Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/05.1EABJA.E2
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: BURLA QUALIFICADA
ERRO DE DIREITO
MEDIDA DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Sendo a arguida delinquente primária e atendendo ao percurso de vida que desenvolveu nos anos posteriores à data da prática dos factos, justifica-se que a pena única de 5 anos de prisão, que lhe foi aplicada, seja suspensa na respectiva execução, condicionada à entrega, com subsequente comprovação nos autos, de determinadas quantias aos ofendidos que não viram ressarcidos os prejuízos que a conduta daquela lhes causou.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

No 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetida a julgamento, além de outros[1], a arguida B, devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-la da prática, em co-autoria, de 36 crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b), ambos do C. Penal, que lhe vinha imputada, e, bem assim, julgar improcedentes os pedidos indemnizatórios que contra todos os arguidos haviam sido deduzidos por MG, JB e MB, “Banco Credibom, S.A.” e AC.

Interposto recurso dessa decisão pelo MºPº, com vista à condenação da arguida pela prática de 13 crimes de burla qualificada, foi proferido acórdão que determinou a alteração da decisão da matéria de facto (no que concerne aos pontos 13., 30., 32., 41., 43., 44., 46.-A, 46.-B, 46.-C, 48., 50., 55., 56., 80., 82., 83., 85., 86., 118., 119., 214., 227., 228., 230., 232., 261., 265., 326., 329., 332., 423., 424., 425., 426., 427. e 428. dos factos provados e als. h), ttt), uuu), xxx), yyy), www) e dddd) dos não provados, nos moldes que ali foram indicados, e eliminação das als. j), o), p) e r) também dos não provados), determinando, igualmente, que a arguida fosse condenada pela prática de 8 crimes de burla, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b), ambos do C. Penal, que a factualidade definitivamente considerada como assente preenche, e que, após baixa dos autos, a audiência fosse reaberta a fim de se realizarem diligências tendentes a apurar os factos, relativos ao circunstancialismo de vida pessoal, comportamento e personalidade da referida arguida, com interesse para a determinação da medida das penas, com a subsequente prolação de acórdão condenatório em conformidade com o decidido.

Em obediência ao acórdão desta Relação, foi reaberta a audiência e, realizadas que foram as diligências consideradas como pertinentes, foi proferido novo acórdão que condenou a arguida, pela prática de 8 crimes de burla, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) do C. Penal, nas penas parcelares de 250 dias de multa por cada um e, em cúmulo, na pena única de 750 dias de multa à taxa diária de 7€.

Ainda inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo que seja revogada na parte restrita às penas parcelares e únicas e substituída por outra que condene a arguida em pena não inferior a 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada por regime de prova e pelo pagamento aos ofendidos das quantias que indica, para o que concluiu como segue:

1 – Aceita-se toda a matéria de facto provada.

2 – Bem como o enquadramento jurídico-penal da mesma efectuado no Acórdão recorrido, que condenou a arguida na prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, de oito (8) crimes de burla, p. e p. pelos artºs. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. b), do Cód. Penal.

3 – Ao considerar que a moldura penal aplicável a cada um desses crimes é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias e não a moldura de 2 a 8 anos de prisão, o Acórdão recorrido violou o disposto no nº 2, do artº 218º, do Cód. Penal.

4. O grau de ilicitude que é elevado, expresso na diversidade dos actos enganatórios praticados pela arguida, com recurso a múltiplos estratagemas para levar as vítimas a assinar os contratos, visando a arguida a obtenção de um lucro para si própria e para a entidade à qual prestava serviços e ainda nos valores obtidos com a sua conduta ilícita, que ascenderam a cerca de €4.000,00 por cada um dos lesados.

5. A culpa, também de grau elevado, pois a arguida agiu com dolo muito intenso (dolo directo), sendo vítimas da sua conduta pessoas fragilizadas quer pela idade avançada quer pela circunstância de se encontrarem desempregadas e às quais foram, falsamente, prometidos empregos;

6. A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, face ao aumento significativo deste tipo de crimes que se vem registando, ou pelo menos conhecendo, que impõe que se desencoraje a sua prática, assim se repondo a confiança da comunidade na eficácia do ordenamento jurídico;

7. As condições pessoais da arguida e a sua situação económica, pessoal e profissional

8. A conduta anterior aos factos: a arguida não tem antecedentes criminais registados, circunstância que não podendo traduzir qualquer prémio, posto que é dever de qualquer cidadão manter uma conduta conforme com o direito, não será aqui de desconsiderar totalmente, atenta a sua idade à data da prática dos factos.

9. A conduta posterior aos factos e as necessidades de prevenção especial: a arguida nunca assumiu a prática dos facos nem procurou ressarcir por qualquer forma as vítimas da sua conduta.

10. Deverá aplicar-se à arguida, quanto a cada um dos crimes, uma pena não inferior a dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.

11 – Importando, em seguida, proceder ao cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, nos termos estipulados no nº 1, do art. 77º, do Código Penal.

12 - Assim, segundo as regras da punição do concurso, o limite mínimo da pena aplicável ao arguido deverá ser de 2 anos e 6 meses e o limite máximo 20 anos de prisão- nº 2, do artº 77º, do Cód. Penal.

13 - Ponderando os factos na sua globalidade, nomeadamente, indiferença e desconsideração reveladas pela arguida em relação ao sofrimento alheio e a invulgar ousadia e frieza de carácter em contraponto com a concentração dos factos num curto período temporal, com um modo de actuação similar e mantendo, antes e após os factos aqui objecto de julgamento, uma vida conforme ao direito, sem outras condenações registadas no seu c.r.c., não se detecta uma propensão da arguida para o cometimento de ilícitos penais ou uma personalidade mal formada, pelo que se afigura adequada a condenação da arguida na pena única de cinco (5) anos de prisão.

14 – Atento o lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos sem que a arguida apresente antecedentes criminais registados aliada à sua inserção familiar e profissional é possível formular o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão permitem manter a arguida afastada do cometimento de novos ilícitos penais, pelo que se aceita a suspensão da execução da pena a aplicar à arguida B, pelo período de cinco anos.

15. Suspensão que, nos termos do disposto no artº 53º, nº 3, do Cód. Penal deverá ser condicionada ao cumprimento de regime de prova.

16. Bem como, ao abrigo do disposto no artº 51º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, à entrega, das seguintes quantias, com a obrigação de documentar nos autos a sua realização:

i) no prazo de um ano, após o trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €103,50 à lesada MC;

ii) no prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €724,50 à lesada CV, sendo metade dessa quantia durante o primeiro ano e restante até ao termo do segundo ano;

iii) oitenta e quatro euros (€84,00) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, à lesada, JR;

iv) cento e dois euros e quarenta cêntimos (€102,40) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, aos lesados, FD e AD; e

v) setenta e sete euros e sessenta cêntimos (€77,60) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, ao lesado, FB.

O recurso foi admitido.
Não foi apresentada resposta.

Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual - considerando assistir razão ao recorrente tanto no que respeita à invocação de lapso manifesto na aplicação de penas de multa quando aos crimes de burla qualificada ps. e ps. pelo nº 2 do art. 218º do C. Penal corresponde apenas pena de prisão, de 2 a 8 anos, como na parte em que pede a condenação da arguida nos termos em que o fez, apresentando-se como ponderadas e adequadas à conduta da arguida e aos critérios de prevenção geral e especial as penas, parcelares e única, propostas – se pronunciou no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo sido apresentada resposta apenas pelo demandante AC, que veio manifestar a sua concordância em relação àquele parecer, sendo igualmente da opinião de que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por decisão que condene a arguida B.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação

No (novo) acórdão recorrido foram considerados como provados, na parte que para aqui interessa, os seguintes factos:

a) - Constantes do acórdão de fls.3468 e ss., com as alterações[2] efectuadas pelo Venerando Tribunal da Relação:

1. A sociedade “Q”, matriculada na 3.ª Conservatória do Registo Comercial do Porto em 2.10.2000 sob o n.º ---, tem como objecto o “comércio a retalho de todo o tipo de artigos para o lar, importação e exportação” e sede na Praceta----, em Matosinhos;

2. Nos anos de 2005 e de 2006 JM e JMM eram administradores da sociedade “Q”;
(…)
4. Entre Agosto de 2005 e Maio de 2006, a sociedade “Q” concretizou, através dos seus colaboradores, um número indeterminado de vendas de produtos, nomeadamente colchões, a que chamavam “aparelho” e “produto magnetizado/ortopédico” em Évora, Beja, Elvas, Reguengos de Monsaraz, Almodôvar, Vila Viçosa e Cuba;

5. Para tanto, os potenciais compradores eram previamente contactados via telefone e, com a promessa de receberem prémios, eram convidados a deslocar-se a hotéis ou associações e colectividades especificamente reservados para realizar reuniões e demonstrações de produtos;

6. Em concreto, a sociedade “Q” procedeu à reserva de salas no Hotel Ibis, a Albergaria Vitória e a Albergaria do Calvário, todos sitos em Évora; na Pousada de S. Francisco e o Hotel Francis, em Beja; na Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, em Cuba; nos Bombeiros Voluntários de Vila Viçosa e de Almodôvar e na Associação Artística Reguenguense, em Reguengos de Monsaraz e na Albergaria Jardim, em Elvas;

7. Nas salas reservadas eram, por regra, previamente dispostas diversas secretárias e cadeiras, às quais os diversos indivíduos convidados telefonicamente eram conduzidos pelos colaboradores da “Q”;

8. Uma vez todos instalados, os vendedores/apresentadores comunicavam aos seus interlocutores a existência de colchões para vender e o respectivo preço – cerca de € 5000,00 – e, perante a indisponibilidade dos últimos para pagar tal preço, encetavam com eles longas conversas a propósito, designadamente, dos problemas de saúde de cada um dos clientes e dos benefícios dos colchões que se dispunham a vender;

9. Em regra, quem apresentava os produtos não os negociava, por não ter autorização para tal, chamando para isso o respectivo supervisor;

10. Aos vendedores/apresentadores incumbia receber os clientes e informá-los das qualidades dos produtos da empresa, através de dossiers organizados para o efeito por decisão da gerência da Q, que continham, por exemplo, fotografias da sede e das diversas filiais da empresa, bem como catálogos dos produtos comercializados;

11. Por sua vez, aos supervisores cabia a concretização dos contratos e, consequentemente, a negociação dos preços e condições de pagamento;

12. MS, juntamente com JG desempenhava funções de chefia da equipa de vendas.

13. À data dos factos que infra vão ser descritos BR desempenhava funções de supervisora e utilizava o telemóvel com o n.º 917708306;

14. SS desempenhou funções de vendedor;

15. A sociedade “Q” efectuou, através dos seus colaboradores, operações de venda de colchões no Hotel Ibis, em Évora, nos dias 25, 26 e 30 de Agosto de 2005 e dia 1 de Setembro do mesmo ano; na Albergaria Vitória, em Évora, nos dias 3 e 6 de Outubro de 2005; na Albergaria do Calvário, em Évora, em Abril de 2006; na Pousada de S. Francisco, em Beja, nos dias 11 e 13 de Agosto de 2005, bem como nos dias 19, 22, 23 e 29 de Setembro do mesmo ano; no Hotel Francis, em Beja, nos dias 15 e 17 de Outubro de 2005 e em 7 de Janeiro de 2006; na Albergaria Jardim, em Elvas, no dia 1 de Dezembro de 2005; na Sociedade Artística Reguenguense, em Reguengos de Monsaraz, no dia 6 de Dezembro de 2005; no antigo salão dos Bombeiros Voluntários de Vila Viçosa, no dia 8 de Dezembro de 2005; na Sociedade Filarmónica 1º de Maio, em Cuba, no dia 25 de Fevereiro de 2006; e no salão dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar, em Almodôvar, no dia 17 de Janeiro de 2006;

16. Nesses locais e nessas datas, foram assinados contratos por JR e MC; DL e JRC; JJF; MLB e JAB; AJV e MAB, ainda que por intermédio da filha destes, CBV; LMP; MAB; AGD e FFD; MVH e AHM; FGB; MCM e AJM, VFC e DNC; MAG e MCG; LRC e ACS; AMC; CDC; RDC; MMC; EP; LVC e ; MCP; ER; HM; MGC e MJJ;

17. Os referidos contratos de compra e venda tratavam-se de contratos de compra e venda com financiamento, neles sendo parte a “Credilar”, a qual foi incorporada, por fusão, na “Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, em 29 de Dezembro de 2005, operação que foi registada em 2.1.2006;

18. Na celebração dos referidos contratos de crédito, não houve qualquer contacto entre os consumidores financiados e a instituição credora ou qualquer seu eventual colaborador;

19. A única documentação que alguns receberam reduziu-se a um folheto informativo respeitante ao prémio telefonicamente prometido – concretamente, um vale de 10 consultas de naturopatia em diversas áreas;

20. Dos referidos folhetos constava, por regra, a data da celebração dos contratos de compra-e-venda e de crédito e os nomes e números de telefone que os clientes poderiam contactar no caso de necessitarem de algum esclarecimento;

21. Desses folhetos constava ainda a referência à clínica “C”, com sede na Rua ----- Matosinhos, e, na qualidade de entidade promotora a “Q, S.A.”;

22. Assim, no dia 25 de Agosto de 2005, JBR encontrava-se na sua residência sita na Rua …., Bairro das Corunheiras, Évora, quando recebeu uma chamada telefónica pela qual foi informada de que ganhara um prémio e para o receber só teria que se deslocar no dia seguinte, com o seu marido, ao Hotel Ibis, sito nesta cidade;

23. No dia 26.05.2005, cerca das 20,00 horas, Josefa e o seu marido, MRC, deslocaram-se ao hotel indicado;

24. Aí chegados, encontraram na sala de entrada, junto à recepção, uma mulher cuja identidade não foi possível apurar, a qual identificava as pessoas que ali se dirigiam, mediante o preenchimento de ficha que entregava de seguida noutra sala;

25. J e o marido foram então atendidos pela individuo não identificado, que lhes perguntou se sabiam porque se encontravam ali, os quais responderam ter-se deslocado ali para receber um prémio

26. J. foi sempre esclarecendo que efectivamente não queria comprar nada, porque se encontrava desempregada;

27. Aproveitando esta informação, a determinada altura o indivíduo não identificado que os estava a atender perguntou a J. se não queria trabalhar como assistente na empresa, já que pretendiam abrir uma clínica em Évora, o que sucederia possivelmente em Dezembro de 2005;

28. Neste contexto, J. preencheu uma ficha de emprego com toda a sua identificação, sempre declinando a aquisição do colchão, atentas as condições económicas em que se encontravam;

29. Apesar de tal recusa, foram conduzidos até outra sala para lhes mostrar um colchão que, ligado à corrente eléctrica, fazia massagens;

30. Após a demonstração voltaram à sala de reunião, tendo J. dito que não pretendia ficar com o colchão, porque devia ser muito caro, ao que lhe foi dito que não era caro, porque a quem tivesse menos rendimentos era atribuído um subsídio e pagava muito menos que os restantes, tendo-lhe sido explicado pela arguida B. que ficaria a pagar€ 11,00 euros durante 48 meses;

31. Perante a oferta de emprego e perante a informação desta mensalidade, Josefa resolveu adquirir o colchão;

32. Por isso, J. e o marido assinaram os papéis que lhe foram exibidos pela arguida B, o que fizeram sem ler mas constatando que não estavam sequer preenchidos, facto que questionaram, tendo-lhes aquele arguida respondido que os preenchiam depois e lhes mandavam os duplicados pelo correio;

33. Após ter assinado toda a documentação, quando já se encontrava muito cansada, foi-lhe então dado conhecimento do prémio, que se tratava de 10 consultas de Naturopatia gratuitas;

34. Assim, nas condições acima descritas, J. e o marido assinaram a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o n.º 24979868, e o respectivo contrato de compra-e-venda daquele colchão com financiamento, datados respectivamente de 26 e 27 de Agosto de 2005;

35. Posteriormente, entregou cópia do seu NIB e recebeu na sua casa o dito colchão, tendo, em 30.09.2005, visto descontada a favor da Credilar a quantia de € 103,50, através da conta bancária do Millennium BCP com o n.º 42110558;

36. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q. logrou receber a quantia de € 3974,40, por transferência realizada pela Credibom em 31.08.2005;

37. Por seu turno, J. e MC pagaram a totalidade do empréstimo que erroneamente contraíram, tendo entregue à Credilar/Credibom o montante total de € 5.039,72;

38. No dia 25 de Agosto de 2005, quando MAC se encontrava na sua residência, sita na Rua…, Alto dos Cucos, em Évora, recebeu várias chamadas telefónicas insistindo para se deslocar ao Hotel Ibis, a fim de receber uma prenda;

39. Perante tamanha insistência, deslocou-se sozinha até àquele local e, ali chegada, encontrou uma sala grande com várias mesas e pessoas já sentadas;

40. Nesse local, foi questionada por um indivíduo não identificado sobre assuntos da sua vida e contou alguns dela sem interesse, enquanto perguntava a MC se não estava interessada em adquirir um colchão que lhe mostrou.

41. Passado algum tempo, chegou até junto de si a arguida B, que lhe falou novamente no colchão e, mais uma vez, lho mostrou;

42. Mais uma vez, MC referiu que não podia comprar nenhum colchão porque não dispunha de disponibilidade económica para o fazer;

43. Perante tal resposta, a arguida B. foi buscar uns papéis e disse-lhe que tinham uma promoção pela qual a depoente apenas pagaria € 11,00 caso adquirisse o produto, nunca mencionando, porém, o preço do colchão;

44. Perante tanta insistência, MC foi convencida pela arguida B. de que caso assinasse os papéis estes apenas se destinavam a ficar arquivados para o caso de um dia querer adquirir o colchão;

45. Por isso, levada pelo cansaço e atendendo ao adiantado da hora, MC assinou os papéis que lhe foram exibidos, o que fez sem ler e não tendo recebido deles qualquer cópia;

46. Desta forma, assinou a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o nº 24980047 e o respectivo contrato de compra-e-venda com financiamento, ambos datados de 26 de Agosto de 2005;

46-A. A arguida B. disse a MC que, quando quisesse comprar o colchão, podia contactá-la através do telemóvel com o n.º 917--- e do telefone fixo com o n.º 253----;

46-B. Após MC assinar os documentos, a arguida B. entregou-lhe então um papel com o nome da empresa, o prémio - 10 consultas de naturopatia -, o seu nome e os mencionados contactos telefónicos;

46-C. A arguida B agiu sempre por forma a que MC não se apercebesse de que estava a adquirir o colchão;

47. Após tudo isto, indivíduos não identificados acompanharam MC até à sua residência, onde, munidas de uma fotocopiadora portátil, tiraram cópia do BI e da caderneta da CGD;

48. No dia seguinte, apercebeu-se que tinha errado ao assinar os papéis que assinou, e deslocou-se novamente sozinha ao Hotel lbis, cerca das 17.00 horas, onde contactou novamente com a arguida B, dizendo que se os papéis que tinha assinado no dia anterior a prejudicassem os desse sem efeito e os rasgasse pois não queria comprar o colchão e não tinha lido o que tinha assinado, ao que aquela respondeu que ficasse descansada porque ficaria tudo sem efeito;

49. Não obstante tudo isto e nunca ter recebido na sua casa qualquer colchão, ao actualizar a sua caderneta MC deparou com o desconto de €103.50 efectuado em 3 de Outubro de 2005 pela Credibanco;

50. Por via disso, cerca das 16,00 horas do dia 4.10.2005, MC deslocou-­se à Albergaria Vitória, em Évora, onde contactou novamente com a arguida B, a quem exibiu a sua caderneta, tendo o mesmo manifestado estranheza pelo facto do banco ter debitado a mensalidade e assegurou-se que tudo seria resolvido;

51. Apesar destas afirmações, MC ordenou o cancelamento da sua conta bancária e escreveu à Credilar uma carta datada de 4.10.2005 a informar que não tinha recebido o bem e, por isso, pretendia a revogação do contrato, obtendo por resposta a carta datada de 30.11.2005, através da qual lhe foi comunicada a impossibilidade de revogação do contrato por força da entrega do bem e da extemporaneidade do pedido;

52. Após, continuou a receber correspondência da Credilar a solicitar o pagamento da dívida inerente à celebração do contrato de crédito nº 24980047, relativo ao financiamento do montante de €4.968 – o que sucedeu pelo menos por cartas datadas de 1.12.2005 e 19.1.2006;

53. Expôs igualmente a situação à DECO, instituição que remeteu à Credilar, em 7.12, uma exposição a propósito de toda a situação;

54. Em 17.1.2006, a Deco recebeu, nesta sequência, uma carta da Credilar comunicando mais uma vez a impossibilidade da revogação do contrato, por extemporaneidade do pedido;

55. Nesse dia 24 de Janeiro, acompanhada pelo seu filho MAC, MC encontrou-se com a arguida B, conforme combinado na véspera, a qual assumiu que o colchão adquirido pela primeira se encontrava na Q e que MC tinha desistido da compra logo no dia imediato à assinatura da documentação;

56. MAC questionou então sobre o documento da anulação da compra, e aquela, atrapalhada, disse-lhe que iriam resolver tudo a bem, confirmando que nada tinha entregue a MC;

57. Passados alguns dias, o banco procedeu à devolução das quantias que havia descontado mensalmente na sua conta bancária;

58. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q. logrou receber a quantia de € 3974,40, por transferência realizada pela Credibom em 31.08.2005;

59. Todavia, a própria Credibom procedeu à anulação do contrato de crédito, face às comunicações efectuadas por MC e tendo por base a falta de entrega do bem, facto que comunicou à Q. por fax de 19.10.2005 e a A. por carta datada de 19.6.2006;
(…)
79. No dia 30 de Agosto de 2005, JJF encontrava-se na sua residência sita na Rua … em Évora, quando recebeu um telefonema em que lhe era dado conta de que tinha ganho um prémio e para o receber bastaria dirigir-se ao Hotel Ibis, sendo convidada a participar numa reunião sobre produtos de saúde, o que aquela fez, sozinha;

80. Aí chegada, foi atendida pela arguida B., que lhe apresentou o referido colchão e lhe entregou, como brinde pela sua comparência, um folheto com os seguintes dizeres, além do mais: "Complemed";"Promotora: Q., S.A. ", "vale 10 consultas de naturopatia"; tratamentos na área da "osteopatia, massagem terapêutica e estética", data 30.08.2005 e uma rúbrica sua;

81. JJF experimentou o aparelho tendo achado que realmente era muito bom mas, mesmo sem saber o preço, disse logo que não tinha dinheiro para o comprar;

82. A arguida B. nunca mencionou o preço total do mesmo enquanto JJF lá esteve, mas fez-lhe as contas e disse-lhe que iria pagar por mês 103,50 € por mês, durante 48 meses, tendo-lhe escrito aquele montante num pedaço de papel;

83. Foi-lhe também entregue, um outro papel no qual foi manuscrito o prazo de entrega do colchão - 15 dias - 15/9/2005 - e os contactos telefónicos (nºs 917--- e 916----) a que poderia recorrer caso se mostrasse necessário;

84. JJF continuou a dizer que não tinha dinheiro para adquirir aquele produto porque tinha um rendimento mensal de cerca de € 300,00 e gastava, só em medicamentos, cerca de € 100,00;

85. Perante isto, a arguida B disse-lhe que teria de pagar apenas a primeira prestação, pois beneficiaria de um subsídio, e que eles iriam depois ajudá-la a pagar o restante, o que levou JJF a assinar vários papéis, cujo teor desconhece porque não leu;

86. Deste modo, conseguiu que JJF assinasse a Proposta / contrato de crédito a que foi atribuído o n.º 25002150 e o respectivo contrato de compra e venda com financiamento, ambos datados de 30.08.2005;

87. Decorridos 15 dias a 3 semanas, um indivíduo não identificado deslocou-se à residência de JJF acompanhado por um motorista, e entregou-lhe o colchão sem qualquer conversa;

88. Entretanto, JJF recebeu uma carta da Credilar, datada de 07.09.05, com o plano de pagamento do crédito contraído, informando-a concretamente do valor do financiamento (€ 4968,00), do valor das prestações mensais (€103,50) e da data do respectivo vencimento;

89. De imediato JJF telefonou para um dos números que lhe tinha sido adiantado e falou com alguém que se identificou como “D. Susana”, a quem comunicou que não podia pagar;

90. Posteriormente, falou mais algumas vezes com aquela e com outra colega que disse chamar-se Helena, ao telefone, e depois, nos dias 14 e 16 de Setembro, enviou cartas à Credilar e ao Grupo JRT, pedindo a anulação do contrato celebrado;

91. No dia 26.09.05, JJF recebeu outra carta da Credilar, informando-a da impossibilidade de anular o contrato, por extemporaneidade do pedido de anulação efectuado, mantendo-se, assim, aquele activo até 07.09.2009;

92. Telefonou várias vezes para a “JRT” até que no dia 06.10.05, após mais um telefonema, um indivíduo não identificado, apareceu na sua residência e, sem qualquer troca de palavras e mais explicações, recolheu o colchão;

93. Por fim, JJF recebeu ainda uma carta, datada de 27.10, informando-a que a prestação não tinha sido regularizada, e outra de igual teor datada de 27.11.2005;

94. Nesta sequência, JJF apresentou queixa à Deco e à IGAE e cancelou a conta que indicara para efectivação dos descontos directos, só por isso não sofrendo qualquer prejuízo patrimonial;

95. Todavia, em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q. logrou receber a quantia de € 3974,40, por transferência realizada pela Credibom em 07.09.2005;
(…)
113. No dia 3 de Outubro de 2005, CMV, à data com 46 anos de idade, encontrava-se na residência que partilha com os seus pais, sita no Monte Flor da Rosa, …, em Évora, quando recebeu um telefonema dando-lhe conta de que iria abrir uma clínica de produtos naturais em Évora e que, caso estivesse interessada em conhecer tais produtos, deveria dirigir-se nesse dia à Albergaria Vitória, sita nesta cidade, onde os mesmos estariam expostos;

114. Cerca das 20,00 horas recebeu novo telefonema a solicitar a confirmação de que estaria presente na Albergaria Vitória e, nessa sequência, dirigiu-se a esse local;

115. Aí chegada, encontrou reunidas várias pessoas desconhecidas e foi encaminhada para uma secretária, onde passou a conversar com o arguido S;

116. Foi então questionada sobre se tinha problemas de saúde e se estava interessada em adquirir produtos para tratar dos mesmos, ao que foi respondendo que não podia comprar nada por estar desempregada e não tinha dinheiro para tal;

117. Sensivelmente uma hora depois do início da conversa com um indivíduo não identificado, que disse chamar-se S, o qual lhe propôs a compra de um colchão, ao que a mesma respondeu que não podia comprar porque estava desempregada;

118. Ainda assim, tal indivíduo chamou a arguida B, a quem informou que CMV não podia comprar o colchão por se encontrar desempregada e questionou se não havia hipóteses de a empregar na clínica que iria abrir em Évora, ao que a mesma respondeu afirmativamente, informando CMV de que receberia € 4550,00 por mês e que descontar-lhe-iam no ordenado € 50 mensais durante dois anos do colchão que adquirisse;

119. Perante a oferta de emprego apresentada, CMV dispôs-se, assim, a comprar o colchão, desde que começasse a pagá-lo apenas quando começasse a trabalhar, ao que a arguida B. lhe disse que a Clínica abriria em Janeiro seguinte e só então começaria a pagar o colchão;

120. Nesta sequência e nessa mesma data, CMV assinou um contrato de trabalho, contudo, porque era necessário fornecer-lhes um NIB e CMV referiu que teria que ser o da conta bancária titulada pelos seus pais, o contrato de compra-e-venda foi adiado para o dia seguinte;

121. No dia seguinte, em 4.10.2005, indivíduos não identificados, deslocaram-se à residência de CMV para aí celebraram o contrato de compra do colchão com os seus pais, MAV e AV;

122. Nessa data, perante MAV, os mencionados indivíduos tornaram a afirmar que CMV teria emprego na clínica de fisioterapia e produtos naturais que ia abrir em Évora e reafirmaram que o preço do colchão seria descontado todos os meses no ordenado naquela, na quantia exacta de €50 mensais, só após Fevereiro de 2006;

123. Mais disseram a MAV que o número de identificação de conta bancária era necessário para aí depositarem mensalmente o salário da sua filha e, simultaneamente, descontarem os € 50 mensais quando aquela iniciasse funções na clínica;

124. Assim, perante esta conversa e a necessidade de serem eles a assinar a documentação, MAV e AV assinaram os documentos que lhes foram entregues, concretamente a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o nº 25127680 e o respectivo contrato de compra-e-venda com financiamento, ambos datados de 4 de Outubro de 2005;

125. A referida proposta foi, porém, preenchida por alguém que não foi possível identificar, no que respeita aos elementos de identificação daqueles, e dela consta que MAV nasceu em 26.01.1943 e AV em 18.11.1939, quando na realidade a primeira nasceu em 26.01.1933 e o segundo em 18.11.1929;

126. Tal sucedeu porque, conforme consta da proposta/contrato em causa, “a idade do 1º proponente na data da assinatura do contrato deve situar-se entre os 18 e os 67 anos”, o que não se verificava no caso concreto;

127. Sensivelmente 15 dias após a celebração do contrato de compra do colchão, CMV e os pais receberam em casa um colchão e o respectivo comando;

128. Por carta datada de 12 de Outubro de 2005, a Credilar deu-lhes conta de que o preço total do crédito concedido era de €4.968,00 pago em 48 meses, em prestações mensais de €103,50;

129. Entretanto, receberam novo telefonema da Credilar a informá-los de que tinha duas prestações em atraso;

130. Por tudo isto, CMV dirigiu-se à Deco, onde lhe pediram uma cópia do contrato e, pela primeira vez, ouviu falar expressamente do nome “Quebe” como sendo o da empresa com quem contratara;

131. Não obstante a Deco ter comunicado à Q, em 10.1.2006 a queixa apresentada pelos ofendidos, foram sempre recebendo cartas da Credilar informando o incumprimento do contrato semelhantes à de 2.12.2005, de que são exemplo a datada de 2.7.2006 e o telegrama que lhe sucedeu;

132. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q logrou receber a quantia de € 3974,40, por transferência realizada pela Credibom em 12.10.2005;

133. Por seu turno, até 15.3.2010, MAV e MV entregaram à Credilar/Credibom, por força do empréstimo erroneamente contraído, a quantia de € 724,50, encontrando-se o respectivo contrato, actualmente, em situação de contencioso;
(…)
213. No dia 19 de Setembro de 2005, FCD e AGD encontravam-se na sua residência, sita na Rua…, em Beja, quando receberam um telefonema por meio do qual lhes disseram que tinham ganho um prémio – concretamente, um medidor de tensão arterial – e, para o receberem, deveriam deslocar-se à Pousada de São Francisco, sita no Largo D. Nuno Álvares Pereira, o que fizeram;

214. Aí chegados, por volta das 20h., falaram com a arguida B, até cerca da meia-noite, a qual, por fim, os convenceu a assinar vários papéis relativos à compra de um colchão, papéis esses que não leram nem lhes foram lidos; Nas condições descritas, assinaram na realidade a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o n.º 25061343 e o respectivo contrato de compra-e-venda com financiamento, ambos datados de 19 de Setembro de 2005;

215. Durante esse tempo, foram informados de que o preço do colchão era de € 1000,00 mas pagariam apenas €10 por mês;

216. Não receberam qualquer cópia da documentação que assinaram, tendo-lhes sido entregue apenas um certificado de consultas de Naturopatia, com o nº de telemóvel, sendo informados que iria abrir um consultório no Parque Industrial de Beja;

217. No dia 6 de Outubro de 2005 foram entregar o colchão a sua casa e deixaram-lhe o “Manual do proprietário e instruções de uso – certificado de garantia”, o qual permanece na sua posse;

218. No mesmo mês de Outubro, foram surpreendidos por uma carta da Credilar, datada de 10.10.2005, do qual constava um plano de pagamentos diferente do que tinha sido combinado, ali sendo mencionado concretamente um preço total de €4.968,00 pago em 48 prestações mensais no valor de €103,50;

219. Por tais valores serem incomportáveis com o orçamento familiar de F e A, e apercebendo-se de que tinham sido enganados, cancelaram a conta bancária que haviam indicado para serem efectuados os descontos acordados e escreveram à Q e à Credilar, em 24.10.2005 e 7.11.2005, respectivamente, dando conta da intenção de resolver o contrato, tendo também apresentado queixa escrita à DECO em 3.11.2005;

220. Não obstante, receberam da Credilar as cartas datadas de 30.11.05 e 31.12.05, dando conta do incumprimento do contrato, e com data de 12.1.2006 receberam nova carta em que eram informados da impossibilidade de anulação do contrato, que, consequentemente, se mantinha activo;

221. Além disso, foram recebendo cartas da CrediInformações, sempre a propósito do incumprimento do contrato, datadas de 1.4.06, 11.4.06 e 22.6.06;

222. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q logrou receber a quantia de € 3.974,40, por transferência realizada pela Credibom em 10.10.2005;

223. Por seu turno, até 15.3.2010, F e A entregaram já à Credilar/Credibom, por força do empréstimo erroneamente contraído, a quantia de € 6.144,63, encontrando-se ainda o respectivo contrato, actualmente, em situação de contencioso;

224. No dia 19 de Setembro de 2005, FB encontrava-se na sua residência sita na Rua…, em Trigaches, quando recebeu um telefonema a informá-lo que havia ganho um prémio e que para receber esse prémio tinha que se deslocar à Pousada de S. Francisco;

225. FB deslocou-se à referida Pousada e aí chegado, entrou numa sala onde se encontravam já várias pessoas e sentou-se junto a uma secretária onde foi atendido por um indivíduos não identificado, do sexo feminino, que se apresentou como Claudete;

226. Após uma longa conversa, tal indivíduo preencheu uma ficha com os dados sobre o seu estado de saúde e foi-lhe apresentado um colchão, FB que experimentou;

227. Após a demonstração, foi chamada ao encontro de ambos a arguida B que o informou de que o colchão estava em promoção e, por isso, custava 4000 e tal euros;

228. Apesar de FB revelou-lhe que não estava interessado, mas a arguida B. disse-lhe que o aparelho era subsidiado pela segurança social e, se reunisse determinados requisitos, iria só pagar cerca de 20 euros por mês durante 48 meses;

229. Perante estas informações e por ter problemas na coluna vertebral, aceitou comprar o colchão já que estas condições lhe pareceram conduzir a um preço acessível;

230. Em consequência, foram-lhe apresentados, para assinatura, vários documentos que se encontravam em branco, o que o levou a questionar a arguida B. sobre tal facto, tendo-lhe ela respondido que já era bastante tarde e os documentos levavam muito tempo a preencher, pelo que bastaria assiná-los e depois receberia uma cópia na sua residência;

231. Assim, nas condições acima descritas, FB assinou a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o n.0 2506--- e o respectivo contrato de compra-e-venda com financiamento, ambos datados de 19 de Setembro de 2005;

232. Neste contexto, a arguida B disse a FB que receberia três cartas: a primeira com documentos, cópias do contrato e garantia; a segunda com um plano de pagamentos que deveria ignorar mas cuja recepção deveria comunicar-lhe telefonicamente e uma terceira com o verdadeiro plano de pagamentos;

233. FB recebeu o referido colchão mas não recebeu qualquer cópia da documentação que assinou;

234. Ao invés, recebeu efectivamente a segunda carta referida supra, que continha um plano de pagamento remetido pela Crédilar e constatou então que, ao contrário do que lhe fora transmitido, teria que pagar € 103,50 mensais e não os € 20 acordados;

235. FB tentou por várias vezes contactar com a empresa Q, já que continuou a ser-lhe debitado mensalmente o montante de €103,50, tendo-lhe endereçou-lhe, inclusive, cartas datadas de 21.11 e 9.12.2005, dando conta, aliás, da deficiência de que era portador – cifose – e que acreditara na versão de que era beneficiário de um subsídio precisamente por ser portador de tal deficiência, mas não obteve qualquer resposta;

236. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q logrou receber a quantia de € 3.974,40, por transferência realizada pela Credibom em 06.10.2005;

237. Por seu turno, até 15.3.2010, FB entregara já à Credilar/Credibom, por força do empréstimo erroneamente contraído, a quantia de € 4.657,50, encontrando-se ainda o respectivo contrato em vigor e cumprimento;
(…)
258. No dia 22 de Setembro de 2005, MCM encontrava-se na sua residência sita na Rua…, Bairro da Nossa Senhora da Conceição, Beja, quando recebeu uma chamada telefónica de um indivíduo de sexo feminino, que se identificou como representante da empresa denominada “Grupo JRT” e a convidou a deslocar-se, nesse mesmo dia, à Pousada de São Francisco, pelas 21h. e acompanhada, a fim de conhecer, sem qualquer tipo de compromisso, aparelhos relacionados com tratamentos terapêuticos, mais lhe dizendo que se o fizesse receberia um prémio;

259. Apesar de toda a conversa, MCM não se deslocou à Pousada, pelo que, no dia seguinte, tornou a ser contactada telefonicamente para o mesmo efectivamente;

260. Assim, perante a insistência, no dia 23.9.2005 MCM e o seu companheiro, AJM, deslocaram-se efectivamente à Pousada, cerca das 21,00h;

261. Aí chegados, foram atendidos pela arguida B, e, ao contrário do que esperavam, não lhes foram apresentados quaisquer aparelhos mas sim colchões ortopédicos cujo preço se situava entre os novecentos e os mil euros;

262. Foi-lhes feita uma proposta de crédito dividida em quarenta e oito meses, cujas prestações seriam de € 20,00 euros, caso adquirissem um colchão;

263. Achando o preço razoável, aceitaram comprar o colchão e, por isso, assinaram vários documentos que, na altura, apresentavam vários espaços em branco que não foram preenchidos na presença de ambos e lhes foram exibidos pela arguida B;

264. Logo nesse momento, MCM e AJM entregaram cópias do respectivo Bilhete de Identidade de ambos e MCM forneceu o NIB da sua conta bancária n° 014705--- da Caixa Geral de Depósitos, balcão de Beja para efeitos do crédito;

265. Não receberam cópias de quaisquer documentos, recebendo sim um papel com os contactos da arguida e de outro indivíduo cuja identidade não foi apurada e um folheto;

266. Passados alguns dias, um indivíduo não identificado, que se apresentou pelo nome de Salvador, deslocou-se à sua residência, a fim de recolher novamente os dois Bilhetes de Identidade, para tirar fotocópias, porque na primeira vez não terem ficado com qualidade suficiente;

267. Quinze dias volvidos, MCM recebeu um telefonema de um indivíduo não identificado, dizendo-lhe que o colchão já se encontrava disponível e que iria recebê-lo dentro de poucos dias, o que efectivamente aconteceu;

268. No final do mês de Novembro, MCM e AJM receberam dois documentos emitidos por uma empresa de nome “Credilar”, da qual ainda não tinha ouvido falar, descrevendo o valor das prestações, as quais orçavam em €103,50 e não em €20 como combinado;

269. Receberam também, em data indeterminada, uma carta de boas vindas remetida pelo Grupo JRT;

270. Perante tal, MCM dirigiu-se de imediato à instituição bancária a fim de anular o processo de crédito, o que lhe foi dito que só seria possível após a 1ª prestação;

271. Logo que lhe foi descontada a 1ª prestação, em 27.12.2005, MCM foi de novo ao banco e entrou em contacto com a empresa de crédito;

272. Nesta sequência, em 29/12/2005, foi-lhe creditada a mesma importância;

273. Todavia, por carta de 14.1.2006, MCM foi informada pela Credilar de que tinha uma prestação em dívida e em 10.2.2006 recebeu da Credilar uma cópia do contrato de crédito que havia solicitado já que nenhuma cópia, de documento algum lhe foi entregue pela JRT no momento da assinatura dos documentos;

274. MCM e AJM constataram então que da proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o nº 2508291, datada de 23 de Setembro de 2005;

275. Mais constataram que, segundo as obrigações decorrentes daquele contrato, estava em causa o pagamento de € 4.980,00 em 48 prestações mensais de € 103,50, e não os montantes acordados;

276. Por carta da Credilar, datada de 3.11.2006, MCM e AJM tornaram a ser advertidos para o incumprimento do contrato, até que, finalmente, por carta de 22.2.2207, foram informados da resolução do contrato pela Credibom e do consequente preenchimento da livrança-caução, tendo recebido nova carta sobre o mesmo assunto em 21.3.2007;

277. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q logrou receber a quantia de € 3.974,40, por transferência realizada pela Credibom em 25.11.2005;

278. MCM e AJM só não sofreram qualquer prejuízo patrimonial porque se recusaram a proceder aos pagamentos impostos pela Credibom em consequência do contrato n.º 25082910;

(…)
324. No dia 6 de Dezembro de 2005, quando se encontravam na sua residência, sita na Rua…, em Monsaraz, LRC e ACS receberam um telefonema pelo qual foram convidados a participarem numa exposição de um produto que a sociedade estava a fazer na região de Reguengos de Monsaraz;

325. LRC informou-a de que não pretendia comprar nada e aquela respondeu-lhe que não era para comprar mas apenas para tomar conhecimento;

326. LRC e ACS deslocaram-se à Sociedade Artística Reguenguense e foram conduzidos a uma mesa onde se encontrava a arguida B, que lhes expôs durante muito tempo os produtos e funcionamento da empresa;

327. Após, disse-lhes que poderiam experimentar durante um mês um colchão ortopédico e, se no final deste tempo não pretendessem comprá-lo, bastaria devolvê-lo;

328. LRC e ACS disseram desde logo que não pretendiam adquirir nenhum colchão;

329. Porém, a arguida B pedindo-lhes que recebessem o mesmo a título de experiência e assegurando que não assumiam nenhuma obrigação de adquirir o colchão;

330. Simultaneamente, pediu-lhes que assinassem uns documentos em como o colchão ficava na sua residência durante um mês, o que aqueles fizeram por acreditar na palavra da arguida;

331. Na realidade, nas condições acima descritas, assinaram a proposta/contrato de crédito a que foi atribuído o n.º 25378514 e o respectivo contrato de compra e venda com financiamento, ambos datado de 6 de Dezembro de 2005;

332. O colchão em causa foi-lhes entregue na semana seguinte, mas, volvidos sensivelmente 15 dias, telefonaram à arguida B com o intuito de o devolver, uma vez que não pretendiam adquiri-lo;

333. Decorrido algum tempo sem que situação sofresse alterações, voltaram a telefonar sem sucesso e tentaram contactar a empresa mas foi-lhes respondido que não se encontrava ninguém nas instalações para poder resolver o assunto;

334. Após algum tempo, receberam uma carta do Banco “Credilar”, informando que se encontrava em dívida uma prestação;

335. Contactaram então o Banco e foi-lhe dito que poderiam aguardar alguns dias pela resolução da situação;

336. Nesta sequência, solicitaram à Credilar que lhes fornecessem o contrato, tendo obtido a resposta de que apenas podiam emitir uma 2ª via após depósito de € 6,70, pois a 1ª via deveria ter-lhes sido entregue no acto;

337. Informaram de imediato a Credilar sobre o circunstancialismo do negócio, designadamente referindo que não receberam a 1ª via do contrato e que desconheciam por completo que existia um crédito em seu nome;

338. Não obstante, após receberem carta da Credilar datada de 6.3.2006 com cópia do contrato, receberam novas cartas da mesma entidade, a propósito do incumprimento do mesmo, datadas de 13.3.2006 e 13.4.2006;

339. A estas seguiram-se cartas remetidas pelo Banco de Portugal, datadas de 24.4 e 4.7.2006, e outra da Credilar dando conta da remessa do processo para contencioso;

340. Em consequência dos factos descritos – concretamente, da assinatura da necessária documentação e da aprovação do financiamento pela Credibom – a Q. logrou receber a quantia de € 3.442,50, por transferência realizada pela Credibom em 21.12.2005;

341. Só não lhes foi descontada qualquer prestação porque se recusaram a proceder aos pagamentos impostos pela Credibom;

(…)
418. A sociedade “Credilar – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” foi incorporada, por fusão, pela sociedade “Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”;

419. A sociedade “Credibom – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” alterou a sua denominação social para “Banco Credibom, S.A.”;

420. À data dos factos supra descritos, a sociedade “Credilar – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” mantinha um acordo comercial com a sociedade “Q”, mediante o qual esta poderia apresentar aos seus clientes a possibilidade de aquisição dos bens do seu comércio recorrendo ao crédito concedido por aquela;

421. No âmbito de tal acordo, foram-lhe entregues “Dossiers de Crédito”, compostos por formulários de propostas/contratos de crédito, em modelo auto-copiativo, já digitalmente subscritos pelos seus legais representantes, destinados a serem preenchidos pelos e/ou na presença dos potenciais clientes que pretendessem recorrer ao crédito;

(…)
423. No que concerne os factos provados sob os pontos 22. a 59., 79. a 95., 113. a 133., 213. a 237., 258. a 278. e 324. a 341., relativos às negociações e conclusão de contratos com os ofendidos JR e MC, MAC, MB e AV, FD e AD, FB, MCM e AM e LC e AS, a arguida BR agiu sempre sem intenção de cumprir os preços e as condições de pagamento que verbalmente propôs e aqueles aceitaram ou, nos casos em que o não fizeram, de reservar a documentação a documentação até que a proposta viesse a ser aceite, mas convencendo aqueles ofendidos de que tais propostas verbais estavam ou seriam inseridas nos contratos escritos que os induziu a assinarem, nos quais ela própria inscreveu preços muito superiores e condições de pagamento muito mais onerosas, sem que eles, como antes descrito, pudessem conhecer tais cláusulas escritas, assim os enganando;

424. Sabia também que as mencionadas propostas contratuais verbais não seriam cumpridas pela Q - Comércio de Artigos Para o Lar, S.A. nem pelo Banco Financiador, a Crédilar ou a Crédibom, em nome de quem contratou;

425. Actuou com o propósito de obter enriquecimento do seu património, por via das comissões que esperava receber da Q, S.A., por cada colchão que vendeu, bem sabendo que aquele era ilegítimo, porque consequente de factos ilícitos, e por isso sem causa, à custa do património dos ofendidos mencionados no ponto 423. ou do património do Banco financiador das aquisições - o Credilar ou o Crédibom;

426. Pois bem sabia que seriam consequências necessárias da sua conduta, como foram, num primeiro momento, a diminuição do património do Banco financiador, pior transferência de parte do valor do preço da venda para o património da Q, S.A., e subsequentemente a diminuição dos patrimónios dos mencionados ofendidos, em resultado do cumprimento, voluntário ou coercivo das obrigações contratuais que os fez assumirem sem as conhecerem;

427. Sabendo igualmente que as comissões que esperava receber seriam pagas com os proveitos da actividade comercial da Q, S. A., designadamente os resultantes da sua provada actuação;

428. Em toda a factualidade que praticou, agiu sempre de modo deliberado, livre e consciente, sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

b) - Apurados em sede de audiência de julgamento, reaberta para os fins ordenados pelo Venerando Tribunal da Relação:

Mais se provou, que B:

429. Alterou o seu nome para BMS;

430. Frequentou a universidade, referido ter licenciatura em biologia;
431. Encontra-se em Portugal desde 2003, juntamente com dois filhos à data menores de idade;

432. Exerce a actividade profissional de empresária, sendo gerente de uma empresa que se dedica à organização de eventos, auferindo mensalmente a quantia média de € 600,00 (seiscentos euros), ao que acresce a quantia de€ 300,00 (trezentos euros), a título de pensão de alimentos dos filhos mais velhos;

433. Vive, em casa arrendada, com um companheiro, há cerca de 11 anos, juntamente com dois filhos menores de ambos, de 4 anos e 22 meses e os dois filhos da arguida, já maiores de idade;

434. O companheiro da arguida exerce a actividade profissional de bancário, auferindo mensalmente a quantia de € 1.100,00 (mil e cem euros);

435. Despende, juntamente com o seu companheiro, a quantia mensal de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de arrendamento da casa onde vive e cerca de € 150,00 (cento e cinquenta euros) em despesas mensais inerentes à economia doméstica;

436. Denota forte constrangimento face ao presente processo, apontando como principal repercussão alguma desestabilização ao nível emocional decorrente da condição de arguida, receando pelo desfecho dos autos;

437. Revela capacidade para reconhecer a ilicitude das suas condutas e a existência de danos e ofendidos;

438. Dispõe há 11 anos de enquadramento sociofamiliar estável e uma vivência afectiva gratificante e vinculativa, possuindo uma situação económica adequada às necessidades do seu agregado familiar;

439. Apresenta condições para garantir a exequibilidade de sanção na comunidade, direccionada para a interiorização do desvalor da conduta e vinculação a actividade laboral ou ocupação regular;

440. Não tem antecedentes criminais.

3. O Direito

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[4].

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação respeitam exclusivamente às penas, parcelares e única, aplicadas à arguida/recorrida.

Com a decisão da matéria de facto definitivamente estabilizada, expressamente aceite pelo recorrente na parte “nova” que resultou das diligências levadas a cabo na sequência do que havia sido ordenado no anterior acórdão proferido por esta Relação, e igualmente definido, nos termos aí constantes, o enquadramento jurídico da factualidade com estrita relevância criminal, as razões da discordância do recorrente circunscrevem-se à matéria relativa às penas aplicadas, começando logo pela identificação da moldura abstracta aplicável que vai inquinar todo o processo de determinação da medida concreta das penas que se lhe segue a jusante.

De facto, o recorrente aponta ao acórdão recorrido um erro de direito, ao ter considerado que a pena cominada para os crimes de burla qualificada (em número de 8) praticados pela arguida é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias quando, de facto, tal pena é de 2 a 8 anos de prisão.

É por demais evidente que assiste inteira razão ao recorrente, mal se compreendendo como o tribunal colectivo pôde incorrer em erro tão básico. De facto, do dispositivo do anterior acórdão desta Relação ficou a constar ter sido então determinado que a arguida fosse condenada pela prática de 8 crimes de burla, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b)[5], ambos do C. Penal. E, enquanto que o nº 1 desse art. 218º comina pena de prisão até 5 anos ou pena de multa, já o seu nº 2 comina pena de prisão de 2 a 8 anos.

Surpreendentemente, o acórdão recorrido, depois de ter expressamente mencionado o enquadramento jurídico definido no anterior acórdão desta Relação, prossegue com um segmento, epigrafado “Da escolha e medida da pena”, no qual começa por referir que “A moldura abstracta dos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal, é de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.”. E, a partir daí, avança com o procedimento de escolha da pena, assumidamente em cumprimento do disposto no art. 70º do C. Penal, concluindo por optar por pena não privativa da liberdade.

Com este erro clamoroso inicial, é inexorável a imprestabilidade dos procedimentos subsequentes seguidos no acórdão recorrido pois, prevendo a norma incriminadora apenas a aplicação de pena de prisão a título principal, havia, antes de mais, que determinar a medida da prisão em relação a cada um dos 8 crimes praticados pela arguida.

Ao que, de seguida, iremos proceder, levando em consideração todas as circunstâncias que, de acordo com o estabelecido no art. 71º do C. Penal, se revestem de relevância para a medida da pena e que se verifiquem no caso concreto.

Em primeiro lugar, cumpre referir que não se encontram notas diferenciadoras entre as oito situações factuais integradoras dos 8 ilícitos criminais praticados pela arguida que justifiquem uma diferenciação também na aplicação das penas. O grau de ilicitude situa-se num patamar elevado, tendo em conta os valores envolvidos, a fragilidade dos ofendidos e os estratagemas utilizados para a explorar, assim como o grau de culpa (dolo directo e intenso), sendo também muito expressivas as exigências de prevenção geral considerando que o tipo de actuação da arguida, sob a capa de acções de promoção e divulgação de produtos a pretexto de pretensos prémios ou ofertas para “recrutar” interessados, regra geral pessoas de nível cultural mais baixo, e extorquir-lhas quantias acima das suas posses ou de que não pretendem dispor, tem sido muito frequente no nosso país.

A favor da arguida, militam apenas a ausência de antecedentes criminais registados e a inserção familiar, social e profissional, sendo de notar que, não obstante ter revelado capacidade para reconhecer a ilicitude das suas condutas e a existência de danos e ofendidos, não a demonstrou em tribunal (não tendo comparecido ao julgamento) nem junto dos ofendidos, nada tendo feito ao longo dos anos já decorridos para procurar ressarci-los.

Tudo sopesado, e tal como proposto pelo recorrente também consideramos ajustada aplicação de penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão.

Encontrando-se as mesmas em concurso, há que observar o disposto no art. 77º nº 1 do C. Penal e proceder ao cúmulo jurídico dentro da moldura abstracta - que, de acordo com a regra estabelecida no nº 2 do referido preceito, vai dos 2 anos e 6 meses aos 20 anos - considerando, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida.

Nesta sede há que levar em conta a homogeneidade das condutas nos seus traços essenciais, o curto período durante o qual foram praticadas, o tempo decorrido sem que haja notícia da prática de outros ilícitos criminais que, tal como os aspectos da personalidade e condições de vida da arguida apurados através do relatório social junto aos autos, apontam no sentido de que se tratou de episódios isolados. A ponderação conjunta destes aspectos leva-nos a concluir pelo bem fundado da pretensão do recorrente, ao propor como ajustada a fixação da pena única em 5 anos de prisão, medida que consente – e impõe – a ponderação da aplicação da pena de substituição prevista no art. 50º do C. Penal.

Como resulta desta norma, a suspensão da execução da pena depende da possibilidade de formulação de um juízo de prognose positiva relativamente ao comportamento futuro da arguida, de modo a que seja possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Juízo esse que a ausência de outros antecedentes criminais e o percurso de vida da arguida que se desenvolveu nos anos posteriores à data da prática dos factos plenamente consente.

Em decorrência, deve a pena de prisão ser substituída na sua execução por período correspondente ao da duração em que foi fixada.

O recorrente defende, ainda, que a suspensão deve ser subordinada a regime de prova e condicionada à entrega de compensações monetárias aos ofendidos.

No que respeita ao regime de prova, é certo que, à data em que foi elaborado o recurso ainda não tinham entrado em vigor as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08 e que, então, o nº 3 do art. 53º do C. Penal estabelecia a sua obrigatoriedade “sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão tiver sido aplicada em medida superior a três anos”. Sucede que, com a recente entrada em vigor daquele diploma legal, esta última hipótese foi eliminada da previsão legal, passando a obrigatoriedade de decretamento do regime de prova a circunscrever-se aos casos em que o condenado for menor de 21 anos à data da prática dos factos, o que, no presente caso, não se verifica.

Impondo o nº 4 do art. 2º do C. Penal, em caso de vigência sucessiva de disposições penais diferentes, a aplicação do regime mais favorável, a ponderação de aplicação do regime de prova deve fazer-se, no caso, apenas de acordo com o estabelecido no nº 1 do aludido art. 53º, ou seja, o tribunal deve decretá-lo “se o considerar conveniente e adequado a reintegrar o condenado na sociedade”.

Ora, o percurso de vida trilhado pela arguida durante os anos que se seguiram à data da prática dos factos permite concluir que a mesma se encontra adequadamente inserida na sociedade, mantendo uma conduta fiel ao direito, o que torna dispensável porque desnecessário o acompanhamento por profissionais da reinserção social. Daí que consideremos não se justificar no caso a sujeição da suspensão a regime de prova.

Diferentemente sucede no que concerne ao condicionamento da pena de substituição à entrega de uma quantia compensatória aos ofendidos, dever de cujo cumprimento decorrerão benefícios não só em relação aos ofendidos mas, sobretudo, em relação à arguida, comprometendo-a activamente na minoração das consequências danosas das suas condutas e, dessa forma, contribuindo para uma mais perfeita interiorização do desvalor das mesmas que ela, verbalmente, já referiu conhecer.

Assim, concordando com o recorrente, consideramos que a suspensão da execução deve ser condicionada, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do art. 51º do C. Penal, à entrega pela arguida, com subsequente comprovação nos autos, de determinadas quantias aos ofendidos que não viram ressarcidos os prejuízos que suportaram, nos precisos termos que propôs (em moldes que não fazem perigar a subsistência da arguida e respectivo agregado familiar, tendo em conta o que se logrou apurar em relação às suas condições económicas) e que aqui se recordam:

i) no prazo de um ano, após o trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €103,50 à lesada MAC;

ii) no prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €724,50 à lesada CBV, sendo metade dessa quantia durante o primeiro ano e restante até ao termo do segundo ano;

iii) oitenta e quatro euros (€84,00) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, à lesada, JBR;

iv) cento e dois euros e quarenta cêntimos (€102,40) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, aos lesados, FFD e AGD; e

v) setenta e sete euros e sessenta cêntimos (€77,60) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, ao lesado, FGB.

Deve, pois, em toda a medida que deixámos esclarecida, proceder o recurso.

4. Decisão

Por todo o exposto, julgam procedente o recurso e revogam o acórdão recorrido na parte relativa às penas parcelares e única aplicadas à arguida que, pela prática de 8 crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b), ambos do C. Penal, vai condenada, por cada um, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por 5 (cinco) anos na condição de a arguida proceder à entrega das quantias nos termos acima discriminados.

Sem tributação.

Évora, 20 de Fevereiro de 2018

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(Maria Leonor Esteves)

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(António João Latas)

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[1] Foram igualmente submetidos a julgamento os arguidos JMM, JM, JG, SB e SS, aos quais também vinha imputada a prática, em co-autoria, do crime de burla qualificada ( qualificação jurídica esta que foi alterada durante o julgamento para 36 crimes de burla qualificada ) e que também foram absolvidos. Haviam sido igualmente pronunciados os arguidos MF, RS e LM, em relação aos quais, em virtude de não ter sido lograda a sua localização com vista à notificação aos mesmos da pronúncia e das datas designadas para julgamento, foi determinada a separação de processos.

[2] Alterações que foram assinaladas a negrito.

[3] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).

[4] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.

[5] Norma que, aliás, sempre esteve “em cima da mesa”, desde a acusação ao despacho de pronúncia e até mesmo quando, já em sede de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica por e então se ter entendido que a factualidade cuja prática vinha imputada aos arguidos não preenchia um só crime de burla qualificada mas sim 36 crimes dessa natureza. E, no tocante à arguida, considerou-se, no anterior acórdão desta Relação, que a sua conduta, tal como foi considerada como provada, integrava 8 crimes de burla qualificada, porque preenchida a agravante do “modo de vida”, prevista na al. b) do nº do art. 218º do C. Penal.