos factos descritos na acusação a cuja comunicação às arguidas o Tribunal a quo procedeu foi dada como provada, qua tale, nos pontos 1 e 2, da sentença recorrida.
Na motivação da decisão de facto consignada na sentença recorrida, o Tribunal a quo fundamentou a convicção formada que o levou a dar como provadas a data e a hora da ocorrência dos factos em referência, descritos nos pontos 1 e 2 e agora objeto de impugnação pela recorrente, da seguinte forma:
«Para prova da matéria de facto ínsita no ponto 1 dos factos provados, o Tribunal valorou as declarações da assistente DD, o depoimento da testemunha EE (filho da assistente) prestado em sede de audiência de julgamento, bem como o seu depoimento prestado em sede de inquérito, constante do auto de fls. 18 dos autos e lido em julgamento ao abrigo do artigo 356.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal.
Conquanto a assistente e a testemunha EE não tenham conseguido precisar, em audiência de julgamento, o dia específico em que se desenrolou o evento a que se reportam os pontos 1 e 2 dos factos provados, do depoimento da testemunha EE prestado em sede de inquérito foi possível determinar o contexto temporal em que aquele teve lugar, tendo a testemunha EE reiterado, em audiência de julgamento, de forma séria, espontânea e credível, que ouviu a sua mãe ser insultada e ameaçada quando chegou a casa, após regressar do trabalho, por voltas das 17h da tarde, pois saiu do serviço pelas 16h30, após o qual seguiu diretamente para casa. (nosso sublinhado).
Por seu turno, afirmou a assistente DD, de modo sério, objetivo e espontâneo, que se encontrava no seu domicílio e, após ouvir gritos provenientes da rua, deslocou-se à janela, constatando a presença de AA, acompanhada por BB e CC. Identicamente, a testemunha EE confirmou ter visualizado, a partir da janela, as três arguidas, o que se revelou coerente com o que já havia narrado no âmbito do inquérito.
A convicção quanto à factualidade descrita no ponto 2 dos factos provados estribou-se, assim, igualmente, na conjugação entre as declarações da assistente DD, e o depoimento da testemunha EE prestado em audiência de julgamento e em inquérito, constando este último do auto de fls. 18, lido em julgamento ao abrigo do artigo 356.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
De forma sincera, objetiva e convincente, relatou a assistente DD ter-se deslocado à janela em virtude dos gritos que se faziam ouvir, oriundos da rua, e detalhou as palavras articuladas pela arguida BB, o sentido que delas retirou, e explanou que esta frase da arguida BB foi antecedida pelas expressões proferidas pela arguida AA.
As concretas palavras pronunciadas pela arguida AA extraíram-se do depoimento prestado pela testemunha EE em inquérito, tendo este reforçado, em audiência de julgamento, coerentemente e em harmonia com as declarações prestadas pela assistente DD, que a arguida AA proclamou para a assistente que esta iria “beber água por uma palhinha”.
Quanto aos insultos e quem os proferiu, o Tribunal formou a sua convicção valorando o depoimento da testemunha EE prestado em inquérito – que deu a entender que os insultos não foram dirigidos à ofendida por parte da arguida AA, mas sim pelas arguidas BB e CC – e as declarações da assistente DD, que acrescentou que as arguidas frequentemente se referiam a si como a “puta do primeiro andar”.»
Decorre do segmento da motivação da decisão de facto que sublinhámos ter sido determinante para que o Tribunal a quo sedimentasse a convicção de que os factos descritos nos pontos 1 e 2 da matéria factual provada ocorreram no dia 02/07/2021, o depoimento da testemunha EE, prestado em sede de inquérito e exarado no auto de fls. 18, cuja leitura foi efetuada na audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 356º, n.º 2, al. b), do CPP.
De acordo com o narrado na acusação a imputação à arguida, ora recorrente, BB, da prática dos factos que vieram a ser dados como provados nos pontos 1 e 2, reportava-se à data de 30/06/2021, pelas 21 horas.
O NUIPC n.º 1008/21.... teve origem no auto de denúncia elaborado pela PSP, no dia 01/07/2021, pelas 09:00 horas, inserto a fls. 4, do qual resulta ter a ora assistente DD informado que «no dia 30/06/2021, cerca das 21H00, quando se encontrava na sua residência começou a ouvir gritos provenientes do exterior, constatando que debaixo da sua janela encontravam-se três indivíduos do sexo feminino (FF, residente na Rua ..., n.º 89; a BB e a sua irmã AA, residentes também na Rua ..., n.º 86, em ...), a ofender e a ameaçar a sua integridade física, afirmando: “.., és uma puta, uma chiba, quando te apanhar sozinha, logo vês minha puta ...”.
(...).»
Por sua vez, o NUIPC n.º 1020/21...., Apensado aos presente processo, teve origem num auto de notícia elaborado pela PSP, em 02/07/2021, pelas 22h:23m, inserto a fls. 4, do qual consta que na sequência de comunicação recebida via rádio, dando conta de nessa mesma data, pelas 19h:30h, existirem desavenças entre vizinhos, os agentes de PSP em serviço de patrulha, deslocaram-se ao local da ocorrência – na Rua Raúl Matos, em frente ao n.º ..., ... – tendo, aí sido contatada «a lesada DD, a qual (...) comunicou que momentos antes, quando se encontrava à janela da sua residência, a sua vizinha, melhor identificada como suspeita – tratando-se da ora arguida AA –, que passava na via pública, acompanhada pela mãe e o companheiro, dirigiu-lhe as seguintes palavras: “ÉS UMA GRANDE PUTA, VACA, VOU-TE FAZER A FOLHA, QUANDO SAIRES DE CASA VIU-TE PARTIR ESSES DENTES, VAIS BEBER POR UMA PALHINHA, O TEU FILHO É UM MARICAS” (...).». Nessa sequência foi elaborado auto de denúncia a fls. 5, no qual figura como denunciante DD e como denunciada AA.
O depoimento prestado pela testemunha EE, em sede de inquérito (NUIPC 1008/21....), exarado a fls. 18, que foi valorado pelo Tribunal a quo, para dar como provadas a data e hora da ocorrência dos factos descritos nos pontos 1 e 2, é do seguinte teor: «Declarou o depoente que sobre os presentes factos não presenciou os mesmos, pois não se encontrava em casa nesse momento, tendo conhecimento através da sua mãe.
Declarou o depoente que a sua mãe comentou que tinha sido ameaçada e injuriada pelas 3 suspeitas, FF, BB e AA, nos termos referidos nos autos.
Sobre o constante dos autos sob o NUIPC 1020/21...., declarou o depoente que neste dia 2 de julho, quando chegou a casa do trabalho, começou a ouvir uns gritos vindos do exterior e ao deslocar-se à janela da sala visualizou as 3 suspeitas, estando também o namorado da AA. Que as três suspeitas estavam a ameaçar e a injuriar a sua mãe, do seguinte conteúdo: «puta, vaca, se desces rebento-te toda, vou-te fazer a folha, quando saíres de casa vou-te partir os dentes todos, vais beber água por uma palhinha», estando no momento a sua mãe à janela da cozinha. (...) Esclarece que relativamente às ameaças, foi a AA quem as proferiu, sendo que as restantes suspeitas injuriam. (nosso sublinhado)».
Confrontando o auto de denúncia, que deu origem ao NUIPC n.º 1008/21...., reportando-se a factos ocorridos no dia 30/06/2021, pelas 21:00 horas, constata-se ter a denúncia sido apresentada pela ora assistente DD contra as três arguidas, uma delas, BB, ao passo que a denúncia que deu origem ao NUIPC 1020/21...., com referência a factos ocorridos no dia 2/07/2021, foi apresentada pela aqui assistente apenas contra AA, não sendo nesta última denúncia referenciada a intervenção ou sequer a presença de BB no decurso dos factos denunciados.
Por outro lado, ainda que a testemunha EE, filho da assistente, haja confirmado a presença da arguida BB, nos acontecimentos ocorridos no dia 02/07/2021, pelas 17:00 horas, no depoimento que prestou, em sede de inquérito, exarado a fls. 18, não confirmou que a ora recorrente tivesse proferido ameaças dirigidas à sua mãe.
Neste quadro probatório, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não tem sustentação na prova produzida, que a atuação, por parte da arguida/recorrente BB, descrita pela assistente DD, dirigindo-lhe a frase “... eu sou muito calma mas se a apanhar na rua ...”, haja ocorrido nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas nos pontos 1 e 2 da matéria factual provada.
Pese embora, a assistente DD haja assegurado, nas declarações prestadas na audiência de julgamento, as quais foram merecedores de credibilidade ao Tribunal a quo, ter a arguida BB proferido a frase, “... eu sou muito calma mas se a apanhar na rua ...”, num contexto em que arguidas AA e CC lhe dirigiram as palavras do teor descrito no ponto 2 da factualidade provada, a assistente disse não se recordar da data dessa ocorrência.
A denúncia que deu origem ao NUIPC n.º 1020/21...., com referência a factos ocorridos no dia 2/07/2021, pelas 19h:30m, foi apresentada pela ofendida/assistente apenas contra AA, não sendo nessa denúncia referenciada a intervenção ou sequer a presença da ora recorrente BB no decurso dos factos denunciados.
Por sua vez, a testemunha EE, no depoimento prestado, em inquérito, a propósito dos factos respeitantes ao NUIPC n.º 1020/21...., afirmou que apenas a arguida AA proferiu ameaças contra a sua mãe, tendo as arguidas BB e CC somente injuriado a mesma.
Conquanto a arguida BB, possa ter proferido a frase “... eu sou muito calma mas se a apanhar na rua ...”, dirigindo-se à assistente – o que foi por esta confirmado, nas suas declarações –, não resultando da prova produzida, apuradas as circunstâncias de tempo, o contexto e o circunstancialismo em que tal aconteceu, tornando-se impossível aferir qual o sentido e alcance de tal frase e a intenção que esteve subjacente à respetiva verbalização por parte da arguida BB.
Como se refere no Ac. da RP de 07/12/2011[11] «No caso de ameaça verbal, para aferição da potencialidade intimidatória das expressões proferidas tem de se ter em conta, conjugadamente, a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece e a idiossincrasia e modos de ser do ameaçante e do ameaçado.».
Consequentemente, não podem ser dado como provados, no que à arguida, ora recorrente, BB se refere, os factos vertidos nos pontos 4 e 5, respeitantes aos elementos subjetivos do tipo.
Por todo o exposto deve proceder a impugnação da matéria de facto, no que à arguida/ recorrente BB diz respeito e, em consequência, modificada a decisão de facto proferida na 1.ª Instância (cf. artigo 431º, al. b), do CPP), nos seguintes termos:
- Passará a constar dos elenco dos factos não provados que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas no ponto 1. da matéria factual provada, a arguida BB, após as palavras proferidas pela arguida AA mencionadas no ponto 2., dirigindo-se à assistente, dissesse“... eu sou muito calma mas se a apanhar na rua ....
- Passará igualmente a constar dos factos não provados, no que à arguida BB se refere, a factualidade atinente aos elementos subjetivos descritos nos pontos 4 e 5.
- Na decorrência do decidido no parágrafo anterior altera-se a redação dos pontos 4, 5 e 6 dos factos provados, em termos de onde consta “... arguidas” passar a constar “... arguidas AA e CC ...”.
Nesta conformidade, em face da alteração da matéria de facto operada nos termos sobreditos, inexiste suporte factual provado que permita imputar à arguida BB a prática do crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal, por que vinha acusada e foi condenada em 1.ª instância.
Consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, no tocante à decisão condenatória da arguida BB, é esta absolvida, da prática do crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal e também do pedido de indemnização civil contra si formulado pela demandante DD.
O recurso interposto pela arguida BB é, pois, procedente.

2.3.3. Recurso interposto pela arguida CC
A única questão suscitada, no recurso, pela arguida CC prende-se com a medida da pena em que foi condenada, fixada em 100 (cem) dias de multa.
A recorrente reputa tal pena de excessiva e desproporcional, pugnando para que o quantum da pena seja fixado em 60 (sessenta) dias.
Para fundamentar a sua pretensão, alega a recorrente não registar qualquer condenação no seu CRC, não poder trabalhar, em virtude de ser cuidadora da sua filha, menor, portadora de 94% de incapacidade e ponderando as necessidades de prevenção geral e especial que, no caso de fazem sentir, consideradas pelo Tribunal a quo, na opção feita pela aplicação da pena de multa, em detrimento da pena de prisão, a pena de 60 (sessenta) dias de multa será adequada a realizar as finalidades da punição.
O Ministério Público pugna pela manutenção da pena aplicada à ora recorrente.
Vejamos:
Tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de multa, a moldura penal abstrata aplicável ao crime de ameaça praticado pela ora recorrente, é de 10 a 120 dias (cf. artigo 153º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do CP).
A concretização da pena, dentro da correspondente moldura legal, obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 40º do CP, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
E em conformidade com o estatuído no artigo 70º do C.P. a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e nessa determinação o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias elencadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[12], sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do art.º 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a determinação da medida concreta da pena de multa aplicada à ora recorrente:
«(...)
Há que relevar, desde logo, contra as arguidas, as elevadas exigências de prevenção geral, na vertente de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas, dada a relevância dos bens jurídicos protegidos.
Releva, de igual modo, contra todas as arguidas, a intensidade do dolo com que atuaram, o qual se situa ao nível do dolo direto.
No que concerne ao grau de ilicitude, o mesmo é já elevado relativamente aos factos praticados por cada uma das arguidas, considerando as concretas expressões proferidas por cada uma, e o facto de, em todas as situações, tais expressões terem sido proferidas em público.
Também contra as arguidas pesam as apuradas consequências, para a assistente, dos factos praticados por aquelas, consequências essas que são já de gravidade elevada, tendo tido repercussões, inclusivamente no estado de saúde da assistente.
Acresce o comportamento das arguidas posterior à prática dos factos, designadamente em audiência de julgamento, quando depois de produzida toda a prova e após inicialmente terem exercido o direito ao silêncio, optaram por afinal prestar declarações negando a prática dos factos, o que denota a falta de capacidade de autocensura daquelas e de consciência do mal praticado.
Em favor das arguidas releva a ausência de antecedentes criminais, e o facto de se mostrarem inseridas familiar e social, e ainda profissionalmente, no que respeita às arguidas AA e BB.
Assim, tudo ponderado, julgo adequado aplicar:
(...)
- à arguida CC, pela prática, em 07.10.2021, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, uma pena de 100 (cem) dias de multa.».
Entendemos ter o Tribunal a quo ponderado, devidamente, os elementos a que atendeu, na determinação da medida concreta da pena a aplicar à arguida, ora recorrente, CC, designadamente, o grau de ilicitude dos factos – tendo em conta as concretas palavras “ameaçadoras” proferidas, o contexto em que ocorreram e a repercussão que tiveram na saúde e estado emocional da assistente –, a intensidade do dolo com que atuou e as suas condições pessoais.
No tocante às exigências de prevenção geral, as mesmas mostram-se muito elevadas, dada a frequência com que vêm sendo praticados crimes da natureza da daquele em causa nos autos, em contexto de conflituosidade entre vizinhos, residentes no mesmo bairro, despoletada pelas mais diversas razões e tendo em conta a repercussão que esse tipo de comportamentos assume, sendo um fenómeno que se vem intensificando nos últimos tempos, gerador de alarme social, suscitando sentimentos de intranquilidade e de insegurança, o que impõe a necessidade de uma resposta firme por parte das instâncias de controlo, designadamente, dos tribunais, por forma a reforçar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e a promover a paz social.
Em relação às exigências de prevenção especial, à partida, revelam-se medianas, sendo que, pese embora a arguida, ora recorrente, não registe antecedentes criminais, o clima de conflituosidade com a assistente subjacente à atuação em apreço, não estará ultrapassado, continuando ambas a residir no mesmo bairro.
A circunstância invocada pela recorrente de não poder exercer atividade profissional, por ser cuidadora da sua filha, portadora de deficiência profunda, foi ponderada, com relação à sua situação económica, levando a que a taxa diária da multa fosse fixada, pelo mínimo legal, correspondente a €5,00 (cinco euros).
Por todo o exposto, na ponderação de todas as enunciadas circunstâncias, entendemos que a medida concreta da pena de multa aplicada à arguida/recorrente, CC, dentro da moldura penal abstrata que lhe corresponde, revela-se ajustada e perfeitamente adequada às necessidades de prevenção que no caso de fazem sentir, máxime de prevenção geral, nos termos sobreditos, não ultrapassando a medida culpa da arguida. Não existe, por isso, fundamento para a redução do quantum da pena fixado na 1.ª instância.
Improcede, por conseguinte, o recurso interposto pela arguida CC.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação ... em:
A) Negar provimento aos recursos interpostos pelas arguidas AA e CC e, em consequência, confirmar, na íntegra, a sentença recorrida, no que às mesmas arguidas diz respeito;

B) Conceder provimento ao recurso interposto pela arguida BB e, em consequência:

a) Modificar a decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, nos termos supra indicados em 2.3.2.1.:
- Dando como não provado que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas no ponto 1. da matéria factual provada, a arguida BB, após as palavras proferidas pela arguida AA mencionadas no ponto 2., dirigindo-se à assistente, dissesse“... eu sou muito calma mas se a apanhar na rua ....
- Dando ainda como não provados os factos descritos nos pontos 4 e 5, no que à arguida BB se refere:
- Alterar a redação dos pontos 4, 5 e 6 dos factos provados, em termos de onde consta “... arguidas” passar a constar “... arguidas AA e CC ...”.

b) Na decorrência da modificação referida em a), revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a arguida BB, pela prática de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1, do CP e solidariamente no pagamento à demandante DD, da quantia €1.500,00, a título de indemnização, absolvendo-a da prática de tal crime, bem como do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante.

Custas pelas arguidas/recorrentes AA e CC, fixando-se a taxa de justiça devida por cada uma delas, em 3 (três) UC (cf. artigos 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

Sem tributação o recurso interposto pela arguida BB, em face da respetiva procedência (cf. artigo 513º, n.º 1, do CPP, a contrario sensu).

Notifique.
Évora, 28 de março de 2023

Fátima Bernardes (Relatora)
Fernando Pina
Beatriz Marques Borges

________________________________
[1] Proferido no proc. 142/15.8PKSNT.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] Publicado no DR, 1ª Série, de 18/04/2012.
[3] Cf. Cons. António Pereira Madeira, in Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2016, 2ª edição, anotação 6 ao artigo 412º.
[4] Cf., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da RL de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, in www.dgsi.pt.
[5] Idem.
[6] Cfr. BMJ 498, pág. 148 e citado pelo Cons. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 349.
[7] Cf. entre outros, Ac. da RE de 02/02/2016, proc. 114/13.7TARMR.E1 e Ac. da R.C. de 03/06/2015, proc. 12/14.7GBRST.C1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[8] Vide, entre outros, Ac. da RE de 02/02/2016, proc. 114/13.7TARMR.E1, Ac. da RG de 06/02/2017, proc. 1802/14.6TAGMR.G1 e Ac. da RC de 03/06/2015, proc. 12/14.7GBRST.C1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[9] In Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1984, pág. 202.
[10] In Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111-
[11] Proferido no proc. n.º 240/09.7TAVNF.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[12] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 215.