Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72/15.3JASTB.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PORNOGRAFIA DE MENORES
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - As medidas de coação “detenção na habitação com vigilância eletrónica” e “proibição de utilização de equipamentos informáticos e de acesso à internet”, esta última sem possibilidade de fiscalização e controlo, revelam-se medidas insuficientes para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa relativamente a arguido acusado da autoria de 977 crimes de pornografia de menores cometidos no domicílio, justificando-se a aplicação de prisão preventiva.
Decisão Texto Integral:
1 - No processo nº 72/15.3JASTB da Comarca de Setúbal, o Ministério Público interpôs recurso do despacho da Sra. Juíza de instrução criminal que determinou que A., até aí em prisão preventiva, aguardasse ulteriores termos do processo sujeito a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet.

Apresentou as seguintes conclusões:

“I. O Ministério Público vem recorrer do douto despacho proferido pela Mmª. Juiz de Instrução de 23 de Outubro de 2015 que procedeu à revisão da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido A. ao abrigo do disposto no art. 213º nº1 al. a) do Código de Processo Penal (CPP) e que substitui aquela pela:

a) medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica ;

b) e proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet (art. 191º nº1, 193º, 195º, 196º, 200º nº1 al. e) e f), 201º e 204º al. c) do Código de Processo Penal. Mais recorre o Ministério Público do douto despacho proferido em 28 de Outubro de 2015 proferido ao abrigo do disposto no art. 213º nº1 al. b) do CPP, aquando da dedução de acusação e que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas acima elencadas sob as alíneas a) e b), para além do TIR já prestado.

II. No dia 28 de Abril de 2015, procedeu-se à realização de busca domiciliária à residência sita na Avenida das Descobertas…., em Setúbal, onde reside o arguido.

Na sequência de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido detido, realizado em 29 de Abril, A., ficou sujeito à medida de coacção de prisão preventiva nos termos e com os fundamentos do douto despacho judicial, onde ali se consignou, entre o mais a existência de perigo de continuação da actividade criminosa porquanto “…a obrigação de permanência na habitação não acautelaria as exigências que o caso requer, pois que o arguido poderia a partir da sua casa, como aliás sempre o tem feito, aceder à internet por meios diversos dos apreendidos mesmo que cessando o contrato que actualmente tem de acesso à internet”. No mais, “…é previsível que venha a ser aplicado ao mesmo pena de prisão, considerando também o número de crimes em causa e a moldura penal em abstracto aplicável”.

Assim, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva.

III. A 10 de Julho de 2015 o arguido juntou aos autos um Relatório de Perícia Psicológica realizado por uma instituição particular denominada “M…-Psicologia Clínica e Forense”. Revista a medida de coacção em data de 23 de Julho, pese embora aquele Relatório, o arguido continuou a aguardar os ulteriores termos dos autos em prisão preventiva.

IV. Em 01 de Outubro de 2015 o arguido voltou a juntar aos autos um requerimento a solicitar a alteração da medida de coacção, acompanhado de uma Informação Clínica prestada por uma médica psiquiátrica, cujas Fontes de informação são: Observação e entrevista ao arguido e o Relatório Psicológico acima referido.

O tribunal a quo solicitou a elaboração de Relatório Social à DGRSP.

Sendo que, desta feita entendeu a Mmª. Juiz de Instrução alterar a medida de coacção pelas medidas de coacção acima elencadas em I., mantendo estas, também, no douto despacho que se pronunciou aquando da dedução de acusação pelo Ministério Público.

No douto despacho que fundamentou a alteração de tal medida, datado de 23.10.2015 pode ler-se:

“ No que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa, face aos relatórios supra identificados encontra-se mitigado, considerando o tempo que já decorreu da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, e bem assim, o facto de verificar dos citados relatórios a crítica por parte do arguido dos comportamentos que levaram à sua detenção e a vontade de ser medicamente acompanhado aceitando a eventual patologia que padeça e possa potenciar estes comportamentos.

Vale isto por dizer que, não obstante se entender que existe ainda perigo de continuação da actividade criminosa o mesmo está, neste momento, diminuído podendo ser acautelado com a aplicação privativa da liberdade, mas menos gravosa, acompanhada com a proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet, a qual se entende não colidir com a supra referida”. (sublinhado nosso)

V. Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Ministério Público que o perigo de continuação da actividade criminosa se mantém e que as medidas de coacção a que se encontra actualmente sujeito o arguido não se afiguram suficientes em ordem a que o mesmo não persista na prática de factos da mesma natureza aos vertidos nos autos, uma vez que não existe maneira de controlar/impedir que aquele tenha acesso a equipamentos informáticos e acesso à internet.

Não se vislumbra, ficando o arguido em casa, como é que é possível controlar/impedir que o mesmo aceda à internet. Tendo sido este, aliás, um dos fundamentos que determinou, que o arguido ficasse sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em sede de Primeiro Interrogatório Judicial.

As Informações Clínicas (Relatório de Perícia Psicológica e Informação Clínica) juntas aos autos foram elaboradas com base na entrevista ao arguido, cujas declarações estão cheias de contradições e incongruências designadamente quando em confronto com os elementos de prova já juntos aos autos. Sendo que, foi em parte, com base nestes elementos que a medida de coacção de prisão preventiva foi revogada e substituída pelas acima enunciadas.

VI. Foi apreendido ao arguido (em 28.04.2015) equipamento informático, o qual veio a apurar-se conter 977 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores, com idade inferior a 14 anos.

O Relatório Psicológico junto aos autos data de 3 de Julho, ou seja menos de 3 meses após aquela apreensão.

Porém, o arguido que em 28 de Abril tinha na sua posse 977 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia infantil é o mesmo que, cerca de 3 meses depois, e estando em prisão preventiva, vem alegar que ao visualizar aquelas imagens sente “nojo” e revela “pena” das pobres crianças.

Por outro lado alega que não tem quaisquer fantasias sexuais dizendo que: apenas “gosto de sexo entre homem e mulher, e sexo oral e vaginal”. Sendo que, quando interrogado sobre a exploração de outras hipóteses de interacção sexual, como por exemplo sexo anal, reage dizendo: “mete-me nojo”.

VII. Este arguido que diz que, apenas, gosta de sexo entre homem e mulher subscreveu um canal, pago, de sexo com animais. É este arguido que diz à psicóloga, que elaborou a Perícia Psicológica, que “por curiosidade” pesquisou pornografia infantil porque “Quis ver o que havia acerca de menores porque se fala muito de violação e abuso de menores. Pesquisei por “sexo infantil” e coloquei os vídeos a fazer download. Como estava sempre a parar, eu apaguei tudo. Como sou teimoso, no dia seguinte, voltei a pesquisar “porno infantil”. Voltou a parar e eu apaguei tudo. Depois, pesquisei por pornografia e vi que esses vídeos também apareciam e fiz o download. Só vi um vídeo ou dois”.

Ora, se o arguido sentia “nojo” e “repulsa” por tais imagens e actos (de pornografia de menores) porque razão tinha 977 ficheiros de tal natureza em casa? E o que é que aconteceu entre 28 de Abril (data da sua detenção) e 3 de Julho (data do Relatório Pericial) para o arguido “subitamente” começar a sentir repugnância por tais práticas? Perguntamos nós. Será, talvez, a circunstância de estar preso preventivamente e procurar a todo o custo que esta medida de coacção seja substituída por outra?

VIII. O arguido alega que só viu um vídeo ou dois. Porém tinha 32 ficheiros de vídeo no computador marca Toshiba e mais 39 em disco externo.

O arguido sente “pena” das crianças, como refere, e quando tentou fazer download dos ficheiros, por duas vezes não conseguiu, mas como é “teimoso” insistiu e como sente “nojo” das imagens guardou centenas de ficheiros de pornografia infantil nos seus pc´s; e apesar de só ter visto 1 ou 2 filmes tinha dezenas deles guardados, inclusive em disco externo.

IX. Em face de todo o supra consignado não pode o Ministério Público deixar de questionar as conclusões formulados no Relatório Pericial, nomeadamente quando ali se consigna que: “os resultados não sugerem simulação…assim como respostas defensivas”; ou que se verifica “…empatia e ressonância afectiva para com as vítimas” (?)

Aquele Relatório assentou em informações prestadas pelo arguido e que estão, conforme acima se demonstrou, cheias de incongruências e contradições. Sendo que os instrumentos do foro psicológico utilizados não terão sido capazes de percepcionar/detectar as incongruências do discurso do arguido.

E é por isso que o Ministério Público não pode dar por afastado o perigo de continuação de actividade criminosa. Porque esta conclusão veiculada naquele Relatório assenta em pressupostos inverosímeis e porque a medida ora aplicada ao arguido não acautela que o arguido não volte a praticar factos da mesma natureza.

Como é que um indivíduo que tem 977 ficheiros de imagem e de vídeo de pornografia de menores, alguns com crianças de colo, ficheiros que visualiza para satisfazer os seus instintos libidinosos e lascívia, revela “…empatia e ressonância afectiva para com as vítimas”?

X. Impõe-se por isso concluir que o risco de o arguido, em liberdade, continuar a praticar factos desta natureza, é muito elevado.

Escreve Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal Vol. II, pág. 268, relativamente ao perigo de continuação de actividade criminosa que o mesmo “há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade”. (sublinhado nosso)

Como é bom de ver, face a todo o acima explanado, afigura-se-nos que o arguido envidará esforços no sentido de reiterar na prática de actos da natureza idêntica aos vertidos nos autos.

A manutenção do arguido em liberdade, com qualquer outra medida de coacção, mormente as ora aplicadas, mesmo que com utilização de vigilância electrónica, não tem a virtualidade de, eficazmente afastar, evitar, atenuar, o perigo de continuação da actividade criminosa, porquanto o arguido pode aceder livremente à internet. Não existindo meio de controlar ou impedir esse acesso.

Acresce que é convicção do Ministério Público, atendendo à natureza dos factos suficientemente indiciados, bem como a quantidade de crimes praticados, que à final venha a ser aplicada ao arguido pena efectiva de prisão.

Nestes termos, conclui-se, assim, que o arguido deverá aguardar os ulteriores termos do processo em situação de prisão preventiva, uma vez que os elementos carreados para os autos, reforçados pelo despacho de acusação, indiciam suficientemente a prática pelo arguido dos seguintes crimes

-- 438 (398 ficheiros de imagem + 1 ficheiros de vídeo no Portátil Toshiba + 39 ficheiros de vídeo no disco externo Toshiba) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelos arts. 176° nº 4 do Código Penal;

-- 539 (31 ficheiros de vídeo no Portátil Toshiba + 508 ficheiros de imagem no Portátil Asus) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176° nº 1 al. d) e 177º nº7 do Código Penal

Pelo que aquela medida de coacção (prisão preventiva) é a mais adequada para acautelar os perigos supra descritos, com a intensidade que, no caso, se manifestam.”

O arguido respondeu ao recurso, concluindo:

“1. O objecto do presente recurso é, como se colhe, a pretensão do Ministério Publico de ver aplicada a medida de prisão preventiva ao arguido, porquanto, entende verificar-se o perigo de continuação da actividade criminosa

2. Em suma, e examinada toda a argumentação expendida pelo MP, a invocada verificação deste perigo decorre do entendimento de que a pena que previsivelmente irá ser aplicada ao arguido constitui factor a considerar para a aplicação da prisão preventiva, que a prova que constitui juízo técnico foi mal elaborada e que as medidas ora aplicadas não se mostram suficientes, proporcionais e adequadas.

3. Ora, SMO, não lhe assiste razão.

4. O recorrente ataca a prova do Relatório Psicológico, elaborado mediante a aplicação de testes e metodologia utilizadas em Perícia Médico-Legal, cujas conclusões não foram infirmadas por qualquer forma, não sustentando a discordância com tais conclusões com base em juízo científico divergente, o que é manifestamente inadmissível.

5. Não pode o recorrente vir por em causa o Relatório Psicológico, elaborado por Técnica/Psicóloga, com especiais conhecimentos que lhe estão adstritos por formação, e desconsiderar a sua competência referindo que esta, por via dos testes aplicados, não teve capacidade para “percepcionar/detectar” as incongruências do discurso do arguido”.

6. Aliás, o arguido já requereu a realização de perícia, nos termos do art.º 152º do CPP, não sendo da sua responsabilidade que esta ainda não tenha sido realizada.

7. Mas, ainda que assim não fosse, em sede de medidas de coacção, só se pode legitimamente atender ao grau provável da culpa de um arguido para a comprovação do respeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente, consagrada no artigo 193º, de proibição de excesso.

8. Se se atendesse a considerações de culpa para fundamentar a imposição das medidas de coacção estar-se-ia a pretender que elas desempenhassem funções características das penas, o que representaria uma clara violação do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado.

9. Donde, e com o devido respeito, a argumentação do recorrente, mormente, no que tange ao número de crimes cometidos e conteúdo dos ficheiros, tem como objectivo provocar sentimentos de repulsa e, consequentemente, conseguir a alteração de uma medida de coacção que, certo é, não foi violada.

10. Acresce que, tais factos eram já conhecidos aquando da alteração da medida de coacção e, ainda assim, entendeu o Douto Tribunal, atenta a demais prova carreada para os autos, que os perigos se mostravam mitigados e, deste modo, acautelados com a medida de OPH-VE.

11. Também, em concreto, no Douto Recurso, não são aduzidos factos concretos que indiciem o perigo invocado. Há que carrear factos e não apenas suposições, ilações ou conjecturas.

12. O arguido não tem acesso à internet, está sujeito a tratamento médico especializado, interiorizou o desvalor da sua conduta, confessou o crime e sempre assumiu a gravidade da sua actuação.

13. É a existência, em concreto, dos perigos enunciados no artigo 204° do Código de Processo Penal, e não a gravidade do crime indiciariamente cometido, que fundamentam a imposição de medidas de coacção.

14. E nem do processo, nem do Douto Recurso a que ora se responde, constam factos que sustentem o perigo de continuação da actividade criminosa, nem que o arguido tudo fará para persistir na prática do crime, como pretende o Ministério Público.

15. Sem mais, e reiterando a argumentação aduzida nos requerimentos apresentados para alteração das medidas de coacção, louvamo-nos na Douta e notável fundamentação da Meritíssima JIC, devendo o Douto Despacho que aplica as medidas de coacção manter-se nos precisos termos em que foi proferido.

16. Pelo que, as medidas de coacção aplicadas ao arguido estão conforme as normas ínsitas nos arts 191º, 193º, 200º e 201º do CPP, não merecendo o Douto Despacho sob censura qualquer reparo.”

Na Relação, o Senhor procurador-geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, nada acrescentando.

Foram colhidos os Vistos e teve lugar a Conferência.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é a da (in)suficiência da medida de coacção fixada - obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet - para garantir as finalidades das medidas de coacção, concretamente, obviar ao perigo de continuação da actividade criminosa.

No despacho em crise reconheceu-se a ocorrência de algum perigo de continuação da actividade criminosa, mas não em intensidade suficiente que justificasse a manutenção da prisão preventiva, aplicada (e depois mantida) anteriormente.

Antes de avançar, recorde-se o quadro legal de referência.

Decorre do art. 191º, nº1 do CPP que as medidas de coacção são medidas intraprocessuais, consistentes em modos de limitação da liberdade pessoal, com natureza instrumental relativamente às finalidades intrínsecas do processo penal. “São meios processuais de limitação de liberdade pessoal ou patrimonial (…) que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias(Germano M. Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 232).

Visam satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais – de garantia do bom andamento do processo e do efeito útil da decisão – e que resultem da concreta verificação dos perigos previstos nas três alíneas do art. 204º do CPP, sendo de considerar ilegítima qualquer outra finalidade, de natureza substantiva, retributiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido (contra reacções populares).

Como condições gerais de aplicação exige-se, formalmente, a prévia constituição como arguido (art. 192º, nº1 do CPP) e a existência de um processo criminal já instaurado; substancialmente, a verificação de um fumus comissi delicti, ou seja, um juízo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena (arts 192º,2; 193º,197º…do CPP).

Por último, do princípio da presunção de inocência (afirmado nos art. 11º da D.U.D.H., art. 6º, nº2 da C.E.D.H., art. 14º, nº2 do P.I.D.C.P. e art. 32º, nº2 da C.R.P.) resulta que será sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade (art. 193º, nº1 do CPP) e intervenção mínima, num critério de concordância prática. Ao respeito pelos princípios de adequação e de proporcionalidade chama Paulo de Sousa Mendes “critérios de escolha das medidas possíveis(Sumários de Direito Processual Penal, 2008/9, p. 124).

Assim, exige-se uma adequação qualitativa (aptidão à realização dos fins cautelares visados) e quantitativa (quanto à duração) da medida, a qual deve ser ainda proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido. Esta proporcionalidade obrigará à antecipação de um juízo de previsão quanto à sanção a proferir na decisão final.

De afirmação ope legis, ainda os princípios da precariedade – traduzido na consagração de prazos legais de duração máxima que obstam à transposição da barreira do comunitariamente suportável – e da judicialização – todas as medidas, à excepção do T.I.R., são aplicáveis exclusivamente por um juiz (arts 194º, 268, nº1-b do CPP).

Já no que respeita especificamente à prisão preventiva, reafirma-se o princípio da subsidiariedade (da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação - art. 193º, nº2: “…só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”).

Passando à apreciação da questão suscitada em recurso, começa por se consignar que os factos tidos como “fortemente indiciados” não estão em discussão no recurso recurso, nem o poderiam estar dada a fase em que o processo se encontra - ocorreu entretanto dedução de acusação.

Foi imputada ao arguido a autoria de 438 crimes de pornografia de menores do art. 176° nº 4 do CP e de 539 crimes de pornografia de menores agravados dos arts. 176° nº 1 al. d) e 177º nº7 do CP, enquadramento legal que viabiliza a aplicação da medida de coacção máxima, como fora aliás anteriormente decidido e mantido, quer em 1ª instância, quer por esta Relação, em decisão de recurso da prisão preventiva anteriormente interposto pelo arguido.

Circunscreve-se, pois, a apreciação do recurso à avaliação dos pericula libertatis , restritos agora ao perigo de continuação da actividade criminosa, já que o inquérito foi entretanto encerrado e as provas da acusação a produzir em julgamento integram já o processo. Nenhuma outra circunstância foi, aliás, alegada no sentido da verificação dos restantes perigos, previstos nas alíneas a) e b) do art. 204º do CPP.

Vejamos, então, se ocorre perigo de continuação da actividade criminosa no grau pretendido pelo Ministério Público. Ou seja, se não ocorreu a atenuação desse perigo, como se entendeu no despacho, atenuação que terá justificado o abrandamento do estatuto processual definido ao recorrido.

A al. c) do art. 204ºdo CPP sempre suscitou problemas de compatibilização com a natureza cautelar das medidas de coacção, afirmada no art. 191º, nº1 do CPP. Na verdade, pelo menos até 2007, as medidas de coacção na situação prevista nesta alínea, pareciam extravasar as finalidades estritamente processuais e assumir formas de protecção do próprio arguido e de defesa da sociedade.

Neste sentido se pronunciara Maia Costa: “A utilização da prisão preventiva como forma de impedir a continuação da actividade criminosa constitui claramente uma medida de defesa social, uma medida de segurança, mais até do que antecipação de pena, o que viola frontalmente diversos princípios constitucionais, entre os quais a presunção de inocência. Por outro lado, a prisão preventiva como meio de salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas serve fins de prevenção geral (a salvaguarda das famosas expectativas comunitárias), mas não é evidentemente uma medida cautelar do processo, violando também o princípio da presunção de inocência” (RMP Out/Dez 2002, nº 92, 74 e 75).

No entanto, o tribunal constitucional sempre considerou não inconstitucional o art. 204º (v.g. Ac. TC 720/97 de 23/12).

Com a reforma de 2007 (Lei nº 48/2007) passou a exigir-se que a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas seja grave e imputável à pessoa do arguido, retirando-se “o cunho estritamente objectivo ao requisito geral” (exposição de motivos da Proposta de Lei) enfatizando-se a preocupação de compatibilização desta al. c) com a natureza estritamente processual prevista no art. 191º e com o princípio da presunção de inocência. Mas mesmo anteriormente a esta lei, como bem nota Vítor Sequinho dos Santos, “o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto” (Medidas de Coacção, Rev. do Cej, 2008, nº9 especial, p. 131). Também o perigo de continuação da actividade criminosa se deve reportar ao crime em apreciação no processo.

Como nota Germano Marques da Silva, “a aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado” (Curso de Processo Penal, II, p. 246/7), ou seja, prevenir apenas comportamentos que sejam prolongamento da actividade já indiciada.

Os despachos recorridos têm o seguinte teor:

Primeira decisão
“Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido, subsequente ao respectivo auto de interrogatório, de 29/04/2015 (dr. fls. 100 a 118).

A fls. 292 a 294 o arguido veio requerer a substituição da medida de coacção de prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica alegando para tal que o perigo de perturbação de inquérito e de conservação da prova já se mostra afastado tendo em conta o tempo de investigação, ou, pelo menos fortemente mitigado.

Mais alega que, o arguido está inserido familiarmente tendo o apoio familiar sólido contando com o envolvimento do seu núcleo familiar.

Procedeu à junção de informação clínica elaborada por médica psiquiatra de fls. 295 a 299.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser mantida a medida ao arguido, por não se encontrar mitigado o perigo de continuação da actividade criminosa considerando como não suficientes os relatórios psicológicos juntos pelo arguido a fls. 175 a fls. 199 e 295 a 299.

Encontra-se junto aos autos relatório da DGRSP de fls. 317 a 318 onde se conclui existirem condições favoráveis à aplicação e execução da vigilância electrónica salientando a necessidade de apoio psicológico.

Do relatório consta que não é previsível alarme social face á presença do arguido no meio da residência bem como a vontade do mesmo ter acompanhamento psiquiátrico e suspensão dos serviços da internet no seu domicílio.

Não se entende necessário ouvir o arguido.

Mais não se entende necessário realizar as demais diligências requeridas a fls. 293/294.

Apreciando e decidindo:

Nos termos do disposto no art. 204º do CPP, nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no art.° 1960 do mesmo diploma, a saber, o termo de identidade e residência pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do inquérito ou instrução e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.

Os factos em investigação revestem gravidade e evidenciaram, no momento da detenção, a compulsividade do arguido habitual neste tipo de ilícitos, potenciadora da continuação da actividade criminosa.

A decisão de aplicar a medida de coacção de prisão preventiva assentou essencialmente no perigo de continuação da actividade criminosa e "no perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente, na aquisição, conservação ou veracidade da prova pela facilidade real e notória de acesso à internet e eliminação de registos", podendo o arguido aos seus conteúdos informáticos.

Conforme consta dos autos foi já realizada, pela Unidade de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária exame aos equipamentos informáticos.

Com a conclusão de tal perícia o perigo de perturbação do inquérito deixou, neste momento, de existir.

No que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa, face aos relatórios supra identificados encontra-se mitigado, considerando o tempo que já decorreu da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e, bem assim, o facto de verificar dos citados relatório a crítica por parte do arguido dos comportamentos que levaram à sua detenção e a vontade de ser medicamente acompanhado aceitando a eventual patologia que padeça e possa potenciar estes comportamentos.

Do relatório de fls. 317 e segs extrai-se ainda o comportamento que o arguido ajustado às normas institucionais no EP de Évora tem mantido nos últimos quase seis meses sem ter acesso não tendo evidenciado qualquer comportamento compulsivo durante tal período.

Ademais, o arguido dispõe de apoio familiar sólido, composto pela mulher, filha de 29 anos e de um irmão (fls. 317).

Vale isto por dizer que, não obstante se entender que existe ainda perigo de continuação da actividade criminosa o mesmo está, neste momento, diminuído, podendo ser acautelado com a aplicação de medida privativa da liberdade, mas menos gravosa, acompanhada com a proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet, a qual se entende não colidir com a supra referida.

Em face do supra exposto, decide-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coacção:

a) TIR, já prestado;
b) Obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica;
d) Proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet (191°, n.01, 193°, 195°, 196°,200°, n? 1, aI. e) f), 201° 204°, alíneas c) do Código do Processo Penal.”

Segunda decisão
“Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido, subsequente ao respectivo auto de interrogatório, de 29/04/2015 (dr. fls. 100 a 118), a qual foi substituída pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica por despacho de 23/10/2015 - dr. fls. 331 a 334.

O Ministério Público na acusação, quanto ao estatuto coactivo pronunciou-se no sentido de ser aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva por entender que se mantém o perigo de continuação da actividade criminosa considerando como não suficiente a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica por não haver forma de impedir que o arguido aceda à internet.

Não se entende necessário ouvir o arguido.

De acordo com o previsto no art. 213º nº 1 do CPP o juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas, designadamente, quando no processo for proferido despacho de acusação, como é o caso dos autos.

Os factos constantes da acusação revestem gravidade e assumem elevado grau de ilicitude e censurabilidade.

Contudo, entendeu o tribunal que os perigos que consubstanciaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva se encontram mitigados, tendo, aliás, deixado de existir o perigo de perturbação do inquérito, aqui valendo todos os argumentos expendidos no despacho de fls. 331 a 334 proferido no passado dia 23/10/2015, para o qual se remete na íntegra.

Assim, tendo por referência os elementos dos autos, constata-se que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, não tendo, desde a data do referido despacho, sido trazido aos autos qualquer outro elemento que cumpra valorar neste momento.

Ainda não decorreu o prazo de duração máxima desta medida (cfr. artigo 215° nº 1 a) e nº 2 do Código de Processo Penal).

Em face do supra exposto, decide-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coacção:

a) TIR, já prestado;

b) Obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica;

d) Proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet (191°, n. °1, 193°, 195°, 196°, 200°, n? 1, aI. e) f), 201° 204°, alíneas c) do Código do Processo Penal.”

Como se vê, a Senhora juíza, reconhecendo a subsistência do perigo de continuação da actividade criminosa, considerou ter ocorrido entretanto uma atenuação.

Baseada num relatório psicológico, numa informação psiquiátrica e numa informação dos serviços prisionais, juntos ao processo, sopesou a vontade manifestada pelo arguido de “se tratar”, a empatia revelada pelo próprio para com as vítimas, o seu comportamento prisional adequado às normas da instituição, o período de prisão preventiva já sofrido e o apoio familiar de que beneficiaria.

De tudo retirou que a detenção na habitação com vigilância electrónica e a proibição de utilização de equipamentos informáticos/electrónicos e telemóveis ou tablets e de aceder à internet seriam medidas bastantes para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa.

O Ministério Público insurgiu-se contra esta decisão, que o arguido, por seu turno, pretende ver mantida. A razão encontra-se, aqui, do lado do Ministério Público.

Na verdade, tendo em conta os concretos contornos das acções praticadas, não se vê como as medidas aplicadas possam oferecer resposta para as exigências cautelares que o caso requer.

Trata-se de crimes cometidos no recato do domicílio, local onde o arguido já residiria com o apoio dos mesmos familiares agora nomeados no despacho. Resulta do relatório psicológico, das entrevistas dadas por esses familiares, que o consumo de pornografia seria até já conhecido desses familiares.

Indiferente a uma possível continuação criminosa é também a circunstância do arguido permanecer no domicílio controlado através de uma pulseira electrónica. A prognosticar-se alguma valia, à medida de coacção aplicada, seria até a contrária da visada, pois tratar-se-ia no fundo de obrigar o arguido a permanecer “no local do crime”.

Verifica-se, assim, uma desadequação da medida aplicada ao fim visado.

Por seu turno, a proibição de utilização de equipamento informático e de acesso à internet revela-se, no caso presente, absolutamente inócua.

Trata-se de uma imposição sem possibilidade de fiscalização e de controlo, já que inexistem meios técnicos e/ou processuais de detecção de eventuais violações da medida.

Tem razão o recorrente quando refere que, tendo sido apreendidos ao arguido 977 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia de menores (que o arguido possuía, visualizava e partilhava com terceiros) apenas três meses antes da avaliação psicológica prestada nos autos (que, note-se, é cautelosa a ajuizar dos perigos e do grau de perigo de continuação da actividade), desta avaliação não decorre uma atenuação significativa das exigências cautelares, a um ponto de se poder prognosticar que a prisão preventiva se revelaria afinal excessiva.

Trata-se de 977 ficheiros de imagem e vídeo de pornografia infantil armazenados nos computadores e discos externos do arguido, vídeos e imagens reais que este possuía e partilhava com terceiros.

Como nota o Ministério Público, é uma vasta quantidade de compilação de ficheiros de imagens, fotografias, filmes e gravações de crianças, de menores com idades inferiores a 14 anos, alguns ainda bebés, em práticas sexuais com adultos e entre si, exibindo de forma lasciva os órgãos sexuais, como se afere pelos fotogramas já constantes dos autos, onde se pode visualizar:

• Imagens de crianças de idade inferior a 14 anos, a praticarem sexo oral com adulto, introduzindo na boca o pénis deste; cfr. fls. 17, 61, 62, 63 e 71.

• Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 14 anos algumas aparentando entre 4 a 6 anos, a praticarem acto sexual de cópula com adulto; cfr. fls. 70,71 e72;

• Imagens de crianças de idades inferiores a 12 anos, aparentando algumas idades entre 4 a 6 anos, a exibirem a vagina, o ânus e o sémen de adulto; cfr. fls. 18, 62, 71, 72

• Imagens de menores de 12 anos despidas, exibindo os órgãos sexuais; cfr. fls. 70

• Imagens de crianças de idade inferior a 14 anos onde é visível a introdução de dedo de adulto na vagina e ânus das mesmas, cfr. fls. 18,61,63;

• Imagem de criança de idade inferior a 14 anos amarrada de pés e mãos com tiras de pele preta presas ao pescoço e com uma máscara preta nos olhos, cfr. fIs. 70.

A actividade criminosa fortemente indiciada não se esgota, pois, num acto fortuito, não se restringe a um episódio “por curiosidade” (como terá referido o arguido à senhora psicóloga subscritora do relatório). Trata-se antes de uma actividade intensa, cuja continuação se pretende acautelar com a medida de coacção.

No âmbito de criminalidade como a presente, comummente relacionada, de um modo especial ou particular, com a pessoa dos agentes e erradicada muitas vezes nas suas personalidades, a prognose será mais a de um perigo elevado de continuação dessa actividade.

Isto não significa que esse perigo não tenha que ser sempre avaliado e determinado em concreto, tendo em conta os factos e a pessoa do arguido.

E assim ocorre no caso presente, em que a prognose desfavorável se retira dos concretos factos já fortemente indiciados (que evidenciam um risco de continuação elevadíssimo) e da personalidade do arguido, mesmo aceitando-se que, com a instauração do processo, o contacto com o sistema de justiça e a prisão preventiva já sofrida, o perigo se possa ter atenuado ligeiramente, como se aceita decorrer dos elementos referidos nos despachos. Mas não ao ponto de considerar como suficiente e adequada a medida de coacção menos gravosa.

“A natureza, as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido” (art. 204º, al. c) do CPP) continuam a evidenciar aqui o perigo de continuação de actividade criminosa em grau muito elevado, como já, por várias vezes, foi anteriormente afirmado no processo. As medidas fixadas no despacho em crise não o previnem suficientemente, pelas razões que também se expuseram já.

Por tudo se conclui que a prisão preventiva, proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente podem vir a ser aplicadas, mostra-se como a única medida adequada às exigências cautelares que o caso continua a requerer. Pois é a única que se afigura como suficiente para obviar ao elevado perigo de continuação da actividade criminosa que, em concreto, se continua a verificar.

3. Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a(s) decisão(ões) recorrida(s), determinando-se que o arguido aguarde ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

Évora, 02.02.2016

Ana Maria Barata de Brito

Maria Leonor Vasconcelos Esteves