Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
302/11.0TBALR.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: CITAÇÃO POR VIA POSTAL
NULIDADE DA CITAÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1 – No caso da citação via postal, conforme decorre da lei, o prazo de defesa não deixa de começar a contar desde a data da assinatura do A/R por terceiro, não relevando para o inicio e contagem do prazo a receção da carta registada de advertência, dado que esta não consubstancia uma segunda ou dupla citação, mas antes uma diligência complementar e cautelar de prever uma espécie de confirmação da citação oportuna e validamente realizada, em casos de presumível menor segurança e certeza na consumação do efetivo conhecimento pelo réu dos elementos essenciais do ato.
2 - No entanto, o envio “tardio” ao citado da carta de advertência, que traduz uma irregularidade formal, pode ter consequências, designadamente quando essa carta é enviada já depois de findo o prazo de defesa (no caso 20 dias) contado desde a assinatura do aviso de receção pelo terceiro e já acrescido do prazo de dilação (no caso 5 dias (artº 245º n.º 1 al a) do CPC).
3 – Por isso, a remessa tardia da carta de advertência enviada no dia em que terminava o prazo para apresentação da contestação, contado da assinatura do aviso de receção pelo terceiro que recebeu a carta de citação, acrescida da dilação, permitia aos demandados a possibilidade de no prazo de 10 dias após a receção da carta de advertência suscitarem a ilisão da presunção de oportuna entrega da carta de citação ou de arguir a falta de citação, alegando que o terceiro não cumprira o seu dever de pronta entrega.
4 – Tendo sido apresentado requerimento pelos citados, no prazo de 10 dias após a receção da carta de advertência, com o intuito de ilisão da presunção de oportuna entrega da carta de citação e de arguição da falta de citação, alegando que o terceiro não cumprira o seu dever de pronta entrega, não pode o Juiz deixar de apreciar o mesmo, não sendo de acolher o entendimento que o requerimento de arguição era extemporâneo, por ter sido apresentado quando se encontrava já ultrapassado o prazo para a contestação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA, BB, CC e DD, instauraram ação declarativa contra EE, e marido FF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém – J2), alegando factos que em seu entender são tendentes a peticionarem:
a) Se declare que as autoras adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua …, n.º …-A, freguesia e concelho de Alpiarça, com a área de 196,25 m2, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/Alpiarça, que ocorreu, pelo menos, no ano de 1973, julgando-se nulos os atos praticados após tal por terceiros e que tiverem por objeto o prédio;
b) Se condenem os réus a reconhecer esta aquisição a favor das autoras e absterem-se de o violar.
c) Se ordene à C.R.P. de Alpiarça a retificação da descrição predial n.º …/Alpiarça, no respeitante à área, de modo a que passe a constar que o prédio tem 196,25 m2, nos termos do art.º 8.º Código do Registo Predial.
d) Se condenem os réus a pagarem às autoras a quantia de 13.950 euros e a indemnização vincenda à razão de 75 euros mensais, desde a presente data e até ao pagamento da primeira quantia peticionada, bem como os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação.
Em 16/03/2011 foram expedidas cartas registadas com A/R para citação de cada um dos réus, nas quais se fez constar designadamente o seguinte:
Nos termos do disposto no art.º 236.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 20 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es).
Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 0 dias.
No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Recepção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.ºs 236.º e 252.º - A do CPC).
A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR.
O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos.
Os avisos de receção respeitantes às cartas enviadas para citação foram rececionados no tribunal em 23/03/2011, com a menção de que a entrega fora feita no dia 17/03/2011, mas não na própria pessoa dos réus, tendo, por isso, em 11/04/2011 sido enviadas aos réus (rececionadas por estes em 13/04/2011) cartas registadas nas quais se fez constar o seguinte:
Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa
Nos termos do disposto no art.º 241.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.
O Prazo para contestar é de 20 Dias.
Àquele prazo acresce uma dilação de:
􀂷 0 dias por a citação ter sido efectuada em comarca diferente daquela onde correm os autos;
􀂷 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa..
A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo (s) Autor(es).
O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Por requerimento de 14/04/2011, vieram os réus arguir a nulidade da citação no qual concluem “Termos em que se requer a V. Excelência a nulidade da citação nos termos do artigo 198º do CPC, com as legais consequências, citando-se os réus e concedendo-se novo prazo para que apresentem a sua contestação”.
As autoras no exercício do contraditório defenderam que “o prazo de contestação há muito se encontra esgotado.”
Em 10/12/2012 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“A omissão e a extemporaneidade do envio da carta a que alude o artigo 241.º do CPC, como nulidade prevista no artigo 198º não é de conhecimento oficioso e impõe a sua arguição pelo interessado no prazo estabelecido no nº 2 deste último preceito, ou seja, no prazo indicado para a contestação.
O termo do prazo para contestar a presente ação, com a dilação aplicável, ocorreu em 11/04/2011. Efetivamente, o prazo de defesa não se suspende nem deixa de começar a contar desde a data da assinatura do aviso de receção por terceiro, a que acresce o prazo de dilação de 5 dias, ainda que a carta de notificação a que se reportam art.º 241º do CPC, não seja expedida ou recebida nos prazos legais (Ac. do TRE, de 25/10/2007, proc. 1952/07-3, relator: Mário Serrano, disponível em www.dgsi.pt).
O requerimento de arguição da nulidade entrou em Juízo em 14.04.2011 ou seja, no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo.
Face ao exposto, cumpra-se o disposto no artigo 145.º, n.º 6, do CPC.”
Em 14/01/2013 vieram os réus apresentar reclamação defendendo que não havia lugar ao pagamento de qualquer multa ou penalização, devendo o requerimento de 14/04/2011, mas, se assim não for entendido, que se dispensem do pagamento da multa ou então que se passem novas guias.
Em 28/10/2014 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Por requerimento datado de 14/04/2011 (fls. 63-70) vieram os RR. requerer a declaração de nulidade da citação nos termos do art. 198.º do C.P.C.
Conforme exposto na decisão de 13/12/2012, uma vez que a arguição daquela nulidade entrou em juízo no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, há lugar ao pagamento da multa prevista no art. 145.º n.º 6 do C.P.C., tendo os RR. sido notificados para esse efeito.
Vieram os RR. reclamar deste despacho sustentado a sua reclamação, em suma, na circunstância de estar em causa uma nulidade de conhecimento oficioso, a falta de citação, pelo que não seria devida aquela multa, ao que acresceria a circunstância de alegarem agora só terem tido conhecimento da acção a 13/04/2011, razão porque sempre teriam o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade.
Sucede no entanto que não poderá proceder a reclamação apresentada pelos RR. uma vez que, contrariamente ao que agora invocam, o seu requerimento inicial e sobre o qual caberia decidir se reporta à nulidade prevista no art. 198.º (inobservância das formalidades prescritas na lei) que não se confunde com a falta de citação prevista no art. 194.º e 195.º, sendo o prazo de arguição evidenciado na primeira parte do n.º 2 do art. 198.º (não tendo lugar nos presentes autos a aplicação da segunda parte desta norma), resultando ainda do art. 202.º do C.P.C. a exclusão do conhecimento oficioso da mesma. Assim sendo, recaindo o requerimento cuja apreciação os RR. requerem sobre uma nulidade nos termos do art. 198.º, inexiste qualquer fundamento legal para alterar a decisão proferida a fls. 84.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se totalmente improcedente a reclamação do despacho de fls. 84.
Custas pelo incidente anómalo pelos RR., cuja taxa de justiça se fixa em 1 UC (art. 7.º n.ºs 4 e 8 e tabela II anexa do R.C.P.).
***
Compulsados os autos constata-se que os RR. foram notificados nos termos e para os efeitos do art. 145.º n.º 6 do C.P.C. conforme guia constante de fls. 85, com o termo do pagamento fixado a 14/01/2013.
Decorrido o respetivo prazo, não procederam os RR. ao devido pagamento, não tendo ocorrido qualquer causa suspensiva daquele prazo.
Isto posto, constata-se que, conforme havia já sido consignado a fls. 84, o prazo para contestar a presente ação terminou a 11/04/2011. O requerimento de arguição de nulidade entrou em juízo a 14/04/2011.
Notificados os RR. para procederem ao pagamento da multa prevista no art. 145.º do C.P.C., os mesmos não a pagaram.
Em face do exposto, conclui-se que o requerimento de arguição de nulidade nos termos e para os efeitos do art. 198.º do C.P.C., por ter sido apresentado quando se encontrava já ultrapassado o prazo para a contestação (art. 198.º n.º 2 primeira parte), se revela extemporâneo e, consequentemente, inadmissível.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, juga-se inadmissível o requerimento de fls. 63 a 70 por extemporâneo.”
Não tendo sido apresentada contestação foram os factos articulados pelos autores considerados confessados.
As partes apresentaram alegações.
Posteriormente, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, em consequência, decido:
a) Declaro que as autoras AA, BB, CC e DD adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua …, n.º …-A, freguesia e concelho de Alpiarça, com a área de 196,25 m2, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/Alpiarça, julgando-se nulos os atos praticados após tal por terceiros e que tiverem por objeto o prédio;
b) Condeno os réus EE, e marido FF a reconhecerem aquela aquisição a favor das autoras e absterem-se de o violar.
c) Ordeno à Conservatória do Registo Predial de Alpiarça a retificação da descrição predial n.º …/Alpiarça, no respeitante à área, de modo a que passe a constar que o prédio tem 196,25 m2.
d) Condeno os réus a pagarem às autoras a quantia de € 12 650,00 (doze mil seiscentos e cinquenta euros), a título de danos morais e patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
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Custas pelas autoras e pelos réus na proporção do respetivo decaimento – art.º
527.º do Código de Processo Civil.”
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Irresignados com sentença final, bem como com o despacho proferido em 28/10/2014 vieram os réus interpor recurso, tendo apresentado as respetivas alegações, concluindo por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
- No que se refere à alegada nulidade da citação -
1. É através das notificações remetidas pelo Tribunal Judicial de Almeirim, nos termos do 241º do CPC (e só por estas), que os Réus têm conhecimento que contra eles corre a presente ação.
2. No entanto, o prazo previsto para o envio, pela secretaria, da referida missiva não foi respeitado, já que a secretaria a expediu por correio registado para os RR no dia 11 de Abril de 2014, decorridos vinte cinco dias sobre a data da citação, que ocorreu em 17 de Março de 2011.
3. A inobservância do prazo previsto no art. 241° do CPC, traduz-se num desvio de formalismo prescrito na lei, que gera a nulidade da citação nos termos previstos no art. 198°, n° 1 do CPC.
4. Obviamente que neste caso concreto, há relevante preterição de formalidades porque a secretaria envia a carta registada a que se refere o art.º 241º no último dia do termo do prazo para a contestação, não possibilitando aos Réus o exercício do contraditório.
5. Que diferença há entre não enviar a carta registada e ter sido enviada de tal modo tarde que quando rececionada pelos RR. já tenham decorrido todos os prazos de que poderia dispor para exercer a sua contestação - o prazo de 20 dias da contestação, a dilação de cinco dias e dois dos três dias úteis subsequentes para contestar mediante o pagamento de multa?
6. Em ambos os casos todos os interesses que a lei visa salvaguardar se mantêm sob o risco inerente ao exclusivo cumprimento das formalidades da citação mediante o envio da citação postal que sabe o tribunal ter sido feito em terceira pessoa e que não há garantia do conhecimento por parte do citado.
Quis o legislador considerar insuficiente aquela citação quando não seguida da advertência registada posterior em tempo útil.
7. Refere-nos ainda o nº 4 do artigo 198º que “a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
8. Aqui, bastar-se-iam os elementos contidos nos autos para se concluir da impossibilidade dos RR. contestarem a ação contra eles proposta, que aliás, desconheciam sequer o pedido, quanto mais a fundamentação.
9. Nunca é demais salientar, que até hoje os RR. não receberam a Petição Inicial, apenas a conhecendo porque posteriormente a mandatária consultou o processo no Tribunal de Almeirim.
10. É pois evidente, pela própria natureza da restrição e da sua concreta extensão que os RR ficaram efetivamente prejudicados na sua defesa.
11. Atenta a data da citação, o termo do prazo para contestar a ação, acrescido da dilação aplicável (5 dias), ocorreu em 11 de Abril de 2011, data em que saiu do tribunal a notificação nos termos do artigo 241º.
12. Recebem a notificação em 13 de Abril de 2014, cujo teor apenas conhecem na primeira consulta com a mandatária, que ocorreu em 14 de Abril de 2011 pelas 17,00 horas.
13. De imediato foi requerida a nulidade da citação, ainda sem conhecer o teor da ação.
14. Foi reclamada a nulidade da citação por preterição das formalidades legais, nos termos do artigo 198º, e
15. Ilidida a presunção da entrega da carta, por facto que não lhes é imputável, arguindo a falta (nulidade) da citação, nos termos dos artigos 194º, alínea a) e 195º, alínea e) ambos do CPC, e consequentemente a necessidade da repetição do ato.
16. No caso em apreço - a nulidade da falta de citação – pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, conforme os artigos 202º e 206º do CPC, ainda que sem reclamação pelo interessado, porque a reclamação dos citandos não se consubstanciava unicamente na “omissão ou extemporaneidade do envio da carta a que alude o artigo 241º do CPC” (nulidade prevista no art. 198º), mas também no desconhecimento, até aquela data, “do ato de citação, por facto que não lhes seja imputável”.
17. Os RR só têm conhecimento da citação e do conteúdo desta com a receção da carta a que alude o artigo 241º, rececionada por estes em 13.04.2011, devendo então considerar-se que é a partir desta data que se inicia o prazo para a contestação, concluindo-se por essa forma que a nulidade da citação foi arguida em prazo.
18. Mas mesmo que assim se não entendesse e concluindo o Mmo. Juiz a quo que tal requerimento era extemporâneo, sempre teria de analisar a questão suscitada pelos RR. referente ao justo impedimento.
19. Nos termos do disposto no art. 146º do CPC e face ao alegado pelos RR e à documentação constante nos autos, tendo os RR. conhecimento da citação e da notificação nos termos do 241º apenas no dia 13.04.2011, conforme facilmente se comprova do registo junto aos autos, é absolutamente inequívoco que os RR não poderiam ter praticado o ato dentro do prazo da contestação, por facto que notoriamente não lhe é imputável.
20. Estamos pois claramente perante um justo impedimento, devendo pois o Mmo. Juiz a quo considerar o requerimento apresentado.
21. À cautela, no mesmo requerimento, requereram os RR. a dispensa da multa, nos termos do artigo 145º, nº 7 do CPC, por se considerar manifestamente desproporcionado face ao caso concreto e profundamente injusto e contrário aos direitos liberdades e garantias do cidadão.
22. Mais uma vez esta questão também não foi objeto de apreciação pelo Mmo. Juiz, limitando-se unicamente a considerar tal requerimento inadmissível e extemporâneo, não apresentando qualquer fundamentação.
23. Estão desta maneira a ser preteridos os direitos dos RR. em se poderem manifestar contra o despacho que lhes aplica a multa. Já que após a sua reclamação, o tribunal a quo, ainda que considerando não terem razão os RR, não lhes possibilitou o pagamento da multa, indeferindo de imediato o requerimento, sem lhes conceder o direito de, indeferida a sua reclamação, poder efetuar o pagamento da multa, como aliás requereram.
24. Não poderemos deixar de concluir que se encontra violado o acesso ao direito e à efetiva tutela jurisdicional por parte dos réus, direito com consagração constitucional no art. 20º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e vertido na lei ordinária, designadamente através do princípio do contraditório e de igualdade das partes consignados, respetivamente, nos artigos 3º e 3º-A do Código do Processo Civil, o que desde já e para todos os efeitos legais se invoca.
25. Com a presente decisão em que se julga inadmissível, por extemporâneo, a arguição da nulidade da citação, e considerando-se regularmente citados os RR, a falta da contestação, implica a confissão dos factos articulados pelos AA, o que traria gravíssimos prejuízos aos RR por uma omissão que não lhes poderá de forma nenhuma ser imputada.
- Quanto ao mérito da ação -
26. Os Réus são proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Alpiarça sob o nº …/… da freguesia de Alpiarça, aquisição registada em 10.02.2010, sito na Rua …, nº …, Alpiarça.
27. As Autoras arrogam como seu o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Alpiarça sob o nº …/… da freguesia de Alpiarça, aquisição registada em 27.08.2010, sito na Rua …, nº …-A, Alpiarça,
28. Este prédio foi inscrito como novo e não tem qualquer proveniência no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….
29. As Autoras não impugnam a veracidade/ legalidade do registo dos Réus.
30. O artigo 7º do Código do Registo Predial estabelece que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao seu titular, nos precisos termos em que este o define.
31. Os RR. tinham já registado a seu favor o prédio urbano descrito sob o nº …/ Alpiarça, pelo que, face à lei, se presumia a sua propriedade.
32. As AA. não ilidiram a presunção de que este prédio não pertencia aos RR.
33. O registo do prédio das AA foi efetuado em 27.08.2010, posteriormente ao registo dos RR.
34. Existindo inscrições no registo predial de direitos incompatíveis incidentes sobre o mesmo prédio, prevalece o direito que foi inscrito em primeiro lugar, nos termos do artigo 6º/1 do Código do Registo Predial - princípio da prioridade do registo, ou seja, o dos RR.
35. E o tribunal a quo não fundamentou a sua decisão, de ignorar este princípio.
36. Afastada a nulidade de qualquer dos registos, tendo presente o pedido das Autoras, por indemonstração da falsidade do registo a favor dos RR., e constatado que o registo a favor destes (2010/04/20) é anterior ao registo a favor das AA. (2010/08/27), abriu-se o caminho à consideração da realidade em causa no primeiro dos dois registos, ou seja, ao funcionamento da regra da prioridade decorrente do artigo 6º do Código Registo Predial – esta funciona aqui como regra de decisão face a uma situação de incerteza, sendo que no caso de concorrência de registos incompatíveis sobre o mesmo bem, a que prevalece é a correspondente ao primeiro registo, e não a que resultaria do último registo incompatível.
37. Mas em abono da verdade também se diga que, da prova carreada, não se poderá retirar que estamos perante direitos incompatíveis ou sequer a falar sobre o mesmo prédio físico.
38. Não existe prova que fundamente a decisão de retificação da área do prédio dos Réus e o tribunal a quo também não fundamentou, conforme lhe competia essa decisão.
39. O mesmo aconteceu com o facto de declarar adquirida a propriedade das AA com base no registo predial, descurando que os RR também têm o seu prédio registado e em momento anterior.
40. A falta de fundamentação da sentença, quando esta não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, implica a sua nulidade, o que desde já para todos os efeitos legais aqui se invoca.
41. A decisão do Mmo. Juiz a quo fez tábua rasa dos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, bem como do Código do Registo Predial, violou o dever de fundamentação.
*
Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, as questões em apreciação são as seguintes:
1ª – Da nulidade da citação;
2ª – Da nulidade da sentença e da (in)adequada subsunção dos factos ao direito aplicável.

Com vista a apreciar as questões há que ter em conta o factualismo supra descrito no Relatório, que nos dispensamos de transcrever de novo, bem como o que resultou provado em face da confissão dos factos articulados pelos autores, que passamos a reproduzir:
1. Manuel … e mulher Leonarda … (ou Leonarda …), casados no regime da comunhão geral, residentes em Alpiarça, eram donos e legítimos possuidores do prédio rústico, constituído por um talho de terreno de semeadura, sito na Rua da …, freguesia e concelho de Alpiarça, medindo de frente 12,10 metros e no fundo 11 metros, a confrontar do norte com Silvério …; do sul com José …; do nascente com Manuel …e João … e do poente com Rua da ….
2. Nesse talho de terreno encontravam-se construídas umas casas com um andar, um vão, em compartimento, com 14 m2 de superfície coberta e pátio com 84 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º …, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….
3. Detiveram e fruíram o prédio, ininterruptamente, à vista de todos, sem violência e sem oposição de quem quer que fosse e ignorando lesar direitos de outrem, cultivando-o, retirando os frutos e suportando os respetivos encargos, durante, pelo menos, 30 ou 40 anos.
3. Após o óbito destes (a mulher faleceu em 04.11.1941 e o marido em 19.02.1956), os seus herdeiros (filhos e netos) continuaram a deter e fruir o prédio no mesmo modo dos antecessores, o que sucedeu até à partilha do mesmo.
4. Na 1.ª Secção, 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém correram termos os autos de inventário obrigatório n.º 24/71 por óbito daqueles, tendo o identificado prédio sido adjudicado em comum e na proporção de ½ para cada um dos interessados:
- Ana …, casada em comunhão geral de bens com Manuel …, residentes na Rua …, n.º … (mais corretamente: n.º …-A), em Alpiarça; e
- Joaquim …, casado em comunhão geral de bens com Carolina …, residentes em Alpiarça.
5. Logo após o findar do inventário, com a sentença homologatória da partilha de 04.04.1973, aqueles mediram o prédio e procederam à sua divisão em dois novos prédios, com áreas iguais, tendo “demarcado” os mesmos por meio da construção duma parede na parte do fundo do prédio e na restante linha divisória até à rua colocaram um tapume de canas e diversas estacas de madeira, estacas estas que rebentaram e fizeram nascer duas ou três oliveiras, ainda hoje existentes na dita linha/extrema, e, ainda, o logradouro da parcela A, infra referida, foi cimentado até ao limite da linha divisória, bem como, na linha, foi implantado um marco para instalação do contador da água para o prédio das autoras.
6. Cada um desses prédios ficou com 6,05 metros de frente para a rua e com cerca de 5 metros no fundo, tendo de comprido cerca de 37 metros.
7. Um deles (a parcela A do documento de fls. 36) ficou com as seguintes confrontações: norte com Silvério …; sul com parcela B; nascente com Manuel …e João … e poente com Rua … (antes Rua da …).
8. O outro (a parcela B do documento de fls. 36) ficou com as seguintes confrontações: norte com parcela A; sul com José …; nascente com Manuel … e João … e poente com Rua … (antes Rua da …).
9. Na dita parcela A, sita na Rua …, n.º …, encontravam-se construídas as casas de habitação onde residia Joaquim … e mulher e ficou a ser detida e usufruída exclusivamente por estes, ficando-lhes a pertencer.
10. Na dita parcela B, sita na Rua …, n.º …-A, existiam umas casas de r/c para habitação, compostas por um quarto, cozinha, despensa e logradouro, com a área coberta de cerca de 48 m2, as quais tinham sido edificadas em inícios da década de 1940 por Ana … e marido Manuel … e onde, desde então, passaram a residir, com os filhos.
11. A ora autora AA, que nasceu em 1941, aí viveu desde os cerca de 3 anos de idade.
12. Esta parcela ficou, em virtude da citada divisão, a pertencer-lhes, sendo certo que o prédio (que se encontrava “omisso há mais de 5 anos”) veio a ser inscrito na matriz no ano de 1988, cabendo-lhe o artigo …, urbano.
13. Desde, pelo menos, o ano de 1973, Ana … e marido passaram, pois, a deter e a fruir exclusivamente o prédio urbano sito na Rua …, n.º …-A, composto de casas de r/c para habitação, compostas por um quarto, cozinha, despensa e logradouro, com a área coberta de cerca de 48 m2, aí comendo, dormindo, recebendo familiares, amigos e correspondência e fazendo toda a sua vida doméstica, suportando todos os encargos inerentes (com reparações, pinturas, contribuições, …).
14. No logradouro ou quintal do prédio possuíam uma horta que amanhavam e onde cultivavam batatas, feijão, couves, cebolas e outros produtos hortícolas, bem como plantaram árvores de fruto que igualmente tratavam, suportando os custos e fazendo seus os frutos e utilidades.
15. Tal detenção e fruição tiveram lugar sem quaisquer interregnos, à vista e com conhecimento de todos, pacificamente, ou seja, sem violência e sem oposição de quem quer que fosse e ignorando lesar direitos de outrem e sempre na convicção de exercerem um direito próprio.
16. Fizeram-no, em conjunto, até 18.09.1993, data em que faleceu o cônjuge marido.
17. A partir dessa data, Ana …, no estado de viúva, continuou a deter e fruir o prédio, do mesmo modo.
17. Fê-lo até 23.05.2003, data em que faleceu.
18. Estes (Ana e marido) deixaram como herdeiros seus filhos: Manuel …, casado em comunhão geral com BB, e AA, casada em comunhão de adquiridos com Joaquim ….
19. Entretanto faleceu Manuel … que deixou como herdeiras a viúva BB e as filhas CC e DD, ambas casadas sob o regime de comunhão de adquiridos.
20. Na continuação dos seus antecessores falecidos, passaram a deter e a fruir o prédio, ininterruptamente, à vista de todos, sem violência e sem oposição de quem quer que fosse e ignorando lesar direitos de outrem.
21. Utilizando, tratando e limpando as casas, amanhando e cultivando a horta, curando e tratando das árvores de fruto, como coisa própria, daí retirando os frutos e utilidades e suportando os respetivos encargos e praticando os poderes de facto inerentes ao direito de propriedade plena.
22. Pela apresentação n.º 4616, de 27.08.2010, os sujeitos identificados em 18 e 19 fizeram registar a seu favor (como prédio distinto de qualquer outro), em comum e sem determinação de parte ou direito, o identificado prédio urbano sito na Rua …, n.º …-A, inscrito na matriz sob o artigo …, ficando descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/Alpiarça.
23. Consta na matriz e na descrição predial que o prédio tem a área de 234 m2, que era aproximadamente a sua área original, sendo que atualmente a área correta é de 196,25 m2, diferença esta motivada pelo facto de há anos ter sido alargada a rua e construído um passeio que retirou área ao prédio.
24. Por óbito de Joaquim … e mulher Carolina …, donos da supra referida parcela A, ou seja, do prédio sito na Rua …, n.º 99, sucedeu-lhe como herdeira, a filha, EE, ora ré.
25. A ré apresentou em 10.02.2010 no Serviço de Finanças de Alpiarça um modelo 1 do IMI em que alterou a área do prédio que havia pertencido a seus pais e de que agora era dona, a saber: inscrito na matriz no ano de 1970, sob o artigo … (correspondente à parcela A supra referida).
26. E, assim, aumentou a área que até então aí constava de 53,20 m2 (6,50 + 18,50 + 28,20) para 428,35 m2, de forma incorreta, pois a área do seu prédio tinha e tem cerca de 196,25 m2, à semelhança do das autoras, incluindo no seu prédio a área do prédio das autoras.
27. E pela ap. n.º 1852, de 20.04.2010, registou a seu favor, como prédio distinto, o prédio com a dita área de 428,35 m2, ficando descrito sob o n.º …/Alpiarça.
28. E apresentou na Câmara Municipal de Alpiarça um pedido de licenciamento para uma construção de um muro de vedação abrangendo toda a frente dos dois prédios (o seu e o das autoras) – processo camarário n.º …/2010.
29. E em 9 Novembro de 2010, os réus fizeram deslocar para o prédio das autoras uma máquina retroescavadora e uma camioneta basculante para proceder à demolição da casa destas, o que efetivamente sucedeu.
30. As casas, embora de construção simples mas ainda habitáveis e utilizáveis, foram totalmente demolidas sendo atualmente um amontoado de entulho (tijolos, cimento e telhas).
31. Mais, procederam ao arranque das árvores de fruto existentes no prédio, pertença das autoras, a saber: duas oliveiras e uma nespereira, que se encontravam bem tratadas e em fase produtiva.
32. Dos haveres existentes na casa, os réus retiraram e apropriaram-se de alguns, os mais valiosos, a saber: uma mala com roupa, bem como uma cama de ferro.
33. Quanto aos outros bens (de menor valor) constituídos por algumas mobílias (cadeiras, mesas), colchão e roupas de cama, após os retirarem da casa, colocaram-nos amontoados junto ao passeio, à chuva, os que os danificou.
34. De há meses a esta parte, a ré passou a afirmar ser dona do prédio das autoras, dizendo que os pais, sogros e avós das ora autoras apenas aí viveram porque os pais dela o teriam permitido.
35. A casa destruída com a área de 48 m2 estava construída em tijolo e cimento, com madeiramento no telhado e coberta de telha, com chão cimentado, caiada e em razoável estado de conservação e tinha aquando da sua demolição o valor de, pelo menos, 10 000 euros (cerca de 200 euros o m2).
36. Para uma casa com áreas e características semelhantes às que a demolida tinha os autores terão de despender entre € 12 000,00 e € 14 400,00, pois o custo do m2 de construção, simples, cifra-se entre 250 e 300 euros / m2.
37. Com a limpeza/remoção do entulho vão as autoras despender, pelo menos, € 100,00.
38. As árvores destruídas tinham, pelo menos, o valor de € 100,00, cada uma.
39. A mala e respetiva roupa valiam, pelo menos, € 500,00.
40. A cama de ferro, antiga e rara, valia cerca de € 500,00.
41. As mobílias (cadeiras, mesas), colchão e roupas de cama, valia cerca de € 250,00.
42. As autoras sentiram um enorme desgosto por terem visto desaparecer a casa construída pelos seus antepassados com grande esforço e dedicação, bem como os haveres destes.

Conhecendo da 1ª questão
Arguiram os réus a nulidade da sua citação. Nulidade esta, que em seu entendimento, teve influência na decisão da causa, uma vez que os impediu de, em tempo, exercerem o contraditório adequado, ou seja, de terem apresentado a contestação no prazo legalmente previsto, arguição que nem sequer foi apreciada, por se ter entendido que o requerimento de arguição é extemporâneo, por ter sido apresentado quando se encontrava já ultrapassado o prazo para a contestação.
É deste entendimento que discordam defendendo a tempestividade da arguição da nulidade da citação, bem como a verificação dessa nulidade.

Preceitua o art.º 230º n.º 1 do CPC (artº 238º n.º 1 do VCPC), epigrafado de Data e valor da citação via postal, que “a citação postal … considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
Por sua vez, dispõe o art.º 233º do CPC (artº 241º do VCPC) epigrafado de Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste que “sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando … é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta esta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.”
No caso em apreço estamos perante uma situação em que a carta enviada para citação foi rececionada por pessoa diversa dos citados, ou seja, por um terceiro, o que implicou que a secretaria do tribunal tivesse enviado carta registada, ao abrigo do artº 233º do CPC (artº 241º do VCPC), envio esse que, no entanto, não foi efetuado no prazo de dois dias úteis, previsto na lei.
A entrega das cartas para citação dos réus em pessoa diversa dos mesmos foi efetuada em 17/03/2011, pelo que o termo do prazo para contestação ocorria em 11/04/2011, sendo nesta data que foram enviadas aos réus (rececionadas por estes em 13/04/2011) as cartas registadas de advertência e informação dos termos e consequências do ato citação realizado.
Conforme decorre da lei o prazo de defesa não deixa de começar a contar desde a data da assinatura do A/R por terceiro, não relevando para o inicio e contagem do prazo a receção da carta registada de advertência, dado que esta não consubstancia uma segunda ou dupla citação, mas antes uma “diligência complementar e cautelar”[1] de “prever uma espécie de confirmação da citação oportuna e validamente realizada, em casos de presumível menor segurança e certeza na consumação do efetivo conhecimento pelo réu dos elementos essenciais do ato”.[2]
No entanto, o envio “tardio” ao citado da carta de advertência, que traduz uma irregularidade formal, pode ter consequências, designadamente quando essa carta é enviada já depois de findo o prazo de defesa (no caso 20 dias) contado desde a assinatura do aviso de receção pelo terceiro e já acrescido do prazo de dilação (no caso 5 dias (artº 245º n.º 1 al a) do CPC - art.º 252º-A do VCPC). No caso em apreço a carta foi expedida no dia em que terminava o prazo para a contestação, só sendo entregue aos destinatários dois dias após.
As partes não podem ser prejudicadas, por ato do tribunal que lhes inviabilize a possibilidade de praticar atos processuais atempadamente.
Como se salienta no Ac. do TC n.º 183/06 publicado n o DR, II série de 17/04/2006, o direito de acesso aos tribunais pressupõe, naturalmente, uma atuação transparente e, dir-se-ia, de boa fé quer das partes quer dos agentes do sistema judicial. Pressupõe, ainda, um acesso informado e esclarecido por parte dos sujeitos que pretendem fazer valer os seus direitos em juízo.
Os erros das partes têm consequências que se repercutem nas respetivas esferas. Os erros dos agentes do sistema judicial não podem repercutir-se na esfera das partes.
Se, através de uma atuação contrária à lei, um funcionário judicial inviabiliza o acesso do particular a uma informação relevante para a sua estratégia de defesa, é natural que se reconheça ao sujeito erradamente informado a possibilidade de reagir assim que se apercebe da situação processual em que se encontra e dos efeitos que entretanto se produziram, sem que tivesse a possibilidade de a eles aceder.
A carta de advertência ao citando tem o alcance de o habilitar caso desconheça a citação que lhe fora efetuada, de aceder à informação necessária para poder sustentar perante o tribunal a ilisão da presunção de entrega por terceiro (no prazo da dilação de 5 dias).
Efetivamente, embora a citação tenha sido recebida por terceiro, presume a lei que este procedeu à sua entrega oportuna ao citando, esta presunção é juris tantum, podendo ser ilidida por este alegando e provando que não recebeu a carta para citação, ou que esta lhe foi entregue extemporaneamente.[3]
Donde, como se salienta no Ac. do TRE de 25/10/2007[4] que iremos seguir de perto atendendo à consonância com os fundamentos nele explicitados, perante a receção da carta de advertência, poderá o citando obter o reconhecimento judicial de que o prazo de defesa começou a contar mais tarde (se ainda houver uma entrega da carta de citação no decurso do prazo, mas para além dos 5 dias da dilação) ou que não começou sequer a correr (se não houve de todo essa entrega ou se a entrega ocorreu já depois de findo o prazo de defesa acrescido da dilação). Neste último caso, pode mesmo ser arguida a falta de citação, como, aliás, prevê o artº 188º, nº 1, al. e), do CPC (artº 195º, nº 1, al. e), do VCPC), quando inclui nesse conceito os casos em que “se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”. Por isso, “provado que não é imputável ao citando o conhecimento tardio [sê-lo-á, por exemplo, se tiver recebido a carta de advertência do art. 241º do VCPC (artº 233º do NCPC) e não tiver logo pedido ao terceiro a entrega], o prazo da contestação inicia-se na data em que a entrega efetiva tenha tido lugar, sem prejuízo da arguição da falta de citação, quando a entrega tenha lugar depois de decorrido o prazo para a defesa iniciado no termo da dilação [(art. 195º-e) do VCPC (188º-1-e do NCPC)]”[5]
Portanto, a carta complementar enviada para além do prazo legal de “dois dias úteis” (e mesmo para além do decurso do prazo de defesa acrescido da dilação), e não obstante a sua desconformidade à lei, ainda terá uma utilidade: a de a sua receção servir de termo inicial do prazo em que pode ser invocada a “ilidibilidade da presunção do conhecimento” ou mesmo ser arguida a falta de citação, ao abrigo do art. 188º n.º 1 al. e) do CPC [artº 195º, nº 1, al. e), do VCPC] – prazo esse que será o de 10 dias, resultante da regra geral estabelecida no artº 149º do CPC (artº 153º, nº 1, do VCPC), isto sem prejuízo de esse prazo se dever contar de outro facto processual, de acordo com o disposto no artº artº 199º n.º 1 do CPC (artº 205º, nº 1, do VCPC).
Deste modo, não podemos deixar de concluir que a remessa tardia da carta de advertência enviada no dia em que terminava o prazo para apresentação da contestação, contado da assinatura do aviso de receção pelo terceiro que recebeu a carta de citação, acrescida da dilação, permitia aos demandados a possibilidade de no prazo de 10 dias após a receção da carta de advertência suscitarem a ilisão da presunção de oportuna entrega da carta de citação ou de arguir a falta de citação, alegando que o terceiro não cumprira o seu dever de pronta entrega, o que efetivamente vieram fazer através do seu requerimento de 14/04/2011 e que o Julgador a quo não se dignou apreciar seguindo o entendimento que o requerimento de arguição era extemporâneo, por ter sido apresentado quando se encontrava já ultrapassado o prazo para a contestação.
Do exposto, resulta termos de concluir que mal andou o Julgador a quo em não apreciar os fundamentos da arguição da nulidade/falta de citação invocados pelos demandados, a fim de, se os considerasse demonstrados, tirar deles as respetivas ilações relativas à validade e eficácia do ato de citação, pelo que merece censura o despacho recorrido proferido em 28/10/2014 que deverá ser revogado a fim de ser substituído por outro que aprecie os fundamentos da arguição da nulidade/falta de citação e que, em consequência, origina a anulação dos atos subsequentes já praticados no processo, incluindo a sentença final.
Da 2ª questão
Em face do decidido relativamente à 1ª questão que implica anulação de atos processuais, designadamente da sentença final, fica prejudicado o conhecimento da alegada nulidade da sentença, bem como do alegado erro de julgamento no que respeita à subsunção dos factos ao direito aplicável, pelo que nos abstemos de emitir pronúncia.
*

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente a apelação no que respeita à impugnação do despacho proferido em 28/10/2014 e, em consequência:
a) Revogar tal despacho que deve ser substituído por outro que aprecie os fundamentos da arguição da nulidade/falta de citação;
b) Anular o processado efetuado a partir dessa fase, incluindo a sentença final;
c) Por prejudicialidade, não conhecer do recurso na parte respeitante à impugnação da sentença final.
Custas pelas apeladas.

Évora, 22 de Março de 2018
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo

__________________________________________________
[1] - Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 648.
[2] - Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, 231.
[3] - v. Jorge Pais do Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, 213.
[4] - No processo 1952/07-3, disponível em www.dgsi.pt.
[5] - v. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto in Código Processo Civil Anotado, 1º Volume, 1ª edição, 410; v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código Processo Civil Anotado, 1º Volume, 3ª edição, 445.