Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1738/17.9T8TMR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DECISÃO FINAL
DESPACHO
OPOSIÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Em processo de contraordenação laboral o juiz só poderá decidir por despacho quando (i) considere desnecessária a realização da audiência e (ii) o arguido e o Ministério Público se não oponham à decisão do recurso por despacho.
II – Os casos em que o juiz poderá decidir por despacho são os casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
III – A oposição à decisão por despacho poderá ser manifestada pelo arguido no requerimento de interposição de recurso e pelo Ministério Público ao apresentar o processo ao juiz, devendo entender-se que constituem manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.
IV – Assim, tendo no requerimento de interposição do recurso a arguida apresentado prova testemunhal, deve entender-se que se opõe à decisão por despacho.
V – E deve também entender-se que se opõe a decisão por simples despacho, agora de forma expressa, se tendo sido notificada para manifestar a sua oposição à decisão por simples despacho, veio em resposta afirmar que considera que a audição das testemunhas por si arroladas se revela imprescindível quanto ao apuramento dos factos, prescindindo todavia da audição dessas mesmas testemunhas apenas se forem consideradas procedentes as excepções que deduziu e que conduzem à sua absolvição.
VI – No circunstancialismo descrito, tendo o tribunal decidido por despacho cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Penal, nulidade consistente na violação do seu direito de defesa, por preterição da realização da audiência de julgamento.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1738/17.9T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
Transportes BB, Lda., devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT) que a sancionou, em cúmulo jurídico, com a coima (única) de € 8.000,00, por, muito em síntese, nos dias 26 de Maio de 2012, 10 de Agosto de 2012 e 22 de Junho de 2014, ser conduzido um veículo pesado de mercadorias daquela, e ao serviço da mesma, sem que o respectivo motorista se fizesse acompanhar dos tacógrafos referentes ao dia da fiscalização, bem como aos 28 dias anteriores, contra-ordenações puníveis nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30-08.
Na referida impugnação, a arguida/recorrente negou a prática dos factos, afirmando, designadamente, que fornece os discos de tacógrafo aos seus condutores, incluindo os motoristas dos autos, que lhes deu formação quanto à utilização daqueles e que organizou o trabalho dos mesmos de modo a que cumprissem o previsto nos Regulamentos Comunitários invocados nos autos.
A terminar a impugnação, para além de juntar documentos, arrolou quatro testemunhas, sendo três os motoristas que nos dias em causa conduziam a(s) viatura(s) ao seu serviço, e a outra a sua chefe de tráfego.

Recebidos os autos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo do Trabalho de Tomar – Juiz 1), em 22-11-2017 pelo exmo. julgador a quo foi proferido o seguinte despacho:
«Em vista do objecto do recurso, afigura-se-nos que os autos permitem já o seu seguro e consciencioso conhecimento.
Notifique a arguida e o Ministério Público para, querendo, virem aos autos manifestar a sua oposição à decisão através de simples despacho (art.º 39.º, n.º 2, do citado diploma)».
Na sequência, a arguida apresentou a seguinte resposta:
«1º - Nada tem a opor, como princípio, à decisão do caso através de simples despacho;
2º - Porém a recorrente no seu recurso de impugnação judicial indicou como testemunhas o motorista e o chefe de tráfego;
3º - No âmbito da sua defesa, está o cumprimento das obrigações no que concerne à utilização e circulação dos registos de tacógrafo;
4º - Pelo que a audição da testemunha se revela imprescindível quanto a estes factos;
5º - No caso em apreço, da matéria vertida quer no auto de notícia quer na decisão administrativa, nada consta que permita imputar qualquer infração à recorrente;
6º - Assim, como alegou a recorrente a nulidade da decisão administrativa, caso V. Exa. considere essas exceções procedentes, também, nada tem a recorrente a opor a que a decisão seja tomada por simples despacho».

No prosseguimento dos autos, em 04-01-2018 pelo exmo. julgador a quo foi proferido o seguinte despacho:
«Há que considerar a seguinte questão prévia:
A arguida foi notificada para, querendo, se opor à decisão por simples despacho, conforme está previsto no art.º 39.º, n.º 2, da Lei n.º 107/2009, de 14/9.
Veio a arguida declarar que, em princípio, não se opõe à decisão do caso através de simples despacho, mas que pretende exercer a sua defesa mediante a demonstração do cumprimento das obrigações, através da audição do motorista e do chefe de tráfego.
Caso se considerem tais excepções procedentes, nada tem a opor a que a decisão seja tomada por simples despacho – cfr. fls. 169.
Embora não seja inequívoca, a interpretação que se faz da declaração da arguida é a de que apenas aceita condicionalmente a decisão por simples despacho.
Sucede que a referida norma e os princípios processuais não se coadunam com a manifestação de aceitação condicional da decisão por simples despacho (vg. declaro que aceito a decisão se for absolvido; desde já renuncio ao direito a recorrer caso a decisão a proferir me seja integralmente favorável e não tenha qualquer interesse na sua impugnação, etc.).
Perante a notificação que o tribunal lhe dirigiu, a arguida apenas tinha que manifestar de forma inequívoca e incondicional que se opunha à decisão por simples despacho, a qual nem sequer carece de ser justificada, pois assenta unicamente na vontade livre de submeter a causa a julgamento.
Por conseguinte, considero e declaro que a declaração em causa, por ser enunciada de forma condicional, é inoperante para manifestar a oposição à decisão por simples despacho.
Naturalmente a arguida não fica prejudicada de reagir pelos meios normais contra eventuais vícios da decisão (vg. insuficiência da matéria de facto para a decisão, caso tenha invocado qualquer facto não considerado que, por si só ou conjugado com outros factos relevantes, importe uma diferente solução; contradição entre os factos provados; falta de fundamentação relativamente a factos considerados provados e que forma expressamente impugnados; etc., etc.).
Relativamente à matéria de facto que preocupa a arguida, tudo se reconduz ao entendimento que se faça sobre a suficiência dos factos que invocou para excluir a sua responsabilidade, nomeadamente para demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto nos Regulamentos Comunitários – art.º 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2010, de 30/8. E a conclusão que se consignará infra é a de que todos os factos invocados pela arguida são insuficientes para demonstrar que cumpriu com todas as suas obrigações legais.
Por conseguinte, entendo que os autos já dispõem dos elementos necessários ao conhecimento e consciencioso da causa, pelo que passo desde já a conhecer do seu mérito».
E seguidamente decidiu a impugnação judicial por despacho, sendo a parte decisória da mesma do seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo improcedente o presente recurso e, ressalvando o montante da coima única, confirmo a decisão da Exma. Senhora Directora da Autoridade para as Condições do Trabalho, datada de 6/10/2017, condenando a arguida Transportes BB, Lda., no pagamento da coima única de € 8.000, pela prática de:
- Uma contra-ordenação ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30/8, punida com a coima individual de € 2.800;
- Uma contra-ordenação ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30/8, punida com a coima individual de € 2.800; e de,
- Uma contra-ordenação ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30/8, punida, como reincidente, com a coima individual de € 3.600».

Inconformada com o assim decidido, a recorrente interpôs recurso para este tribunal, tendo na motivação de recurso formulado as seguintes conclusões:
«1. A Douta Sentença recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida condenando a ora recorrente no pagamento da coima no valor de € 8000,00, pela prática da infração prevista e punida pelos Art.º 25, n.º 1 alínea b) da lei 27/2010 de 30.08 e 15 n.º 7 do Reg. CEE 3821/85, com as alterações introduzidas pelo n.º 26 do Regulamento CE n.º 561/2006 de 15/03.
2. A Decisão recorrida é nula, por violação do disposto nos artigos 39.º n.º2 da lei 107/2009 de 14-09 e artigo 32 da Constituição da Republica Portuguesa e artigos 120.º n.º2 alínea d) e artigos 379.º n.º1 alínea a) e b) do Código Processo Penal.
3. A Recorrente inconformada com a decisão administrativa, impugnou-a judicialmente ao abrigo do artigo 32º da Lei 107/2009 de 14-09.
4. Remetida a impugnação judicial ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi distribuída ao Juízo do Trabalho de Tomar - Juiz-1, foi a mesma admitida e determinado que fosse aberta vista ao Ministério Público e notificada a arguida “para, querendo, virem aos autos manifestar a sua oposição à decisão através de simples despacho (artigo 39 n.º 2 do citado diploma).
5. A impugnação judicial foi decidida por despacho, em 04-01-2017, sendo julgada improcedente.
6. No Regime processual aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social a impugnação judicial admite duas formas de decisão: uma, proferida após a realização de audiência e outra, através de simples despacho – art.39.º n.º2 da lei n.º 107/2009 de 14-09.
7. Sendo que, a decisão por simples despacho emprega-se quando o Juiz “não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham” (nº 2 do citado preceito).
8. Da conjunção coordenada copulativa “e” utilizada no artigo 39 n.º 2, resulta, inequivocamente, que estamos perante dois requisitos cumulativos a saber: 1.º O juiz não considera necessária a audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho.”
9. No caso em apreço, a arguida, notificada para, querendo, se opor a que a decisão fosse proferida por despacho, referiu expressamente que a audição das testemunhas arroladas na impugnação se revelava imprescindível para a defesa apresentada e que nada tinha a opor, como principio à decisão do caso através de simples despacho, caso as exceções de nulidade alegadas na impugnação, fossem julgadas procedentes, pois assim sendo seria desnecessário a audição das testemunhas.
10. Contudo, tal referência, não tem a virtualidade para neutralizar essa oposição implicitamente manifestada em dois momentos.
11. Sendo que a recorrente havia indicado como testemunhas os motoristas e o chefe de trafego, a inquirir obviamente em audiência de julgamento e estando em causa na sua defesa o cumprimento das obrigações no concerne à utilização e circulação dos registos de tacógrafo, a audição das referidas testemunhas revela-se imprescindível quanto a esses factos.
12. Pelo que, tendo a recorrente manifestado a oposição exigida pelo nº 2 do Artigo 39.º, e perante tal oposição a decisão proferida por mero despacho, não assegurou as garantias de defesa da arguida, de um dos direitos constitucionais mais elementares que um Estado de Direito justamente lhe concede (o exercício de contraditório e garantias de defesa),consagradas constitucionalmente no art.32.º da CRP.
13. Ao ter-se proferido decisão por despacho, não obstante a oposição da arguida, foi praticada nulidade processual “suscetível de ser enquadrada na al. d) do nº 2 do art. 120º do C.P.P., pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ela deva considerar-se essencial para a descoberta da verdade.
14. De acordo com o estabelecido no n.º1 do art. 122.º do C. P. Penal “as nulidades tornam inválido o ato em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar”.
15. Pelo que, é nulo o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que designe data para a realização da audiência de julgamento.
16. É nula a sentença que não contiver o exame crítico das provas que serviram de base à formação da sua convicção, por violação dos Artigos 374 n.º 2 e 379 n.º 1 alínea a);
17. O dever de motivação da decisão da matéria de facto, concretiza-se através do exame crítico das provas e traduz-se na obrigação do julgador expressamente consignar os elementos probatórios que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido e valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados e produzidos no decurso do contraditório;
18. Só assim a decisão é suscetível de apreensão, permitindo aos seus destinatários compreender os juízos de valoração e de apreciação da prova, possibilitando ao Tribunal de Recurso uma efetiva atividade de fiscalização e de controlo sobre a forma como o tribunal de 1ª Instância valorou e apreciou a prova produzida;
19. Sendo que, na Douta Sentença de que se recorre o Mm Juiz a quo apenas se limitou a transcrever os factos dados como provados na decisão administrativa, omitindo as provas a partir das quais formou a sua convicção, não tendo fundamentado a decisão de facto que assumiu, nem tão pouco expôs os motivos que levaram a considerar aquelas factos como provados.
20. Da sentença não consta qualquer exame crítico dos documentos juntos com a impugnação, assim como não consta qualquer correlação entre os meios de prova e os factos, por forma a saber qual o processo de formação da convicção do Julgador;
21. O que viola o disposto no Art.º 374 n.º 2 e 379 n.º 1 alínea a) ambos Código de Processo Penal;
22. Dispõe o artigo 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, sob a epígrafe “Registos que devem acompanhar o condutor”, que: “1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores; ii) O cartão de condutor, se o possuir; e iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006. 2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) O seu cartão de condutor; ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006; iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico (…)”.
23. A Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, veio estabelecer o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Diretivas nºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, dispondo, no nº 1 do art. 25º que “Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar”, punida, em caso de negligência, nos termos do seu art. 14º, nº 4, al. a), com coima de 20 UC a 300 UC.
24. Para a prática da contraordenação em causa não se torna necessário que o condutor da viatura tenha conduzido nos dias anteriores, bastando, pois, a falta injustificada de apresentação de documentação dos registos referentes à atividade do condutor nos 28 dias anteriores para a verificação do elemento objetivo da contraordenação em apreço.
25. A Recorrente, na qualidade de empregadora organizou o trabalho dos motoristas de modo a que este pudessem dar cumprimento à obrigação de apresentação dos documentos aquando da ação de fiscalização, e que deu-lhes ordens expressas para circular com a declaração e atividade, cartão do condutor e registos, deu formação e que fornece as orientações necessárias as condutores para uma correta utilização dos discos e aparelho de tacógrafo, assim como lhes ministra formação.
26. O 1º parágrafo do nº 3 do artigo 10º, nº 2 do Regulamento nº 561/2006, que dispõe que “As empresas de transportes são responsáveis por qualquer infração cometida pelos condutores da empresa, ainda que essa infração tenha sido cometida no território de outro Estado-Membro ou de um país terceiro”.
27. O disposto no artigo 13º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, consagra uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário. “Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contraordenação, há uma presunção que a respetiva infração se deve à circunstância da entidade patronal não ter adotado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contraordenacional.
28. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos atos do seu condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que o empregador possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo a sua responsabilidade” (vide Acórdão nº 45/2014 de 09.01.2014 do Tribunal Constitucional, publicado na II Série, nº 29, de 11.02.2014, p. 4173).
29. Tendo a recorrente afastado a presunção de culpa que sobre ela impendia, quanto à violação do tal especial dever de cuidado de organizar o trabalho dos motoristas e de orientar e controlar a respetiva atividade, não lhe pode ser atribuída a responsabilidade da infração em causa.
Nestes termos, deve a Douta Sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra, assim se fazendo a costumada Justiça!»

Procedeu então o exmo. julgador a quo à rectificação da decisão, consignando ser a arguida condenada no pagamento da coima única de € 6.000,00 (e não os indicados € 8.000,00).
Tendo, entretanto e no seguimento da referida rectificação, a recorrente afirmado manter o teor do recurso que havia apresentado, foi o mesmo admitido na 1.ª instância, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Todavia, quanto ao efeito do recurso importa ter presente que nos termos do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o mesmo segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam da lei.
Ora, no n.º 1 do artigo 35.º da referida lei expressamente se prevê que a impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo.
Por isso, e considerando que a recorrente não prestou caução para obter o efeito suspensivo do recurso (n.º 2 do referido artigo 35.º) deverá prevalecer aquela regra, de efeito meramente devolutivo do recurso, como, de resto, foi fixado em anterior despacho proferido pelo aqui relator.

Ainda na 1.ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, assim concluindo:
«1. A arguida notificada para, querendo, manifestar a sua oposição à decisão através de simples despacho (art.º 39.º, n.º 2 da lei 107/2009 de 14/9) expressamente veio aos autos dizer “ Nada tem a opor, como principio, à decisão do caso através de simples despacho”.
2. Indo mais além do que lhe era perguntado acrescentou, com um passo a trás, que caso a sua posição fosse procedente, não se opunha à decisão por despacho.
3. Ou seja, depois de ter manifestado a sua não oposição à decisão por despacho, pretendeu manifestar a sua oposição à decisão desfavorável por despacho.
4. Ora, o meio próprio para “ atacar” a decisão desfavorável é a interposição de recurso.
5. Por ter sido condicional a última parte da declaração, a mesma é inoperante para manifestar a oposição à decisão por despacho.
6. A fase administrativa do processo e a sua fase judicial regem-se pelos mesmos princípios, desde logo, na medida em que para a prolação da decisão administrativa não bastam meros indícios da prática dos factos a comprovar numa fase seguinte obrigatória, com acontece com o processo penal com a sua fase de inquérito e a subsequente fase de julgamento.
7. Na fase administrativa do processo a arguida já tinha exercido o contraditório e já tinha indicado a prova a produzir na defesa da sua posição, tendo indicado as mesmas testemunhas que apresentou no requerimento de impugnação da decisão Administrativa.
8. Na impugnação Judicial apresentada a arguida não refere qualquer facto superveniente sobre o qual a testemunha não tivesse sido ouvida ou que tivesse sido omitida a inquirição sobre algum aspecto relevante para a apreciação do mérito.
9. Se toda a prova a produzir já tinha sido produzida na fase administrativa não se pode considerar que a audiência de julgamento era uma diligência essencial para a descoberta da verdade.
10. Pelo que não foi cometida a nulidade do procedimento prevista no art.º 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP.
11. Não tendo sido produzida nova prova perante si o Juiz não tinha de expor a motivação de facto e podia ter-se limitado a uma “mera declaração de concordância com a decisão condenatória administrativa” – art.º 39.º n.º 4 da Lei 107/2009 de 14/09 - pelo que a decisão não enferma de nulidade.
12. A douta decisão recorrida fez correta apreciação dos factos e do direito, pelo que deve ser mantida.
Pelo exposto, negando provimento ao recurso e confirmando a douta decisão recorrida, será feita JUSTIÇA».

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido do provimento do recurso, por entender, em síntese, que face à posição manifestada nos autos pela arguida/recorrente deveria ter havido lugar a audiência de julgamento, não podendo, o juiz decidir – como decidiu – por despacho.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação [artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro], no caso são as seguintes as questões essenciais a decidir:
(i) saber se a decisão poderia ser proferida por simples despacho;
(ii) em caso negativo, as consequências legais daí decorrentes;
(iii) em caso afirmativo:
- se é nula a decisão, por falta de exame crítico das provas;
- se a arguida/recorrente cometeu as contra-ordenações por que foi sancionada.

III. Matéria de facto
Importa desde logo atender, tendo em vista a resolução da 1.ª questão equacionada, ao que consta do presente relatório.
Para além dessa matéria, atente-se na que a decisão recorrida deu como provada:
a) A arguida Transportes BB, Lda., tem como actividade principal o transporte rodoviário de mercadorias, e teve um volume de negócios de € 24.925.008 no ano de 2012 e de € 23.458.076 no ano de 2013;
b) No dia 26/5/2012, pelas 11,25 horas, na variante Liteiros – Torres Novas, CC conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula …, pertencente à arguida e no interesse desta;
c) Tal condutor não se fazia acompanhar da totalidade das folhas de registo ou discos diagrama do tacógrafo referentes aos antecedentes 28 dias de trabalho ou de qualquer documento justificativo da sua ausência, nomeadamente quanto aos dias 11/5/2012 e 18/5/2012 os respectivos discos não continham os registos correspondentes às distâncias percorridas (ut fls. 8) e o mesmo não procedeu aos registos manuais;
d) No dia 10/8/2012, pelas 10,20 horas, na portagem da A1/A23, município de Torres Novas, DD conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula …, pertencente à arguida e no interesse desta;
e) Tal condutor não se fazia acompanhar da totalidade das folhas de registo ou discos diagrama do tacógrafo referentes aos antecedentes 28 dias de trabalho ou de qualquer documento justificativo da sua ausência;
f) No dia 22/7/2014, pelas 5,55 horas, na E.N. n.º 3, Videla, município de Torres Novas, EE conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula …, pertencente à arguida e no interesse desta;
g) Tal condutor não se fazia acompanhar da totalidade das folhas de registo ou discos diagrama do tacógrafo referentes aos antecedentes 28 dias de trabalho ou de qualquer documento justificativo da sua ausência, dispondo apenas dos registos dos dias 9, 11, 14, 15, 16, 18, 21 e 22 desse mês e ano;
h) A arguida sabia que a lei obriga a apresentação desses documentos e que sanciona a falta de apresentação.

IV. Fundamentação
1. Da decisão por simples despacho
De acordo com o disposto no artigo 32.º e segts. da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é susceptível de impugnação judicial, dirigida ao tribunal de trabalho competente, a quem compete conhecer da mesma.
O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho (n.º 1 do artigo 39.º da referida lei); o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, podendo então ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Assim, do referido normativo legal decorre que o juiz só pode decidir por despacho se, cumulativamente: (i) considerar desnecessária a realização da audiência; (ii) o arguido e o Ministério Público se não opuserem à decisão do recurso por despacho.
Como parece medianamente aceite, os casos em que o juiz pode/deve decidir por despacho serão aqueles em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova, devendo, em caso contrário, ter lugar a realização da audiência.
Perante a notificação que decorre do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 107/2009, o recorrente e/ou o Ministério Público podem ter uma de três posições: (i) oposição à decisão por simples despacho; (ii) anuência à decisão por simples despacho; (iii) não expressarem qualquer posição.
Na 1.ª situação, ou seja, perante a oposição do recorrente e/ou do Ministério Público, é vedada ao juiz a prolação de decisão por simples despacho, impondo-se que concretize a audiência de julgamento, após o que proferirá a respectiva sentença.
No caso dos autos, na impugnação judicial a recorrente negou a prática das contra-ordenações por que havia sido sancionada pela autoridade administrativa e ofereceu, além do mais, prova testemunhal: os três motoristas que conduziam a(s) viatura(s) na data dos factos e o seu (dela, recorrente) chefe de tráfego.
Tal impugnação e a prova testemunhal oferecida faz pressupor que a arguida pretende a alteração da matéria de facto, com a realização de audiência de julgamento, e, assim, que se opõe à decisão por simples despacho.
Dito de outro modo: com a impugnação judicial, o oferecimento de prova pela arguida constitui uma manifestação implícita de oposição a que a decisão seja proferida por despacho, pelo que deve essa prova ser produzida em audiência, de forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP.
Como escrevem Oliveira Mendes e Santos Cabral, em anotação ao artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e cujo conteúdo é idêntico ao do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 (Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, Almedina, pág. 228), «(…) a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir[] é que deverá decidir através de despacho.
(…)
Os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória (…) ou peremptória (…), ou a questão que é objecto de recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento []».
Mas para além de com a impugnação judicial a arguida ter apresentado prova, foi posteriormente notificada para manifestar a sua oposição à decisão por simples despacho: e como resulta da transcrita resposta da arguida, ela veio afirmar que considera que a audição das testemunhas por si arroladas se revela imprescindível quanto ao apuramento dos factos... prescindindo todavia da audição dessas mesmas testemunhas se forem consideradas procedentes as excepções que deduziu!
Isto é, a recorrente opôs-se a que a decisão fosse proferida por simples despacho, excepto se o tribunal considerasse procedente as excepções por si deduzidas e a absolvesse das contra-ordenações ou arquivasse os autos.
Naturalmente que nesta situação a recorrente não tinha qualquer interesse na produção de prova testemunhal, podendo até afirmar-se que esta tinha ficado prejudicada, na medida em que a questão prévia (inerente a excepções) suscitada lhe tinha sido favorável; contudo, não tendo o tribunal apreciado a (alegada) questão prévia, ou tendo julgado a mesma improcedente, subsistia a questão da prática ou não pela arguida dos factos inerentes às contra-ordenações por que foi sancionada, em relação ao quais arrolou prova testemunhal e se opôs à decisão por simples despacho.
Por isso, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, é de afirmar que, quer através da impugnação judicial, em que arrolou prova testemunhal e, por isso, de forma implícita se opôs à decisão por simples despacho, quer na resposta à notificação que lhe foi dirigida pelo tribunal a quo, a recorrente manifestou, agora de forma expressa, oposição a que a decisão fosse proferida por simples despacho.

Assim, face à oposição da recorrente a que a decisão fosse proferida – como o foi – por simples despacho, importa então apurar as consequências legais daí decorrentes.
De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi do artigo 41.ºdo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, constitui nulidade processual a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Tal nulidade pode ser arguida – como o foi no caso em apreço – no recurso interposto da referida decisão por despacho (n.º 3 do artigo 410.º, do referido compêndio legal).
Neste sentido se pronunciam Oliveira Mendes e Santos Cabral (Obra citada, pág. 230), quando escrevem que «(…) se não obstante a oposição formulada [pelo arguido ou pelo Ministério Público] o juiz decide através de despacho comete-se uma nulidade que, em nosso entendimento, se perfila como integrante do artigo 120.º, n.º 2 d) do Código de Processo Penal por aplicação do artigo 41.º».
Refira-se, a finalizar, que na análise da questão em causa se acompanhou de perto o acórdão da secção criminal deste tribunal de 07 de Janeiro de 2016, posteriormente reiterado no acórdão, também da secção criminal deste tribunal, de 08 de Maio de 2018 (Procs. n.ºs 47/15.2T8CCH.E1 e n.º 3085/17.7T8LLE.E1, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt).
Como de modo assertivo se escreveu no sumário deste último acórdão:
«I – Em processo de contraordenação o juiz só poderá decidir por despacho quando (i) considere desnecessária a realização da audiência e (ii) o arguido e o Ministério Público se não oponham à decisão do recurso por despacho.
II – Os casos em que o juiz poderá decidir por despacho são os casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
III – A oposição à decisão por despacho poderá ser manifestada pelo arguido no requerimento de interposição de recurso e pelo Ministério Público ao apresentar o processo ao juiz, devendo entender-se que constituem manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.
IV – Assim, tendo no requerimento de interposição do recurso o arguido apresentado prova testemunhal, deve entender-se que se opõe à decisão por despacho, ainda que sequência da notificação para dizer se se opunha à decisão por despacho se tenha remetido ao silêncio.
V – No circunstancialismo descrito, tendo o tribunal decidido por despacho cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Penal, nulidade consistente na violação do seu direito de defesa, por preterição da realização da audiência de julgamento».
Aqui chegados, impõe-se declarar a nulidade processual prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por violação do direito de defesa da arguida/recorrente ao não se ter procedido à audiência de julgamento, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída pela designação da data para a realização da audiência de julgamento.
Face à conclusão alcançada quedam prejudicadas as restantes questões supra equacionadas.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que designe data para a realização da audiência de julgamento.
Sem custas.

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de Setembro de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço

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[1] Relator: João Nunes; Adjunta: Paula do Paço.