Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
97/22.2T8EVR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
EMPRESAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA PRIVADA
SUCESSÃO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS NO MESMO LOCAL DE TRABALHO
OPOSIÇÃO DO TRABALHADOR À TRANSMISSÃO DO SEU VÍNCULO CONTRATUAL
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, aditado pela Lei 14/2018, de 19 de Março, consagra dois fundamentos distintos de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato: o 1.º, fundado no prejuízo sério para o trabalhador, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, embora não seja de exigir um prejuízo sério efectivo, mas um mero juízo de prognose sobre um prejuízo sério no futuro ; o 2.º, fundado na falta de confiança do trabalhador quanto à política de organização do trabalho do adquirente, que também envolve um juízo de prognose do trabalhador, mas de conteúdo subjectivo e indeterminado.
2. O que está em causa é o reconhecimento que o trabalho não é uma mercadoria (labour is not a commodity), e que o princípio geral da liberdade contratual envolve também a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, não devendo assim ser imposto ao trabalhador um empregador por ele não escolhido.
3. A norma contida no art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, permite ao trabalhador opor-se à transmissão do seu vínculo contratual baseado numa mera conjectura acerca da política de organização do trabalho do adquirente.
4. É fundada a oposição com base no risco de prejuízo sério e na falta de confiança, quando a adquirente não lhe reconhece a estabilidade do seu vínculo laboral.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, AA demandou STRONG CHARON – Soluções de Segurança, S.A. (1.ª Ré), e ESPECIAL 1 – Segurança Privada, S.A., (2.ª Ré) alegando que exercia as funções de vigilante na Herdade do Perdiganito, sob as ordens e direcção da 1.ª Ré, até que esta perdeu o cliente para a 2.ª, com efeitos a 01.01.2021. Apesar de ter exercido o direito de oposição à transmissão do vínculo contratual, a 1.ª Ré deixou de receber a sua prestação laboral nessa data, e procedimento idêntico foi adoptada pela 2ª.
Em consequência, pede a condenação da 1.ª Ré, a título principal, no pagamento da quantia de € 1.592,38 por férias não gozadas e subsídios de férias referentes ao ano de 2020, bem como indemnização por despedimento ilícito no valor de € 4.777,14, bem como as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao transito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo, tudo acrescido de juros.
A título subsidiário, deduz idêntico pedido contra a 2.ª Ré, caso se entenda que o vínculo contratual se transmitiu a esta.

A acção foi contestada por ambas as Rés e, após julgamento foi proferida sentença decidindo julgar a causa parcialmente procedente, nos seguintes termos:
1. Declara-se que o Autor (…) e a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) mantiveram uma relação de trabalho dependente, ao abrigo de contrato de trabalho, entre 13 de Junho de 2017 e 31 de Dezembro de 2020.
2. Declara-se ilícito o despedimento do Autor (…) pela 1.ª Ré STRONG CHARON (…).
3. Condena-se a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) a pagar ao Autor (…) a quantia global de € 3.715,55 (…), a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data da respectiva citação até efectivo e integral pagamento.
4. Condena-se a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) a pagar ao Autor (…) a quantia correspondente às retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o respectivo despedimento (ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2021) até ao trânsito em julgado da presente decisão – incluindo os montantes devidos a título de férias e subsídio de férias que se venceram em 1 de Janeiro de 2021 –, à qual deverão ser deduzidas (i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e (iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa, devendo a 1.ª Ré entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P., sendo a referida quantia acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento, e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação.
5. Absolve-se a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) do demais peticionado pelo Autor (…) nos presentes autos.
6. Absolve-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…) de tudo quanto peticionado pelo Autor (…) nos presentes autos.

Inconformada, a 1.ª Ré recorre e conclui:
a. O presente recurso tem como objecto parte da matéria de facto dada como assente [provada] e a solução de direito, plasmada na douta sentença proferida nos presentes autos, mais precisamente a incorrecta aplicação das normas jurídicas que consagram e regulam o instituto do direito de oposição ao trabalhador cedido no âmbito da transmissão da unidade económica/estabelecimento presentes nos artigos 286.º-A do Código do Trabalho;
b. Com efeito, o Tribunal ad quo considerou que, não obstante se verificar transmissão da unidade económica correspondente ao serviço de segurança e vigilância prestado nas instalações da Herdade do Perdiganito entre a empresa cedente ora Recorrente Strong Charon e a empresa cessionária ora Recorrida Especial 1, o contrato de trabalho do trabalhador ora Autor Recorrido não se transmitiu por ter sido exercido validamente o direito de oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 286.º-A do Código do Trabalho;
c. O Tribunal ad quo considerou que a oposição apresentada pelo trabalhador ora Autor Recorrido se mostrou como válida na medida em que assentou em dois fundamentos mais que suficientes: i. Redução do número de trabalhadores a prestar funções na unidade económica após a transmissão; ii. Falta de confiança na política de organização do trabalho da empresa cessionária.
d. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu um erro de julgamento na valoração e interpretação da matéria de facto dada como assente como no respectivo e consequente enquadramento jurídico, traduzida na manifesta violação de lei substantiva laboral – art.º 286.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho;
e. Pelo que cometeu um erro de julgamento quanto à interpretação do quadro jurídico-legal que baliza o instituto do direito de oposição no domínio da transmissão da unidade económica, presente no artigo 286.º-A, n.ºs 1 e 3 Código do Trabalho;
f. Entende a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal ad quo mal andou quanto à fixação da matéria de facto, quando, indevidamente, deu como provados factos em determinada redacção, quando da actividade probatória quer documental quer a resultante das declarações das testemunhas resulta uma outra realidade ontológica;
g. O Tribunal ad quo considerou, para o que agora interessa, a seguinte matéria provada: (segue-se a reprodução dos pontos 21, 22, 23 e 30 do elenco de factos provados);
h. O Tribunal ad quo considerou, na sua motivação normativa, que o serviço de segurança privada prestado pela 2.ª Ré Recorrida Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito iria sofrer uma redução de trabalhadores vigilantes;
i. Considerou igualmente [factos n.º 7 e 23] que o serviço de segurança privada prestado pela 2.ª Ré Recorrida Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito se manteve igual/semelhante, isto é, sem qualquer tipo de alteração;
j. Realidade esta que resulta do depoimento das testemunhas BB e CC; BB – Testemunha Nome do ficheiro áudio: 20220707110659_1517610_2870783.wma Data: 07/07/2022 CC do ficheiro áudio: 20220707115344_1517610_2870783.wma Data: 07/07/2022
k. Se por um lado o Tribunal ad quo considera que houve uma redução do número de trabalhadores vigilantes, tendo em conta o que estava contratualizado, por outro lado considera, tendo em conta o que foi executado/prestado, que o serviço se manteve inalterado;
l. Razão pela qual se mostra como inequívoco o erro de julgamento cometido pelo Tribunal ad quo quanto a esta matéria, impondo-se a sua alteração e rectificação para a seguinte redacção: 23.A - Os serviços prestados e executados pela 2.ª Ré Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir da data e hora acima referidas [1 Vigilante a efectuar serviço no horário 24h/24h todos os dias do ano], não coincidem com os serviços contratualizados no respectivo contrato de prestação de serviços [1 Vigilante a efectuar serviço no horário das 22h00 às 07h00 de segunda a sexta-feira e no horário 24h/24h aos sábados e domingos].
m. O Tribunal ad quo deu como provado [facto n.º 30] que a Recorrida Especial na execução do serviço de segurança privada utilizava os seguintes instrumentos e equipamentos: uma secretária, cadeira, lanterna e sistema de registo de rondas/picagens próprios;
n. O Tribunal ad quo não teve em consideração todos os instrumentos e equipamentos utilizados na prestação do serviço de segurança privada, entre os quais, o sistema de “selos” das rondas;
o. Este sistema de “selos” das rondas pertencia à Recorrente Strong Charon, era por esta utilizado na execução do serviço de segurança privada prestado nas instalações da Herdade do Perdiganito e a Recorrida Especial 1 continuou a utilizá-lo (retoma ou transferência indirecta de bens corpóreos), cfr. depoimento da testemunha D...; D... – Testemunha Nome do ficheiro áudio: 20220707100111_1517612_2870783.wma Data: 07/07/2022
p. Pelo que não pode a Recorrente aceitar que o Tribunal ad quo tivesse dado como provado o facto presente no artigo 30.º da matéria de facto dada como provada, requerendo a sua alteração para a seguinte redacção: “30- Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 utilizam igualmente, no âmbito das respectivas funções, o conjunto de chaves das instalações da Herdade do Perdiganito acima referenciado, bem como uma secretária, cadeira, lanterna e sistema de registo de rondas/picagens próprios e os selos dos pontos de picagem, estes pertencentes à 1.ª Ré Strong Charon, tendo como local de trabalho a portaria referida em 8.”
q. Entende ainda a Recorrente que o Tribunal ad quo violou o art.º 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho por não ter considerado um facto sobre o qual incidiu discussão na audiência de julgamento;
r. Não teve o Tribunal ad quo em consideração a prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas DD e EE quando declararam que acompanharam o Autor Recorrido para este se apresentar ao serviço da Especial 1;
s. Basta, para o efeito, que se atente aos depoimentos das testemunhas DD e EE para se apreender sobre a ocorrência da deslocação do Autor Recorrido às instalações da Herdade do Perdiganito para se apresentar ao serviço da Recorrida Especial 1;
t. FACTO CUJO ADITAMENTO SE REQUER (com indicação do número como sequência da matéria de fato provada e constante da sentença impugnada): 38.º - O Autor, após o início da prestação do serviço de segurança privada pela 2.ª Ré Especial nas instalações da Herdade do Perdiganito, apresentou-se ao serviço da 2.ª Ré Especial.
u. A Recorrente entende que, com a alteração e adição do facto conforme exposto, repõe-se a verdade material (como, aliás, decorre da prova produzida em audiência de discussão e julgamento) e a sua reapreciação do ponto de vista de direito, embora também considere que, à luz dos factos já considerados provados se possa chegar, s.m.o., à mesma conclusão que infra se motivará.
v. Considerou o Tribunal ad quo que foi validamente exercido o direito de oposição com fundamento (i) na redução do número de trabalhadores após a transmissão e (ii) na alegada falta de confiança que a política de organização do trabalho da Especial 1 inspirava ao Autor ora Recorrido;
w. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu, não só um erro de julgamento na interpretação da matéria de facto dada como assente como no respectivo e consequente enquadramento jurídico, como proferiu uma decisão surpresa;
Vejamos então,
Quanto ao fundamento respeitante à redução dos postos de trabalho,
x. O Tribunal ad quo considerou, de forma inesperada, como fundamento suficiente para validar o exercício do direito de oposição do trabalhador ora Autor Recorrido a alegada redução temporária dos vigilantes no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Recorrida Especial 1 e a Herdade do Perdiganito e após a transmissão da unidade económica; “Ora, compulsada a oposição deduzida pelo Autor e comunicada à 1.ª Ré Strong Charon, entende-se encontrar-se suficientemente fundamentada a falta de confiança na política de organização do trabalho da 2.ª Ré pelo mesmo invocada. O que decorre, desde logo, da circunstância de se encontrar expressamente previsto no contrato de prestação de serviços celebrado entre a 2.ª Ré Especial 1 e a Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A. que, durante a respectiva vigência, iria ocorrer uma redução temporária dos vigilantes a prestar actividade na Herdade do Perdiganito.
y. Neste contexto,, o Tribunal considerou um fundamento que não foi comunicado à Recorrente Strong Charon, ora empresa cedente pelo trabalhador cedido ora Recorrido, ou sequer invocado e/ou alegado pelo Autor ora Recorrido no seu articulado – petição inicial;
z. Em momento algum, o Autor ora Recorrido trouxe à colação o fundamento que o Tribunal ad quo destacou;
aa. Aliás, este fundamento, tido e considerado pelo Tribunal ad quo, nem sequer tem correspondência factual, pois não ocorreu, porventura, nenhuma redução do número de vigilantes a prestar funções nas instalações da Herdade do Perdiganito após a transmissão da unidade económica;
bb. Na verdade, não ocorreu nenhuma redução temporária do número de vigilantes a prestar funções nas instalações da Herdade do Perdiganito, vide factos provados n.º 7, 21, 22 e 23 da douta sentença e 23A da proposta factual;
cc. Somente no Verão de 2021, muito depois da ocorrência da transmissão da unidade económica, é que terá ocorrido uma redução do número de trabalhadores, vide facto provado n.º 34 da douta sentença;
dd. Pelo que o fundamento que o Tribunal ad quo considerou como suficiente para validar o exercício do direito de oposição pelo Autor ora Recorrido não só não resulta do factos dados como provados, como nem sequer foi invocado pelo trabalhador;
ee. Pelo que o Tribunal ad quo ao decidir pela validade e eficácia do direito de oposição pelo Autor ora Recorrido cometeu um erro de julgamento, como a violação do art.º 286.º-A, n.º 1 do C.T e art.º 3.º, n.º 3 do CPC ao proferir uma decisão surpresa: avançando com um fundamento incompreensível, não invocado pelos intervenientes, não discutido em sede de discussão e julgamento e sem respaldo na matéria de facto dada como provada;
Quanto ao fundamento respeitante à falta de confiança,
ff. Com efeito, o Tribunal ad quo não exigiu que o Autor Recorrido enquanto titular do direito de oposição à transmissão do contrato de trabalho demonstrasse os factos constitutivos do referido direito, nos termos gerais do disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil;
gg. A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo da norma jurídica presente na conjugação dos artigos 286.º-A, n.º 1 e 3 do Código do Trabalho e 342.º, n.º 1 do Código Civil quando dispensa a alegação e demonstração dos factos concretos e específicos constitutivos do direito subjectivo exercido;
hh. Considerou o Tribunal ad quo que o Autor Recorrido ao alegar que o facto de a empresa cessionária ora Ré Recorrida não era titular das melhores referências se mostra como inteiramente suficiente para preencher o conceito indeterminado de receito de prejuízo sério na vertente de juízo de prognose relativamente à falta de confiança na política da organização do trabalho; Destarte, em face da previsível redução de efectivos por parte da 2.ª Ré Especial 1, entende-se afigurar-se justificada a falta de confiança manifestada pelo Autor, à qual acresce, outrossim, as reservas avançadas pelo mesmo no que respeita ao próprio funcionamento e organização da 2.ª Ré.”
ii. Mesmo quando não consta um único facto, ainda que indiciário, da matéria factual dada como assente que suporta e preencha do referido conceito indeterminado;
jj. Nem tampouco aconteceu que da instrução e da actividade probatória realizada em sede de audiência de discussão e julgamento resultasse que a empresa cessionária não inspirava confiança ao trabalhador;
kk. Antes pelo contrário: da actividade probatória produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou que o direito de oposição exercido pelo trabalhador não corresponde à verdade e traduz uma falsidade intelectual;
ll. Nunca o Autor rejeitou a possibilidade de trabalhar para a empresa cessionária Especial 1, até porque foi procurar trabalho junto desta;
mm. O Autor Recorrido não deu cumprimento ao ónus de invocar e provar os seus factos constitutivos do seu direito subjectivo [direito de oposição à transmissão do vínculo laboral no domínio da transmissão da unidade económica], conforme impõe o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil;
nn. O fundamento utilizado no exercício do direito de oposição era vago, amplo e genérico, isto é, sem fundamentação quer legal quer factual;
oo. O nosso legislador, ao contrário do que aconteceu noutros ordenamentos jurídicos, como o alemão e sueco [intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana e numa perspectiva de que o trabalhador não é uma mercadoria transaccionável], não consagrou um direito de oposição ilimitado, irrestrito, discricionário e potestativo, mas sim um direito subjectivo com limites [prejuízo sério] e dependente de prova para aferir da sua validade;
pp. Impendendo sobre o trabalhador o ónus de invocar e demonstrar os factos que suportam o receito de prejuízo sério que a transmissão lhe causaria;
qq. O que efectivamente não foi realizado pelo Autor Recorrido;
rr. Perante a falta de factos concretos, específicos, mesmo que demonstrados indiciariamente, sobre o prejuízo sério que o trabalhador Autor Recorrido sofreria com a transmissão do seu vínculo laboral, ainda que numa perspectiva de juízo de prognose, não poderia o Tribunal ad quo dar o salto que deu ao concluir que o trabalhador exerceu validamente o seu direito de oposição;
ss. A Recorrente desconhecia, sem ter a obrigação de conhecer ou saber, se uma entidade terceira ora empresa cessionária não tinha as melhores referência, quando para mais não ocorreu um negócio jurídico directo e formal entre as Rés da transmissão da unidade económica, mas tão-somente uma sucessão de empresas;
tt. Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes “também a desconfiança na política de organização de trabalho se exprime, de algum modo, no receio de um prejuízo futuro. Acresce que, como atrás já dissemos, nos parece que a desconfiança há de ter que se fundar em alguns indícios concretos, sob pena de não vermos qualquer utilidade em a lei exigir a indicação desse “fundamento.”, in Algumas reflexões críticas sobre a Lei nº 14/2018 de 19 de Março”, in Prontuário de Direito do Trabalho” – Centro de Estudos Judiciários, 1º semestre de 2018, número I, pág. 99.;
uu. Pelo que o Tribunal andou mal ao considerar como válido o direito de oposição exercido pelo trabalhador Autor Recorrido, quando não consta dos autos um único facto suportador do prejuízo sério relativamente à falta de confiança;
vv. Violando assim os artigos 286.º-A, n.º 1 e 3 do C.T. e 342.º, n.º 1 do Código Civil;
ww. Em função da transmissão da unidade económica o contrato individual de trabalho do trabalhador Autor Recorrido celebrado com a aqui Recorrente transmitiu-se, em 1 de Janeiro de 2021 para a 2.ª Ré Especial 1 ora Recorrida, que passou a ser, a partir dessa data, a entidade empregadora do Autor Recorrido;
xx. Aliás, transmissão da unidade económica essa devidamente reconhecida pelo Tribunal ad quo quando destaca o preenchimento de diversos elementos indiciadores da manutenção e preservação da identidade da unidade económica Herdade do Perdiganito;
yy. A Recorrente não despediu ilicitamente o Autor Recorrido porque a sua posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho celebrado se transmitiu, ope legis, para a 2.ª Ré Especial 1 ora Recorrida por força do disposto nos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho, com todas as consequências legais emergentes de tal facto;
zz. O despedimento ora cessação do vínculo laboral resulta da conduta da 2.ª Ré Especial 1 ora Recorrida quando já era, por força da lei, entidade empregadora e não aceitou o Autor Recorrido com manutenção do vínculo, mediante o escrupuloso respeito pela antiguidade e demais direitos e garantias;
aaa. Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso de Apelação quanto à revogação do dispositivo que considerou ter sido exercido validamente o direito de oposição pelo Autor Recorrido quanto à transmissão da unidade económica, revogando-se consequentemente a douta sentença recorrida;
bbb. Neste sentido, violou o Tribunal ad quo a correcta interpretação ao regime do direito de oposição no domínio da transmissão da unidade económica, mais precisamente os n.ºs 1 e 3 do artigo 286.º-A do Código do Trabalho, 342.º, n.º 1 do Código Civil e 3.º, n.º 3 do CPC;
ccc. Pelo que deverá o presente recurso de apelação ser considerado como procedente, por provado, e, em consequência, revogada a douta decisão proferida pelo Tribunal ad quo, por violação ao disposto nos artigos 286.º-A, n.º 1 e 3 do Código do Trabalho, 342.º, n.º 1 do Código Civil e 3.º, n.º 3 do CPC;
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, assegurar o cumprimento das normas do nosso ordenamento jurídico e, nessa medida, deve ao presente recurso ser dado provimento total, revogando-se assim a decisão judicial, tanto na vertente factual como normativa, de condenação da Apelante, por, contrariamente ao doutamente decidido na sentença em crise, não se verificou, por não ter sido alegado nem demonstrado, os factos constitutivos do preenchimento da previsão da norma jurídica respeitante ao direito de oposição na figura da transmissão da unidade económica.

O A., patrocinado pelo Ministério Público, respondeu sustentando a manutenção do julgado.
Cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
Declarando, preliminarmente, que a Recorrente cumpriu os requisitos do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e ainda que se procedeu à audição das gravações, procedamos à apreciação desta parte do recurso.
Pretende a Recorrente que seja alterado o ponto 23, no sentido de se declarar provado que os serviços prestados e executados pela 2.ª Ré Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir das 20hs do dia 31.12.2020, não coincidem com os serviços contratualizados no respectivo contrato de prestação de serviços.
Está em causa o padrão de serviço continuado a partir de uma data e hora específicas – e certo é que, ouvindo os depoimentos das testemunhas BB e CC, no momento da transmissão do serviço, o n.º de vigilantes manteve-se igual, quatro, continuando a vigilância a ser prestada 24 horas por dia, todos os dias da semana. A redução do serviço ocorreu mais tarde, no Verão de 2021, mas essa matéria já está incluída no ponto 34 dos factos provados.
Pretende igualmente que se altere o ponto 30, no sentido de ali se acrescentar que os selos dos pontos de picagem também lhe pertenciam. No entanto, aquele ponto já declara provado que pertencia à Recorrente o “sistema de registo de rondas/picagens próprios” existente no local, e deve entender-se que os selos integram esse sistema de registo de rondas, pelo que o aditamento pretendido pela Recorrente não passa de uma redundância.
Pretende, finalmente, que se adite o seguinte: “38 – O Autor, após o início da prestação do serviço de segurança privada pela 2.ª Ré Especial nas instalações da Herdade do Perdiganito, apresentou-se ao serviço da 2.ª Ré Especial.”
Lendo a contestação oferecida pela Recorrente, verificamos que esta matéria não está ali articulada – faz-se, apenas, no art. 5.º um resumo da alegação do A. da 2.ª Ré não ter aceitado a sua força de trabalho e o ter impedido de entrar ao serviço, mas adiante faz-se a impugnação dessa alegação (art. 8.º da contestação da Recorrente).
Sucede que os poderes inquisitórios consignados no art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho estão limitados à causa de pedir em discussão nos autos, não podendo importar a sua alteração ou ampliação.[1]
O atendimento de factos essenciais não articulados é um poder inquisitório que incumbe ao juiz da causa e que ele apenas pode exercitar no decurso da audiência de julgamento, por sugestão da parte interessada ou por iniciativa própria, em função dos elementos que resultem da instrução e discussão da causa e da sua pertinência para a decisão jurídica e com vista ao apuramento da verdade material e da justa composição do litígio. Por isso, a Relação não pode utilizar tais poderes, ampliando o elenco dos factos provados, como não pode ordenar à 1.ª instância que utilize tal faculdade.[2]
De todo o modo, a sentença já deu como provado, no ponto 24, o facto essencial alegado pelo A.: “Nem a 1.ª Ré Strong Charon, nem a 2ª Ré Especial 1 aceitaram o Autor e os demais vigilantes identificados em 7. como seus trabalhadores, a partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020.”
Assim, também porque a alegação do A. de recusa da sua prestação laboral já foi conhecida, resta indeferir, in totum, a impugnação de facto deduzida pela Recorrente.

A matéria de facto fica assim estabelecida, nos precisos termos que constam da sentença:
1. A 1.ª Ré Strong Charon e a 2.ª Ré Especial 1 são sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada.
2. A 2.ª Ré Especial 1 é filiada na AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança, desde Março de 2021.
3. Entre o Autor e a sociedade Charon – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda. foi celebrado um escrito denominado de ‘contrato de trabalho a termo incerto’, em 23 de Junho de 2017, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de vigilante, a partir da data acima referida e «durante o tempo estritamente necessário à prestação de serviços de vigilância requeridos pela LIDL & Companhia à empregadora», mediante o pagamento da quantia de € 651,56, a título de retribuição mensal.
4. Em Junho de 2018, na sequência de um processo de fusão, o Autor foi integrado pela 1.ª Ré Strong Charon como seu trabalhador, mantendo todos os direitos regalias e demais características e condições emergentes do escrito de contrato de trabalho acima referenciado.
(Quanto à prestação de serviços pela 1.ª Ré Strong Charon na Herdade do Perdiganito)
5. Em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré Strong Charon e a sociedade Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A. acordaram na prestação de serviços de vigilância por parte da primeira nas instalações da Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
6. Os serviços acordados consistiam em assegurar durante 24 horas por dia quatro vigilantes, em regime de turnos rotativos e alternados, nas instalações da Herdade do Perdiganito, os quais deveriam executar: (i) funções de controlo e registo de acessos e permanência de pessoas, viaturas e movimentos de cargas nas instalações, (ii) abertura e encerramento das instalações, (iii) elaboração de relatórios diários de ocorrências e (iv) rondas de vigilância às referidas instalações, com recurso a um sistema de registo/picagem.
7. Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Janeiro de 2020, e até 31 de Dezembro de 2020, exerceram as suas funções de vigilantes, por conta, sob as ordens e autoridade da 1.ª Ré Strong Charon, nas instalações da Herdade do Perdiganito: (i) o Autor AA, (ii) FF (iii) DD e (iv) EE.
8. Os referidos vigilantes actuavam de forma organizada, executando as funções descritas em 6. e tendo como local de trabalho a portaria existente na Herdade do Perdiganito.
9. Desde data não posterior a 1 de Janeiro de 2020, os serviços acima descritos passaram a ser supervisionados directamente pelo responsável do cliente D..., o qual transmitia aos vigilantes da 1.ª Ré algumas instruções de serviço a ser realizado nas referidas instalações.
10. Para o exercício das referidas funções, os vigilantes acima identificados utilizavam um conjunto de chaves das instalações, pertencentes à cliente Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A.
11. Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
12. Os vigilantes acima identificados utilizavam também, no exercício das respectivas funções, uma secretária e uma cadeira, que os próprios levaram para as instalações em causa.
13. Por carta datada de 17 de Novembro de 2020, enviada pela Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, a primeira comunica à mesma que:
«(…) Assunto: Denúncia da Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança
Exmos. Senhores,
Fazemos referência aos serviços de vigilância e segurança privada prestados por V. Exas. à sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. (a “Perdiganito”), desde 2017.
A Perdiganito vem, pela presente, informar V. Exas. da sua intenção de fazer cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada.
Assim, informamos V. Exas. que deverão cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada em 31 de Dezembro de 2020».
(Quanto às comunicações trocadas entre o Autor e as Rés)
14. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente – Herdade do Perdiganito – e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo. Senhor,
V. Ex.ª foi devidamente informado que os serviços de vigilância prestados pela STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. nas instalações do cliente, foram adjudicados à Empresa de Segurança Especial 1, Segurança Privada SA, com efeito a partir do dia 1 de Janeiro de 2021.
Assim, e a partir dessa data, a COPS será a entidade patronal de V. Ex.ª, conforme resulta do disposto nos art.º 285.º a 287.º do Código do Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou estabelecimento.
Reiteramos que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais para V. Ex.ª porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição, e da categoria profissional em que se enquadra.
Mais informamos V. Exa. que se pretender que esta empresa remeta para a COPS informação relativa à sua situação sindical, deverá solicitá-lo expressamente e por escrito devidamente assinado. É que se trata de informação sensível que, como tal, merece sigilo e protecção especial que não afastaremos sem a sua solicitação.
Informamos também, que a consulta prevista ao abrigo do art.º 286º do CT, se encontra agendada, para o dia 28 de Dezembro de 2020 entre as 09:30h-12h e as 14h-17h nas instalações sitas na Rua Dr. Cândido Guerreiro, n.º 49, 8000-123 Faro».
15. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon à 2.ª Ré Especial 1, e por esta recebida, a primeira comunicou à mesma que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento referente ao cliente: Herdade do Perdiganito e a consequente transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores que ali prestam serviço.
Exmos. Senhores,
Como é do conhecimento de V. Exas., a Especial 1, Segurança Privada SA irá suceder à STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. (adiante STRONG CHARON) na prestação de serviços de vigilância ao cliente Herdade do Perdiganito.
A transmissão é motivada pela adjudicação da prestação de serviços de vigilância a um novo operador, a Especial 1, Segurança Privada SA, e terá efeitos a partir do próximo dia 1 de Janeiro de 2021.
A transmissão de empresa ou de estabelecimento está prevista e regulada nos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho, nos quais é definido que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento, ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, “transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores”.
Verificando-se, como se verifica no caso concreto, a transmissão para a Especial 1, Segurança Privada SA da exploração das unidades económicas anteriormente exploradas pela STRONG CHARON, SLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A., a transferência dos contratos de trabalho para a Especial 1, Segurança Privada SA é automática, resulta da imposição da lei e tem por fim salvaguardar a manutenção dos direitos dos trabalhadores, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional que se enquadram, garantindo-lhes o direito à segurança no emprego e a manutenção de todos os seus direitos.
Neste seguimento, para se concretizar a transmissão dos contratos de trabalho em cumprimento do Código do Trabalho e para execução do Contrato Individual de Trabalho de cada trabalhador ao serviço da unidade económica que passará a ser explorada por V. Exas. procederemos ao envio de dados pessoais relativos aos trabalhadores ao serviço em tal/tais unidade(s).
Este envio constitui um tratamento de dados pessoais nos termos do disposto no Regulamento Geral de Dados Pessoais e o respectivo tratamento está legitimado pelo disposto no art.º 6.º, n.º 1, alínea b) e alínea c) do aludido diploma, uma vez que o tratamento é necessário para a execução do contrato de trabalho no qual o titular dos dados é parte, bem como é necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica do responsável pelo tratamento (cfr. art.º 285.º do Código do Trabalho). (…)».
16. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, a 1.ª Ré Strong Charon comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho que a 2.ª Ré Especial 1 iria suceder-lhe na prestação de serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito, a partir do dia 1 de Janeiro de 2021, tendo expedido a todos os trabalhadores da unidade económica em causa e aos seus representantes as «comunicações nos termos e para os efeitos do artigo 286.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4 e n.º 6 do Código do Trabalho».
17. Por carta datada de 16 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente – Herdade do Perdiganito – e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo. Senhor,
No seguimento da missiva de dia 11/12/2020 referente à transmissão do cliente Herdade do Perdiganito, somos a informar que a empresa sucessora é a Especial 1, Segurança Privada SA. Pelo que a referência à empresa COPS não deverá ser considerada».
18. Por carta datada de 16 de Dezembro de 2020, enviada por mandatário do Autor à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, o primeiro comunicou à segunda que:
«(…) ASSUNTO: OPOSIÇÃO AO ABRIGO DISPOSTO NOS N.ºs 1, 2 E 3 DO ARTIGO 286.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO
(…)
EX.MO(S) SENHOR(ES) GESTOR(ES)
Apresento as vossa(s) Ex.ª(s) respeitosos cumprimentos.
Sobre o assunto em epígrafe e em resposta ao vosso ofício em referência, datado de 11/12/2020, fui incumbido, ao abrigo do disposto nos nºs. 1, 2 e 3 do artigo 286.º-A, do Código do Trabalho, de informar V.ª(s) Ex.ª (s) que o vosso trabalhador AA, supra identificado, se opõe à transmissão do seu contrato de trabalho para a empresa adquirente do vosso cliente Herdade do Perdiganito em Évora, desde logo, porque a vossa empresa tem locais de trabalho em Évora, para onde o podem transferir e colocar, por outro lado, porque aquele posto de trabalho (Herdade do Perdiganito) será de curta duração e, também, porque as referências que tem da empresa adquirente não são nada famosas nem abonatórias, razão pela qual não lhe inspiram confiança, acrescendo, que todos os postos de trabalho conhecidos, da empresa adquirente, para além desde de curta duração, são todos demasiado longe da sua residência, o que, de futuro, lhe trará mais prejuízos do que benefícios. (…)».
19. Por carta datada de 23 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Exmo.(a). Senhor(a),
Acusamos a recepção da sua carta, no dia 16 de Dezembro de 2020, a qual mereceu a nossa maior atenção.
Nos termos do artigo 286.º-A do Código do Trabalho (adiante designado por “CT”), quando se verifique uma situação de transmissão de estabelecimento, o trabalhador tem direito a manifestar a sua oposição à transmissão do seu contrato de trabalho para o adquirente. Contudo, tal direito de oposição não é absoluto, relevando apenas nas situações em que a transmissão dos contratos de trabalho seja apta a causar prejuízos sérios ao trabalhador.
Com efeito, não é suficiente a mera alegação de que a reputação da empresa adquirente não inspira confiança ao trabalhador para que não se opere a transmissão do seu contrato de trabalho ao abrigo do regime da transmissão de estabelecimento. Acresce que, para a transmissão do contrato de trabalho do trabalhador não é relevante os alegados postos de trabalho existentes na empresa adquirente, mas apenas o posto de trabalho do estabelecimento objecto de transmissão».
20. Por carta datada de 29 de Dezembro de 2020, enviada por mandatário do Autor à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, o primeiro comunicou à segunda que:
«(…) ASSUNTO: OPOSIÇÃO À TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
V/ REF.ª: V/OFÍCIO DATADO DE 23/12/2020
EX.MO(S) SENHOR(ES) GESTOR(ES)
Apresento as vossa(s) Ex.ª(s) respeitosos cumprimentos.
Sobre o assunto em epígrafe e em resposta ao vosso ofício em referência, datado de 23/12/2020, fui incumbido, de informar V.ª(s) Ex.ª(s) que o vosso trabalhador AA, não se vai apresentar no posto de trabalho herdade do Perdiganito, NO PRÓXIMO DIA 01/01/2021, pela empresa ESPECIAL 1 – SEGURANÇA PRIVADA, S.A., por um lado, pelas razões anteriormente expendidas e, por outro, e em especial, porque não existe qualquer contrato formal outorgado entre a vossa empresa e o HOTEL PERDIGANITO, que lhe confira qualquer posto de trabalho naquele local, logo não pode haver qualquer transmissão de estabelecimento da vossa empresa para a ESPECIAL 1 – SEGURANÇA PRIVADA, S.A., CONTINUANDO, POR ISSO, VINCULADO LABORALMENTE À VOSSA EMPRESA.
Além disso o contrato de trabalho celebrado entre a vossa empresa e este vigilante NUNCA CONTEMPLOU, ESPECIFICAMENTE, o posto de trabalho no Hotel do Perdiganito. (…)».
(Quanto à prestação de serviços pela 2.ª Ré Especial 1 na Herdade do Perdiganito)
21. Em 29 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 e a sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. celebraram um escrito denominado de ‘contrato de prestação de serviço’, mediante o qual declararam que a primeira prestaria à segunda os serviços de segurança e vigilância, na Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, com início no dia 1 de Janeiro de 2021 e termo em 31 de Dezembro de 2021, com renovação automática por iguais períodos, e mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
22. A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 passou a prestar os referidos serviços de vigilância nas instalações da Herdade do Perdiganito.
23. Os serviços prestados pela 2.ª Ré Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir da data e hora acima referidas, coincidem com os serviços até então prestados pela 1.ª Ré Strong Charon à referida sociedade e melhor discriminados no ponto 6., tendo a mesma ao seu serviço 4 vigilantes no referido local, igualmente organizados em regime de turnos rotativos e alternados, 24 horas por dia.
24. Nem a 1.ª Ré Strong Charon, nem a 2ª Ré Especial 1 aceitaram o Autor e os demais vigilantes identificados em 7. como seus trabalhadores, a partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020.
25. Em 1 de Janeiro de 2021, o Autor tinha a respectiva formação profissional e o cartão profissional de vigilante actualizados e em vigor.
26. A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, passaram a exercer funções de vigilantes nas instalações da Herdade do Perdiganito, por conta e sob as ordens e direcção da 2.ª Ré Especial 1 os trabalhadores GG, HH, II e JJ.
27. Os trabalhadores acima identificados celebraram escritos denominados de ‘contratos de trabalho’ com a 2.ª Ré Especial 1, nos primeiros dias de Janeiro de 2021.
28. A 2.ª Ré Especial 1 não utiliza, nos serviços por si prestados na Herdade do Perdiganito, fardas, impressos, bastões de ronda, alvarás ou licenças da 1.ª Ré Strong Charon.
29. Os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 que exercem funções nas instalações na Herdade do Perdiganito utilizam fardas e registos de relatórios fornecidos pela 2.ª Ré, com o modelo e imagem identificativos da mesma.
30. Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 utilizam igualmente, no âmbito das respectivas funções, o conjunto de chaves das instalações da Herdade do Perdiganito acima referenciado, bem como uma secretária, cadeira, lanterna e sistema de registo de rondas/picagens próprios, tendo como local de trabalho a portaria referida em 8.
31. A 2.ª Ré Especial 1 tem métodos de trabalho próprios, códigos de conduta próprios, normas de serviço próprias e procedimentos internos próprios, diversos dos da 1.ª Ré Strong Charon.
32. A 2.ª Ré Especial 1 organizou a afectação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores tendo em vista o início da prestação de serviços de vigilância nas instalações do hotel Herdade do Perdiganito.
33. A 1.ª Ré Strong Charon não entregou à 2.ª Ré Especial 1 alvarás, licenças ou peças de uniforme para o exercício da actividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Herdade do Perdiganito.
34. Desde data não concretamente apurada, mas ocorrida no Verão de 2021 e coincidente com a abertura do hotel na Herdade do Perdiganito, a 2.ª Ré Especial 1 reduziu para 2 o número de vigilantes a exercer actividade nas referidas instalações.
35. Em 31 de Dezembro de 2020, o Autor auferia € 796,19, a título de retribuição mensal base.
36. Desde o dia 31 de Dezembro de 2020, o Autor não recebeu qualquer quantia a título de retribuição, por parte da 1.ª Ré Strong Charon e/ou da 2.ª Ré Especial 1.
37. O Autor sentiu um profundo desgosto na sequência e por causa da conduta das Rés acima descrita.

APLICANDO O DIREITO
Da oposição do trabalhador à transmissão do vínculo contratual
A sentença recorrida julgou procedentes os fundamentos de oposição à transmissão do vínculo contratual, pois “compulsada a oposição deduzida pelo Autor e comunicada à 1.ª Ré Strong Charon, entende-se encontrar-se suficientemente fundamentada a falta de confiança na política de organização do trabalho da 2.ª Ré pelo mesmo invocada. O que decorre, desde logo, da circunstância de se encontrar expressamente previsto no contrato de prestação de serviços celebrado entre a 2.ª Ré Especial 1 e a Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. que, durante a respectiva vigência, iria ocorrer uma redução temporária dos vigilantes a prestar actividade na Herdade do Perdiganito.”
Consta da matéria de facto que o trabalhador enviou à 1.ª Ré duas cartas, a primeira datada de 16.12.2020, na qual, invocando o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 286.º-A, do Código do Trabalho, se opunha à transmissão do seu contrato de trabalho, não apenas porque a 1.ª Ré detinha locais de trabalho em Évora, para onde o poderia transferir, mas também porque o posto de trabalho na Herdade do Perdiganito seria de curta duração e, também, porque as referências que tinha da empresa adquirente “não são nada famosas nem abonatórias, razão pela qual não lhe inspiram confiança, acrescendo, que todos os postos de trabalho conhecidos, da empresa adquirente, para além desde de curta duração, são todos demasiado longe da sua residência, o que, de futuro, lhe trará mais prejuízos do que benefícios.”
São, pois, três os fundamentos que o trabalhador invoca: a 1.ª Ré detinha outros locais de trabalho em Évora onde o poderia colocar, o posto de trabalho na Herdade era de curta duração e a empresa adquirente não lhe suscitava confiança.
No Acórdão da Relação de Guimarães de 07.05.2020[3], defendeu-se que o fundamento de falta de confiança na política de organização do trabalho, contido no art. 286.º-A n.º 1, não está na livre disponibilidade do trabalhador, devendo este demonstrar que a causa invocada assume uma gravidade tal que torna inexigível a manutenção do vínculo, apesar de se tratar de uma causa objectiva de resolução do contrato de trabalho, constante do elenco do n.º 3 do art. 394.º. Deste modo, o trabalhador deveria demonstrar os factos concretos aptos a demonstrar a falta de confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente, devendo este fundamento ser apreciado “não de um ponto de vista subjectivo, mas de um ponto de vista objectivo, com base em factos concretos que a demonstrem, tendo em conta a perspectiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.”
Na doutrina, porém, têm sido manifestadas posições que apontam para a livre disponibilidade deste fundamento de resolução do contrato de trabalho.
Maria do Rosário Palma Ramalho[4] nota que está em causa “uma alegação absolutamente subjectiva, de conteúdo indeterminado, e que, de novo, implica um juízo de prognose do trabalhador, uma vez que antes de integrar a nova empresa ele não pode, verdadeiramente, conhecer a respectiva política de organização do trabalho. Assim, crê-se que, na prática, este requisito tem o efeito de tornar irrestrito o direito de oposição. Contudo, como o trabalhador tem que fundamentar a sua oposição (art. 286.º-A n.º 3, parte final), não se vê que fundamento poderá apresentar neste caso.”
Por seu turno, João Leal Amado[5] escreve que o fundamento da “ausência de confiança, trata-se de um sentimento, de uma crença, de algo emocional e do foro puramente interno do trabalhador, algo insusceptível, enquanto tal, de ser demonstrado ou desmentido em tribunal, de ser comprovado pelo trabalhador ou de ser contestado pelo empregador.”
Júlio Gomes[6] interroga-se, porém, sobre se a alegação de falta de confiança não deverá assentar em alguns indícios concretos, embora admita graves dificuldades na aferição deste requisito, pois não apenas está em causa um exercício de prognose, ou seja, uma conjectura acerca do que poderá acontecer, como o trabalhador pode estar colocado perante uma situação de absoluto desconhecimento dos factos essenciais relativos à política de organização do trabalho do adquirente, e ser precisamente esse desconhecimento o fundamento íntimo da sua desconfiança. Citemos a seguinte passagem do seu escrito, a propósito dos dois fundamentos previstos no art. 286.º-A n.º 1:
«O primeiro consiste no temor de um prejuízo sério – este ainda não se verificou, mas pode vir a ocorrer por causa da transmissão da posição de empregador. Exige-se aqui um exercício de prognose, referindo a lei alguns exemplos (“nomeadamente”) de situações em que essa prognose parece justificar-se. Trata-se, em todo o caso, nos exemplos propostos, de situações objectivamente graves como sejam a “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Como se trata apenas de exemplos, parece-nos haver espaço para outras situações em que também se pode formular um juízo de prognose de prejuízo sério, como sucederá, por exemplo, com uma mudança significativa de local de trabalho. Mas esta exigência contrasta fortemente com a parte final do mesmo n.º 1: o trabalhador pode, no fim de contas, opor-se à transmissão da posição de empregador simplesmente por “a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança”. Este último fundamento já foi classificado de subjectivo e insindicável. Com efeito, se for suficiente dizer “não confio na política de organização de trabalho” do transmissário, não se vê como é que se trata aqui de um genuíno fundamento. Dito por outras palavras de que é que adianta o trabalhador ter que referir um fundamento no escrito em que exerce o seu direito de oposição, se o fundamento em causa é totalmente incontrolável e arbitrário? No limite poderá o trabalhador “desconfiar” do que ignora por completo? Se o transmissário é, por hipótese, uma sociedade que só agora se constituiu poderá o trabalhador alegar que desconfia de uma política de organização do trabalho que ainda nem sequer existe? Perguntamo-nos, por isso, se a falta de confiança não terá que assentar em alguns indícios concretos que devam ser referidos, mencionados, tanto no caso de oposição, como no caso de resolução. Reconhecemos, no entanto, que se trata de uma questão muito delicada, tanto mais que a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida directamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas.»[7]
Face aos termos como o art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho se encontra formulado, podemos afirmar que a lei consagra dois fundamentos distintos de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho: o 1.º, fundado no prejuízo sério para o trabalhador, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente, embora não seja de exigir um prejuízo sério efectivo, mas um mero juízo de prognose sobre um prejuízo sério no futuro[8]; o 2.º, fundado na falta de confiança do trabalhador quanto à política de organização do trabalho do adquirente, que também envolve um juízo de prognose do trabalhador, mas de conteúdo subjectivo e indeterminado.
A lei poderia ter-se bastado pelo prejuízo sério como único fundamento do direito de oposição à transmissão do vínculo contratual: sempre envolveria um juízo de prognose, mas fundado em factos concretos e verificáveis, como são a falta de solvabilidade ou a situação financeira difícil. Não foi, porém, essa a opção do legislador, consagrando um segundo fundamento do direito de oposição, que o trabalhador poderá invocar, mesmo que não seja evidente o risco de prejuízo sério, e que se baseia apenas em algo do seu foro íntimo, uma opção pessoal, como tal insindicável pelo tribunal.
E existem motivos atendíveis que levariam o legislador a consagrar essa solução. Para além do exemplo que nos é dado pelos ordenamentos sueco e alemão, onde o direito de oposição não carece de qualquer fundamento[9], temos a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, emanada na sequência do caso Katsikas[10], segundo a qual o trabalhador deve ser livre de escolher a sua entidade patronal, não podendo ser obrigado a trabalhar para um empregador que não escolheu. Como se afirma no respectivo considerando 37, a directiva europeia – relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos – não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência do seu contrato ou da sua relação de trabalho para o cessionário, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada, cabendo aos Estados-Membros, quando o trabalhador exerce esse seu direito de não continuar a relação laboral com o cessionário, decidir o que sucede com o contrato de trabalho.
No fundo, o que está em causa é o reconhecimento que o trabalho não é uma mercadoria (labour is not a commodity, como a OIT proclamou na Declaração de Filadélfia de 1944), e que o princípio geral da liberdade contratual envolve também a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, não devendo assim ser imposto ao trabalhador um empregador por ele não escolhido[11], representando assim um “salto civilizacional”[12], tanto mais que, como também escreveu Júlio Gomes[13], «admitir a transmissão automática dos contratos de trabalho sem que o trabalhador a isso se possa recusar consiste não só numa negação frontal da sua autonomia privada, como mesmo da sua dignidade fundamental enquanto pessoa, convertendo-o, de algum modo, numa coisa, num componente do estabelecimento – perdoe-se-nos a crueza da imagem, mas estaríamos tentados a dizer numa “peça da mobília” –, exposto à sorte deste.»
Nesta linha, seguimos o entendimento que a norma contida no art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, permite ao trabalhador exercer o direito de oposição à transmissão do seu vínculo contratual, quer fundado em risco de prejuízo sério, quer fundado na mera falta de confiança quanto à política de organização do trabalho do adquirente.
No caso dos autos, o trabalhador foi confrontado com o facto consumado da transmissão do seu vínculo contratual para a 2.ª Ré, tal como lhe foi comunicado através da carta de 11.12.2020, sendo confrontado com a circunstância de, nem a 1.ª Ré, nem a 2.ª, o aceitaram como seu trabalhador, como efectivamente sucedeu a partir das 20h00m do dia 31.12.2020
Estes factos são bastantes para fundamentar a desconfiança do trabalhador em relação às consequências que a transmissão teria na organização do seu trabalho, face ao risco de perda do seu posto de trabalho.
Chama-se, a propósito, o que se escreveu no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 16.09.2022:
“VI – O art. 286.º-A do CT contém um fundamento geral para o exercício da oposição, o do “prejuízo sério” e dois exemplos – situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança” – que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adopção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.
VII – É suficiente para fundamentar validamente a oposição, a alegação comprovada que o transmissário da unidade de serviço de vigilância recusou ao trabalhador garantir os direitos emergentes do contrato com a transmitente, só o aceitando ao trabalho se subscrevesse um novo contrato.
VIII – Nessa situação, o trabalhador tem todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério, de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, o que é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização da transmissária.”[14]
De acordo com o entendimento que adoptamos, a oposição do trabalhador à transmissão do seu vínculo contratual pode basear-se numa mera conjectura acerca da política de organização do trabalho do adquirente.
E certo é que os factos acabaram por justificar o invocado risco de prejuízo sério e de falta de confiança, pois a adquirente, efectivamente, não reconheceu ao trabalhador a estabilidade do seu vínculo laboral.
Terminando, resta confirmar a muito bem elaborada sentença.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.

Évora, 30 de Março de 2023

Mário Branco Coelho (Relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

__________________________________________________
[1] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2008 (Proc. 07S2898), igualmente na DGSI.
[2] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 24.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Na jurisprudência, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016 (Proc. 2/13.7TTBRG.G1.S1), da Relação de Évora de 28.09.2017 (Proc. 1415/16.8T8TMR.E1, subscrito pelo ora relator) e da Relação de Guimarães de 10.07.2019 (Proc. 3235/18.6T8VNF.G1), todos em www.dgsi.pt.
[3] Proc. 5670/18.0T8BRG-A.G1, publicado em www.dgsi.pt.
[4] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 7.ª ed., 2019, págs. 694 e 695.
[5] In Transmissão da empresa e contrato de trabalho: algumas notas sobre o regime jurídico do direito de oposição, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 4010, Maio-Junho de 2018, págs. 290 e segs., encontrando-se a passagem citada na pág. 294.
[6] In Algumas reflexões críticas sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de Março, no Prontuário de Direito do Trabalho, 2018-I, págs. 75 e segs..
[7] Loc. cit., págs. 77 e 78.
[8] Maria do Rosário Palma Ramalho, loc. cit., pág. 694.
[9] Exemplos referidos por Pedro Oliveira, in Ainda sobre o direito de oposição do trabalhador no caso de transmissão de empresas, no Prontuário de Direito do Trabalho, 2020-I, pág. 304.
[10] Processos Apensos C-132/91, C-138/91 e C-139/91, com Acórdão proferido pelo TJUE em 16.12.1992.
[11] Maria do Rosário Palma Ramalho, loc. cit., pág. 692.
[12] Expressão de João Leal Amado, loc. cit., pág. 295.
[13] In O conflito entre a jurisprudência nacional e a jurisprudência do TJCE em matéria de transmissão do estabelecimento no Direito do Trabalho, publicado na RDES, 1996, págs. 77-188.
[14] Proferido no Proc. 3037/20.0T8CBR.C1, relatado por Azevedo Mendes e publicado em www.dgsi.pt.