Processo n.º 364/21.2T8STB-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J1
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Por decisão datada de 02/03/2021, na sequência do pedido de insolvência formulado por “(…), SA” em que é requerida “(…) Medic, SA”, o Tribunal «a quo» declarou a insolvência da mesma.
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Na petição apresentada a “(…), SA” requereu a declaração de insolvência de “(…) Medic, SA”, alegando que, para o efeito, detém um crédito sobre a Requerida no montante de € 61.445,71, a título de capital e juros, proveniente de vendas que fez à Requerida.
No artigo 11º da petição inicial, a requerente afirmou que, ao valor referido, acrescem outros credores, sendo que a Requerente tem conhecimento de vários outros créditos:
i) “Leite de (…), SA” titular de um crédito no montante de € 7.405,94.
ii) “Obras (…) – Construções e Remodelações, Lda.” titular de um crédito no montante de € 1.760,74.
iii) “Douro (…), Lda.” titular de um crédito no montante de € 2.227,20.
iv) “(…) – Produtos Químicos e (…), SA” titular de um crédito no montante de € 17.558,21.
v) “(…) – Produtos de Saúde, Lda.” titular de um crédito no montante de € 22.517,41.
vi) “(…) e (…), Lda.” titular de um crédito no montante de € 114.358,11.
E conclui que a requerida se encontra em situação de insolvência nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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A dívida reclamada funda-se em título executivo (Injunção n.º 96057/20.1YIPRT), onde a reclamante exigiu o pagamento da quantia de € 61.405,71.
Devidamente notificada para os seus termos, a devedora não pagou nem deduziu oposição e, consequentemente, foi aposta a fórmula executória na referida injunção.
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Regularmente citada para os termos da insolvência, a requerida deduziu oposição.
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Em 11/02/2021, o Meritíssimo Juiz de Comércio de Setúbal lavrou o seguinte despacho: «Conforme consta da carta de citação e dispõe o artigo 30.º, n.º 2, do CIRE, com a oposição, o devedor junta, sob pena de não recebimento, a lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do seu domicílio.
A Requerida deduziu oposição, mas não juntou essa lista.
Assim, notifique-a para, em 5 dias, dar cumprimento ao disposto no artigo 30.º, n.º 2, do CIRE, sob pena de não recebimento da oposição».
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Devidamente notificada, a sociedade requerida nada disse nem apresentou a lista dos cinco maiores credores.
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Em função disso, por decisão proferida em 03/02/2021, o Tribunal recorrido lavrou a seguinte decisão: «Uma vez que a requerida não juntou aos autos a lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão da requerente, mesmos depois de notificada para o efeito, não recebo a oposição apresentada nos autos, o que equivale à sua não dedução – artigo 30.º, n.º 2, do CIRE».
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E, nessa sequência após avaliar os pressupostos legais de uma situação de insolvência, a decisão recorrida concluiu que «decorre da factualidade apurada, tendo em conta o valor do passivo já determinado, não só quanto à Requerente, mas igualmente em relação a outros credores, alguns deles já com cobrança coerciva em processo executivo e não sendo conhecidos bens à Requerida, que esta se encontra impossibilitada de cumprir as obrigações vencidas (cfr. artigo 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CIRE)».
Em função deste raciocínio, a decisão recorrida declarou a insolvência de “(…) Medic, SA”.
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«1. Veio o douto Tribunal a quo promover sentença de insolvência da recorrente, o que o fez, não com base numa decisão de mérito, mas outrossim, com base num fundamento unicamente processual inválido, ilegal e até mesmo inconstitucional.
2. “Uma vez que a requerida não juntou aos autos a lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão da requerente, mesmos depois de notificada para o efeito, não recebo a oposição apresentada nos autos, o que equivale à sua não dedução – artigo 30.º, n.º 2, do CIRE”.
3. Citada que foi da petição inicial de insolvência, a requerida aqui recorrente, de forma oportuna e tempestiva apresentou a oposição à mesma, através de articulado juridicamente admissível e apto a proteger e a requerer a tutela do direito de que se arrogava e ainda arroga titular, i e, da inexistente situação de insolvência da mesma, aguardando assim uma decisão de mérito sobre Oposição à Insolvência.
4. Na verdade, com base em quatro fundamentos mal andou a sentença ora em crise.
5. No primeiro dos fundamentos, estamos perante um convite ao aperfeiçoamento estendido pelo Tribunal a quo à recorrente, a qual não respondeu ao mesmo e não estava sequer obrigado a fazê-lo, sem que daí pudesse ser retirada a ilacção de desconsiderar a Oposição stricto sensu.
6. A própria noção do convite ao aperfeiçoamento determina que a anomalia – indicação dos cinco maiores credores – não colocava em causa o conhecimento da questão jurídica – existência ou não de uma situação de insolvência, cfr. Ac. TR de Coimbra, Proc. n.º 203848/14.2YIPRT.C1.
7. Neste mesmo sentido segue o entendimento de Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed. – Reimpressão, 1982, pág. 309, naquela sua obra (pág. 372), sobre a distinção entre petição inepta ou deficiente.
8. É assim este o entendimento por nós sufragado, i e, que a Oposição à Insolvência, contém os factos essenciais que nos permitem individualizar a pretensão material deduzida pela ora recorrente, sendo que qualquer insuficiência ou dúvida que pudesse suscitar-se, sempre seria objecto de outra decisão, que não a declaração, imediata, de considerar como não apresentada a Oposição à insolvência.
9. Reitera-se na matéria de facto alegada, não no suprimento de uma deficiência meramente instrumental/processual de indicação de cinco maiores credores, que aliás em nada prejudicaria a decisão de mérito do Tribunal a quo, uma vez que que neste tipo de acções não há sequer lugar à citação dos credores da Requerida aqui recorrente nesta fase inicial do processo, como bem resulta do artigo 29.º do CIRE, cfr. Ac. TR de Guimarães, Proc. n.º 3714/17.2T8VNF-A.G1.
10. Reitera-se: se a parte não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento, a acção deverá prosseguir, correndo por parte da requerida, aqui recorrente, o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, i e, a decisão de mérito!
11. E dúvidas existissem: “Acresce que, não obstante a menção feita no primitivo despacho de aperfeiçoamento ao regime do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CIRE, a verdade é que não se encontrava o juiz vinculado pela cominação assinalada naquele preceito legal (10) (e que não foi expressamente exarada no despacho), além de que, como já vimos, a sua imediata aplicação comportaria uma decisão ilegal, pois que a não correção duma petição deficiente não determina o não prosseguimento da causa (11).”
12. Mais acresce que inexistia fundamento para a recorrente indicar os cinco maiores credores, isto porquanto, embora conste do artigo 23.º, nºs 1 e 2, alínea b), do CIRE (aprovado pelo D.L. n.º 53/2004, de 18/03, na redacção do D.L. n.º 200/2004, de 18/08), que “… o pedido de declaração de insolvência é feito por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos de declaração requerida e se conclui pela formulação do corresponde pedido”, devendo o requerente, além do mais, “identificar os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente”, dispõe o n.º 3 que o requerente deverá solicitar tal pedido de informação.
13. O que não acontece volvida e analisada a petição inicial do requerente.
14. Assim e na verdade, em bom rigor, se peça processual existia que por não indicação dos cinco maiores credores, cfr. determina a Lei, deveria ser desentranhada, sempre seria a petição inicial e por não ter reconhecido essa necessidade – que não reconheceu porquanto não a concebeu conforme infra melhor se indicará – não veio lançar mão do disposto no artigo 23.º CIRE, número 3.
15. Por outro lado, mais acresce ainda que a requerente aqui recorrida não lançou mão do disposto no artigo 23.º/3, CIRE, porquanto a mesma identificou desde logo os cinco maiores credores, bastando para tanto analisar o artigo 11º da petição inicial.
16. Logo, inexistia fundamento para que viesse o Tribunal a quo ordenar a identificação dos cinco maiores credores, sob pena de indeferimento de toda a Oposição, quando aliás tal entendimento é por demais inconstitucional.
17. “Aplicando este dispositivo, o acórdão recorrido entendeu que deve ser desentranhada a oposição que não se mostra acompanhada de informação sobre a identidade dos cinco maiores credores do requerido, uma vez que não tendo essa informação sido prestada no momento fixado na lei, tal falta já não é susceptível de ser suprida. Ora, não respeitando a falta assim sancionada aos elementos essenciais componentes da defesa apresentada, mas sim a dados úteis a uma eventual ulterior fase processual que o legislador, por razões de simplicidade e celeridade, entendeu deverem ser prestados conjuntamente com a oposição ao pedido de declaração de insolvência, a aplicação fulminante de tal cominação revela-se flagrantemente desproporcionada à falta cometida” In Ac. Tribunal Constitucional, Processo n.º 50/08, 2ª Secção, Relator: Conselheiro João Cura Mariano (Conselheiro Benjamim Rodrigues).
18. Estamos assim perante uma decisão proferida por este douto Tribunal que se apresenta como enformadora de um entendimento inconstitucional, conforme supra melhor exposto, devendo assim e na verdade, a Oposição ser liminarmente deferida e ulteriormente tramitada, impondo-se também por esta razão promover-se à revogação da decisão ora em crise e a sua substituição por outra que de facto e de Direito aplique a douta Justiça!
19. No requerimento inicial, a requerente não logrou provar, de todo, que a recorrente esteja numa situação em que não dispõe de bens ou meios suficientes para liquidação da dívida, ou que esta tem um passivo superior ao seu activo, não se figurando quaisquer elementos que permitam supor que o venha a ter.
20. Ademais tais alegados créditos sobre a recorrente são créditos litigiosos, logo, são créditos não exequíveis ou sequer certos, razão pela qual não poderão sequer servir para fundamentar uma qualquer decisão sobre incumprimento até existir uma decisão transitada em julgado.
21. Na realidade, a recorrida usa um meio inidóneo,
22. Tentando obter um desiderato que poderia sempre alcançar lançando mão da via executiva,
23. O que aliás inicialmente o fez, lançando mão das respectivas injunções.
24. No entanto e, diga-se com toda, a clareza dos autos, que perante a perspectiva de novo confinamento, soube a requerente instrumentalizar, de má fé, os presentes autos, peticionando uma insolvência.
25. Face ao exposto, é inequívoco que não se encontram preenchidos os pressupostos para que possa ser decretada a insolvência da requerida, conforme o tem defendido a justa jurisprudência proferida pelo Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 4, Proc. 2983/19.8T8LSB, na qual se lê:
26. O uso indevido deste procedimento representa uma excepção dilatória inominada que obsta ao prosseguimento da acção, nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 2, do C.P.C., devendo a recorrente ser absolvida da instância, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
27. Na verdade e como bem sabe a requerente, é a mesma devedora da requerida no montante de € 61.445,71 à recorrente, com base no seu negócio de conta corrente e assim, está a interpor o processo de insolvência com base num putativo crédito controvertido litigioso de € 4.264,56 que a recorrente não reconhece e não confessa.
28. Que como é bem-sabido e certamente também o bem saberá a requerente, um crédito condicional não é apto a fundamentar um pedido de insolvência.
29. “1. Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, conquanto um crédito litigioso é aquele que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado” In Ac. TR de Lisboa, Proc. 0213/16.2T8LSB.L1-2.
30. Impondo-se a procedência por provada do presente recurso e consequentemente que seja o tribunal a quo ordenado a determinar a ulterior tramitação processual dos autos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs Ex.ªs e este douto Tribunal superior, se requer a procedência por provado do presente recurso, impondo-se a revogação da decisão ora em crise, devendo o Tribunal a quo considerar a Oposição de Insolvência e determinar a ulterior tramitação processual dos autos, revogando-se assim a sentença de insolvência, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais».
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A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
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O requerente apresentou articulado avulso de resposta ao articulado do recorrido.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais por meios electrónicos.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar se existe motivo para não considerar a oposição apresentada e subsequentemente decretar a insolvência da requerida.
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III – Factualidade com relevo para a justa decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa resolução da causa são os que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações gerais:
O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal. Nesta execução universal intervêm todos os credores do insolvente e na mesma é atingido, em princípio, todo o património deste devedor, tal como se retira da interpretação integrada dos artigos 1.º[1], 47.º[2], n.ºs 1 a 3, 128.º[3], n.ºs 1 e 3 e 149.º[4], n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em função disto, tal como decorre do estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, perante a impossibilidade de assumir o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas.
A avaliação de uma situação de insolvência deve ser balizada de acordo com o recorte normativo presente no artigo 20.º[5] do referido diploma. E assim impõe-se perguntar se os factos arrolados na petição inicial revelam (i) um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas (ii) de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações ou representa (iii) ou se se verifica outra situação que se inscreva no conceito em discussão?
Os factos enunciados na norma do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas são indícios ou sintomas da situação de falência (factos-índice). É através deles que, normalmente a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor mas este pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica[6].
Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio «pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual»[7].
Na visão de Menezes Leitão a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações[8].
Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao activo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o activo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu activo[9].
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência actual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do n.º 4 do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[10]. Ou, na formulação de Catarina Serra, a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo[11].
Neste contexto, está consolidada a ideia que não interessa que o devedor ainda possa cumprir num momento futuro qualquer e eventualmente num contexto de remodelação da dívida, verificando-se a entrada em situação de insolvência a partir do momento em que comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo. Deste modo, se os meros atrasos no pagamento não justificam a declaração de insolvência, também não se exige que a impossibilidade seja duradoura, só obstando à declaração de insolvência a falta transitória de liquidez recuperável a curto prazo[12] [13].
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4.2 – Da aptidão da petição inicial e do preenchimento dos factos índice:
É ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor que incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no n.º 1 do artigo 20.º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tal como este colectivo de Juízes Desembargadores já defendeu em acórdãos anteriores é incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência, como decorre da interacção processual entre a previsão contida no n.º 1 do artigo 23.º[14] do diploma em análise[15] e o conceito de insolvência. E este entendimento está completamente estabilizado na interpretação que os Tribunais superiores fazem da norma sub judice[16] [17] [18].
Efectivamente, a mera alegação de que o devedor não pagou ao credor e se desconhece património do devedor é insuficiente para preencher os factos-índice do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[19].
No entanto, lida a petição inicial e avaliados os demais elementos probatórios presentes nos autos torna-se visível que a requerente da insolvência carreou para os autos os elementos de facto suficientes para preencher a causa de pedir e comprovar indiciariamente a existência de uma situação de insolvência.
Ao congregar assim todos os elementos necessários à procedência do pedido, a providência deveria ser decretada, salvo se a requerida demonstrasse a sua solvência nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 30.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
E, assim, é ao nível da apresentação da oposição e da respectiva admissibilidade (ou não) que radica a questão central necessária a decifrar se ocorreu um cenário de manifestação da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
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4.3 – Da (não) admissão da oposição:
A oposição do devedor encontra-se regulada no artigo 30.º[20] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e resulta do enunciado normativo que o devedor deve juntar com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do respectivo domicílio.
Devidamente notificado para completar esta omissão, a sociedade requerida nada fez e veio invocar que a obrigação legal havia já sido cumprida pela contraparte na petição inicial.
Na sua contra-argumentação, a recorrida salienta que apenas indicou os credores por si conhecidos, mas sublinha que estes poderão não corresponder aos cinco maiores. Neste ponto, adianta que «só a requerida tem conhecimento de todo o universo de credores e indicar aqueles que efetivamente são os cinco maiores» e, complementarmente, esta «tem o ónus adicional de indicar as respetivas moradas, para que se cumpra a citação dos referidos credores caso seja proferida sentença de insolvência».
Em primeiro lugar, é indiscutível que, por motivos de conhecimento directo associado à actividade económica e à escrituração da empresa ou do património do devedor singular, a obrigação de indicação dos cinco maiores credores não pode ser substituída pela designação feita pelo credor requerente da insolvência na petição inicial.
Depois, não tem aqui valimento a convocada posição assumida por Alberto dos Reis a propósito do não cumprimento do despacho de aperfeiçoamento e propugnada pelo recorrente quando defende que se a parte não corresponder a esse convite a acção deverá prosseguir, correndo por parte da requerida o risco da decisão de mérito lhe ser desfavorável, dado que as consequências da inobservância do ónus estão fixadas ex lege e não decorrem de qualquer acto discricionário do julgador.
Além disso, não se trata de um caso de ineptidão de uma petição inicial – formalmente trata-se de uma oposição e não do articulado inicial –, mas sim do não preenchimento de condições de recepção da defesa por incumprimento de requisitos formais vinculativos impostos ao requerente no momento em que deduz a sua oposição ao pedido de insolvência.
No entanto, a previsão deste ónus tem sido consensualmente entendida como uma medida de (mera) facilitação dos actos subsequentes à declaração de insolvência, destacando-se aqui a perfectibilização do acto de citação pessoal dos cinco maiores credores determinado no artigo 37.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[21] [22].
Trata-se de uma solução radical e dura[23] que dificulta a actuação procedimental facultada ao devedor[24]. Todavia, a nosso ver e escudados na jurisprudência constitucional, a potencial inconstitucionalidade da norma apenas ocorre nos casos de automaticidade – isto é, naquelas situações em que não há prévio convite à reparação do vício sub judice – da aplicação da sanção de não admissão do articulado por inobservância do ónus de apresentação da lista dos cinco maiores credores.
Efectivamente, a questão já foi suscitada junto do Supremo Tribunal de Justiça[25] e do Tribunal Constitucional que emitiu posição no sentido de «julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 30.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na interpretação segundo a qual deve ser desentranhada a oposição que não se mostre acompanhada de informação sobre a identidade dos cinco maiores credores do requerido, sem que a este seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência»[26] [27] [28].
Porém, na hipótese vertente, não se pode afirmar que a sanção é desconforme com a natureza de uma obrigação de cooperação com o Tribunal e que, no plano concreto, é manifestamente desproporcionada. Com efeito, foi dada a oportunidade à requerida de suprir a omissão de identificação dos cinco maiores credores e esta, sponte sua, preteriu voluntariamente essa faculdade de correcção do articulado anterior, quando tinha sido expressamente alertada para as consequências da sua inacção processual.
Em função desta injustificada inactividade procedimental não se pode afirmar que foi colocado em causa o acesso ao direito e a um processo equitativo e daí decorre que não se sufraga o entendimento que a decisão impugnada viola o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste enquadramento, ao não merecer acolhimento a tese da incompatibilidade da norma com a Lei Fundamental, temos de firmar posição no sentido de que a consequência do não recebimento da oposição é, naturalmente, a mesma da não dedução[29], devendo ser considerados confessados os factos alegados na petição inicial, desde que os mesmos preencham algumas das hipóteses em que a insolvência pode ser requerida por pessoa distinta do devedor[30].
A terminar, não se podendo afirmar que o crédito em causa é incerto, litigioso ou condicional – e nem a qualificação impressa nos artigos 47.º[31] e 48.º[32] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas tem qualquer repercussão a este nível –, ao não ter provado a sua solvência e estando preenchido o facto índice presuntivo da existência de quadro de insolvência, a decisão recorrida não merece reparo.
A argumentação adicionalmente apresentada não tem a virtualidade de alterar o juízo silogístico formulado pela Primeira Instância, sendo que, tal como salienta a sociedade recorrida na sua contra-motivação, parte dos contributos jurisprudenciais convocados não se reportam à mesma questão fundamental de direito relacionada com a não admissibilidade do articulado de oposição e, destarte, os mesmos não têm aplicação prática ao caso concreto.
E, assim, neste cenário, julga-se assim improcedente o recurso, mantendo-se sentença declarativa da insolvência.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, tendo em atenção o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 29/04/2021
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
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[1] Artigo 1.º (Finalidade):
1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, a empresa pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.
3 - Tratando-se de devedor de qualquer outra natureza em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, este pode requerer ao tribunal processo especial para acordo de pagamento, previsto nos artigos 222.º-A a 222.º-I.
[2] Artigo 47.º (Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência):
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.
[3] Artigo 128.º (Reclamação de créditos):
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.
2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º.
3 - Sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, o requerimento de reclamação de créditos é apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para aí remetido por correio electrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respectivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da recepção, comprovativo do recebimento, sendo o envio efectuado pela forma utilizada na reclamação.
4 - A reclamação de créditos prevista no n.º 1 pode efectuar-se através do formulário disponibilizado para o efeito no portal a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça ou através do formulário-tipo de reclamação de créditos previsto nos artigos 54.º e 55.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, nos casos em que aquele regulamento seja aplicável.
5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
[4] Artigo 149.º (Apreensão dos bens):
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
[5] Artigo 20.º (Outros legitimados):
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º.
[6] Catarina Serra, «O Novo Regime Português da Insolvência», Uma Introdução, 3ª edição, Almedina., Coimbra, pág. 25.
[7] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 71.
[8] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 76.
[9] Neste sentido, vide Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência Almedina, Coimbra, 2016, págs. 19-30.
[10] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 87.
[11] Catarina Serra, Revitalização – a designação e o misterioso objecto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra 2013, pág. 91.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/05/2013, in www.dgsi.pt.
[13] Este acórdão apela ao contributo de Manuel Requicha Ferreira, “Estado de Insolvência”, in “Direito da Insolvência. Estudos”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 262-268, que apoiado na jurisprudência alemã remete para a regra dos 10% e das 3 semanas, segundo a qual o devedor não se presume insolvente se a sua incapacidade de cumprir for inferior a 10% do conjunto das suas responsabilidades durante um período de 3 semanas, tido por suficiente para que um credor, gozando de um mínimo de credibilidade creditícia, obtenha financiamento de terceiros para fazer face à sua situação de iliquidez.
[14] Artigo 23.º (Forma e conteúdo da petição):
1 - A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.
2 - Na petição, o requerente:
a) Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente, e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;
b) Identifica os administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;
c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;
d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.
3 - Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 04/06/2020, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Com a mesma compreensão também se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/06/2008, que assume que constitui «ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factos índices ou presuntivos da insolvência. Tais factos, enunciados nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, têm em conta a circunstância de, pela experiência, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações».
[17] Em idêntico sentido pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2010, pesquisável em www.dgsi.pt, que adianta que «o pressuposto objectivo para a declaração de insolvência radica na verificação da insolvência, tal como a define o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, e quando a mesma é requerida por alguém que não o próprio devedor, designadamente um seu credor, terá este de fundamentar a pretensão deduzida com a alegação de factos mencionados no artigo 20.º do citado diploma, factos-índice ou presuntivos da situação de insolvência ou circunstancialismo que exteriorize esse mesmo estado».
[18] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 02/05/2019, consultável em www.dgsi.pt, ficou exarado que «é sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas».
É sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
[19] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/07/2019, disponível na plataforma www.dgsi.pt.
[20] Artigo 30.º (Oposição do devedor):
1 - O devedor pode, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o devedor junta com a oposição, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação do respectivo domicílio.
3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência.
4 - Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º.
5 - Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º.
[21] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 125.
[22] Artigo 37.º (Notificação da sentença e citação):
1 - Os administradores do devedor a quem tenha sido fixada residência são notificados pessoalmente da sentença, nos termos e pelas formas prescritos na lei processual para a citação, sendo-lhes igualmente enviadas cópias da petição inicial.
2 - Sem prejuízo das notificações que se revelem necessárias nos termos da legislação laboral, nomeadamente ao Fundo de Garantia Salarial, a sentença é igualmente notificada ao Ministério Público, ao Instituto de Segurança Social, ao requerente da declaração de insolvência, ao devedor, nos termos previstos para a citação, caso não tenha já sido citado pessoalmente para os termos do processo e, se este for titular de uma empresa, à comissão de trabalhadores.
3 - Os cinco maiores credores conhecidos, com exclusão do que tiver sido requerente, são citados nos termos do n.º 1 ou por carta registada, consoante tenham ou não residência habitual, sede ou domicílio em Portugal.
4 - Os credores conhecidos que tenham a residência habitual, o domicílio ou a sede estatutária num Estado-membro diferente daquele em foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-membros, são citados por carta registada, sem demora, em conformidade com o artigo 54.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
5 - Havendo créditos do Estado, de institutos públicos sem a natureza de empresas públicas ou de instituições da segurança social, a citação dessas entidades é feita por carta registada.
6 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de notificação e citação por via electrónica, nos termos previstos em portaria do Ministro da Justiça.
7 - Os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.
8 - Os editais e anúncios referidos no número anterior devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) a e) e i) a n) do artigo anterior, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior.
[23] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 237.
[24] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 125.
[25] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/2014, publicado em www.dgsi.pt, é dito que «a norma do citado art. 30.º, n.º 2, do CIRE, é materialmente inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, quando interpretada no sentido de não dever ser admitido o articulado de oposição, se este não for acompanhado da lista contendo a indicação dos cinco maiores credores da requerida e sem que a esta tenha sido previamente concedida a oportunidade de suprir essa deficiência».
[26] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 556/2008, de 19 de Novembro, publicitado em www.tribunalconstitucional.pt.
[27] Podem ser ainda consultados os acórdãos 639/2014, de 07/10, também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[28] Em sentido contrário, encontra-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 606/2013, de 24/09/2013, também consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[29] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 237.
[30] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 46.
[31] Artigo 47.º (Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência):
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.
[32] Artigo 48.º (Créditos subordinados):
Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:
a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com excepção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos;
c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes;
d) Os créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito;
e) Os créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé;
f) Os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência;
g) Os créditos por suprimentos.