Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
260/14.0TBBJA.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: BENFEITORIAS
ACESSÃO INDUSTRIAL
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa, em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.
2. O comproprietário não pode destruir a benfeitoria necessária realizada no bem comum por outro comproprietário, sob pena de incorrer em responsabilidade civil nos mesmos termos daquele que danifica coisa alheia.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa, em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.
2. O comproprietário não pode destruir a benfeitoria necessária realizada no bem comum por outro comproprietário, sob pena de incorrer em responsabilidade civil nos mesmos termos daquele que danifica coisa alheia.

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Competência Genérica de Ourique, foi julgada improcedente a acção proposta por (…) e marido (…), contra (…), na qual se pedia a condenação desta no pagamento da quantia de € 7.930,70, por ter retirado o telhado que os AA. haviam reparado em imóvel identificado nos autos.

Da sentença vem interposto recurso pelos AA., que concluem:
A) Pelo aludido pode-se concluir pela argumentação aludida que a Ré praticou um acto ilícito e culposo, punível à luz do direito das obrigações, artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes do Código Civil.
B) Fê-lo na convicção de que estava a exercer um direito absoluto de propriedade. Porque estava convencida que aquela parte do prédio também lhe pertencia.
C) Ficou demonstrado nos autos que aquela parte do prédio está ao abandono, causando cada vez mais destruição, levando que o mesmo fique em ruínas.
D) Deve a Ré indemnizar os AA., a fim de reparar os danos sofridos por estes, nos termos das normas jurídicas supra mencionadas.
E) Ficou patente que os outros co-herdeiros testemunhas não se opuseram à reparação daquela parte do prédio, porque a sua convicção sempre foi que era pertença dos AA., por respeito ao acordo verbal entre os seus antepassados.
F) Até acharam por bem que a parte do prédio dos AA. fosse reparado, a fim de o mesmo ser conservado.
G) Aliás a Ré, de forma errónea, considera-se até dona de todo o imóvel indiviso.
H) A Ré praticou um acto ilícito, e esta atitude conduz naturalmente a uma situação não querida pelo direito; como acto ilegal e violador do direito.

Não foi oferecida resposta.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da modificação da decisão de facto:
Permitindo o art. 662.º do Código de Processo Civil que a Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, está consagrada na lei adjectiva a efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Ora, a primeira instância considerou provado, no ponto 1 da matéria de facto, que “a propriedade indivisa do prédio urbano (identificado nos autos), encontra-se inscrita, entre outros, a favor de AA. e Ré (…)”. Porém, importa pormenorizar as inscrições que incidem sobre o mencionado prédio, de modo a melhor esclarecer o regime de titularidade a que o mesmo se encontra sujeito, tanto mais que se encontra junta aos autos cópia não impugnada da respectiva descrição predial.
Assim, o ponto 1 da matéria de facto é alterado nos termos que adiante se descrevem.

A matéria de facto fica assim estabelecida:
1) Sobre o prédio urbano sito na Rua (…), n.º (…), em Aljustrel, com a área total de 252,00m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljustrel sob o n.º (…), incidem as seguintes inscrições:
- por ap. de 30.10.1986, a aquisição de metade, por compra, a favor da Ré e do seu marido, casados na comunhão geral;
- também por ap. de 30.10.1986, a aquisição de uma quota de 2/12, por sucessão com adjudicação em inventário, a favor da Ré e de (…), casada na separação de bens;
- por ap. de 14.01.1987, a aquisição de uma quota de 1/12, por sucessão por morte, sem determinação de parte ou de direito, a favor de terceiros;
- também por ap. de 14.01.1987, a aquisição de uma quota de 1/12, por sucessão por morte, a favor de terceiros;
- por ap. de 20.03.2007, a transmissão da posição da supra mencionada (…), por sucessão hereditária, sem determinação de parte ou de direito, a favor dos AA. e de um terceiro;
2) O prédio referido em 1. tem sido ocupado parcialmente pela A., e anteriormente pela sua mãe.
3) Os AA. fizeram obras de remodelação na parte do prédio que ocupam, colocando telhado com telha tipo lusa, substituindo o anterior que estava muito degradado, e executaram rebocos interiores e exteriores e canalizações de água e esgotos.
4) A Ré, em Maio de 2012, mandou retirar o telhado da parte ocupada pela A. e que havia sido alvo de reparações.

APLICANDO O DIREITO
Da qualificação das obras efectuadas pelos AA. e da obrigação de indemnização
Estando apurado que os AA. executaram obras de remodelação em parte do prédio, colocando telhado com telha tipo lusa, substituindo o anterior que estava muito degradado (foi esta a parte da obra que a Ré retirou, não se apurando a destruição dos rebocos e das canalizações, facto que os AA. nem alegam), cabe apurar que tipo de benfeitorias estão aqui em causa, sendo certo «a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa, em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.»[1]
Estando apurado o estado de degradação do anterior telhado, com o consequente risco de ruína do imóvel (ou da parte do imóvel coberta por esse telhado), pode-se concluir que a obra executada pelos AA., de substituição desse telhado, configura uma benfeitoria necessária, uma vez que se destinava a evitar a destruição ou deterioração do imóvel (ou da parte por ele coberta) – art. 216.º, n.º 3, do Código Civil. Na verdade, “necessárias (…) são aquelas (despesas) sem as quais a coisa pereceria, ou se deterioraria, ou de qualquer modo não poderia já servir, qualitativamente ou quantitativamente, para o uso a que estava afectada”[2], e tal justifica que se qualifique a obra levada a cabo pelos AA. como benfeitoria necessária.
Ora, de acordo com os arts. 1273.º, n.º 1 e 1274.º do Código Civil, tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, sendo essa obrigação de indemnização susceptível de compensação com a responsabilidade do possuidor por deteriorações.
Se é certo que a comunhão hereditária não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, importa notar que o prédio dos autos se encontra sujeito ao regime da compropriedade, com quotas determinadas atribuídas aos respectivos titulares (entre eles a Ré, que adquiriu uma quota de metade do prédio, por compra, e lhe foi adjudicada em inventário mais outra quota de 1/12), ocorrendo a comunhão hereditária apenas no que concerne à titularidade de algumas das outras quotas.
Estando determinado que a obra de reparação do telhado constituía uma benfeitoria necessária, era obrigação da Ré contribuir, na proporção da respectiva quota (e, recorde-se, ela é titular de uma quota de metade e co-titular de uma outra quota de 2/12 no imóvel), para as despesas necessárias à conservação do imóvel – art. 1411.º, n.º 1, do Código Civil. E visto que o imóvel não lhe pertence por inteiro, não podia proceder à destruição da benfeitoria necessária realizada por outro comproprietário, sob pena de incorrer em responsabilidade civil nos mesmos termos daquele que danifica coisa alheia, pois os direitos que pertencem ao proprietário singular são exercidos em conjunto pelos comproprietários – art. 1405.º, n.º 1, do Código Civil.
E não se argumente que os AA., por não estarem acompanhados dos demais comproprietários, não podem obter da Ré a indemnização devida pela destruição da benfeitoria realizada no imóvel. Sendo as benfeitorias necessárias “encargos (…) que, destinados a garantir de algum modo as utilidades que a coisa presta, revertem em proveito de todos os comproprietários e, por isso, justificam o regime da comparticipação obrigatória imposta por lei”[3], a Ré não só tinha a obrigação de comparticipar na obra na proporção da respectiva quota como, tendo-a destruído, constituiu-se na obrigação de indemnizar o comproprietário pelo custo que este teve de assumir para evitar a deterioração ou destruição da coisa comum.
Ponderando que a obra de reparação do telhado foi executada pelos AA., e não tendo sido apurado qual o custo dessa obra, far-se-á a condenação no que vier a ser liquidado – art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com limitação ao valor máximo indicado na petição inicial (€ 3.964,85).

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, com condenação da Ré a pagar aos AA. o custo de reposição do telhado retirado em Maio de 2012, em valor a liquidar no competente incidente, com o limite máximo de € 3.964,85.
Custas em partes iguais.

Évora, 25 de Maio de 2017

Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira

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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, pág. 163.
[2] Mesmos autores, loc. cit., pág. 384.
[3] Ainda os mesmos autores, loc. cit. e mesma página.