Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3908/17.0T8FAR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO FUTURO
EQUIDADE
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado.
2 – É necessário que os danos futuros sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se o não forem, não pode o Tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir.
3 – A indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado causada por acidente de viação corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir por força da limitação da sua capacidade de trabalho que se traduz numa equação de correlacionação entre o rendimento anual perdido, o tempo provável de vida activa e as expectativas sustentadas de progressão na carreira.
4 – Pelo facto de o ofendido não exercer à data do acidente qualquer profissão, não está afastada a existência de dano patrimonial e aqui são abrangidos pela possibilidade indemnizatória os indivíduos lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, da vida activa laboral, bem como as crianças e jovens, ainda estudantes, ou não, que ainda não ingressaram no mundo laboral.
5 – O juízo de equidade que a que lei faz menção determina que o julgador tome em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
6 – Não sendo possível o recurso ao critério da equidade, deve evitar-se que o lesado tenha de reclamar periodicamente indemnizações, sendo admissível que se relegue para execução de sentença a oportunidade de identificação do valor exacto desses prejuízos, desde que em sede de acção declarativa, se aleguem e provem os fundamentos da pretensão em causa.
7 – A segurança do dano pode resultar de probabilidades e o ordenamento jurídico nacional permite que o julgador remeta para ulterior decisão a fixação da indemnização, se os danos não forem logo determináveis.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 3908/17.0T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Faro – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa com processo comum, emergente de acidente de viação, proposta por (…) contra “(…) – Seguros Gerais, SA”, Autor e Ré vieram interpor recurso da sentença proferida, no segundo caso o recurso interposto é de natureza subordinada.
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O Autor pedia a condenação da Ré no pagamento da quantia global de € 748.000,00 (setecentos e quarenta e oito mil euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro em causa[1].
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A pretensão estava fundada na ocorrência de um acidente de viação ocorrido em 23/12/2014, quando o Autor tinha 16 anos de idade e que lhe causou danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
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Realizada a audiência final, o Tribunal «a quo» decidiu julgar parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:
A) condenar a Ré “(…) – Seguros Gerais, S.A.” no pagamento ao Autor (…) do montante de € 41.250,00 (quarenta e um mil, duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais.
B) relegar para execução de sentença a liquidação dos montantes a que se refere a necessidade do autor se sujeitar a futura cirurgia para extração de material e consultas de fisioterapia.
C) absolver a Ré do demais peticionado.
D) Sobre as quantias referidas em A) vencer-se-ão juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.
E) As demais quantias vencerão juros à taxa legal, a contar da citação até integral e efetivo pagamento.
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O recorrente (...) não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
1. Circulando o Autor recorrente na estrada de Vale de (…), no sentido norte sul e próximo do eixo da via, conforme se alcança do teor dos pontos 11 e 12 da matéria de facto dada como provada e croquis anexo à participação de acidente de viação, o mesmo conduzia de acordo com as regras estradais, revelando postura prudente, não obstante não ser portador de habilitação legal para a condução.
2. O ciclomotor conduzido pelo Autor (a baixa velocidade atenta a pronta imobilização do mesmo no asfalto) era portador de luzes led com 6 (seis) centímetros (ponto 7 dos factos provados), ou seja, consideravelmente maiores até do que as utilizadas habitualmente pelos ciclistas cuja visibilidade em estrada é assegurada, habitualmente, de acordo com as regras da experiência comum, por dispositivos de menor dimensão.
3. Circulando o Autor em local ermo e numa noite escura de dezembro com ciclomotor dotado de luzes led com a dimensão de 6 (seis) centímetros, não obstante as mesmas não terem natureza regulamentar, o autor e o ciclomotor por si conduzido eram visíveis para os demais condutores.
4. Sendo o Autor visível para os demais condutores nas circunstâncias de tempo e lugar em que se deu o embate, por força das luzes led com a dimensão de 6 (seis) centímetros, a iluminação do ciclomotor não influiu na produção do acidente, independentemente de cumprir ou não as disposições regulamentares aplicáveis.
5. Tendo o condutor do automóvel entrado na estrada de Vale de (…), sem sequer deter a marcha, ao arrepio da sinalização B2 Stop existente na rua s/n de onde provinha (pontos 9 e 10 dos factos provados) e, de imediato, embatido no ciclomotor conduzido pelo Autor que nesse instante chegava ao entroncamento, a iluminação do ciclomotor (que a tinha) não teve qualquer influência na produção do acidente, já que o embate sempre ocorreria.
6. Tendo o condutor entrado na Estrada de Vale de (…) onde circulava o Autor e sem sequer deter a marcha, embatendo no ciclomotor, a responsabilidade pelo acidente pertence lhe em exclusivo, independentemente da natureza das luzes do referido ciclomotor que, não obstante não terem natureza regulamentar, permitiam que fosse visto.
7. Ao fixar repartição de responsabilidade pela ocorrência entre o Autor e o segurado na Ré, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 483º do Código Civil.
8. A douta sentença recorrida considerou (pág. 30) que inexiste fundamento para condenação da Ré no ressarcimento, a título de dano futuro, dos lucros cessantes consistentes na perda de capacidade de ganho, acabando por dizer serem os mesmos danos indemnizáveis na vertente de dano não patrimonial e não proceder à respetiva individualização.
9. À luz das regras da experiência comum, o teor dos factos dados como provados sob os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 45 e 25, 26, 27, 28 e 41 da matéria provada traduz-se em forte limitação ao exercício de atividade profissional pelo Autor, no que constitui dano patrimonial futuro, autonomizável na esteira da jurisprudência acima mencionada, que, pela sua gravidade e consequências, merece a tutela do direito, assistindo ao autor direito a indemnização por tal.
10. Tendo em conta as limitações na capacidade de trabalho resultantes para o Autor do acidente, a respetiva indemnização deve ser autonomizada, enquanto reparação do dano patrimonial futuro, na esteira do defendido na jurisprudência mencionada e ao contrário do que foi feito na douta sentença recorrida.
11. Considerando a pouca idade do Autor, as lesões e danos constantes da matéria de facto dada como provada e as especiais dificuldades em ingressar no mercado de trabalho atentas as referidas limitações, afigura-se razoável a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro em quantia não inferior a € 100.000,00, a fixar segundo juízos de equidade.
12. Ao não condenar a Ré seguradora no pagamento de indemnização pelo dano patrimonial futuro que o Autor sofreu em consequência do acidente, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º, nº 1, 562º e 564º todos do Código Civil.
13. Também a indemnização fixada na douta sentença recorrida relativa ao dano biológico pecou por defeito, atentos os danos resultantes do acidente para o Autor.
14. Ao Autor foi fixado Défice Funcional Permanente de Integridade Física de 12 pontos (ponto 48 alínea e) dos factos provados).
15. Para além desta pontuação, que se fundou nas lesões identificadas na mesma alínea, mostra-se dado como provada a factualidade constante dos pontos 30, 31, 32, 33, 34, 45 e 25, 26, 27, 28 e 41 do probatório que traduz também danos de natureza não patrimonial não valorados no âmbito do dano biológico, como se alcança do confronto da referida alínea e) do ponto 48 dos factos provados com aqueles outros factos dados como provados.
16. Considerando o défice funcional permanente fixado em 12 pontos, mas também ainda que, em consequência do acidente, o Autor passou a irritar-se com facilidade e a ter episódios de descontrolo de impulsos, labilidade emocional e acatisia (ponto 25 dos factos provados), passou a sofrer de alterações de comportamento com humor disruptivo, isolamento social e fadiga emocional fácil (ponto 26 dos factos provados), passou a sofrer de amnésia retrógrada ainda que em recuperação (ponto 27 dos factos provados), ficou a padecer de depressão com ideias suicidas com alterações comportamentais (ponto 28 dos factos provados), tem menos força na perna direita (ponto 30 dos factos provados, que se cansa rapidamente quando esforça a perna e que sente náuseas (ponto 31 dos factos provados), que sente dores de cabeça quando anda de bicicleta (ponto 32 dos factos provados), que sente dificuldade em subir e descer escadas (ponto 33 dos factos provados), que sente dificuldade em permanecer de pé (ponto 34 dos factos provados), padece de alterações de sono, acordando várias vezes durante a noite (ponto 35 dos factos provados), que se afastou dos amigos sentindo-se sozinho (ponto 37 dos factos provados), que se sente diminuído e tímido perante as raparigas face aos seus colegas e amigos que não padecem de quaisquer lesões (ponto 38 dos factos provados), que perdeu a capacidade e a autoconfiança em se relacionar com os outros adolescentes do seu meio e, em especial, raparigas (ponto 39 dos factos provados), que perdeu o ano lectivo, desinteressou-se e abandonou a escola, não conseguindo fixar a atenção e escrever textos com coerência (ponto 41 e 42 dos factos provados), ao Autor deve ser fixada indemnização, por estes danos não patrimoniais, de montante não inferior a € 150.000,00.
17. Ao não fixar indemnização por estes danos não patrimoniais que se alcançam da factualidade dada como provada e identificada na conclusão anterior, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º, nº 1, 562º e 564º todos do Código Civil.
18. Tendo o Autor sido sujeito a internamento hospitalar desde a data do acidente em 23/12/2014 até 12/01/2015 e aí sofrido fortes dores, bem como sido sujeito a duas intervenções cirúrgicas (pontos 19 e 20 dos factos provados), ficado incapacitado temporariamente com recurso a canadianas para caminhar, sofrido dores que originaram fixação de quantum doloris de 5 pontos numa escala de 7, sofrido fortes dores e continuando a padecer de fortes dores presentemente (ponto 29 dos factos provados), bem como sofrido prejuízo de afirmação pessoal e dano estético decorrente das cicatrizes, justificava-se a fixação das indemnizações peticionadas tal como consta na pág. 29 da douta sentença recorrida (pontos iii., iv., v., vii. e ix.), pelo que, não tendo fixado as referidas indemnizações como peticionado, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º, nº 1, 562º e 564º do Código Civil.
19. Atento o teor dos pontos 30 a 33 dos factos provados, a prática de desporto pelo autor será sempre e forçosamente limitada, justificando-se a indemnização peticionada em sede de PI e identificada na pág. 19 da douta sentença recorrida, que, ao não a fixar, violou o disposto nos artigos 483º, nº 1, 562º e 564º, nº 1, do Código Civil.
20. Ao não fixar indemnização pelo prejuízo estético nos termos peticionados pelo autor, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483º, nº 1, 562º e 564º, nº 1, do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, deve o presente recurso ser admitido e merecer provimento e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra que condene a Ré seguradora a pagar ao Autor indemnização de montante não inferior € 425.000,00, com o que se fará Justiça».
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Houve lugar a resposta da Ré “(…) – Seguros Gerais, SA” que pugnou pela manutenção da decisão do Tribunal «a quo».
Subordinadamente a companhia de seguros entende que a decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no artigo 483º do Código Civil, impondo-se, pois, que, em consequência da procedência do presente recurso, seja a mesma modificada, proferindo-se decisão que reconheça o Autor, condutor do motociclo, como único e exclusivo responsável pela produção do acidente, sendo certo que, a assim não se entender, que seja a decisão proferida pelo Tribunal a quo substituída por outra que fixe a repartição de responsabilidades em, máximo, 50% para o condutor do veículo segurado na Ré e 50% para o Autor.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro de julgamento na subsunção jurídica realizada, tendo em consideração os factos apurados, quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, repartição de culpas e atribuição dos montantes indemnizatórios.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada
Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula 75-(…)-51 mostra-se transferida para a Ré seguradora através da apólice n.º (…).
2. O Autor nasceu no dia 13 de Junho de 1998, no condado de El (…), no estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América.
3. No dia 23 de Dezembro de 2014, pelas 20:50 horas, na Estrada de Vale de (…), freguesia de Almancil, concelho de Loulé, ocorreu um embate envolvendo os seguintes veículos: o ciclomotor Marca (…), modelo DT 50 LC e conduzido pelo autor (…) e o automóvel, de matrícula 75-(…)-51, conduzido por (…).
4. O Autor (…) circulava na referida estrada no sentido norte – sul (Loulé – Almancil).
5. Com o capacete na sua cabeça, mas sem que estivesse devidamente fechado, através do dispositivo de fecho de que dispõe.
6. O referido ciclomotor circulava sem seguro e sem chapa de matrícula – o que deu origem à sua apreensão e elaboração de auto de contraordenação com o n.º (…) – a qual, posteriormente, lhe foi atribuída, com os dizeres “11-(…)-07”.
7. Encontrando-se munido de luzes led, com a dimensão de 6 (seis) centímetros, presas com fita cola ao volante do motociclo.
8. O Autor não possuía habilitação legal para conduzir o referido veículo e tendo sido instaurado procedimento criminal que correu os seus termos sob o n.º 717/14.2GFLLE, dos serviços do Ministério Público de Loulé, foi-lhe imposta uma injunção de frequentar um curso de Segurança e Prevenção Rodoviária, suspendendo-se o processo por 8 meses, a qual veio a ser cumprida, dando lugar ao arquivamento dos autos.
9. O veículo 75-(…)-51, segurado na Ré, provinha de rua s/n e tinha a sua progressão limitada pelo sinal vertical B2 STOP.
10. Ao arrepio daquela sinalética, com intenção de virar à esquerda em direção ao norte (Loulé) e sem verificar o trânsito que seguia pela Estrada de Vale de (…), o condutor do veículo 75-(…)-51 entrou na referida via, sem sequer abrandar a marcha.
11. Ao entrar na Estrada de Vale de (…), o veículo 75-(…)-51 embateu com a respectiva frente, lado esquerdo, na parte lateral do ciclomotor que circulava em sentido descendente na referida estrada.
12. O embate ocorreu próximo do eixo da estrada de Vale de … (sentido norte – sul).
13. Em local ermo e numa noite escura de dezembro.
14. Junto à referida sinaléctica (STOP) não é possível a quem provém do arruamento sem nome (como era o caso do condutor do veículo 75-(…)-51) visualizar com facilidade os veículos que circulam no sentido norte – sul da Estrada de Vale de (…).
15. Como consequência directa e necessária do embate, o ciclomotor tombou na via juntamente com o Autor.
16. E o capacete veio a ser encontrado na valeta do lado oposto em que seguia o ciclomotor, junto a um posto de iluminação pública, assinalado no croqui da participação criminal sob o ponto B, a cerca de 6,40 metros do local em que ficou imobilizado o ciclomotor.
17. E sem apresentar quaisquer danos visíveis, quer no casco, quer no dispositivo de fecho.
18. O Autor foi transportado de urgência ao Hospital de Faro onde lhe foi diagnosticado traumatismo crânio encefálico e fratura do membro inferior direito, bem como marcado edema e hematoma periorbitário direito com impossibilidade de visualizar a pupila direita, TAC CE com hematoma fronto-temporal-parietal direito volumoso na fossa temporal, fratura temporal direita e contusão temporal direita.
19. Foi submetido a intervenção cirúrgica de urgência – craniotomia + aspiração de hematoma epidural + lavagem do espaço subdural com saída de sangue.
20. Só após mais de 15 dias teve condições para ser submetido, em 8 de Janeiro de 2015, a nova intervenção cirúrgica em sede de ortopedia a fratura diafisária do fémur direito, designadamente redução cruenta e encavilhamento rimado anterogrado com cavilha T2 Stryker (420 mm x 10 mm).
21. O Autor teve alta hospitalar em 12 de Janeiro de 2015 e passou a marchar com canadianas.
22. A marcha com canadianas prolongou-se desde Janeiro de 2015 até 8 de Março de 2015, data a partir da qual foi aconselhado o desmame do respectivo uso.
23. Fez várias sessões de fisioterapia que cessou em 4 de Julho de 2016.
24. À data do sinistro, o Autor era um jovem estudante de 16 anos, saudável, alegre, com boa disposição, com personalidade equilibrada e que não enfermava de qualquer doença ou defeito físico, frequentando a escola de Loulé.
25. Na sequência do sinistro e por causa dele, o Autor passou a irritar-se com facilidade e a ter episódios de descontrolo de impulsos, labilidade emocional e acatisia.
26. E passou a sofrer de alterações de comportamento com humor disruptivo, isolamento social e fadiga emocional fácil.
27. E passou a sofrer de amnésia retrógrada, embora tenha vindo a recuperar gradualmente.
28. E ficou a padecer de depressão com ideias suicidas com alterações comportamentais.
29. Em consequência do sinistro, o Autor sofreu fortes dores, quer no momento imediato ao acidente, quer durante os tratamentos e continua a padecer de fortes dores presentemente.
30. Tem menos força na perna direita (onde se mantém o material de osteossíntese) do que na perna esquerda.
31. A fim de aumentar a força da perna direita, o Autor tenta fazer exercícios, mas cansa-se rapidamente e sente náuseas que o obrigam a parar.
32. O Autor sente dores de cabeça quando anda de bicicleta, mais intensas quando sob o sol.
33. Ainda hoje sente dificuldade em caminhar e em subir e descer escadas.
34. E sente dificuldade em permanecer de pé, cansando-se facilmente.
35. Padece de alterações do sono, acordando várias vezes em cada noite.
36. Na sequência do sinistro o Autor deixou de poder praticar os desportos a que se dedicava várias vezes por semana, designadamente correr, nadar, andar de bicicleta e rugby, bem como esqui, o que fazia na época de janeiro/fevereiro na Serra Nevada, em Espanha, todos os anos, mas existe a possibilidade da sua retoma a médio prazo.
37. Por causa das lesões sofridas no sinistro, o Autor afastou-se dos amigos com quem praticava tais desportos, sentindo-se em consequência sozinho.
38. O Autor sente-se diminuído e tímido perante as raparigas, face aos seus colegas e amigos que não padecem de quaisquer lesões.
39. Perdeu a capacidade e a autoconfiança em se relacionar com os adolescentes do seu meio e, em especial, raparigas.
40. Por força do sinistro, ficou impedido de frequentar a escola pelo período de 3 meses, perdendo a frequência do 2º período e do próprio ano lectivo que não conseguiu recuperar – cfr. doc. 1 ora junto.
41. Em consequência das lesões sofridas no sinistro, o Autor não consegue manter a atenção nas aulas, não consegue estar quieto muito tempo no mesmo sítio, deixou de conseguir fixar as matérias expostas pelos professores, deixou de conseguir fazer as associações necessárias ao aproveitamento escolar e não consegue escrever um texto com coerência.
42. Desinteressando-se da escola que abandonou.
43. Ficando-se pelo 7º ano, apesar de falar os idiomas inglês e português.
44. Sente grande angústia perante a diminuição das suas capacidades, o que faz com que encare o futuro com grande (e justificada) ansiedade.
45. E, por força do sinistro, perdeu a força física, a destreza e a capacidade de fazer trabalhos exigentes do ponto de vista físico.
46. Como consequência do sinistro, o Autor ficou portador de cicatrizes na cabeça e na perna que constituem motivo de forte desgosto para ele, que delas tem vergonha, evitando deslocar-se à praia e às piscinas bem como vestir calções por esse motivo.
47. Irá necessitar de apoio médico no domínio da psicoterapia, desconhecendo-se o número de consultas e sessões, bem como o respectivo valor.
48. Do relatório pericial datado de 22 de abril de 2019, realizado na pessoa do Autor, resulta que:
a) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14/3/2016;
b) O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 61 (sessenta e um) dias;
c) O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 402 (quatrocentos e dois) dias, nele se incluindo o período de 10 (dez) dias, correspondente a futuro período de recuperação funcional após extração de material;
d) Quantum doloris fixável no grau 5/7;
e) Défice Funcional Permanente da Integridade Física fixável em 12 (doze) pontos, considerando os seguintes danos permanentes (Crânio: cicatriz operatória da região parietal direita de forma arciforme de 19 cm, sem depressão aparente da calote craniana e perturbações cognitivas confirmadas em exame psicológico e neurológico; Ráquis: dor residual da transição dorso lombar sem alterações da estática lombar axial ou sagital sem assimetria e sem pontos dolorosos assinaláveis; cicatrizes lineares da região dorso lombar lateralizadas com 6 e 9 cm respectivamente do lado esquerdo e direito; Membro inferior direito: cicatrizes operatórias da face externa da anca com 7 cm 2 de 2 cm mais distais e outra no terço médio distal de 7 cm; encurtamento de 0,5 cm do MID e sem amiotrofia da coza direita, área cicatricial do terço médio e anterior da perna direita não operatória de 3*2cm não ulcerável, aparente instabilidade posterior do joelho direito sinais meniscais negativos) e sendo de admitir a existência de dano futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, nomeadamente a necessidade de futura extração de material, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico) o que pode obrigar a futura revisão do caso;
f) As sequelas descritas não são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, de considerar dado o examinado ser estudante, sendo que não apresentam limitação em termos de compatibilidade profissional para a generalidade das profissões, nomeadamente as da área de formação técnico profissional do examinado;
g) Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7, de gravidade crescente tendo em conta as cicatrizes;
h) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7, tendo em conta que deixou de praticar algumas modalidades anteriormente praticadas, ainda que exista a possibilidade da sua retoma a médio prazo;
i) Ajudas técnicas: apoio de psicoterapia e futura extração de material.
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3.2 – Matéria de facto não provada[2]:
Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
a) Que, o motociclo do Autor não dispunha de qualquer dispositivo luminoso, na dianteira e traseira.
b) Que o Autor não trazia capacete.
c) Que o motociclo do Autor se encontra registado a favor de (…).
d) E veículo segurado na Ré encontra-se registado em nome de (…).
e) Que, na sequência do sinistro, o Autor ficou a padecer de rigidez do joelho direito com limitação de flexão a 35 graus, limitação na flexão da coxa a 90 graus e de amiotrofia da coxa direita de 3 cm, instabilidade anteroposterior do joelho direito, apresentando Lachman e gaveta anterior positiva e “Romberg negativo” (perda de coordenação motora por bloqueio do cérebro ou cerebelo), hérnia muscular da coxa decorrente da via de abordagem cirúrgica.
f) E, por força da violência do embate no chão, sente zumbido persistente e hipoacusia direita.
g) E sente dores nas costas e nos ombros, bem como na coluna vertebral que está deformada que lhe provocam incómodo e mal-estar.
h) Desinteressou-se dos relacionamentos amorosos próprios da idade.
i) O Autor terá de se deslocar mediante recurso a canadianas, durante toda a sua vida.
j) E não poderá mais praticar qualquer desporto.
k) O Autor deixou de fazer tratamentos de fisioterapia (em 30/06/2015), quando ainda necessitava delas, porquanto não tinha meios para as custear.
l) Em virtude das lesões descritas o Autor não consegue exercer qualquer profissão.
m) E não consegue arranjar trabalho.
n) O Autor poderá carecer de próteses, especialmente no joelho, atento o desgaste provocado neste em virtude dos esforços feitos com a perna.
o) Os pais do Autor sabiam que este não podia conduzir o motociclo, tendo-o permitido.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da responsabilidade pela produção do acidente:
São vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do artigo 483º, nº 1, do Código Civil:
a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[3]- que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) a ilicitude (ou antijuridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
Atento o carácter perigoso da actividade de condução, aos condutores de veículos automóveis é exigível que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito e que não comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias.
Relativamente à integração fática apurada e à respectiva subsunção a delitos de contra-ordenação nada a apontar à decisão recorrida, a qual faz a correcta avaliação das infracções estradais cometidas.
No que se reporta à dinâmica do acidente, tal como sublinha a decisão recorrida, o condutor do veículo segurado na Ré não parou no sinal vertical de paragem obrigatória (Stop) e sem se certificar do trânsito que circulava do seu lado esquerdo, de onde vinha o Autor, iniciou a sua marcha, com intenção de virar para a sua esquerda, introduzindo-se na estrada de Vale D´(…), pela faixa de rodagem onde este circulava, cortando a sua linha de marcha e indo embater com a sua frente lateral esquerda na parte lateral do ciclomotor.
Invertendo a ordem cronológica de conhecimento das pretensões apresentadas, esta circunstância afasta claramente e sem margem para hesitação a conclusão do recurso subordinado quando pretende que se declare que a culpa do acidente se deveu exclusivamente ao comportamento estradal prosseguido pelo Autor.
É certo que o ciclomotor não tinha seguro nem chapa de matrícula (facto provado 6), mas tal aspecto não tem qualquer impacto na produção do acidente. De igual modo, se apurou que o Autor circulava sem habilitação legal para conduzir (facto provado 8). Este episódio também não é causal do acidente. Contudo, em associação com a idade do visado, indicia alguma inexperiência do Autor e esta não habilitação legal para o exercício da condução pode agravar claramente o risco de circulação e tem consequências ao nível da limitação da indemnnização.
O facto decisivo da existência de culpa do Autor traduz-se no não uso adequado de dispositivo de iluminação, que, atentas as condicionantes de tempo, luminosidade e condição de circulação de ambos os veículos, era idónea a evitar a produção do acidente ou, no mínimo, a minorar a possibilidade da respectiva ocorrência.
Nestes termos merece assim ser validada a asserção contida no acto postulativo recorrido que adianta que «caso o veículo conduzido pelo autor estivesse munido da iluminação devida nos moldes legais e regulamentares, teria sido possível ao condutor do veículo segurado na ré aperceber-se da sua presença, a tempo de realizar uma manobra de travagem ou de mudança de direção para a sua direita, dessa forma evitando-se o embate entre os dois e as consequências desastrosas que dele advieram».
Este ponto afasta também a pretensão do Autor de imputação da responsabilidade total pela produção do acidente ao condutor do veículo automóvel e, como tal, neste segmento, a questão crucial subsequente passa por aferir da repartição de culpas no desenvolvimento do acidente. Ou seja, impõe-se a comparação e a valorização dos comportamentos estradais concorrentes mas facilmente se compreende que todos os aspectos acima descritos funcionam como concausas decisivas para a dinâmica do acidente e para a produção dos danos.
Neste campo, por antecipação, adianta-se ainda que tem impacto na definição do montante indemnizatório, a circunstância do lesado ter circulado com o capacete na sua cabeça, mas sem que estivesse devidamente fechado (facto provado 5). Efectivamente, o uso correcto do capacete é uma das medidas de precaução indispensável na circulação estradal relativamente a velocípedes, ciclomotores e motociclos e tem a finalidade de proteger a cabeça contra ferimentos causados e precaver lesões.
Ora, tendo em atenção a natureza das lesões experimentadas, qualquer juízo de prognose póstuma aponta no sentido de que as sequelas físicas sofridas no acidente teriam um impacto substancialmente inferior, caso o capacete não tivesse sido projectado por se encontrar mal colocado.
Por este último motivo estamos numa situação de concorrência de culpas, prevista no artigo 570º[4] do Código Civil, uma vez que «nenhum dos factos – nem o do lesante, nem o do lesado – seria de molde a produzir aquele dano só por si, mesmo quando se trata apenas de um simples agravamento desse dano».
O referido artigo 570º do Código Civil rege a contribuição do lesado para os danos sofridos, aplicando-se quando o facto praticado pelo lesado for causa do prejuízo ou do seu aumento em concorrência com o facto praticado pelo outro interveniente e o lesado tenha actuado com culpa.
Segundo Almeida e Costa «importa, antes de tudo, que o facto do prejudicado possa efectivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é, que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. Portanto, exige-se que o facto do prejudicado apresente as características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro»[5].
Aplica-se a doutrina vertida no nº 1 do artigo 570º do Código Civil que determina que «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».
O Juízo Central Cível de Faro pronunciou-se no sentido que, «avaliando globalmente as circunstâncias que se apresentavam na ocasião em que ocorreu o acidente, consideramos ser de fixar a repartição de responsabilidades de 75% para o condutor do veículo segurado na ré e 25% para o autor».
Conjugados todos os parâmetros de avaliação previstos na lei com a matéria descrita nos factos provados, no confronto entre a gravidade do acidente e as suas consequências, não é de desaprovar este juízo prudencial da Meritíssima Juíza de Direito.
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4.2 – Da reparação dos danos:
4.2.1 – Considerações gerais:
Da análise da matéria fáctica assente resulta que todos os referidos pressupostos impulsionadores da reparação fundada na responsabilidade civil por factos ilícitos se encontram preenchidos.
Ensina Gomes da Silva que «elementos fundamentais da responsabilidade são o dano e a relação em que ele se encontra com o responsável. (...) A responsabilidade é, por conseguinte, a obrigação nascida de um prejuízo e tem por objecto a reparação deste. O intuito com que a lei o estabelece não é o de intimar os indivíduos nem o de reprimir os factos ilícitos: é apenas o de satisfazer a justiça comutativa, reparando danos causados. O prejuízo, por conseguinte, é o fulcro de toda a responsabilidade»[6].
Na lição de Pereira Coelho «por dano pode entender-se (...) o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal»[7].
Assim, defende-se que dano é «todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem»[8].
No respeitante aos danos patrimoniais o princípio fundamental que tutela esta matéria, é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, excepto se a restauração não for exequível ou se se revelar excessivamente onerosa para o devedor, por ser a forma mais genuína de reparação.
Postula Almeida e Costa que a restauração natural ou indemnização em forma específica dos interesses dos lesados é a forma mais perfeita de reparação. Desta sorte, apenas se apresenta inviável quando «não haja possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exacta ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor. Terá então de operar-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos» [9] [10].
No cumprimento do disposto no artigo 562º do Código Civil, será obrigação dos responsáveis indemnizar os lesados pelos prejuízos ex­perimentados, de forma a recons­ti­tuir-lhes a situação que existiria se não hou­vesse ocorrido o evento danoso.
O artigo 563º do Código Civil determina que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão», pelo que, a obrigação de reparar o dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo.
A disposição desta norma legal, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, consagra a doutrina da causalidade adequada, mediante a qual determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, atendendo às circunstâncias do caso concreto conhecidas pelo agente, essa acção ou omissão se mostrava adequada à produção do referido prejuízo, com fortes probabilidades de tal evento se verificar.
Vem-se entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito, seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a natureza geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação dano. Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerado – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano[11].
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4.2.2 – Dos danos de natureza não patrimonial:
O artigo 496º[12] do Código Civil impõe que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, compensá-los mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado «um preço de dor» ou «um preço de sangue», mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo esses interesses de ordem refinadamente ideal[13] [14].
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (primeira parte do nº 3 do artigo 496º do Código Civil).
Almeida e Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[15] [16] [17] [18].
Conforme faz notar Pessoa Jorge «na generosa formulação do artigo 496º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afectado»[19].
O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[20]. É ainda que alertar que, tal como atesta a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a referida compensação tem natureza mista, pois visa simultaneamente reparar o prejuízo mas também encerra um juízo reprovador da conduta lesiva.
O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto[21], o bom senso determina que os danos morais sofridos pelo Autor sejam dignos de protecção legal.
Ao contrário daquilo que perpassa das alegações do recorrente principal, os danos experimentados foram valorizados, mas conjuntamente e não separadamente como propunha o Autor. Isso não significa que alguns dos danos não tenham sido rerssarcidos, mas tão só que o Juízo Central de Competência Cível de Faro os valorizou de modo reunido e numa escala inferior ao pretendido pela parte activa, sendo que nalguns segmentos assiste razão à recorrida quando afirma que alguns dos danos peticionados se apresentam numa forma duplicada.
Vejamos.
Ao Autor foi fixado Défice Funcional Permanente de Integridade Física de 12 pontos (ponto 48 alínea e) dos factos provados). Em consequência do acidente, o Autor passou a irritar-se com facilidade e ater episódios de descontrolo de impulsos, labilidade emocional e acatisia (ponto 25 dos factos provados), a sofrer de alterações de comportamento com humor disruptivo, isolamento social e fadiga emocional fácil (ponto 26 dos factos provados), a sofrer de amnésia retrógrada ainda que em recuperação (ponto 27 dos factos provados), ficou a padecer de depressão com ideias suicidas com alterações comportamentais (ponto 28 dos factos provados). Regista ainda menos força na perna direita (ponto 30 dos factos provados, cansa-se rapidamente quando esforça a perna e sente náuseas (ponto 31 dos factos provados), dores de cabeça quando anda de bicicleta (ponto 32 dos factos provados), sente dificuldade em subir e descer escadas (ponto 33 dos factos provados), sente dificuldade em permanecer de pé (ponto 34 dos factos provados), padece de alterações de sono, acordando várias vezes durante a noite (ponto 35 dos factos provados).
Mais releva que se afastou dos amigos sentindo-se sozinho (ponto 37 dos factos provados), se sente diminuído e tímido perante as raparigas face aos seus colegas e amigos que não padecem de quaisquer lesões (ponto 38 dos factos provados), perdeu a capacidade e a autoconfiança em se relacionar com os outros adolescentes do seu meio e, em especial, raparigas (ponto 39 dos factos provados). Também é de assinalar que perdeu o ano lectivo, desinteressou-se e abandonou a escola, não conseguindo fixar a atenção e escrever textos com coerência (ponto 41 e 42 dos factos provados).
O Autor foi sido sujeito a internamento hospitalar desde a data do acidente em 23/12/2014 e 12/01/2015 e aí sofrido fortes dores, bem como sido sujeito a duas intervenções cirúrgicas (pontos 19 e 20 dos factos provados), ficando incapacitado temporariamente com recurso a canadianas para caminhar.
Ficou também demonstrado que sofreu dores que originaram fixação de quantum doloris de 5 pontos numa escala de 7. E, para além dessas dores passadas, continua ainda a tê-las (ponto 29 dos factos provados).
Está igualmente patenteado um prejuízo de afirmação pessoal, a existência de um dano estético decorrente das cicatrizes e a ocorrência de limitações relevantes para a prática de desporto no seu estado de vivência actual.
Nestes termos, sopesando o grau de incapacidade, os dias de internamento e sujeição a cirurgias e sofrimento daí adveniente, o período de incapacidade temporária, a valorização das dores sofridas após a alta hospitalar, a impossibilidade de praticar desportos, o convocado prejuízo de afirmação pessoal, a perda de interesse escolar e comprovado dano estético, aliado à circunstância da idade do Autor que deve ser ponderada tanto na dimensão do lapso temporal em que ocorreu o acidente e a esperança média de vida como na vertente da consolidação das expectativas pessoais de um adolescente – o pretium juventutis[22] – levam o Tribunal de recurso a fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 80.000,00 (oitenta mil euros). Esta verba será reduzida em função do apurado grau de culpa.
Esta verba inclui o dano existencial e todos aqueles que não relacionados com o dano biológico na sua componente patrimonial da perda de rendimentos laborais futuros, tanto na vertente da perda da capacidade laboral específica ou genérica como no aumento da penosidade de futuras tarefas laborais (no sentido de que o lesado alcança o mesmo trabalho que alcançaria se não tivesse a lesão, mas fá-lo com mais esforço)[23].
A este valor acresce naturalmente a compensação devida a necessidade do autor se sujeitar a futura cirurgia para extração de material e consultas de fisioterapia cuja liquidação foi relegada para execução de sentença. Aliás, esta matéria mostra-se perfeitamente consolidada por efeito do caso julgado decorrente da circunstância de não integrar o objecto do recurso.
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4.2.3 – Do dano futuro associado à impossibilidade de obter rendimentos futuros, considerando a incapacidade profissional de que ficou a padecer:
O Autor pretendia receber uma indemnização no valor de 288.000,00 € (duzentos e oitenta e oito mil euros) decorrente da impossibilidade de obter rendimentos futuros, considerando a incapacidade profissional de que ficou a padecer.
O julgador «a quo» considerou que «não se apurou que, em resultado das sequelas verificadas na pessoa do autor e decorrentes do acidente em causa, este tenha ficado impossibilitado de, no futuro, vir a exercer uma profissão remunerada». E, assim, concluiu que não existe «qualquer fundamento para a condenação da Ré no ressarcimento do valor peticionado a título de danos futuros (sem prejuízo da ressarcibilidade do mesmo dano, na vertente de dano não patrimonial)».
Para além da bibliografia geral dos direitos das obrigações, sobre o dano futuro e a obrigação de indemnização podem ser consultados Vaz Serra[24], Sinde Monteiro[25], João Dias Álvaro[26], Armando Braga[27], Maria da Graça Trigo[28] [29], Manuel Carneiro da Frada[30], Ana Mafalda Barbosa[31], Cátia Gaspar e Maria Manuela Chichorro[32], Duarte Nuno Vieira e José Alvarez Quintero[33] e Brandão Proença[34].
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Na conceptualização dos danos futuros estes podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis e os danos previsíveis são subdivididos entre os certos e os eventuais. O dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável.
Almeida e Costa ensina que os danos futuros, em contraposição aos danos presentes, são os que não se verificaram à data da fixação da indemnização, subdividindo-se em certos e eventuais, conforme a respectiva produção se apresente infalível ou apenas possível[35].
No plano axiológico é necessário destrinçar entre o conceito de determinação dos danos e a oportunidade de identificação do valor exacto desses prejuízos. É imediatamente indemnizável, porque suficientemente previsível, o dano futuro cuja ocorrência pode ser prognosticada para um futuro mediato, mais ou menos longínquo. O dano futuro acerca do qual não possa ser formulado esse prognóstico, não sendo mais do que um receio, não é indemnizável antecipadamente[36].
Vaz Serra pugna que a certeza ou a segura previsibilidade do dano futuro pode derivar de ele ser o desenvolvimento seguro de um dano actual, mesmo que seja incerto o seu montante, como, por exemplo, no caso de dano resultante de lesões corporais a um trabalhador[37].
Numa síntese jurisprudencial pode dizer-se que o dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência. No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado não o prognostica, o dano é imprevisível[38].
Vaz Serra apresenta o critério da segurança bastante para a fixação imediata da obrigação de indemnização. Este autor salienta que: «é necessário que os danos futuros sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se o não forem, não pode o Tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir. A segurança do dano pode resultar de probabilidades»[39] [40].
Almeida Costa admite a ressarcibilidade do dano futuro «desde que previsível», subdividindo-os em certos e eventuais, «conforme a respectiva produção se apresente infalível ou apenas possível»[41].
Pires de Lima e Antunes Varela assinalam que se permite que «o julgador remeta para ulterior decisão a fixação da indemnização, se os danos não forem logo determináveis»[42]. E a solo Antunes Varela volta a realçar a necessidade da «suficiente segurança»[43]. Por sua vez, Menezes Leitão advoga que a fixação do dano depende da «determinabilidade do dano futuro»[44].
A indemnização por danos futuros resultantes da incapacidade física do lesado causada por acidente de viação não deve englobar-se nos danos não patrimoniais[45] e no cálculo desse capital interfere necessariamente a equidade e as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um carácter de mero auxiliar, devendo ponderar-se acessoriamente a rentabilidade financeira decorrente do tempo e do modo de pagamento, a importância dos gastos pessoais, a idade, a esperança média de vida activa do lesado[46] e a importância do dano biológico sofrido.
Está enraizada na jurisprudência dos Tribunais Superiores a ideia que para a fixação da justa indemnização para ressarcir o prejuízo inerente à perda de capacidade de ganho determinada pela incapacidade parcial permanente, causada por lesões sofridas em acidente de viação, a lei não dá qualquer orientação que não seja a constantes do nº 2 do artigo 564º[47] – atendibilidade dos danos futuros previsíveis – e dos nºs 2 e 3 do artigo 566º[48] – vulgarmente designada teoria da diferença – ambos do Código Civil, conjugados com o recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.
A indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado causada por acidente de viação corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir por força da limitação da sua capacidade de trabalho que se traduz numa equação de correlacionação entre o rendimento anual perdido, o tempo provável de vida activa e as expectativas sustentadas de progressão na carreira.
Relativamente ao parâmetro do dano futuro, o Tribunal pode atender aos mesmos desde que sejam previsíveis. Se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, tal como ressalta da simples leitura da disciplina precipitada no artigo 564º do Código Civil.
Da leitura interligada entre as regras contidas no nº 2 do artigo 564º e nº 3 do artigo 566º do Código Civil resulta assim que, no âmbito do dano futuro, a lei atribui prevalência à averiguação dos danos em alternativa à fixação equitativa imediata da indemnização, em função do grau de incerteza inerente às particularidades de risco do desenvolvimento do risco obrigacional e à segurança unitária do sistema jurídico. Como afirma a melhor jurisprudência «a contradição aparente dessas duas disposições resolve-se no sentido de que a fixação da indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotada a possibilidade de apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser determinado. E, no caso vertente, falta, pelo menos, um dado essencial para o cálculo dos danos futuros, que é o da idade do lesado, pois conforme a probabilidade da maior ou menor duração da sua vida activa assim aumentará ou diminuirá o prejuízo futuro, resultante da redução da sua capacidade laboral»[49]
Deste modo, fica assim afastada a possibilidade de recurso a critérios de equidade, pois assim o inviabiliza o modo precoce como foi afectada a capacidade de trabalho, a ausência de dados de factos que permitam escrutinar qual seria o percurso laboral ou de vida do lesado, a evolução das sequelas biológicas que atingiram o autor, o desenvolvimento progressivo da gestão das expectativas académicas e de inserção no mercado profissional e o mutacionismo do contexto sócio-laboral onde está inserido.
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4.2.4 – Do dano profissional futuro: nova acção ou possibilidade de quantificar os danos em sede de liquidação de sentença:
Relativamente ao parâmetro do dano futuro, o Tribunal pode atender aos mesmos desde que sejam previsíveis. Se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, tal como ressalta da simples leitura da disciplina precipitada no artigo 564º do Código Civil.
Estamos perante uma hipótese em que o dano futuro é previsível, mas onde inexistem elementos bastantes que possibilitem de forma séria, objectiva e rigorosa determinar de imediato a respectiva extensão.
A doutrina e a jurisprudência estão de acordo em que pelo facto de o ofendido não exercer à data do acidente qualquer profissão, não está afastada a existência de dano patrimonial, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens. Neste leque, cingindo-nos agora à capacidade para o trabalho, encontrar-se-ão os indivíduos lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, da vida activa laboral, e considerando a duração cronológica de vida, seja a montante – caso das crianças e jovens, ainda estudantes, ou não, mas que ainda não ingressaram no mundo laboral –, seja, a jusante, com os reformados/aposentados, que dele já saíram, sem esquecer os que estando fora destes parâmetros temporais, situando-se pela sua idade no período de vida activa, estão porém fora daquele mercado, porque desempregados[50].
Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o Tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado[51].
Vaz Serra diz que «a desvalorização física que afecte a capacidade aquisitiva do lesado constitui um dano (além de não patrimonial) patrimonial, pois traduz-se na redução da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais, isto é, no não aumento do património do lesado (lucro cessante).
O mesmo facto pode produzir danos patrimoniais e não patrimoniais, e é isso que se verifica no caso do acórdão: as lesões que a vítima do acidente sofreu, além dos danos não patrimoniais que causaram, determinaram também o dano patrimonial da diminuição da capacidade aquisitiva do lesado.
Este dano reveste a forma de lucro cessante, que é aquele que tem lugar quando o lesado não tem um direito sobre o bem atingido, na data do facto danoso; e é indemnizável, tal como o dano emergente (…)»[52].
A previsibilidade do dano biológico na sua faceta de afectação dos rendimentos profissionais futuros pode assentar em probabilidades, mas estas têm de ser tão fortes que possa considerar-se certo o dano. Se, pelo contrário, o dano futuro for já certo pode ser desde logo reparado.
Como já se avançou, estamos perante uma hipótese em que o lesado é afectado na sua capacidade de trabalho, mas a natureza precoce desta afectação impediu o arbitramento imediato de uma indemnização reparadora e compensatória. Aquilo que é indiscutível é que, racionalmente, as lesões experimentadas têm a virtualidade abstracta de determinar a perda ou a diminuição dessa capacidade. O Autor pode exigir a reparação do dano que terá em consequência das suas limitações concretas futuras.
Não sendo possível o recurso ao critério da equidade, deve evitar-se que o lesado tenha de reclamar periodicamente indemnizações, sendo admissível que se relegue para execução de sentença a oportunidade de identificação do valor exacto desses prejuízos, desde que em sede de acção declarativa, se aleguem e provem os fundamentos da pretensão em causa.
Na realidade, na hipótese vertente é previsível com suficiente segurança que a capacidade de trabalho do recorrente será afectada e que, com esse acto turbador da sua plena capacidade de exercício de função laborais, como decorrência lógica, possa ter perdas salariais prováveis, subsista o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado e seja compensado pelo esforço acrescido para desenvolver a actividade que normalmente exerceria sem dificuldade não fora a lesão causada pelo evento lesivo. Embora aqui, face ao princípio do pedido e da iniciativa, a questão esteja reduzida ao simples pagamento de perdas salariais futuras em função das lesões sofridas.
A aplicação do artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos, mas como pressuposto primeiro da sua aplicação deverá ocorrer a prova da existência dos danos. Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser deduzida pretensão sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, a quantidade de condenação. No caso de o autor ter deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), caso não logre fixar com precisão a extensão dos prejuízos poderá fazê-lo em liquidação em execução de sentença.
Deste cotejo resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
Na realidade, o ordenamento jurídico nacional permite que se defina o montante dos prejuízos em sede de liquidação, mas, como se disse e foi realmente feito, impõe que, em sede de acção declarativa, se aleguem e provem os fundamentos da pretensão em causa[53] [54] [55] [56] [57].
E esta prova perfunctória foi realizada. Efectivamente, no relatório clínico relativo ao défice funcional experimentado é dito que é «de admitir a existência de dano futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, nomeadamente a necessidade de futura extração de material, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico) o que pode obrigar a futura revisão do caso». Não podendo ser validada a afirmação de que não existirão repercussões na actividade profissional, por se tratar de um estudante, ainda que em termos de compatibilidade profissional a incapacidade experimentada possa ser diminuta.
E, assim, carece de utilidade jurídica exigir a propositura de nova acção, até pelos problemas inerentes ao decurso do tempo e ao seu efeito extintivo do cumprimento das obrigações, pelo que, se relega para execução de sentença a fixação do dano futuro associado à impossibilidade de obter rendimentos futuros, considerando a incapacidade profissional de que ficou a padecer, limitado pelo valor parcial agora peticionado.
Isto é, somos confrontados com um caso em que todos os pressupostos da responsabilidade civil se mostram perfectibilizados, mas que, em função da idade do lesado conciliada com a falta de dados que possibilitem prognosticar o seu futuro profissional, por via dessa indefinição, o julgador está impedido de recorrer com sucesso à equidade mas poderá identificar o valor exacto desses prejuízos numa fase posterior de liquidação, sem necessidade de obrigar o lesado a propor nova acção com um objecto já perfeitamente delineado ao nível do dano.
Em função disto, decide-se alterar parcialmente a sentença recorrida.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se:
A) condenar a Ré “(…) – Seguros Gerais, S.A.” no pagamento ao Autor (…) do montante de 60.000,00 € (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais.
B) relegar para execução de sentença a liquidação do dano futuro associado à impossibilidade de obter rendimentos futuros, considerando a incapacidade profissional de que ficou a padecer, até ao valor máximo de € 288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros).
c) manter no mais a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante e da apelada na proporção do respectivo decaimento, ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil, sendo que relativamente às quantias cuja liquidação é relegada para execução de sentença o pagamento das obrigações tributárias é fixada provisoriamente em 50% para cada parte.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 14/07/2020

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário


__________________________________________________
[1] i.) O valor relativo à impossibilidade de obter rendimentos futuros, considerando a incapacidade profissional de que ficou a padecer, no montante de € 288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros);
ii.) € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pelo grau de incapacidade que considerou dever ser fixado em 66 (sessenta e seis) pontos;
iii.) € 15.000,00 (quinze mil euros), pelos dias de internamento e sujeição a cirurgias e sofrimento daí adveniente;
iv.) € 10.000,00 (dez mil euros), pelo período em que ficou incapacitado temporariamente, com recurso a canadianas;
v.) € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), pelas dores e internamentos a que foi sujeito;
vi.) € 30.000,00 (trinta mil euros), pela impossibilidade de praticar desportos;
vii.) € 30.000,00 (trinta mil euros), pelo prejuízo de afirmação pessoal;
viii.) € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda de interesse escolar;
e, ix.) € 15.000,00 (quinze mil euros), pelo dano estético decorrente das suas cicatrizes.
[2] Ficou ainda consignado na sentença que: «não existem outros factos com interesse para a discussão da causa e os demais alegados são matéria conclusiva e/ou de direito ou repetida, pelo que não se dão como provados ou não provados».
[3] Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 4ª edição, vol. I, pág. 447.
[4] Artigo 570.º (Culpa do lesado):
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
[5] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª Ed., Almedina, Coimbra, pág. 673.
[6] Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, vol. I, pág. 245
[7] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 250.
[8] Vaz Serra, Boletim do Mistério da Justiça, nº 84, pág. 8.
[9] Direito das Obrigações, 5ª Ed., pág. 637 e seguintes.
[10] No mesmo sentido: Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 404-405.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2006, in CJ STJ XIV-II-120.
[12] Artigo 496.º (Danos não patrimoniais) :
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
[13] Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., pág. 115.
[14] Sobre a vida, a morte e a sua indemnização veja-se o estudo de Leite Campos, no BMJ 365, pág. 5 e seguintes.
[15] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª Ed., pág. 502.
[16] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 374 e seguintes.
[17] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, nº 1, Coimbra, 1992, pág. 17 e seguintes.
[18] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da justiça, nº 83, pág. 69.
[19] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 376.
[20] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4.
[21] Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, pág. 229.
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2004, consultável em www.dgsi.pt.
[23] Maria da Graça Trigo, Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil. Temas Especiais, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 78.
[24] Adriano Vaz Serra, Anotação ao acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 1980, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113º, nº 3678, 1980.
[25] Jorge Sinde Monteiro, Dano Corporal (Um Roteiro do Direito Português), Revista de Direito e Economia, ano XV, 1989, págs. 367-374.
[26] João Dias Álvaro, Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, Coimbra, 2001.
[27] Armando Braga, a Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005.
[28] Maria da Graça Trigo, Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, vol. I, 2012, págs. 147-178.
[29] Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil. Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2015, págs. 69-87.
[30] Manuel Carneiro da Frada, Nos 40 anos do Código Civil Português. Tutela da Personalidade e Dano Existencial, Forjar o Direito, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 289-313
[31] Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de responsabilidade Civil, Princípia, Cascais, 2017.
[32] Cátia Marisa Gaspar e Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro, A Valoração do Dano Corporal, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017,
[33] Duarte Nuno Vieira e José Alvarez Quintero (coordenação), Aspectos práticos da avaliação do dano em Direito Civil, Bibilioteca Seguros, Julho, 2008, número 2.
[34] José Carlos Brandão Proença, Estudos de Direito das obrigações, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2018.
[35] Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 481.
[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/1999, cuja leitura pode ser efectuada em www.dgsi.pt.
[37] Adriano Vaz Serra, Obrigação de Indemnização (Colocação. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Extensão do dever de indemnizar. Espécies de indemnização. Direito de abstenção e de Remoção. Boletim do Ministério da Justiça, nº 84, 1959, página 251 e seguintes.
[38] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/07/2016, cuja leitura integral pode ser realizada em www.dgsi.pt.
[39] Adriano Vaz Serra, Obrigação de Indemnização (Colocação. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Extensão do dever de indemnizar. Espécies de indemnização. Direito de abstenção e de Remoção. Boletim do Ministério da Justiça, nº 84, 1959, págs, 251-252.
[40] Adriano Vaz Serra, Anotação ao acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 1980, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113º, nº 3678, 1980, pág. 326.
[41] Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 481,
[42] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, reimpressão (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 580.
[43] João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pág. 911.
[44] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 332.
[45] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2003, publicado em www.dgsi.pt.
[46] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/07/2003, também disponível em www.dgsi.pt.
[47] Artigo 564.º (Cálculo da indemnização):
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
[48] Artigo 566.º (Indemnização em dinheiro):
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
[49] Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 22/01/1980, também acessível em www.dgsi.pt.
[50] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2009, publicado em www.dgsi.pt.
[51] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2016, publicado em www.dgsi.pt.
[52] Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102º, págs. 292 a 298.
[53] Só é possível deixar para liquidação, em execução de sentença, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o montante, nem sequer recorrendo à equidade.
[54] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/74, BMJ 238-204, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/07/80, BMJ 301-469; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/12/1998, in www.dgsi.pt.
[55] Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 71.
[56] Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114º, pág. 309.
[57] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 233.