Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/14.9GDPTG.E1
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
INSTRUMENTO DO CRIME
OBJECTO DO CRIME
PERIGOSIDADE
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A perda dos instrumentos e produtos do crime prevista no artigo 109º do Código Penal de 1982 tem caráter preventivo, pois o que está em causa é a prevenção dos riscos decorrentes da disponibilidade de objetos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, são perigosos, e não a aplicação de sanção em resposta à prática de crime.
II - O artigo 109º do Código Penal exige a perigosidade do objeto cumulativamente com a sua utilização (no que aqui importa) na prática do crime, quer aquela perigosidade se traduza na colocação em risco da segurança das pessoas, da moral ou da ordem públicas, ou em sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos ilícitos típicos, e quer aquela mesma perigosidade derive da própria natureza do objeto, quer das circunstâncias do caso.
III - A prognose de perigosidade deve assentar em factos e juízos concretamente apurados e formulados pelo tribunal, pois, constituindo um requisito ou pressuposto da perda de bens regulada no artigo 109º do Código Penal, não se presume.
IV - Apesar de poder afirmar-se genericamente que quem utiliza um objeto para a prática de um crime pode voltar a fazê-lo, a referência do artigo 109º, nº 1, às circunstâncias do caso exige, nomeadamente, que algum ou alguns dos fatores relativos ao tempo, lugar e modo de cometimento do crime, à motivação dos respetivos agentes ou, especificamente, à aquisição do bem ou à sua utilização concreta, permitam a prognose fundamentada de que o bem já utilizado para a prática de um crime venha a sê-lo de novo, quer pelo mesmo agente, quer por outros coarguidos ou terceiros.
Decisão Texto Integral:



Após audiência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correm termos na secção criminal da Instância Central da Comarca de Portalegre foi acusado pelo MP e sujeito a julgamento DFS, casado, jardineiro, nascido a (.....), em (.....), a quem o MP imputara a prática, em coautoria material com outros três indivíduos não identificados, dos seguintes crimes:
- Um crime de roubo qualificado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1, 26º, 30º, 210º, n.º 1 e n.º 2, al. b) com referência ao artigo 204º, n.º 1, b) e nº 2, a), f) e g), do Código Penal;
- Um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal;
- Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, e) e nº 3 do Código Penal.

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu absolver o arguido da prática, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do Código Penal e condená-lo como coautor material, com outros indivíduos não identificados, de:
- Um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 202º, al. b), 210º, nº 1, nº 2, al. b), por referência aos arts. 204º, nº 1, al. b) e nº 4, als. a) e f), todos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Um crime de falsificação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. e), e nº 3, do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, o tribunal coletivo decidiu condenar o arguido DFS na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3. – Inconformado, veio o arguido recorrer daquele acórdão condenatório, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões que se reproduzem integralmente:

«VIII – CONCLUSÕES

1. O Arguido vem condenado como co-autor material pela prática de um crime de roubo, na pena de cinco anos de prisão e um crime de falsificação de documentos, na pena de dezoito meses de prisão, sendo que em cúmulo, foi condenado na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

2. Foi, ainda, declarado perdido a favor do Estado o veículo automóvel com matrícula (…..), pertença do arguido e sua mulher, nos termos do artigo 109º, n.º1, do Código Penal.

3. O Recorrente não tem antecedentes criminais, pautando sempre a sua vida pelo intransigente respeito pela lei e princípios éticos e morais.

4. Antes da sua detenção, vivia em condições pessoais e económicas débeis, beneficiando do Rendimento Social de Inserção (RSI), estando a frequentar um curso de jardinagem, no âmbito do processo de atribuição de RSI, mostrando-se inserido social e familiarmente (tem quatro filhos, três deles menores), tendo como habilitações literárias o 3º ano de escolaridade, estando bem integrado socialmente com todos quanto o rodeiam.

5. Em jeito de apontamento prévio é de referir que o Arguido concorda na plenitude, à exceção do facto pelo qual recorre (medida concreta da pena), com o douto Acórdão, não fazendo qualquer objeção quanto ao enquadramento jurídico-legal efetuado e sua fundamentação, antes pelo contrário, sendo certo que estamos perante uma atuação condenável por parte do Arguido e que gera a necessidade de fazer sentir ao mesmo o desvalor dos seus atos e responsabilizá-lo pelas consequências dos mesmos.

6. Na determinação da medida da pena devem ser em tidas em conta, para além da culpa do agente, as necessidades de prevenção, tal como dispõe o artigo 71º do Código Penal.

7. A prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto, sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exata da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição de excesso.

8. Quando estamos perante uma pena excessiva (ainda que tenha sido considerada necessária) que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta.

9. Assim, importa verificar, nos termos do artigo 70º do Código Penal, se poderá ser aplicável ao arguido a pena de multa ao invés de uma pena de prisão, uma vez que o Tribunal deve dar preferência a uma pena não privativa da liberdade sempre que tal seja possível, o que, salvo melhor opinião, se verifica in caso.

10. O crime de falsificação de documentos prevê a punição com pena privativa e pena não privativa da liberdade, pelo que, caso assim o entendesse, o tribunal a quo poderia aplicar pena não privativa da liberdade, tal como refere o artigo 70º do Código Penal.

11. O artigo 71º do Código Penal, na determinação concreta da pena, manda atender ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, às condições pessoais do agente e a sua situação económica e à conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

12. Assim, e no que respeita à gravidade das consequências dos factos que originaram os autos, diga-se que o propósito do cometimento de ambos os crimes foi o de obter dinheiro ilicitamente, sendo certo que toda a quantia monetária foi restituída ao seu legítimo proprietário, pelo que, salvo o devido respeito, as consequências da conduta do arguido, no que respeita ao crime de roubo são diminutas uma vez que todo o produto alvo de roubo foi restituído ao seu proprietário, sendo certo que o crime de falsificação de documentos está intimamente ligado ao de roubo, uma vez que o mesmo tinha como objetivo afastar uma possível identificação do arguido pelo cometimento do crime de roubo.

13. Mais, atento o próprio Relatório Social, e no que respeita às condições pessoais e económicas, podemos verificar que o arguido tem o apoio da sua mulher e respetivos filhos, assim como da restante família, tendo Habitação (ainda que arrendada), a mulher recebe o RSI no valor de €300,00 (trezentos euros) mensais, tendo o apoio tanto pessoal como financeiro da restante família, pelo que, se perspetiva que o mesmo venha a arranjar ocupação laboral, ficando, de qualquer forma, numa condição económica que lhe permite viver com o mínimo de dignidade junto da sua família.

14. Quanto à conduta anterior ao facto e a posterior a este, podemos verificar que o recorrente é primário, não tendo antecedentes criminais, pelo que a conduta do arguido anterior aos autos é irrepreensível, mesmo tendo em conta a conduta do arguido posterior aos factos, pode-se dizer que a mesma é positiva e colaborante com a justiça, pois confessou parcialmente os factos, ajudando na investigação, sendo que desde o período em que se encontra em reclusão, cumpriu sempre com todas as regras a que foi sujeito de forma ordeira e respeitadora, quer relativamente aos guardas prisionais e demais funcionários quer relativamente aos restantes reclusos.

15. Pelo exposto, e no que respeita ao crime de falsificação de documentos, o arguido entende que lhe deve ser aplicada uma pena não privativa da liberdade, nomeadamente uma pena de multa, pois tendo em conta os factos agravantes e atenuantes, salvo o devido respeito, o arguido perfaz todos os requisitos para que lhe seja aplicada uma pena não privativa da liberdade, nos termos do artigo 70º, do Código Penal.

Por mera cautela e sem prescindir do acima peticionado, importa referir o seguinte:

16. Não considerando o Tribunal ad quem que deva ser aplicada uma pena não privativa da liberdade (respeitante ao crime de falsificação de documentos), o arguido entende, salvo o devido respeito, que a pena aplicada tanto ao crime de falsificação de documentos como ao crime de roubo são excessivas, assim como o cúmulo operado pelo Tribunal a quo.

17. Em abstrato, o crime de falsificação de documentos é punível com pena de prisão de seis meses a cinco anos, sendo que foi aplicada uma pena de dezoito meses de prisão, e apesar de o arguido entender que deveria ser-lhe aplicada uma pena de multa ao invés de uma pena de prisão, mas não se entendo assim, sempre se mostra excessiva tal pena.

18. Mais, em relação ao crime de roubo, em abstrato, é punível com pena de prisão de três a quinze anos, sendo que foi aplicada uma pena de cinco anos de prisão, sendo também esta, salvo melhor opinião, excessiva face a todos os factos dados como provados assim como de todas as atenuantes que o arguido beneficia.

19. Pois, no caso concreto, tem que se ter em conta o facto de o arguido não ter quaisquer antecedentes criminais, e, ainda, conquanto tudo o que se passa e consta dos autos, não apresenta perigosidade de maior, tendo mesmo sido reposta a situação patrimonial, tal como se encontrava anteriormente à prática de tais ilícitos.

20. Pode-se mesmo afirmar que a punição infligida é mais produto do combate à tipologia do crime aqui em causa que propriamente para combater o subjetivo de rebeldia ou habitualidade perigosa do Arguido, que na realidade, não a tem.

21. Assim, as pena aplicadas aos crimes de falsificação de documentos e roubo, dezoito meses e cinco anos, respetivamente, são excessivas face a toda a prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, assim como da personalidade do arguido, pelo que, face ao supra referido, o recorrente entende que a pena aplicada quanto a estes crimes deve ser reduzida, sendo aplicada uma pena perto do seu limite mínimo, ou seja, seis meses no que respeita ao crime de falsificação de documentos e três anos quanto ao crime de roubo, determinando a pena única nos três anos de prisão, suspensa por igual período de tempo.

22. Conforme exposto anteriormente, o Recorrente entende que lhe deve ser aplicada uma pena de multa ao invés de uma pena de prisão (no que respeita ao crime de falsificação de documentos), ou, caso assim não se entenda, que a pena aplicada seja reduzida por ser excessiva, assim como a pena aplicada ao crime de roubo.

23. Devendo, no entanto, e em qualquer dos casos, e mesmo que nenhum dos fundamentos invocados tenham provimento, a pena única aplicada ser reduzida para os cinco anos de prisão.

24. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 77º, n.º 1 e 2, do Código Penal, o Tribunal a quo condenou o arguido na pena única de cinco anos e seis meses de prisão, sendo que, o artigo 50º, do Código Penal, confere a possibilidade ao Tribunal de suspender a pena de prisão aplicada, quando esta não for superior a 5 anos.

25. Ora, precisamente pelo facto de o Tribunal a quo ter aplicado uma pena única superior aos cinco anos (diga-se erradamente), não chegou, sequer, a colocar a hipótese de suspender a pena de prisão aplicada.

26. No entanto, qualquer que venha a ser o entendimento de V. Exas., a pena aplicada ao arguido deve ser inferior a cinco anos, pelo que confere ao Tribunal a possibilidade de suspender a pena de prisão aplicada.

27. Deste modo, e salvo o devido respeito, deverá sempre o Tribunal optar pela aplicação de uma pena suspensa, o que neste caso se revelaria a decisão mais adequada, tendo em conta as finalidades da punição e um juízo prognose favorável decorrente da situação atual do arguido.

28. Assim, para além do requisito de ordem formal referente ao tempo de prisão aplicado ao arguido, é necessário que se verifiquem os requisitos de ordem material (pressuposto material) indicados na segunda parte do n.º 1 do preceito legal ora citado e que fundamentam um juízo de prognose favorável, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

29. O Tribunal não atendeu a essa possibilidade precisamente pela falta do requisito de ordem formal, o que, conforme exposto anteriormente, já não se verifica uma vez que, salvo melhor opinião, deve ser aplicada uma pena de prisão inferior a cinco anos.

30. E quanto aos demais requisitos, de tudo o que anteriormente foi exposto, sobre o arguido não recai uma prognose desfavorável, muito pelo contrário, pelo que, a aplicação de uma pena de prisão inferior a cinco anos, suspensa na sua execução, subordinada ou não a regras de conduta ou cumprimento de deveres, implicaria um forte sentido punitivo e censura ao arguido.

31. Ora, sendo o recorrente condenado numa pena única inferior a cinco anos de prisão, não tendo antecedentes criminais, estando, também, bem integrado socialmente, perfaz todos os requisitos exigíveis para a suspensão da pena, logo não se vislumbra o motivo da sua não suspensão, pelo que, pese embora se tenha em conta a atuação do arguido, este não entende como não poderá a seu favor ser feito um juízo de prognose favorável, e consequentemente suspender a pena de prisão.

32. Tem que se ter em conta que o objetivo primordial de uma sanção quando aplicada pelo sistema penitenciário deveria, em teoria, alcançar a ressocialização, se bem que se deveria saber até que ponto a pena aplicada melhor reenquadra o arguido atento todo o circunstancialismo que envolve o referido sistema.

33. Entende-se que são exigências de prevenção geral e de adequação à culpa que continuam a justificar a aplicação de penas de prisão efetiva, se bem que nas penas de prisão de curta e de média duração, os seus inconvenientes superam em grande medida as vantagens que possam ser apontadas à utilização deste método.

34. Neste sentido, a tentativa de socialização em que, como sabemos, se deve traduzir a execução da pena, é claramente contrariada pela forçosa dessocialização derivada do corte das relações afetivas e familiares do condenado, pelos efeitos da infâmia social que se ligam à entrada na prisão e também pela inserção do condenado na subcultura prisional, em si mesmo criminógena.

35. No caso concreto, a pena de prisão efetiva aplicada ao arguido poder-se-á considerar que tem mais em desfavor do que a favor, na medida em que, essa pena poderia envolver outros moldes que não a sua detenção, tal como é exemplo a suspensão da pena o que, no caso concreto, assegura claramente de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

36. Nos presentes autos foi, ainda, declarado, ao abrigo do preceituado no artigo 109º, n.º1, do Código Penal, o perdimento a favor do Estado do veículo automóvel de matrícula (....), e respetivos documentos apreendidos nos autos, em virtude do mesmo ter servido para a prática do crime de roubo atrás descrito, como consta no Douto Acórdão.

37. No caso em apreço, importa verificar se estão reunidos todos os requisitos exigíveis pelo artigo 109º, n.º1, do Código Penal, que declarem o veículo automóvel apreendido perdido a favor do Estado, como decidido pelo Tribunal a quo, ou se ao invés deve ser restituído ao arguido, seu legitimo proprietário.

38. Em primeiro lugar, é necessário que esse instrumento do crime tenha servido ou estivesse destinado à prática de um crime, o que aqui sucedeu, e em segundo lugar que ocorra uma das duas situações tipo descritas naquele preceito legal, ou seja, uma delas está condicionada à existência de uma qualquer circunstância de perigosidade para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, a outra à existência de um sério risco de repetição criminosa.

39. Nestes termos, tem de se atender às específicas características dos objetos que foram empregues na prática do crime ou então de quem os detém, de modo que se possa concluir que os mesmos oferecem perigosidade, seja sob um ponto de vista objetivo, seja subjetivo – veja-se neste sentido Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, no seu “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 623 e ss.

40. Assim, um instrumento será objetivamente perigoso quando o mesmo, independentemente da pessoa que o detém, é apto ou revela potencialidades para ser um utensílio criminoso e, por sua vez, um instrumento pode oferecer perigosidade, sob o ponto de vista subjetivo, se o mesmo permanecer na disponibilidade de uma pessoa que já tenha demonstrado uma específica propensão criminosa, sendo a mesma capaz de vir a utilizar esse instrumento para os mesmos ou outros fins delituosos.

41. No caso concreto tem de se ter em conta o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e o instrumento (veículo automóvel) não apresentar características de qualquer perigo típico, pois tal veículo é o único meio de transporte do arguido para o seu dia-a-dia, não se perspetivando que o mesmo venha a ser utilizado para futuros fins delituosos, sendo que a este respeito vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1989 e mais recentemente de 21 de Outubro de 1998.

42. Mais, tratando-se de uma sanção análoga à de uma medida de segurança, a perda dos objetos deve ser decidida pelo Tribunal de acordo com o princípio da proporcionalidade, isto é, a perda só deve ser declarada quando for necessária para evitar a perigosidade e proporcional à gravidade do facto ilícito cometido.

43. Acresce, ainda, que a imposição da perda desse veículo a favor do Estado, com as consequências daí advenientes para o arguido, surge totalmente desproporcionada com o valor do resultado do crime de roubo cometido, neste caso inexistente mesmo, pelo que, teremos de concluir que o Acórdão ora impugnado violou o disposto no artigo 109º, n.º 1, do Código Penal ao decretar aquele veículo perdido a favor do Estado.

44. Por outro lado, a declaração de perdimento do veículo não foi equacionada na acusação, com indicação das razões de facto e de direito, de forma a viabilizar-se o princípio do contraditório, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Maio de 2002, processo n.º 611/02, 3ª, SASTJ, n.º61,68.

45. Pelo que, não foi dado como provado que o veículo declarado perdido a favor do Estado pela sua natureza ou circunstâncias, pusesse em perigo a segurança dos pessoas, a moral ou a ordem pública, nem que oferecesse sérios riscos de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos, bem pelo contrário, motivo pelo qual, deverá o veículo automóvel de matrícula (....) e respetivos documentos ser devolvido ao arguido, seu legítimo proprietário.

NORMAS VIOLADAS:
-Artigo 109º, n.º1,do Código Penal e;
-18º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.


Termos em que, mas sempre com o douto e superior critério de V. Exa., deve o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, deve:
-Ser aplicada uma pena de multa ao invés de uma pena de prisão no que respeita ao crime de falsificação de documentos;
Caso assim não se entenda, a pena de prisão aplicada deve ser reduzida, sendo aplicada uma pena perto do seu limite mínimo, ou seja, seis meses de prisão;
-A pena de prisão aplicada ao crime de roubo ser reduzida, sendo aplicada uma pena perto do seu limite mínimo, ou seja, três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;
-Em todo o caso, e qualquer que venha a ser o entendimento de V. Exas., deve a pena aplicada ao arguido, ora recorrente, ser inferior a cinco anos de prisão e suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50º, do Código Penal.
- Por último deve ser devolvido ao arguido o veículo automóvel de matrícula (....) e respetivos documentos, apreendidos nos presentes autos, pois o Douto Acórdão violou o disposto no artigo 109º, n.º 1, do Código Penal»

4. – O MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta pronunciando-se pela total improcedência do recurso.

5. - Nesta Relação realizou-se a Audiência oportunamente requerida pelo arguido.

6.A decisão recorrida (transcrição parcial)

« (…)
Fundamentação de Facto
Realizado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1. Em data e momento não concretamente apurados o arguido DFS, conjuntamente com três outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, decidiram, em conjugação de esforços e de intenções, e mediante plano previamente concertado entre si, assaltar uma carrinha de transporte de tabaco;
2. Para o efeito, no dia 11 de fevereiro de 2014, pela manhã, deslocaram-se na viatura VW Transporter, com a matrícula (….), pertença do arguido e da sua mulher, para a localidade de Vale do Peso, Crato, a fim de concretizar o plano, pois sabiam que nesse dia seria feita nessa localidade a entrega de tabaco, já que o abastecimento da máquina de tabaco existente no interior do Núcleo Progresso Vale do Peso, é efetuado todas as terças-feiras, facto que era do conhecimento, pelo menos, de alguns dos indivíduos que seguiam na sobredita viatura.
3. Antes de chegarem a Vale de Peso, em momento não determinado do percurso, um/uns do(s) indivíduo(s) que seguiam naquele mesmo veículo, encaixou sobre a chapa de matrícula da dita viatura, uma outra chapa de matrícula, com os dizeres (….), passando então o veículo do arguido a ostentar uma matrícula que não lhe correspondia a fim de, desta forma, evitarem a identificação do respetivo proprietário.
4. Cerca das 11h40m do referido dia, o arguido, e demais indivíduos, avistaram então a carrinha de transporte de tabaco Nissan Primaster, com a matrícula (….), propriedade de “SCs Lda”, nela circulando os seus trabalhadores, PACS e JAPC, os quais ali efetuavam o “giro” de distribuição de tabaco.
5. A carrinha de transporte de tabaco estacionou junto ao estabelecimento comercial sito no nº (…), da Rua (…), após o que PACS e JAPC entraram no interior do estabelecimento a fim de verificar as faltas da máquina de tabaco aí existente.
6. Momentos depois, PACS saiu do estabelecimento e dirigiu-se à carrinha de transporte de tabaco, sendo que quando chegou junto à mesma deparou-se com um dos indivíduos que seguiam na viatura com matrícula (…), cujo rosto se mostrava totalmente tapado por uma peça de vestuário não concretamente apurada e que tinha na sua posse um pé de cabra.
7. De imediato, e receando, pelo menos, pela sua integridade física, PACS voltou-se para trás com intenção de abandonar de imediato o local.
8. Não obstante, tropeçou, caiu, deixando então cair as chaves da viatura com matrícula (….) e um saco contendo dinheiro.
9. Ato contínuo, aquele mesmo indivíduo, que mantinha o rosto tapado, agarrou-o pela roupa, junto ao pescoço, levantou-o e empurrou-o para dentro daquela viatura (Nissan Primaster), contra a sua vontade.
10. Quando PACS se encontrava no interior de tal veículo, o dito indivíduo falou com os outros que o acompanhavam, auscultando-os sobre se deveriam levar, com eles, o referido PACS, tendo então entre todos sido acordado que o mesmo ficaria no local.
11. De imediato, o mesmo indivíduo que tinha empurrado PACS para o interior da viatura, puxou-o para o exterior, tendo aquele abandonado o local, a correr.
12. Nesse mesmo momento, o arguido e os demais indivíduos, puseram-se em fuga, tendo um deles conduzido a viatura Nissan Primaster até à zona do campo de futebol existente naquela localidade.
13. Aí, o arguido, juntamente com os demais indivíduos que consigo seguiam, retiraram as chapas de matrícula com os dizeres (….) que haviam colocado sobre as chapas de matrícula que identificavam o veículo do arguido (com os dizeres “…” e procederam à transferência das caixas de tabaco que se encontravam na viatura de transporte de tabaco Nissan Primaster para o veículo daquele, colocando-se em fuga nesta viatura, levando consigo as caixas de tabaco, no valor total aproximado de 32.000€, a quantia de 3.206,40 em dinheiro (notas e moedas), bem como uma carteira contendo documentos pessoais de PACS e uma outra carteira, tipo porta-moedas, contendo € 70,36.
14. O arguido e os demais indivíduos que consigo seguiam, encontravam-se com as caras cobertas com peças de vestuário não concretamente determinadas.
15. Após a fuga de PACS, a GNR foi alertada do sucedido e tendo avistado o veículo onde seguia o arguido e demais indivíduos, iniciou perseguição ao mesmo, perseguição essa que terminou, na localidade de (…), Gavião, onde aqueles abandonaram a viatura VW Transporter onde seguiam com as caixas de tabaco e dinheiro subtraídos, prosseguindo a fuga apeada.
16. O arguido DFS foi intercetado por elementos da GNR, na localidade de Alvega, Abrantes, cerca das 5h30m da madrugada do dia 12 de Fevereiro de 2014, estando, aquando da detenção, na posse dos documentos da viatura VW Transporter (….).
17. A carrinha de transporte de tabaco Nissan Primaster, com a matrícula (….), e o tabaco e dinheiro nela existentes, eram pertença de propriedade de “SCs Lda”.
18. O arguido agiu, juntamente com os demais indivíduos, com o propósito comum – que lograram alcançar – de, através da violência e com exibição de um pé cabra, na direção de PACS, se apoderarem e fazerem seus o tabaco e demais valores transportados na viatura Nissan Primaster, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos seus legítimos donos.
19. O arguido, juntamente com os demais indivíduos, ao apor no veículo em que seguiam, VW Transporter a matrícula “…”, que sabiam não lhe corresponder, agiram com o propósito comum de ludibriar as autoridades fiscalizadoras quanto aos seus verdadeiros elementos de identificação, obviando a que fossem identificados, pois que não ignoravam que a referida matrícula havia sido atribuída pelas autoridades competentes não àquele mas a outro veículo e que, ao estarem a circular com o mesmo nessas circunstâncias, punham em causa a credibilidade e a força probatória que a tais distintivos é reconhecida;
20. O tabaco e o dinheiro acima referenciados foram recuperados e entregues a JAGA, sócio-gerente da sociedade “SCs, Ldª”.
Mais se provou que
21. DFS é o mais novo de seis irmãos, oriundo de agregado familiar de condição socioeconómica precária, proveniente da zona de S. Julião da Barra – Oeiras, e que quando aquele contava seis anos passou a residir na zona da Buraca. Os progenitores do arguido eram vendedores ambulantes.
22. O processo de socialização daquele decorreu num ambiente pautado pelas regras e normas associadas à etnia cigana a que pertence, destacando-se precariedade económica e desvalorização da aprendizagem escolar.
23. O arguido iniciou a frequência escolar em idade adequada, tendo concluído o 3º ano. O elevado absentismo e a fraca apetência pelos estudos levaram-no a abandonar o ensino aos doze anos.
24. Iniciou, então, atividade laboral, ajudando os progenitores nas feiras, atividade que manteve até aos dezoito anos.
25. Contraiu matrimónio aos dezoito anos, tendo quatro filhos do relacionamento conjugal.
26. DFS manteve a mesma atividade profissional dos progenitores, que viria a deixar de exercer alguns anos depois do casamento, passando o agregado familiar a subsistir do Rendimento Social de Inserção. É no âmbito deste apoio que o arguido passa a desenvolver atividade na área da jardinagem, tendo estado integrado num curso profissional, através do IEFP, que não concluiu, por entretanto ter sido detido.
27. À data dos factos em discussão, o arguido residia com a mulher e os quatro filhos (com idades compreendidas entre os 7 e os 18 anos) em habitação social, cuja renda mensal ascende a €30,00, em S. João da Talha.
28. A mulher encontra-se desempregada, auferindo Rendimento Social de Inserção no montante de € 300,00.
29. DFS revela fracas competências pessoais e sociais, o que dificulta a sua integração laboral.
30. Conta com o apoio da família alargada, que manifesta disponibilidade para o apoiar.
31. O arguido pretende diligenciar por nova integração em curso profissional, tendo em vista a inserção na vida ativa.
32. DFS não tem antecedentes criminais.

**
Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
A) Que o arguido ou qualquer outro dos indivíduos que o acompanhavam tenha abordado PACS empunhando na sua direção uma arma de fogo de características concretamente não determinadas.
B) Que aquando da fuga descrita em 12, PACS seguisse manietado no interior da carrinha Nissan Primaster.
C) Que o arguido e os demais indivíduos tenham abandonado a viatura em virtude das condições do terreno por onde seguiam.
D) Que o arguido e os demais indivíduos que o acompanhavam quisessem apoderar-se, fazendo-a sua, a viatura Nissan Primaster.
E) Que o arguido DFS, juntamente com os demais indivíduos, tenham agido com o propósito comum – que lograram alcançar – de privarem o PACS da sua liberdade ambulatória, bem com o propósito de, ao faze-lo, forçá-lo a submeter-se às suas vontades, o que conseguiram, bem sabendo que tal era contrário à vontade do mesmo.

Motivação da decisão de facto
Fundamentação de Direito
Apurados os factos, cumpre agora fazer a sua subsunção ao direito.
Do crime de roubo (qualificado) Fundamentação de Direito
Apurados os factos, cumpre agora fazer a sua subsunção ao direito.
Do crime de roubo (qualificado)
O arguido DFS está acusado, além do mais, como co-autor dum crime de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2, alínea b), por (…)
(…)
Ora, de acordo com a factualidade apurada nos autos, o arguido, conjuntamente com outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, elaboraram um plano tendo em vista a apropriação de bens transportados na viatura que em 11 de fevereiro de 2014, terça-feira, seria usada para efetuar transporte de tabaco, nomeadamente, para um estabelecimento comercial sito em Vale do Peso, à semelhança, aliás, do que acontecia às terças – feiras de todas as semana, giro este de que o arguido e/ou qualquer dos outros indivíduos tiveram prévio conhecimento. Em execução de tal plano, de forma concertada e em conjugação de esforços, deslocaram-se naquela data para a localidade de Vale do Peso, na viatura com matrícula (....), pertencente ao arguido DFS. Antes de entrarem naquela localidade imobilizaram aquela viatura e sobre as chapas de matrícula que a identificavam, encaixaram outras, com os dizeres (....), visando, por esta forma, evitarem a identificação do proprietário do veículo por onde todos seguiam.
Cerca das 11H40 avistaram a carrinha que transportava o tabaco e que estacionou junto ao estabelecimento comercial sito no nº (….), da Rua (….), em Vale do Peso.
Nessa carrinha seguiam PACS e JAPC que entraram naquele estabelecimento a fim de verificar as faltas da máquina de tabaco ali existente.
Quando PACS saiu para o exterior, deparou-se com um indivíduo junto à carrinha de tabaco, com a cara tapada e com um pé de cabra na mão. Receando de imediato pela sua integridade física, PACS tentou fugir do local, o que não conseguiu, pois caiu, deixando cair as chaves da viatura de transporte de tabaco e um saco contendo dinheiro. Ato contínuo, foi agarrado e levantado pelo dito indivíduo, que o empurrou para o interior daquele veículo, contra a sua vontade, aí tendo permanecido enquanto o dito indivíduo decidia, com os demais indivíduos, sobre o seu destino. Decidido entre todos que PACS ficaria no local, foi este puxado para o exterior da viatura, o que permitiu a sua fuga imediata.
O arguido e restantes indivíduos lograram então apoderar-se da viatura Nissan Transporter em consequência do medo que conseguiram incutir sobre PACS e da violência física sobre ele exercida, traduzida no ato de ser agarrado e empurrado para o interior daquela, de onde não conseguiu sair determinado pela sua própria vontade.
Na posse da dita viatura, o arguido e demais indivíduos, conduzindo-a para o campo de futebol de Vale do Peso, procederam então à transferência do tabaco e dinheiro que nela encontraram, para a viatura do arguido, retiraram as chapas de matrícula com os dizeres (....) e abandonaram o local, levando consigo tabaco no valor de cerca de € 32.000,00 e as quantias monetárias que acima se deixaram descriminadas.
O arguido e restantes indivíduos sabiam que tais bens não lhes pertenciam, que agiam contra a vontade dos legítimos donos e fizeram-nos seus, como era seu propósito, evidenciando toda a factualidade descrita uma atuação conjunta e concertada, orientada para um objetivo definido e comum que lograram alcançar.
Em face do exposto, resta concluir pelo preenchimento dos requisitos (objetivos e subjetivos) do crime de roubo, tipificado no nº 1, do art. 210º, do Código Penal.
Nos termos do disposto no nº 2, do art. 210º, o crime de roubo é agravado se “se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do art. 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo”.
Segundo a acusação, o crime de roubo é agravado por força do disposto na al. b), do nº 1, e nas alíneas a), f) e g), do nº 2, ambos do art. 204º, do Código Penal.
Tendo por referência a al. b), do nº 1, daquele art. 204º, o roubo é agravado, entre outras situações, quando a coisa alheia objeto de subtração estiver colocada ou for transportada em veículo, o que no caso se verificava, como decorre da factualidade já analisada.
O roubo é igualmente agravado quando a coisa subtraída for de valor consideravelmente elevado (al. a), do nº 2, do art. 204º, do Código Penal).
Valor consideravelmente elevado é aquele que excede 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (art. 202º, al. b), do Código Penal).
Em fevereiro deste ano, uma unidade de conta correspondia a € 102,00, pelo que ponderado o valor dos bens subtraídos, é inequívoco que o mesmo é de valor consideravelmente elevado.
De acordo com o disposto na al. f), do nº 2, daquele mesmo art. 204º, do Código Penal, o roubo é agravado nas circunstâncias em que o agente trouxer, no momento do crime, arma aparente ou oculta.
Arma aparente é aquela que aparece, que é visível[1].
A al. b), do nº 2, do art. 210º, acolheu o conceito de arma que era definido no art. 4º do Dec. – Lei nº 48/95 de 15 de Março, segundo o qual “para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
Como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004[2], a qualificação do crime de roubo fundada na citada al. f), do nº 2, do art. 204º, por remissão da al. b), do art. 210º, “…consiste na possibilidade objectiva de o «instrumento» que o agente traz consigo «no momento do crime» ser utilizado como meio eficaz de agressão, ou seja, na possibilidade de servir para ofender fisicamente uma pessoa de forma significativa. Desta maneira potenciando o risco da ofensa dos bens jurídicos pessoais que o crime complexo de roubo visa também proteger, bem como a margem de êxito e extensão da ofensa dos bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis -, mercê do aumento de sentimento de confiança e audácia do agente e da diminuição das possibilidades de defesa da vítima”.
No caso, não se provou que qualquer dos indivíduos fosse portador de qualquer arma de fogo, como resultava da acusação. Provou-se, no entanto, que o indivíduo com quem PACS se deparou junto à carrinha de transporte de tabaco, tinha na sua posse um pé de cabra, instrumento que dadas as suas características se revela apto a ser usado como meio eficaz de agressão, como o arguido e demais indivíduos não podiam deixar de saber e como o sabia também PACS, que perante o visionamento de tal objeto – aliado ao demais circunstancialismo já referenciado – temeu pela sua integridade física, ficando sem possibilidade de reação, o que permitiu que o arguido e restantes indivíduos lograssem concretizar a subtração do tabaco em conformidade com o plano gizado.
Finalmente, segundo a acusação, o roubo seria agravado pelo preenchimento da qualificativa prevista na al. g), do nº 2, do dito art. 204º, que abrange os casos em que o agente do crime atua como “membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”.
Não foram, porém, imputados ao arguido, quaisquer factos suscetíveis de serem subsumidos à dita qualificativa, nomeadamente, que o arguido se dedicasse à prática reiterada de crimes contra o património, em grupo, e que os factos em discussão tivessem sido praticados com pelo menos qualquer membro desse grupo, evidenciando apenas a factualidade emergente da prova produzida em audiência a prática pelo arguido, em co-autoria com outros indivíduos, do sobredito crime de roubo.
Deste modo, considerando tudo quanto se deixou exposto e na ausência de circunstâncias que excluam a ilicitude e/ou a culpa, constituiu-se o arguido DFS como co-autor, com outros três indivíduos não identificados, dum crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 26º, 202º, al. b), 210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. b) e nº 2, als. a) e f), todos do Código Penal.
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II. Do crime de sequestro
(…)
Como já dissemos, o crime de roubo pode ser consumado, precisamente, através da privação da liberdade de outrem e nessa medida, podem surgir problemas de concurso, aparente ou real entre os crimes de roubo e sequestro.
No entanto, a este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação da liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, não se verifica o concurso real de infrações, reconduzindo-se a pluralidade à unidade sempre que a privação da liberdade se apresente como essencial (crime-meio) para que seja alcançado o fim (crime-fim), sendo, então, o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade (cfr. acórdão de 16 de Novembro de 2006, no âmbito do Processo nº 2546/06).
No caso, a privação da liberdade de PACS, verificada nos termos que resultaram provados em audiência, não excedeu o tempo necessário à consumação do roubo, tendo constituído um dos meios a que o arguido e restantes indivíduos recorreram para conseguir alcançar os seus desígnios, não ocorrendo assim uma situação de concurso real de crimes, mas tão só de concurso aparente, impondo-se consequentemente a absolvição do arguido quanto à prática do crime de sequestro de que vinha acusado.
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III. Do crime de falsificação
O arguido está ainda acusado como co-autor dum crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. e), e nº 3, do Código Penal.
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No circunstancialismo de tempo, modo e lugar já referenciados, o arguido e restantes indivíduos cujas identidades não se apuraram, deslocaram-se para Vale do Peso, na viatura pertencente ao arguido e sua mulher e que é identificada, para além do mais, pela matrícula (....) que lhe está atribuída.
Antes de chegarem àquela localidade e tendo em vista a não identificação da viatura em que todos seguiam, encaixaram sobre as chapas de matrícula identificativas daquele veículo (dianteira e traseira) outras chapas, com outros sinais, nomeadamente, com os dizeres (....), passando aquele veículo a circular com matrícula que não lhe pertencia – e por isso com chapas de matrículas falsas -, até ao momento em que, já na posse dos bens de que ilegitimamente se apropriaram, o arguido e demais indivíduos empreenderam a fuga, retirando do veículo as chapas de matrícula falsas tendo em vista não serem intercetados pelas autoridades fiscalizadoras.
O arguido e demais indivíduos sabiam que a matrícula “(....)” não tinha sido atribuída pelas entidades competentes ao veículo do arguido, tendo agido com o referido propósito de ludibriar as autoridades fiscalizadoras quanto aos elementos de identificação do veículo, obstando a que fossem identificados, e consequentemente, impedirem a identificação do seu proprietário, sabendo que ao agirem da forma descrita punha em causa a credibilidade e a força probatória que a tais distintivos é reconhecida.
Pelo exposto, e não ocorrendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude e/ou da culpa, praticou o arguido, em co-autoria, o crime de falsificação de que vem acusado.
Da medida da pena
Segundo a previsão do art. 40º, do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (nº 1), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa (cfr. nº 2).
A função primordial da pena consiste na proteção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção de comportamentos que ponham em causa os bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa.
Os dois termos do binómio, com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação concreta da pena, são, assim, a culpa e a prevenção.
Escreve a este propósito Jorge de Figueiredo Dias , que “a exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção”.
A determinação da medida da pena é feita segundo as regras estabelecidas no art. 71º do Código Penal, devendo o juiz, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- A intensidade do dolo ou da negligência;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior e posterior aos factos.
No caso concreto cabe ponderar as seguintes circunstâncias:
- A ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre determinado comportamento que põe em perigo bens jurídico-criminais, é no caso, elevada, considerando: a) as circunstâncias e o modo de ação – ação planeada, levada a cabo em grupo, com divisão de tarefas entre todos os seus elementos, o que facilitou inequivocamente a concretização do propósito que o arguido e demais indivíduos não identificados se propuseram alcançar, cabendo, no entanto, realçar o grau mediano da intimidação/violência que foi exercida para a consumação do crime de roubo -; b) a natureza dos bens subtraídos e a circunstância de terem sido recuperados; c) a circunstância do uso de matrícula falsa constituir parte do plano gizado pelo arguido e restantes indivíduos para a concretização do roubo; d), o facto do veículo ter circulado com matrícula falsa por período de tempo não apurado, ainda que necessariamente curto, considerando todo o desenvolvimento da ação;
- O arguido agiu com dolo no seu patamar mais intenso – dolo direto –, e ponderando todo o desenrolar da ação criminosa, pese embora não seja possível estabelecer o seu grau de participação nos factos, por comparação com a atividade que necessariamente foi desenvolvida pelos restantes indivíduos (cf. art. 29º, do Código PenalI), dúvidas não temos que participou ativamente, com eles, em todas situações, na medida em que as diversas condutas que integraram a ação exigiam a intervenção de várias pessoas (atente-se que foi necessário conduzir o veículo do arguido; encaixar nos devidos locais as chapas de matrícula falsa; intimidar os ocupantes do veículo de transporte de tabaco de modo a apossarem-se do mesmo, conduzindo-o, tal como o veículo do arguido, para o campo de futebol de Vale de Peso; proceder à rápida transferência do tabaco e restantes bens para o veículo do arguido, o que exigiu, pelo menos, a intervenção de duas pessoas; providenciar pela retirada das matrículas falsas que tinham sido apostas no veículo do arguido e, necessariamente, exercer a vigilância, de molde a encetar fuga em caso de necessidade);
- As exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo à proliferação de condutas similares, com efeitos muitas vezes devastadores sobre as vítimas, impondo-se, consequentemente, a necessidade de desencorajar tais práticas, atenta a insegurança e falta de confiança que estes tipos de crimes – em particular o roubo -, induzem;
- As exigências de prevenção especial, de intensidade mediana, posto que o arguido não tem antecedentes criminais;
- O arguido provém de família de condição social e económica precária, tem família constituída e revela fracas competências pessoais e sociais, situação que dificulta a sua integração laboral. A família do arguido depende economicamente de apoios sociais e à data dos acontecimentos, DFS estava integrado num curso profissional que não concluiu, por ter sido detido, exercendo a par desse curso e no âmbito da concessão de Rendimento Social de Inserção atividade na área da jardinagem;
- O arguido confessou parcialmente os factos.
O crime de roubo, previsto pelos arts. 210º, nº 1, nº 2, al. b), com referência aos arts. 202º, al. b) e 204º, nº 1, al. b) e nº 2, als. a) e f), todos do Código Penal, é punido com pena de três a quinze anos de prisão.
Sopesando as circunstâncias enunciadas, entende este tribunal que a condenação na pena de 5 anos de prisão se mostra justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados pelo arguido.
O crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. e) e nº 3, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
Nos termos do disposto no art. 70º, do Código Penal, quando aos crimes forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso dos autos, ponderadas as circunstâncias e o modo da ação e, bem assim, o propósito subjacente à conduta do arguido, é inequívoco que a conduta criminosa reveste gravidade, o que, aliado às fortes necessidades de prevenção geral positiva que se fazem sentir, impedem que se tenha como suficiente a opção pela condenação em mera pena de multa.
Assim, alicerçados nos sobreditos princípios e sopesando as circunstâncias enunciadas no que ao crime de falsificação diz respeito, reputamos como justa e adequada a condenação do arguido na pena de 18 meses de prisão.
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Da unificação das penas
De acordo com o nº 1, do art. 77º, do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Por seu turno, segundo o nº 2, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
No concurso de crimes, para se determinar a pena única, segundo a interpretação mais comum na jurisprudência , na esteira, aliás, de Figueiredo Dias, do que se trata é de avaliar unitariamente a personalidade do arguido em correlação com o conjunto dos factos, como se estes constituíssem um facto global, em ordem a saber se o agente revela uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou se a sua actuação delituosa é devida a fatores ocasionais.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de Novembro de 2011 (Processo Nº 150/08.5JBLSB.L1.S1), “para a determinação da pena conjunta é decisivo que se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando a relação destes entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento, mas também a receptividade do agente à pena, o seu processo de socialização e inserção social e ainda a avaliação das suas circunstâncias pessoais tendentes a analisar uma possível tendência criminosa”.
No caso dos autos, a pena única há-se ser determinada entre o mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 6 anos e 6 meses de prisão.
Os factos revestem no conjunto gravidade, ponderando o modo global da ação, cabendo reter, no entanto, que a conduta da falsificação visou facilitar a consumação do crime de roubo, evitando a interceção do arguido e restantes indivíduos pelas entidades fiscalizadoras. O arguido não tem antecedentes criminais, mas revelou capacidade para atuar em grupo, bem como desrespeito por bens jurídicos de distinta natureza, nomeadamente, desprezo pelo património alheio. A pena única deve refletir, por seu turno, as necessidades de prevenção geral positiva – no caso elevadas, ponderando o que anteriormente se deixou dito a este propósito – e bem assim, as necessidades de prevenção especial na medida em que o arguido, não obstante primário, revela fracas competências pessoais e sociais, e consequentemente, dificuldade em desenvolver atividade profissional, circunstâncias suscetíveis de o determinar à prática de novos ilícitos criminais.
Posto isto, reputamos como justa e equilibrada, a condenação do arguido na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
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Dos bens apreendidos à ordem dos autos
Estão apreendidos à ordem destes autos os seguintes bens:
- Veículo com matrícula (....), pertencente ao arguido e sua mulher e documentos que lhe dizem respeito, descriminados a fls. 23 e 30 a 35 dos autos;
- Um cartão de cidadão, com o nº 11855786 6ZZ5, referente ao arguido DFS;
- Um relógio de pulso, marca Citizen;
- Um isqueiro em plástico, de cor azul;
- Um maço de cigarros da marca Marlboro, contendo nove cigarros;
De acordo com o disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, “São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que, por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 27 de setembro de 2006, no âmbito do Processo nº 06P2802, o “…objecto há-de ser, por um lado, apto à execução, ou para contribuir e condicionar de modo específico ou modelar dos termos da execução, de tal sorte que sem o auxílio ou o uso do objecto os factos que constituem a infracção não teriam sido praticados, ou apenas teriam sido praticados de modo diferente, independente e autónomo, ou com neutralidade executiva do objecto.
Tudo dependerá, assim, da especificidade da conduta típica que esteja em causa, e da intervenção, neutra, directa ou instrumental que o objecto possa ter tido, ou possa vir a ter, na execução do facto”.
Deste modo, e como também se conclui naquele aresto, a “…decisão de perda de objectos deve ter como pressuposto a indivisibilidade executiva e a relevância instrumental, determinante ou essencialmente conformadora do objecto no processo de execução e de cometimento do crime”.
É inquestionável que a viatura com matrícula (....) foi determinante para a execução do crime de roubo que o arguido e restantes indivíduos se propuseram concretizar. Assim, e desde logo, foi nela que se deslocaram a Vale do Peso. Tal veículo possuía, ainda, características que permitiram o encaixe de matrículas falsas, na sua parte dianteira e traseira, que facilitaram a descrita conduta do arguido e dos outros indivíduos, nos termos atrás mencionados. Foi, ainda, para o dito veículo, que foram transferidos o tabaco e demais objetos de que aqueles se apropriaram e foi com ele, finalmente, que encetaram a fuga do local.
Deste modo, sendo evidente que o dito veículo serviu, de forma relevante e essencial à prática do crime de roubo, urge declará-lo perdido a favor do Estado, em conformidade com o disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal.
No que diz respeito ao relógio e isqueiro apreendidos e, bem assim, ao maço de tabaco, não dispomos de elementos que nos permitam estabelecer qualquer conexão entre qualquer um daqueles objetos e os sobreditos crimes de roubo e falsificação, pelo que se determina a sua entrega a quem invocar ser seu dono e a efetivar nos termos e sob as cominações do art. 186º do Código de Processo Penal.
Relativamente ao cartão de cidadão referente ao arguido, determina-se que o mesmo lhe seja entregue, em conformidade com o disposto naquele mesmo normativo legal.
Dispositivo
(…) »

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No presente recurso, o arguido e recorrente vem impugnar a opção do tribunal a quo pela pena de prisão prevista em abstrato para o crime de falsificação qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. e), e nº 3, do Código Penal, por entender dever antes optar-se pela pena de multa prevista em alternativa naquele tipo legal, nos termos do art. 70º do C. Penal. Subsidiariamente, ou seja, a manter-se a opção pela pena privativa da liberdade, o arguido impugna a medida concreta da pena parcelar de 18 meses de prisão aplicada pelo referido crime de falsificação, que entende dever ser próxima do mínimo legal, ou seja, 6 meses de prisão.
O arguido impugna igualmente a medida concreta de 5 anos de prisão aplicada pela prática do crime de roubo qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 202º, al. b), 210º, nº 1, nº 2, al. b), por referência aos arts. 204º, nº 1, al. b) e nº 4, als. a) e f), todos do Código Penal, por entender dever ser-lhe aplicada uma pena próxima do seu limite mínimo, ou seja, três anos de prisão.
A obter provimento quanto à pretendida redução de ambas as penas parcelares de prisão, pretende o arguido que a pena única a aplicar seja de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
De novo subsidiariamente, ou seja, caso não obtenha provimento quanto a nenhuma das pretensões anteriores, pretende o recorrente que seja reduzida a medida da pena única de 5 anos e 6 meses de prisão para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução nos termos do artigo 50º do C. Penal.
Por último, pretende o arguido a revogação da decisão do tribunal a quo que julgou perdido a favor do Estado o veículo automóvel apreendido.
São estas as questões decidir, sem prejuízo das que fiquem prejudicadas pela decisão de outras.
2. Decidindo
2.1. Da pretendida ilegalidade da opção pela pena privativa da liberdade em detrimento da pena de multa igualmente prevista no tipo legal de falsificação, face ao disposto no art. 70º do C.Penal
Alega o arguido a este propósito, que o tribunal a quo deve optar pela pena principal de multa prevista no artigo 256º nº1 do C.Penal em alternativa à pena de prisão até 3 anos igualmente prevista no tipo legal, em atenção aos seguintes fatores relativos ao facto e à pessoa do arguido:
- O crime de falsificação de documentos está intimamente ligado ao crime de roubo, uma vez que o mesmo tinha como objetivo afastar uma possível identificação do arguido pelo cometimento do crime de roubo, cujas consequências são diminutas uma vez que todo o produto alvo de roubo foi restituído ao seu proprietário;
- No que respeita às condições pessoais e económicas, o arguido tem o apoio da sua mulher e respetivos filhos, assim como da restante família, tendo habitação (ainda que arrendada), a mulher recebe o RSI no valor de €300,00 (trezentos euros) mensais, tendo o apoio tanto pessoal como financeiro da restante família, pelo que, se perspetiva que o mesmo venha a arranjar ocupação laboral, ficando, de qualquer forma, numa condição económica que lhe permite viver com o mínimo de dignidade junto da sua família;
- Quanto à conduta anterior ao facto, o recorrente é primário, não tendo antecedentes criminais, pelo que a conduta do arguido anterior aos autos é irrepreensível;
- Tendo em conta a conduta do arguido posterior aos factos, pode dizer-se que a mesma é positiva e colaborante com a justiça, pois confessou parcialmente os factos, ajudando na investigação, sendo que desde o período em que se encontra em reclusão, cumpriu sempre com todas as regras a que foi sujeito de forma ordeira e respeitadora, quer relativamente aos guardas prisionais e demais funcionários quer relativamente aos restantes reclusos.
Vejamos.
2.1.1. – O crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. e) e nº 3, do Código Penal, é punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
Quando o tipo legal preveja em alternativa prisão e multa, o art. 70º do C.Penal consagra a princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade “… sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
O preceito convoca, pois, na sua própria letra e coloca-a no centro da decisão, a questão dos fins das penas, devendo o tribunal dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral e de prevenção especial, que são sobretudo finalidades de ordem positiva, sabido que as finalidades de prevenção negativa são meramente residuais no nosso ordenamento jurídico-penal. Prevenção geral positiva ou integradora, segundo a qual pune-se para manter e reforçar a confiança dos indivíduos no Direito, tendo a pena a função de mostrar a solidez da ordem jurídica face à comunidade jurídica e, por essa via, de reforçar ou fortalecer a confiança jurídica da população. Finalidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, que se traduzem, essencialmente, no propósito de procurar a reintegração do delinquente na sociedade evitando que, desse modo, volte a delinquir, nomeadamente através da disponibilização ao agente de um programa de execução que assente no treino social e no tratamento de ajuda, possibilitando reformas construtivas e evitando a esterilidade prática do princípio da retribuição. - Cfr. Roxin, Derecho Penal, Parte General Tomo I-Fundamentos. A Estrutura da Teoria do Delito, Reimpressão da 1ª edição espanhola de 1997, Madrid-1999 ( tradução da 2ª edição, München, 1994).
Sucede, porém, que, face ao disposto nos artigos 40º e 70º, do C.Penal, também em matéria de escolha da pena principal deve considerar-se, tal como definido há muito por Anabela Rodrigues em matéria de opção e escolha de pena de substituição, que “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial podia ser aconselhável (…) sendo um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.
Que assim é, quanto à prevenção geral [continua a autora], resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda » de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.
2.1.2. Ora, relativamente ao crime de falsificação, o grau de ilicitude do facto é significativamente elevado, impondo especiais necessidades de prevenção geral positiva, dado o uso da matrícula falsa constituir parte do plano para a concretização do roubo (cfr fls 484) e ser efetivamente utilizada na sua execução, permitindo-lhes evitar a identificação do proprietário do veículo por quem pudesse presenciar a utilização daquele no roubo, ao mesmo tempo que se mostraria dificultada a identificação do veículo depois de procederem à remoção das matrículas falsas, passando a circular com a matrícula própria do veículo logo que se afastaram do local da prática do crime (cfr nºs 3 e 13, da factualidade provada).
Assim sendo, contrariamente ao que parece entender o recorrente, a relação “meio-fim” entre os crimes de falsificação e de roubo constitui mesmo a circunstância de maior peso na opção pela pena de prisão, pois dificilmente a pena de multa principal poderia constituir resposta contrafática suficiente e adequada a mostrar a solidez da ordem jurídica face à comunidade jurídica e, por essa via, reforçar ou fortalecer a confiança jurídica da população (prevenção geral positiva – vd supra), pois em casos como o presente, em que a falsificação é diretamente instrumentalizada ao cometimento do crime de roubo, aquele primeiro crime não é dissociável do impacto negativo que o conjunto dos factos assume na comunidade juridicamente organizada.
Quanto à invocada recuperação dos bens subtraídos pelos arguidos, esta terá relevado na determinação da sanção correspondente ao crime de roubo, mas não deve ser duplamente tomada em conta em relação ao crime de falsificação, pelas razões ora expostas, mas também porque o bem jurídico protegido pelo crime de falsificação é a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, e não o património – vd, por todos, Helena Moniz, Comentário Conimbricense ao C. Penal II, p. 685.
No que concerne às demais circunstâncias invocadas pelo recorrente, ou seja, as suas condições pessoais e económicas e a conduta anterior e posterior aos factos, não resulta da factualidade provada que delas decorram menores necessidades de prevenção geral positiva, sendo certo que mesmo que tais fatores fossem significativos do ponto de vista da prevenção especial, sempre as referidas necessidades de prevenção geral positiva ditariam a insuficiência e inadequação da pena de multa, impedindo desse modo a opção pela pena não privativa da liberdade – cfr art. 70º do C.Penal.
No entanto, aqueles fatores não são sequer particularmente significativos na perspetiva da prevenção especial. A ausência de antecedentes criminais e as presentes condições pessoais do arguido não evitaram a prática dos crimes pelos quais vem condenado, sendo certo que o arguido não exercia sequer qualquer atividade remunerada, subsistindo o seu agregado familiar com o RSI. Não resulta, pois, da factualidade provada que a conduta criminosa do arguido seja excecional e, portanto, tendencialmente irrepetível, como parece implicitamente alegado pelo recorrente, sendo certo que também a conduta posterior, a que apela, não é de molde a diminuir a exigência de resposta contrafática firme, como aludido. Não consta da factualidade provada que o arguido tenha confessado os factos ou que se encontre arrependido e da apreciação crítica da prova resulta que apresentou mesmo versão desculpabilizante que contraria a factualidade provada e assente. Quanto à pretensa conduta colaborante com a justiça, ajudando na investigação, não se compreende a que se refere o arguido em face da factualidade provada e assente e dos considerandos expendidos ao longo da fundamentação do acórdão recorrido. Pelo contrário, o que a factualidade provada revela é que apesar de o arguido ora recorrente ter praticado os crimes pelos quais vem condenado conjuntamente com três outros indivíduos, em conjugação de esforços e de intenções, mediante plano previamente concertado entre si, não foi sequer possível identificar aqueles mesmos indivíduos que, assim, terão ficado impunes. Ora, se é indiscutível a liberdade do arguido para colaborar ou não com a justiça, designadamente contribuindo para a perseguição e eventual condenação dos seus coautores, a verdade é que não pode pretender beneficiar na determinação de sanção de colaboração que não prestou.
O comportamento prisional do arguido em nada releva do ponto de vista, da prevenção geral e especial, dado o condicionalismo em que se encontra e o lapso de tempo decorrido.
Concluímos, pois, como referido supra, que não há que revogar a decisão do tribunal recorrido ao optar pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, previstas para o crime de falsificação no art. 256º nºs 1 e 3, do C. Penal
2.2. A medida concreta da pena aplicada pelo crime de falsificação, cuja diminuição foi subsidiariamente pedida pelo recorrente.
Em boa medida pelas razões ora aduzidas, entendemos não merecer censura a medida concreta da pena de 1 ano e 6 meses de prisão fixada pelo crime de falsificação agravado, pois sendo a moldura abstrata estabelecida entre 6 meses e 5 anos de prisão a pena concreta mostra-se adequada à gravidade do ilícito e ao dolo direto, militando a favor do arguido apenas a ausência de antecedentes criminais, pouco relevantes em casos tão graves como o presente. Assim, improcede o recurso também nesta parte.
2.3. Quanto à medida concreta de 5 anos de prisão correspondente ao crime de roubo qualificado, entende o arguido e recorrente que não deve ser-lhe aplicada medida superior a 3 anos de prisão, que corresponde ao limite mínimo da moldura de 3 a 15 de prisão prevista no tipo legal.
Invoca nesse sentido a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido, a reposição da situação patrimonial afetada pelo ilícito típico e a personalidade do arguido, que não revela rebeldia ou habitualidade perigosa.
Sem razão, porém.
Em primeiro lugar, em atenção ao modo de execução do crime, de que cumpre destacar a utilização de veículo automóvel e a ação conjunta dos três arguidos não identificados e do arguido recorrente, circunstâncias que revelam maior gravidade do ilícito, dado o maior desvalor da ação presente no empenho e perigosidade da ação conjunta dos arguidos.
Em segundo lugar, a reposição da situação patrimonial dos lesados não diminui o apontado desvalor da ação, uma vez que aquela reposição ficou a dever-se à intervenção policial e não à vontade do arguido, sendo certo que as menores consequências do crime derivadas da restituição dos bens subtraídos, tal como a lesão de pouca monta dos bens pessoais igualmente tutelados pelo tipo legal de roubo – in casu a liberdade e integridade física – mostram-se já considerados na pena concreta fixada (5 anos), pois considerando o limite mínimo de 3 anos e o limite máximo legalmente previsto (15 anos), a pena concreta teria que ser bem mais elevada se os arguidos lograssem privar definitivamente os lesados dos bens patrimoniais subtraídos e se os referidos bens jurídicos de natureza pessoal fossem atingidos de forma mais intensa.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte, como aludido.
2.4. A pena única.
Conforme resulta do conjunto da motivação e conclusões do arguido recorrente, este sustenta a sua pretensão de que a pena única aplicada em cúmulo jurídico das penas parcelares de 18 meses e 5 anos, de prisão, pelos crimes de falsificação qualificada e roubo qualificado, respetivamente, na ausência de antecedentes criminais por parte do arguido, na reposição da situação patrimonial afetada pelo ilícito típico e na personalidade do arguido, que não revela rebeldia ou habitualidade perigosa.
Tando em conta o expendido a propósito da determinação das penas parcelares ora referidas, não pode concluir-se que da consideração conjunta dos factos e da personalidade do arguido (cfr art. 77º nº1 do C.Penal) resulte que é excessiva a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo tribunal a quo.
A moldura legal da pena única tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares, ou seja 5 anos de prisão, e por limite mínimo a soma de ambas as penas parcelares, ou seja 6 anos e 6 meses de prisão (cfr art. 77º nº2 C.Penal), pelo que a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão mostra-se ajustada à gravidade do conjunto dos factos, tendo em conta as circunstâncias relativas ao respetivo modo de execução e à relação estreita entre os crimes, bem como à personalidade do arguido, que não obstante o enquadramento familiar e a ausência de antecedentes criminais se dispôs à prática do crime de forma relativamente bem organizada e com envolvimento de meios que denotam o propósito de encetar carreira criminosa que a pena concreta deve contrariar.
Assim, o recurso improcede também nesta parte, ficando prejudicada a apreciação da pretendida suspensão da pena única, uma vez que esta fica além do mínimo legal de 5 anos de prisão estabelecido no art. 50º nº 1 do C.Penal.
2.5. A perda do veículo automóvel.
Por último, o arguido pretende ver revogada a decisão que ordenou a perda a favor do Estado do veículo automóvel apreendido.
O recorrente funda a sua pretensão na falta de um dos pressupostos de que o artigo 109º do C.Penal faz depender a perda de bem que tenha servido para a prática de um facto ilícito típico, ou seja, que pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso o bem em causa ponha em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou que, em alternativa, o objeto utilizado na prática de crime ofereça sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Em nosso ver, com razão, tendo em conta o essencial da argumentação jurídica que expende na sua motivação de recurso.
Na verdade, os artigos 109º e 110º do C.Penal regulam a perda de instrumentos e produtos do crime (em contraste com a perda de vantagens de que tratam os arts. 111º e 112º), o que é manifestamente o caso dos autos, pois o veículo automóvel apreendido foi utilizado pelo recorrente e pelos demais coarguidos para praticar o roubo, conforme resulta claramente da factualidade provada, tal como o entenderam, aliás, a decisão recorrida e o ora recorrente.
2.5.1. Ora, o art. 109º C.Penal (aqui aplicável face ao art. 110º C.Penal, porquanto o arguido é (com)proprietário do veículo) exige a perigosidade do objeto cumulativamente com a sua utilização (no que aqui importa) na prática do crime, quer aquela perigosidade se traduza na colocação em risco da segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou em sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos ilícitos típicos e quer aquela mesma perigosidade derive da própria natureza do objeto, quer das circunstâncias do caso.
A perda dos instrumentos e produtos do crime no C.Penal de 1982 tem, assim, caráter preventivo, pois o que está em causa é a prevenção dos riscos decorrentes da disponibilidade de objetos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, são perigosos[3] e não a aplicação de uma qualquer sanção em resposta à prática de crime, o que explica que a medida deva ser tomada mesmo que o agente não seja condenado nem possa sê-lo.
Todavia, a decisão recorrida não se pronuncia sequer sobre a necessidade de verificação deste requisito de ordem material, pois fundamenta a decisão de perda do veículo apenas na sua utilização para a prática do crime por parte do arguido e dos seus coarguidos, o que constitui erro de direito que não obsta a que o tribunal de recurso decida em substituição. Necessário é, porém, que a factualidade provada permita tal decisão, uma vez que a perigosidade do veículo que serviu para a prática do crime, enquanto pressuposto da perda a favor do Estado, não se presume. Há de resultar de caraterísticas próprias do objeto ou de circunstâncias do caso, como aludido.
Ora, no caso concreto não estamos perante coisa in re ipsa perigosa, pois é pacificamente reconhecido que em função das suas caraterísticas um veículo automóvel comum não oferece sério perigo de ser utilizado para o cometimento de futuros crimes, embora possa sê-lo em circunstâncias variadas, sendo certo que no caso sub judice o veículo automóvel utilizado não foi objeto de quaisquer alterações que o tivessem transformado em objeto que pusesse especialmente em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas.
Por outro lado, não consta entre os factos provados que o veículo oferece sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos pelo arguido ou terceiros, nomeadamente algum dos coarguidos, tal como não se referem factos concretos de onde o tribunal de julgamento pudesse ter retirado essa conclusão, omissão que já se verificava na acusação, sendo certo que a factualidade provada apenas permite colocar meras hipóteses sobre a eventual utilização futura do veículo pelo recorrente ou terceiros que, por não se mostrarem confirmadas pelos factos pertinentes, não se confundem com a prognose positiva sobre a verificação do risco exigida pelo art. 109º nº1 do C. Penal.
Na verdade, apesar de poder afirmar-se genericamente que quem utiliza um objeto para a prática de um crime pode voltar a fazê-lo, a referência do art. 109º nº1 às circunstâncias do caso exige algo mais. Nomeadamente, que algum ou alguns dos fatores relativos ao tempo, lugar e modo de cometimento do crime, à motivação dos respetivos agentes ou, especificamente, fatores relativos à aquisição do bem ou à sua utilização, permitam a prognose fundamentada de que o bem já utilizado (no que aqui importa) para a prática de um crime venha a sê-lo de novo, quer pelo mesmo agente, quer por outros coarguidos, quer por terceiros.
Em todo o caso, como aludido, a perigosidade prognosticada deve assentar em factos e juízos concretamente apurados e formulados pelo tribunal, sejam eles relativos ao facto, ao agente, ao bem utilizado, ou a todos ou alguns destes fatores, como sucederá na generalidade dos casos, dado que, como aludido, a perigosidade do objeto a que se reporta o art. 109º do C.Penal, constituindo um requisito ou pressuposto da perda bens aí regulada não se presume.
Assim, concluímos que não obstante o veículo apreendido ter servido para a prática de um facto ilícito típico, não resulta da factualidade provada que se verifique sério risco de o mesmo vir a ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, quer por ser intrinsecamente perigoso, quer em função das circunstâncias do caso, pressuposto material exigido pelo art. 109º do C. Penal para a perda de bens aí regulada, pelo que a perda daquele a favor do estado viola o preceituado neste mesmo art. 109º do C.Penal, impondo-se a revogação da decisão respetiva.
Procede, assim, o recurso nesta parte, improcedendo quanto ao mais.


III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, DFS, revogando-se a decisão recorrida na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula (....), apreendido nos autos, decidindo em substituição que aquele veículo seja oportunamente entregue ao arguido recorrente ou a quem mais pertença, nos termos dos artigos 109º do C. Penal e 374º nº3 c) do C.P. Penal.
Mantém-se no mais o acórdão condenatório.
Sem custas, dado que o arguido não decaiu totalmente no recurso – Cfr art. 513º do CPP.

Évora, 7 de abril de 2015
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)


António João Latas

Carlos Jorge Berguete

Fernando Ribeiro Cardoso (Presidente da secção criminal)

__________________________________________________
[1] Vide José de Faria Costa, em anotação ao art. 204º, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 79-80.
[2] In, Colectânea de Jurisprudência, Acs. Do STJ, Ano XII, Tomo I/2004, pág. 201.
[3] João Conde Correia, ob. cit. p. 70