Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
641/13.6TBPTG.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: INABILITAÇÃO
CURADOR
NOMEAÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não constando qualquer motivo que justificasse o afastamento da nomeação da pessoa indicada como tutor pela mãe da requerida, nem tendo sido invocado na decisão recorrida, mostra-se violada lei imperativa e como tal a sentença impugnada não pode deixar de ser revogada no que concerne ao segmento da nomeação do curador.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 641/13.6TBPTG.E1 (1ª secção cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


O Ministério Público instaurou acção especial de inabilitação contra (…), solteira, reformada, nascida a 15.11.1957, na freguesia de Santa Isabel, em Lisboa, e residente no Lar residencial de (…), Centro de Bem-Estar Social de (…), Rua General Humberto Delgado, em (…), invocando, em síntese, que a requerida padece de esquizofrenia paranoide e de epilepsia generalizada, tendo tais patologias determinado o seu internamento por alterações de comportamento com agressividade e recusa em tomar medicação, encontrando-se impossibilitada de gerir os seus bens.
Concluindo peticiona que se decrete a inabilitação, por anomalia psíquica, da requerida.
Tramitados aos autos, veio a ser proferida sentença, cujo dispositivo reza:
“Em face do exposto, com base nas disposições legais citadas e com os fundamentos apresentados, julga-se procedente por provada a acção especial de inabilitação contra (…) e, em consequência, decido:
a) Declarar inabilitada (…) por anomalia psíquica, com data de início correspondente à data de nascimento da inabilitada.
b) Nomear como tutora do interdito a sua prima (…), cabendo-lhe praticar todos os actos relativos à disposição de património da inabilitada.
c) Nomear vogais para o conselho de família (…) e (…).
Custas pelo Requerida, à luz do disposto no n.º 3, do artigo 535.º do CPC, sem prejuízo da isenção consagrada no n.º 1, alínea l) do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.”
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Inconformada com tal decisão, referente à sua nomeação como tutora vem (…) interpor recurso apresentando as respectivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. O Ministério Público antes de intentar esta acção não efectuou nenhum Processo Administrativo para ouvir os familiares, a directora da instituição onde está a inabilitada (…), ou, pelo menos, a pessoa que estava indicada no processo anterior como testemunha e, assim poder indicar as pessoas que deviam ser nomeadas Curador e os membros do Conselho de Família.
II. Limitou-se a pedir certidão de um processo anterior intentado pela mãe da inabilitada em que esta pede que seja nomeado para tutor (…) que está fundamentado numa declaração escrita da mãe com a assinatura reconhecida pela Notária que é um documento autenticado.
III. E indicou para Curador quem estava designado no processo anterior para Protutor e para Subcurador quem estava designado no processo anterior para o Conselho de Família e para Vogal do Conselho de Família quem estava no anterior processo arrolado como testemunha.
IV. Na petição inicial, bem como na sentença há uma clara violação do artigo 143º, nº 1, al. b), do Código Civil, pois o que a lei refere é que na falta de cônjuge do interdito é nomeado tutor a pessoa indicada pelos pais.
V. A sentença além de violar de forma clara este preceito legal, nem sequer fundamentou, nem explicou o motivo de não ter nomeado para tutor a pessoa indicada pela mãe.
VI. Nem tão pouco atendeu à contestação da curadora provisória que indicou para desempenhar as funções de Curador a mesma pessoa que tinha sido designada pela mãe da requerida, (…), nem foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela curadora provisória.
VII. E contrariamente à declaração autenticada da mãe e à posição expressa na contestação pela curadora provisória, nomeia esta para Curador, sem fundamentar sequer o motivo de não ter ouvido ninguém, nem ter realizado qualquer diligência de prova para além das duas perícias à requerida.
VIII. Mesmo que o Tribunal não considerasse válida a declaração autenticada da mãe da requerida, teria sempre de cumprir o estabelecido no nº 2 do artigo 143º do Código Civil e ouvir o Conselho de Família antes de designar o Curador, o que não fez.
IX. Violou assim a sentença o artigo 143º, nº 1, b) e nº 2, do Código Civil, ex vi artigo 156º do mesmo Código Civil.
X. A Meritíssima Juíza a quo omitiu diligências de prova ao não ter procedido à audição da testemunha arrolada pelo Ministério Público na petição inicial e pela curadora provisória na contestação, e decidiu sem nada dizer quanto à prova indicada.
XI. A Meritíssima Juíza a quo não se pronunciou quanto à questão suscitada na contestação de ser nomeado para Curador (…), havendo assim uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, alínea b), do Código do Processo Civil.
O Ministério Público apresentou alegações limitando-se a “aderir à fundamentação” aduzida na sentença, salientando que o recurso “não deverá merecer provimento”.

Cumpre apreciar e decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão essencial que importa apreciar consiste em saber se foi violado o disposto no artº 143º, nº 1, al. b) e nº 2, do C. Civil, ao ter-se nomeado a apelante para exercer o cargo de curadora da inabilitada (…).

No Tribunal recorrido foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
1. A Requerida nasceu a 15.11.1957.
2. Tem actualmente 57 anos.
3. A Requerida padece de oligofrenia leve, esquizofrenia residual e de epilepsia.
4. A Requerida encontra-se a residir no Lar Residencial de (…), Centro de Bem-Estar Social de (…), Rua Humberto Delgado, em (…).
5. Os pais da Requerida já faleceram, não tendo irmãos.
6. A Requerida sabe expressar-se, entendendo o sentido das palavras e as frases que lhe são dirigidas.
7. Desde que nasceu que a Requerida apresentou atraso cognitivo, sendo essa a razão para ter estudado na escola apenas até certa idade.
8. Os pais da requerida entenderam que, atenta a anomalia de que padecia, seria melhor estudar em casa.
9. Conhece o valor facial do dinheiro, mas não o valor económico das coisas.
10. A Requerida orienta-se no tempo e no espaço.
11. Efectua a sua higiene diária com auxílio de terceiros e come pela própria mão.
12. Não consegue a Requerida providenciar, de forma autónoma, pelo cuidado da sua saúde física e mental.
13. Em função da doença de que é portadora, é incapaz de gerir os seus bens, necessitando de alguém que cuide dos mesmo e necessita de acompanhamento permanente, em face da irreversibilidade do seu quadro clínico.
Em face documento notarial junto a fls. 28 e 29 dos autos considera este Tribunal Superior consignar como assente o seguinte facto:
14. (…), mãe da requerida (…), com a assinatura feita na presença da notária Sandra Raimundo, de Portalegre, e reconhecida por esta, declarou em 05/09/2012, designar para tutor da sua filha nos termos dos artigos 143º, nº 1, 1927º e 1928º, nº 3, do Código Civil, (…), casado, Advogado, com domicílio profissional na Avenida do (…), lote 13 – 3º, (…) Portalegre.

Conhecendo da questão
Alega a apelante neste particular:
Que correu termos sob o nº 671/12.0TBPTG, pelo 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, uma acção de interdição/inabilitação, intentada pela mãe da requerida, (…).
Nesse processo, consta uma declaração da mãe da requerida (…), com a assinatura reconhecida pela Notária Sandra Raimundo de Portalegre, a designar para tutor de sua filha, nos termos dos artºs 143º, nº 1, 1927º e 1928º, nº 3, do C. Civil, (…), casado, Advogado, com domicílio profissional na Avenida do (…), lote 13- 3º, (…) Portalegre.
Nesses aludidos autos foi designado para tutor da requerida (…), (…), para Protutor (…) e (…), para integrarem o Conselho de Família.
A mãe da requerida faleceu no dia 09/03/2013.
No presente processo instaurado pelo Ministério Público, este indicou para exercer as funções de curador, a apelante, em clara violação do artº 143º, nº 1, al. b), do C. Civil.

Vejamos, então.
O artº 891º do NCPC (artº 944º do VCPC) refere: “Na petição inicial da acção em que requeira a interdição ou inabilitação, deve o autor, depois de deduzida a sua legitimidade, mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando ou inabilitando e indicar as pessoas que, segundo os critérios da lei, devam compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela”.
A composição do conselho de família é a indicada no artº 143º do C. Civil. Este mesmo artigo indica a ordem por que é deferida a tutela, norma aplicável à curatela por força do disposto no artº 156º do C. Civil.
Assim, as pessoas a quem incumbe, em primeira linha, a tutela, bem como a curatela, são, pela ordem indicada, as enumeradas no nº 1 do artº 143º, exigindo-se, em todos os casos a sua designação pelo tribunal.
Ora, no caso dos presentes autos, e, face à certidão que se encontra junta a folhas 28 e 29 (a qual já se encontrava nos anteriores autos), que conduziu ao facto provado n.º 14, verificamos que a mãe da requerida havia designado, através da declaração autenticada, de 05/09/2012 (tutela testamentária), para seu tutor (curador) (…).
Esta nomeação, atento o disposto no artº 143º, nº 1, al. b), do C. Civil, devia ser a seguida, tanto pelo Ministério Público [na sua petição, face ao artº 891º, do NCPC (artº 944º do VCPC)), como atendida pelo juiz na sua decisão, se circunstância impeditiva a tal não obstasse.
O nº 2 do artº 143º do C. Civil, admite a escolha do tutor (curador) pelo tribunal, ouvido o conselho de família, mas apenas em duas situações, quando não seja possível observar a ordem de preferência estabelecida no nº 1 ou, quando razões ponderosas o desaconselhem, retirando, por isso o cunho estritamente vinculativo à ordenação legal (v. Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 152; Gabriela Páris Fernandes in Comentário ao Código Civil, Parte Geral – Universidade Católica Portuguesa – 310-311; António Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, tomo III, 2007, 2ª ed., 469).
O que significa que, o tribunal no caso concreto, não havendo objecções, deveria ter nomeado para exercer o cargo de curador (…), em obediência ao comando legal do artº 143º, nº 1, b), do C. Civil, não necessitando, neste caso, previamente, de ouvir o conselho de família, para esta designação, já que a convocação só é obrigatória nas hipóteses da al. d) do n.º 1 e do n.º 2 deste referido artigo, muito embora a deliberação desse órgão não seja vinculativa para o Juiz.
Não sendo invocado qualquer motivo (grave e relevante) que terá estado na base do afastamento pelo Juiz “a quo” do critério legal enunciado, com a nomeação para curadora da apelante, violou-se, sem margem para dúvidas, a previsão legal, bem como os trâmites impostos pela lei, designadamente a audição prévia do conselho de família.
Não constando dos autos qualquer motivo que justificasse o afastamento da nomeação da pessoa indicada como tutor (curador) pela mãe da requerida, nem tendo sido invocado na decisão recorrida, não poderá este tribunal superior, deixar de reconhecer que foi violada lei imperativa e como tal a sentença impugnada não pode deixar de ser revogada no que concerne ao segmento da nomeação do curador.
Nestes termos, em face do facto assente n.º 14, decorrente do conteúdo documento notarial constante a folhas 28 e 29 dos autos, que pura e simplesmente não foi tido em conta pelo Julgador a quo, no sentido de o relevar ou irrelevar, haverá que nomear-se como curador à requerida, (…) em vez de (…).
Impõe-se assim a revogação da sentença no segmento referente à nomeação de curador.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença na parte impugnada, nomeando-se como curador da inabilitada, (…), identificado nos autos, cabendo-lhe praticar todos os actos relativos à disposição do património da inabilitada.
Sem custas.

Évora, 05 de Novembro de 2015
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes