Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
581/17.0T8STR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PILOTO
DIUTURNIDADE
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: i) As convenções coletivas de trabalho partilham algumas caraterísticas das leis gerais e dos negócios jurídicos, pelo que na interpretação das suas cláusulas é lícito recorrer aos critérios previstos no art.º 9.º do Código Civil para interpretação das leis e aos previstos nos art.ºs 236.º a 239.º do mesmo diploma legal para interpretação e integração dos negócios jurídicos.
ii) A noção de antiguidade prevista no CT não se confunde com os pressupostos para a atribuição de uma diuturnidade previstos na cláusula de um Acordo de Empresa, donde resulta o pagamento de uma prestação pecuniária.
Iiii) Daí que se nos termos da cláusula do AE a atribuição da diuturnidade depende de certas qualidades durante o decurso do ano a que respeita, tal não viola a norma legal imperativa que prescreve que a suspensão do contrato de trabalho conta para efeitos de antiguidade, pois não está em causa a antiguidade, mas sim a verificação dos requisitos para a sua atribuição.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 581/17.0T8STR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (autor).
Apelada: CC – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J1.

1. O A. demandou a ré pedindo a condenação desta a reconhecer-lhe a atribuição da antiguidade até 12 de abril de 2016 e, em consequência, ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 7 500, acrescida de juros de mora desde a data da citação até pagamento, com as devidas consequências legais.
Alega que foi Piloto de Aeronaves da aviação civil, com a categoria de Comandante, e foi admitido ao serviço da ré em 12 de abril de 1999, tendo deixado de prestar o seu serviço a esta desde 02 de outubro de 2015 por motivos de doença, situação que se prolonga até à presente data.
Mais referiu que devido à situação de doença perdeu a licença de Piloto da Aviação Civil emitida pela Autoridade Nacional da Aviação Civil no dia 12 de abril de 2016, tendo solicitado nesse mesmo dia a sua passagem à reforma por invalidez no Centro Nacional de Pensões, extinguindo-se o contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Salienta que nos termos da cláusula 7.ª do Regulamento de Retribuição anexo ao Acordo de Empresa de 12 de agosto de 2009, publicado no BTE n.º 33 de 30 de setembro de 2009, págs. 3977 a 3997, está previsto que o autor tem direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade por cada ano de antiguidade de serviço, conforme a tabela salarial em vigor a cada momento, prevendo ainda que cada diuturnidade será paga a partir do mês de janeiro de cada ano se a anuidade se vencer até 30 de junho.
Menciona por sua vez que face ao teor do Orçamento de Estado para 2011 constante da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a ré não pagou nem atribuiu aos seus trabalhadores as Diuturnidades constantes do Acordo de Empresa, o que perdurou pelos anos de 2011 a 2015, tendo esta situação sido desbloqueada em 22 de dezembro de 2015, através de uma mensagem do Presidente da DD na qual este comunicou que iria repor as Diuturnidades/Senioridades suspensas entre 2011 e 2015, à cadência de uma por ano, até perfazer os cinco anos não contabilizados a operar a partir de janeiro de 2016, o que sucedeu.
Nesta sequência alega ainda o autor que como não se encontra a trabalhar para a ré não sentiu o reflexo da reposição ou atribuição das diuturnidades por não receber vencimento da ré, situação essa a que interfere com a contabilização da antiguidade para efeitos de seguro a receber pelo autor.
Foi agendada data para a realização da audiência de partes, tendo a ré sido citada e o autor notificado para o efeito.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes, foi a ré notificada para contestar, o que sucedeu.
Alega a licitude da suspensão do pagamento do valor correspondente às diuturnidades, face à imposição legal das mesmas que a ré tinha que acatar, em virtude da aprovação dos sucessivos Orçamentos de Estado, reiterando a situação de suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado por motivos de doença e não sujeito ao regime da faltas justificadas, a qual impede a atribuição e diuturnidades nos anos em que tal suspensão se verifique.
Por fim, referiu que a ré decidiu no âmbito dos seus poderes gestionários, e sem que nada a obrigasse, a repor gradualmente e para o futuro, as diuturnidades não vencidas, sendo manifesto que o direito a cada diuturnidade reposta só é adquirido no dia 01 de janeiro de cada ano, pelo que o autor não adquiriu o direito à reposição imediata de qualquer das diuturnidades a repor.
Foi proferido despacho saneador e procedeu-se a julgamento como resulta da respetiva ata. ~
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Face ao exposto, absolve-se a ré CC – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA, do pedido de condenação efetuado pelo autor BB, nomeadamente em reconhecer a atribuição a este de antiguidade até 12 de abril de 2016 e, em consequência, ser condenada a pagar ao autor a quantia de € 7 500, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, tudo com as devidas consequências legais.
Custas pelo autor (art.º 527.º n.º 1 do CPC).

2. Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação motivado com as conclusões que se seguem:
1. Neste processo não está em discussão o autor receber os retroativos das diuturnidades suspensas entre 2011 e 2015, mas sim a contagem desses 5 anos para o futuro e para o seguro previsto na cláusula 13.ª do Regulamento das Retribuições, do Acordo de Empresa.
2. O que está aqui em causa é a prestação de serviço e a relação laboral, entre 2011 e 2015, altura em que o autor prestou serviço à ré, porquanto o contrato de trabalho só cessou em abril de 2016.
3. É incompreensível e inaceitável que o Tribunal "a quo", na sua Sentença, venha declarar que "o autor não teria direito a qualquer prestação aqui em estudo uma vez que não se encontrava ao serviço desta na dita data de vencimento".
4. O que está em causa não são prestações de trabalho, mas sim o valor da indemnização de um seguro e a contagem da antiguidade para esse efeito.
5. Também não faz sentido declarar que o Memorando de Entendimento celebrado entre a ré e o SPAC é nulo por fraude à lei.
6. Porque esse memorando não atribuiu aos Pilotos da CC os retroativos das diuturnidades não pagas nos anos de 2011 a 2015.
7. O Memorando só vem reconhecer que as diuturnidades desses 5 anos são contabilizadas para o futuro e de forma gradual.
8. Não há nenhuma fraude à lei, mas sim o retomar do que está previsto no Regulamento das Retribuições, do AE, no que diz respeito às diuturnidades.
9. A Lei do Orçamento de Estado não teve a virtualidade de retirar para sempre os efeitos dos 5 anos de trabalho prestado pelos Pilotos, anos esses que têm sempre de ser considerados para efeitos de antiguidade.
10. Acresce que, o que está em causa neste processo não são as retribuições mensais do autor, mas sim o valor da indemnização de um seguro pela cessação do contrato de trabalho.
11. Assim, falecem "in totum" estes fundamentos do Tribunal "a quo", de que o autor não tem direito a qualquer prestação e que o Memorando é nulo por fraude à lei.
12. Há contradição entre o facto provado n.° 8 e o facto não provado n.° 2, ambos da douta Sentença.
13. Não é possível dar como provado que a ré não é detida a 100% pela DD SA e que não pertence ao Grupo DD e, simultaneamente, considerar válida a declaração da DD de 23/2/2011 aplicável a todos os trabalhadores do Grupo DD.
14. Se a ré não pertence ao Grupo DD esta declaração não lhe é aplicável.
15. Considerar aplicável à ré uma declaração que abrange somente as empresas do Grupo DD e não dar como provado que a ré pertence ao Grupo DD é uma contradição insanável.
16. Não sendo a ré parte do Grupo DD não podia ter retirado as diuturnidades ao autor e as mesmas têm de ser consideradas para efeitos do seguro.
17. Assim não ocorrendo há uma contradição insanável entre a matéria de facto provada e a não provada, gerando a nulidade da sentença, por força do previsto na alínea c), do n° 1, do art.º 615.º do CPC.
18. A ré reconheceu ao autor as 5 diuturnidades dos anos de 2011 a 2015.
19. Na verdade, pela comunicação de 22/12/2015 o Presidente da ré comunicou que iria repor as Diuturnidades suspensas entre 2011 e 2015 (facto provado 11).
20. Para efeito de atribuição dessas diuturnidades foi celebrado um Acordo entre a ré e o SPAC, denominado "Memorando de Entendimento sobre o Modelo de Atribuição de Diuturnidades dos Pilotos da CC" (junto à Contestação como doc. 1).
21. O pagamento dessas diuturnidades seria feito gradualmente à cadência de uma por cada ano, até perfazer os 5 anos não contabilizados.
22. O contrato de trabalho do autor com a ré cessou no dia 12/4/2016, estando previsto no Memorando de Entendimento esta situação com o pagamento de uma única vez.
23. Por conta das cinco diuturnidades do autor devidas entre janeiro e abril de 2016 a ré pagou- lhe a quantia de € 1 500, "correspondente à reposição da diuturnidade nos termos do Anexo B ao Memorando em causa" (facto provado 26).
24. Assim, quando o autor cessou o contrato de trabalho, em abril de 2016, já lhe tinham sido atribuídas e pagas as 5 diuturnidades dos anos de 2011 a 2015.
25. A atribuição pela ré destas 5 diuturnidades consubstancia o reconhecimento do direito do autor e implica obrigatoriamente que as mesmas têm de ser consideradas para efeitos do seguro previsto na cláusula 13.ª do Regulamento de Retribuições, do AE.
26. A contabilização dessas 5 diuturnidades no seguro tem como consequência a condenação da ré no pagamento dos € 7 500 peticionados pelo autor.
27. Acresce que, noutra perspetiva, a Lei do Orçamento de Estado não tem a virtualidade jurídica de se aplicar ao seguro em causa neste processo.
28. Na verdade, o que a Lei de Orçamento de Estado estatuiu foi a suspensão de pagamento das diuturnidades nas retribuições salariais dos trabalhadores do Estado e das empresas participadas pelo Estado.
29. Mas, essa suspensão não teve nem tem a virtualidade jurídica de retirar aos trabalhadores o direito à antiguidade desses 5 anos.
30. O autor trabalhou para a ré nesses 5 anos (sem prejuízo do período de doença) que não podem ser postergados, nem foram, pela Lei de Orçamento de Estado aqui em causa.
31. Estes 5 anos de antiguidade têm de ser contabilizados para efeito do seguro previsto na cláusula 13.ª do RR, do AE, porque a Lei do Orçamento de Estado só se aplica a retribuições dos trabalhadores.
32. O seguro em causa não é uma retribuição, mas sim uma indemnização, cujos fatores de valorização incluem as diuturnidades a que o autor tem direito.
33. E nessas diuturnidades incluem-se as 5 suspensas para efeitos de retribuição, porque as diuturnidades são a antiguidade de serviço do autor na empresa.
34. Mesmo não tendo sido contabilizadas no vencimento mensal do autor durante 5 anos, devido à suspensão (lembra-se que já não estavam suspensas em abril de 2016), a antiguidade tem de ser considerada para efeito da indemnização do seguro.
35. A Lei de Orçamento de Estado não é aplicável a contratos de seguro de indemnização, pela cessação da relação laboral entre o autor e a ré.
36. A antiguidade e, consequentemente, as diuturnidades dos anos de 2011 a 2015 têm de ser contabilizadas na valorização do seguro devido ao autor pela cessação do contrato de trabalho do autor.
37. Se a totalidade do seguro fosse paga pela …e não pela ré, aquela não podia opor ao autor a suspensão de pagamento das diuturnidades nos anos de 2011 a 2015, porque a seguradora não é participada pelo Estado.
38. As diuturnidades são uma valorização da antiguidade, que tem sempre de ser considerada no seguro aqui em causa.
39. Não lhe sendo aplicável a suspensão da Lei do Orçamento de Estado, só aplicável a retribuições de vencimento.
40. Noutra perspetiva e sobre outra questão, relativa à baixa do autor por doença e consequente suspensão do contrato de trabalho, sempre se alega e conclui que as normas relativas às faltas e à antiguidade são imperativas e não podem ser postergadas por instrumento de regulação coletiva de trabalho.
41. A ré alega que o autor esteve de baixa por doença entre 02/10/2015 até à cessação do contrato de trabalho no dia 12/04/2016, pelo que e pelo menos não terá direito a uma diuturnidade, por força do previsto na alínea c), do n.° 2, da cláusula 7.ª, do Regulamento de Retribuições, do AE.
42. O art.º 296.° do CT prevê a suspensão do contrato de trabalho decorrente de doença que se prolongue por mais de um mês.
43. A suspensão do contrato de trabalho laboral não é idêntica à suspensão civilística.
44. Durante a suspensão do contrato de trabalho mantém-se inúmeros direitos e deveres entre as partes, em particular aqueles que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho.
45. Acontece que, as faltas do autor por motivo de doença são faltas justificadas, por força da alínea d), do n.° 2 do art.° 249.° do CT.
46. E a falta justificada não afeta qualquer direito do trabalhador, por força do n.° 1 do art.° 255.° do CT.
47. E, lapidarmente, tem de se considerar que "o tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade", como previsto no n.º 2 do art.º 295.º do CT.
48. Todas estas normas laborais são normas imperativas, pelo que nenhum instrumento de regulamentação coletiva pode prever regras cujo conteúdo seja desfavorável para os trabalhadores.
49. Como doutamente ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, a propósito dos efeitos das faltas justificadas, "o trabalhador tem direito à contagem do tempo de falta como tempos de serviço efetivo (o que releva para efeitos de antiguidade e de formação dos direitos dependentes do decurso do tempo)" (em TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO, PARTE II - SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 5.ª Edição, Almedina, pág. 634).
50. O valor da indemnização do autor, por efeito do seguro previsto na cláusula 13.ª do RR, do AE, contabiliza as diuturnidades decorrentes da antiguidade do autor.
51. Note-se que a doença do autor, que originou as faltas entre 02/10/2015 até à cessação do contrato de trabalho no dia 12/04/2016, foi a mesma doença que lhe retirou a licença de voo e que fez cessar o contrato de trabalho.
52. A suspensão do contrato de trabalho, por falta justificada, não implica a perda de antiguidade e das diuturnidades para efeito do seguro.
53. Nem se confunda o não pagamento das retribuições durante o período da suspensão do contrato de trabalho com a indemnização do seguro pela cessação do contrato de trabalho.
54. O que está aqui em causa é a contagem da antiguidade e das respetivas diuturnidades para efeito de pagamento de um seguro.
55. O contrato de trabalho do autor com a ré iniciou-se em 12/04/1999 e cessou no dia 12/04/2016, pelo que devem ser contabilizadas no seguro a pagar todas as diuturnidades decorrentes da efetiva antiguidade.
Termos pelos quais, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas. Exas., deve o presente recurso proceder por provado e, em consequência, ser revogada "in totum" a Sentença e, em sua substituição, ser proferido douto Acórdão que reconheça ao autor o direito à antiguidade e diuturnidades, incluindo dos anos de 2011 a 2015, com a condenação da ré a pagar ao autor a quantia de € 7 500, por conta de um seguro previsto no Acordo de Empresa, acrescida de juros de mora desde a data de citação até integral pagamento.

3. Foi apresentada resposta, com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença em apreço não é nula, nem tal nulidade poderá ser, em qualquer caso, conhecida pelo Tribunal de recurso, uma vez que o recorrente, ao arguir tal nulidade no corpo das alegações e não, de forma expressa e separada, no requerimento de interposição de recurso, não respeitou nem cumpriu o regime de arguição de nulidades previsto no art.º 77.º n.º 1 do CPT.
2. Em qualquer caso, é manifesto que não há contradição entre a decisão de facto e os fundamentos de Direito, uma vez que não é necessária a detenção de 100% do capital para que a DD e a CC façam parte do mesmo Grupo societário, sendo indiscutível que a Circular em causa foi efetivamente aplicada na recorrida, e só isso justificou a celebração do Memorando em causa.
3. O presente recurso vem interposto da decisão que julgou totalmente improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento da quantia de € 7 500 por conta de um seguro previsto no Acordo de Empresa aplicável (AE CC/SPAC, BTE n.º 33, de 08.09.2009), e por força da contagem das diuturnidades para aquele efeito.
4. Andou bem o Tribunal “a quo”, mesmo não considerando o argumento de que o Acordo celebrado entre a Recorrida e o SPAC, Sindicato representativo do recorrente, a saber, “Memorando de Entendimento sobre o Modelo de Atribuição de Diuturnidades de Pilotos da Portugália”, é nulo por fraude à lei.
5. O que está em causa nos presentes autos não é a “contagem da antiguidade”, mas a definição do modelo de atribuição das diuturnidades em virtude de, por via da aplicação das restrições impostas pelas sucessivas Leis do Orçamento (de 2011 a 2015), as mesmas terem ficado congeladas naquele período.
6. O que o Memorando em causa veio fazer, quando tais restrições deixaram de ser aplicáveis, foi, ao abrigo das medidas de gestão que a Administração da recorrida já podia adotar a partir de 2015, encontrar uma forma, não de repor retroativamente as diuturnidades, mas antes de encontrar mecanismos que permitissem a sua consideração, para o futuro e de forma faseada.
7. Entre 2011 e 2015, as diuturnidades previstas no AE ficaram “congeladas”, e não puderam produzir qualquer efeito, fosse para efeitos de pagamento fosse para qualquer outro, designadamente para efeitos de contabilização dos montantes devidos a título de cálculo do capital do contrato de seguro agora em causa (não houve suspensão parcial ou só para determinados efeitos).
8. Tal resultou das restrições constantes das Leis do Orçamento do Estado em vigor entre 2011 e 2015, ou seja, por imposição legal que a recorrida não podia deixar de acatar.
9. A obrigatoriedade do pagamento das «Diuturnidades» não tem consagração constitucional (ou por via de instrumento internacional que o Estado Português esteja obrigado a respeitar).
10. As disposições legais relativas às suspensões/reduções retributivas têm natureza imperativa, não podendo a recorrida, no âmbito do direito individual ou coletivo, alterar o que ali se dispõe, estando a sua atuação integral e inequivocamente suportada pelas disposições em vigor em cada momento no ordenamento jurídico português, sendo de salientar que estava em causa o cumprimento de leis reforçadas (as Leis do Orçamento), de valor superior à legislação ordinária e às regras da contratação coletiva.
11. A decisão de suspensão das «Diuturnidades» foi tomada pela recorrida em estrito cumprimento dos seguintes diplomas legais:
- Lei n.º 55-A/2010, de 30 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2011;
- Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2012;
- Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2013;
- Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2014;
- Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2015 (adiante apenas designadas por Lei do Orçamento de Estado para 2011, Lei do Orçamento de Estado para 2012, Lei do Orçamento de Estado para 2013, Lei do Orçamento de Estado para 2014, Lei do Orçamento de Estado para 2014 e Lei do Orçamento de Estado para 2015).
12. Em todas as suprarreferidas Leis do Orçamento se previa a proibição de acréscimos remuneratórios e o pagamento de prestações de natureza compensatória, sendo de natureza imperativa e, por essa razão, prevalecendo sobre normas legais ou convencionais.
13. O vencimento das diuturnidades nos termos da Cl.ª 6.ª, n.º 2 do Regulamento de Retribuição anexo do AE aplicável, constitui um “acréscimo remuneratório”, por isso vedado, nos termos e para os efeitos previstos nas LOE suprarreferidas, que se aplicaram a todas as prestações que se venceriam na sua vigência, independentemente de dizerem respeito a trabalho e serviços prestados de anos anteriores.
14. O recorrente não prestou efetivamente serviço em todo o período em causa, a prestação que se consubstancia no pagamento do capital garantido por um seguro, está previsto no IRCT aplicável e o seu cálculo depende da efetiva atribuição de um determinado número de diuturnidades.
15. O pagamento do capital seguro constitui uma verdadeira prestação laboral, prevista em IRCT, o cálculo dessa prestação depende da efetiva prestação de trabalho e da contagem de diuturnidades que o recorrente detinha à data da cessação do contrato de trabalho por retirada da licença de voo.
16. Se por força das sucessivas Leis do Orçamento de Estado, o vencimento e o pagamento das diuturnidades estava suspenso, não pode dizer-se que essas leis e as restrições nela contidas não se aplicam ao contrato de seguro em causa.
17. À data da cessação do contrato de trabalho, o recorrente estava na situação de contrato de trabalho suspenso, por impedimento prolongado por motivos de doença (art.º 296.º, n.º 1 do CT), desde 02.10.2015, sendo que a suspensão do contrato de trabalho entre o recorrente e a recorrida impede a atribuição de diuturnidades nos anos em que tal suspensão se verifique (Cl.ª 7.ª, n.º 2 alínea c) do Regulamento de Retribuições).
18. Já foi declarado improcedente (ainda que por decisão não transitada em julgado) o pedido de interpretação da Cl.ª 7.ª, n.º 2 alínea c) do RR, no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho nela prevista é apenas a acordada entre o piloto e a agora recorrida (sentença proferida nos autos que correm termos sob o n.º 32114/16.0T8LSB do J7 do Juízo do Trabalho de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa).
19. Dos elementos literais, sistemático e histórico, a utilizar na hermenêutica jurídica, bem como a realidade da recorrida, em termos de regulamentação aplicável a esta matéria ao longo do tempo, resulta que a alínea c) do n.º 2 do art.º 7.º do RR prevê toda e qualquer suspensão do contrato não prevista nas alíneas anteriores, não está apenas abrangida a suspensão acordada pelas partes, mas todas as situações em que não há lugar à atribuição de diuturnidades.
20. O efeito legal da suspensão, quer seja respeitante ao trabalhador, ainda que não lhe seja imputável, quer por acordo, é o de se manterem os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, como é o caso da retribuição, sendo certo que as diuturnidades são, por definição, prestações retributivas (Cl.ª 2.ª do RR).
21. Quando da celebração em 2009 do AE CC/SPAC, a recorrida já tinha não só a prática, mas também regulamentação coletiva, pelo menos desde 2001, de não vencimento de diuturnidades/senioridades em caso de suspensão do contrato de trabalho, independentemente do motivo da suspensão.
22. Assim, tendo o recorrente o contrato de trabalho suspenso por motivo de doença desde 02.10.2015, não venceu uma nova diuturnidade em janeiro de 2016, não tendo direito a essa diuturnidade, em qualquer caso, ou seja, existissem ou não restrições.
23. A suspensão do vencimento da diuturnidade foi imposta à recorrida por força das Leis do Orçamento suprarreferidas, a situação de não atribuição de diuturnidades em janeiro de 2016, decorre do regime previsto na Cl.ª 7.ª, n.º 2, alínea a) do RR., e a diuturnidade atribuída ao recorrente em janeiro de 2016, corresponde à reposição de uma diuturnidade de acordo com o regime previsto no Memorando em causa.
24. A recorrida, no âmbito de seus poderes gestionários, e sem que nada a obrigasse, decidiu, num primeiro momento, repor gradualmente e para o futuro, as diuturnidades não vencidas, definindo os termos e condições dessa reposição, não reconhecendo de imediato o direito às cinco diuturnidades relativas ao período em apreço.
25. Já em 2016, a recorrida acordou com o SPAC, a regulamentação da integração das diuturnidades não vencidas e, bem assim, as condições de pagamento para o futuro, uma vez que essa reposição não se deu de imediato, nem por inteiro, integrando em cada ano as diuturnidades não vencidas de 2011 a 2015, bem como a previsão de um modelo de pagamento gradual.
26. O direito a cada diuturnidade reposta só é adquirido no dia 1 de janeiro de cada ano, pelo que o recorrente não adquiriu o direito à reposição imediata de qualquer das diuturnidades em causa, muito menos a contagem da antiguidade e das diuturnidades foi reconhecida pela recorrida de forma imediata e integral.
27. No Grupo III do Memorando em causa estabeleceu-se o decurso do tempo – cada ano – como requisito essencial para aquisição ao direito ao pagamento de cada diuturnidade reposta, pelo que à data da cessação do seu contrato de trabalho, o recorrente não tinha o direito às diuturnidades não vencidas, nem para efeitos de integração e pagamento, nem para qualquer outro efeito.
28. O recorrente não tinha, para os efeitos pretendidos - cálculo do valor do seguro – as diuturnidades que refere, tendo a recorrida considerado, retroagindo os efeitos do Memorando, uma anuidade em janeiro de 2016, correspondendo essa diuturnidade a uma das diuturnidades repostas, já que o recorrente não tinha, por força da Cl.ª 7.ª, n.º 2, alínea c), direito a qualquer diuturnidade vencida em janeiro de 2016.
29. A recorrida liquidou ao recorrente o montante de € 1 500 correspondente à reposição da diuturnidade nos termos do Anexo B ao Memorando em causa, uma vez que aquele não tinha direito, no momento da cessação do seu contrato de trabalho a qualquer outra diuturnidade ou diuturnidades, nem para efeitos de cálculo do valor do seguro previsto na Cl.ª 13.ª do RR, nem qualquer outro, pelo que nada mais tem que pagar ao recorrente.
30. A decisão em apreço não violou qualquer normativo legal ou convencional que, aliás, em sede de Conclusões o recorrente não invoca, designadamente, o disposto nos art.ºs 255.º, 295.º e 296.º do Código do Trabalho e na Cl.ª 13.ª do Regulamento de Remunerações anexo ao AE aplicável.
Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas haverão doutamente de suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão da 1.ª instância.

4. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação na parte relativa à matéria de facto e procedência quanto ao direito, nos termos pretendidos pelo recorrente.
Não foi oferecida resposta.
A ré juntou cópia de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre questão semelhante.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença.
2. O direito do autor às diuturnidades relativas aos anos de 2011 a 2015 e a condenação da ré a pagá-las por conta do seguro previsto no Acordo de Empresa.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença respondeu à matéria de facto da forma seguinte:
A) Factos provados:
1. O autor foi Piloto de Aeronaves da aviação civil, com a categoria de Comandante, e foi admitido ao serviço da R. em 12 de abril de 1999.
2. O autor desde 2 de Outubro de 2015 deixou de prestar o seu trabalho à ré por motivos de doença.
3. No seguimento, o A. perdeu a licença de Piloto da Aviação Civil, por força da Notificação de Recusa Definitiva de Certificado Médico, emitida pela Autoridade Nacional da Aviação Civil e Entregue ao autor no dia 12/4/2016, com parecer de “INAPTO DEFINITIVAMENTE”, por não cumprir os requisitos para o certificado médico legalmente exigido.
4. Ainda no dia 12 de abril de 2016 o A. solicitou no Centro Nacional de Pensões a sua passagem à reforma por invalidez.
5. No dia 13 de abril de 2016 o autor informou pessoalmente a Direção de Recursos Humanos da ré, sobre a perda definitiva da licença, decorrente da doença.
6. Por força da incapacidade declarada pela ANAC e consequente perda definitiva da licença extinguiuse o contrato de trabalho entre o A. e a ré, no dia 12 de abril de 2016.
7. O autor é sindicalizado no SPAC.
8. No dia 23 de fevereiro de 2011 a DD distribuiu a “Todos os trabalhadores das Empresas do Grupo TAP, em Portugal”, uma Circular, denominada “Medidas de Redução Remuneratória”, informando que aprovou, entre outras medidas, “a não atualização das tabelas salariais e de outras prestações pecuniárias e não vencimento de novas anuidades (pessoal de terra)/senioridades (pessoal navegante)”.
9. Esta redução remuneratória das anuidades/senioridades continuou a ser aplicada nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.
10. Assim, a ré não atribuiu nem atualizou ao autor o valor das Diuturnidades vencidas e devidas nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015.
11. Em 22 de dezembro de 2015 o Presidente da DD e da ré, transmitiu através de documento denominado “MENSAGEM DO PRESIDENTE” que iria repor as Diuturnidades/Senioridades suspensas entre 2011 e 2015, à cadência de uma por ano até perfazer os 5 anos não contabilizados.
12. Em 2016 estava em vigor a tabela salarial que prevê o valor de € 75 para cada diuturnidade.
13. A CC contratualizou com a … SEGUROS o pagamento deste seguro até ao montante de € 115 000, assumindo o pagamento do valor que excedesse este montante.
14. O valor do seguro que o autor tem direito é o correspondente à soma do Vencimento Base + Diuturnidades + Vencimento de Comandante Sénior, multiplicado pelo fator 20 (à data da cessação do contrato de trabalho o A. tinha 51 anos).
15. A ré CC considerou os seguintes valores para o cálculo do valor do seguro:
€ 5 000 --Vencimento base € 250 - Comandante sénior € 521,81 - Diuturnidades.
16. Este valor de € 5 771,81 multiplicado por 20, corresponde a € 115 436,20.
17. A … Seguros pagou ao autor, por conta do seguro previsto no AE, a quantia de € 115 000 e a ré pagou ao autor a quantia de € 436,20.
18. A … e a CC pagaram ao autor, por conta do seguro previsto no AE, a quantia de € 115 436,20.
19. A ré no âmbito de seus poderes gestionários, e sem que nada a obrigasse, decidiu, num primeiro momento, repor gradualmente e para o futuro, as diuturnidades não vencidas.
20. A ré a partir do momento em que decidiu, e nada a obrigava a fazer, repôs para o futuro, e nos termos definidos na referida Circular, as diuturnidades não vencidas, decidiu de igual modo os termos e as condições dessa reposição.
21. Já em 2016, acordou com o SPAC, Sindicato do qual o autor é filiado, a regulamentação da integração das diuturnidades não vencidas e, bem assim, as condições de pagamento para o futuro, uma vez que essa reposição não se deu de imediato.
22. A ideia subjacente ao Memorando foi o da integração em cada ano das diuturnidades não vencidas de 2011 a 2015, e a previsão de uma modelo de pagamento gradual.
23. Relativamente ao primeiro aspeto, prevê-se no Ponto I do Grupo I que “A CC integrará na retribuição mensal dos seus pilotos uma diuturnidade adicional em cada ano, a qual acrescerá à que se venceu nesse ano pelo decurso do tempo”.
24. Também no Grupo III do Memorando em causa, se estabelece o decurso do tempo – cada ano – como requisito essencial para aquisição ao direito ao pagamento de cada diuturnidade reposta.
25. A ré considerou, retroagindo os efeitos do Memorando, uma anuidade em janeiro de 2016.
26. A ré liquidou ao autor o montante de € 1 500, correspondente à reposição da diuturnidade nos termos do Anexo B ao Memorando em causa.
B) Factos não provados:
1. A ré é uma companhia privada de capitais públicos.
2. A ré é uma empresa detida a 100% pela sociedade DD e pertence ao Grupo DD.
3. O Autor encontra-se em situação de baixa médica até à presente data.
4. O Centro Nacional de Pensões ainda não decidiu sobre a reforma do autor e este mantém-se em situação de baixa médica, recebendo subsídio de doença pela Segurança Social.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença.
2. O direito do autor às diuturnidades relativas aos anos de 2011 a 2015 e a condenação da ré a pagá-las por conta do seguro previsto no Acordo de Empresa.

B1) A nulidade da sentença
O apelante conclui que existe contradição entre o facto dado como provado no ponto 8 dos factos provados da sentença e o ponto 2 dos factos não provados da sentença, o que gera a nulidade da sentença.
A apelada e o Ministério Público no parecer que emitiu, entendem que o apelante não arguiu de forma expressa e separada a nulidade da sentença, nos termos do art.º 77.º n.º 1 do CPT, pelo que não pode ser conhecida.
A apelada e o Ministério Público têm razão.
O apelante não faz qualquer menção à nulidade no requerimento de interposição de recurso. Só a invoca no corpo das alegações.
Assim, não pode ser conhecida, por extemporaneidade.
Em qualquer caso, dir-se-á que, salvo o devido respeito, para efeitos de fixação da matéria de facto necessária e suficiente para a decisão de mérito, não se nos afigura que exista contradição.
O facto dado como provado no ponto 8 retrata uma situação da vida ocorrida em 2011 e o facto dado como não provado no ponto 2 refere-se a uma situação da vida do presente.
O autor não indica qualquer elemento de prova com vista a comprovar que a ré pertence ao grupo DD ou qual a percentagem de capital que detém na ré.
Como já referimos, trata-se de situações da empresa verificadas em datas diferentes, com cinco anos de diferença, pelo que a situação pode-se ter alterado.
Realça-se que não é pedida a reapreciação da prova.
Assim, entendemos que não existe a apontada contradição entre a matéria de facto invocada pelo apelante.

B2) O direito do autor à antiguidade e diuturnidades relativas aos anos de 2011 a 2015
B2.1) A diuturnidade e a sua atribuição
O Anexo III, do Regulamento de Retribuição (RR), do Acordo de Empresa celebrado entre a ré e o SPAC, aplicável às partes, estipula o seguinte:
Cláusula 7.ª
Diuturnidades
1. Os elementos do Pessoal Navegante Técnico terão direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade, no valor constante da Tabela Salarial que, em cada momento, seja aplicável, por cada ano de antiguidade de serviço.
2. Não será atribuída diuturnidade nos anos que:
a) O Piloto tenha sido objeto de processo disciplinar cuja sanção aplicada tenha sido suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
b) O Piloto apresente faltas injustificadas.
c) Tenha ocorrido suspensão do contrato de trabalho entre o Piloto e a CC.
3. A primeira diuturnidade vencer-se-á no mês seguinte àquele em que o Piloto perfaça 18 meses de antiguidade de serviço, passando as seguintes a serem processadas no mês de janeiro de cada ano. As anuidades que se vencerem até 30 de junho serão liquidadas a partir do mês de janeiro de cada ano.
Aquelas que se vencerem após 30 de junho serão liquidadas a partir do mês de janeiro do ano seguinte.
4. No caso de o Piloto a admitir já ter vencido diuturnidades em qualquer outra função desempenhada na CC manterá o direito a essas diuturnidades sem qualquer atualização futura.
Cláusula 13.ª
Seguros
1. A CC garantirá aos Pilotos, enquanto se mantiverem ao seu serviço, ou aos beneficiários por eles indicados, um seguro cobrindo os riscos de morte, incapacidade permanente ou perda de licença de voo, reconhecida pela autoridade aeronáutica competente, resultante de doença ou acidente, inerente ou não à prestação de trabalho, de acordo com os valores correspondentes previstos nas tabelas constantes nos Anexos A1 e A2.
2. Caso a Apólice de seguro contratada contenha limites máximos de indemnização, a CC suportará o diferencial entre aquele limite e o valor resultante da aplicação do número anterior.
Resulta da cláusula 7.ª citada que a atribuição da prestação diuturnidade depende da verificação de requisitos positivos enumerados no seu n.º 1 e da ausência dos negativos enunciados no seu n.º 2.
Nos termos do n.º 1, a diuturnidade forma-se a partir da antiguidade de um ano no serviço e o seu valor tem por referência a tabela salarial aplicável em cada momento.
O n.º 2 afasta a atribuição da diuturnidade nos casos em que o contrato de trabalho tenha conhecido alguma das vicissitudes aí enumeradas, que suspendem, durante algum tempo, a prestação efetiva de trabalho no ano que contaria para a formação e atribuição da diuturnidade.
É o que se conclui das três alíneas do n.º 2. As causas de exclusão são todas relativas a não prestação de trabalho: seja a causa uma sanção disciplinar, faltas injustificadas ou a suspensão do contrato de trabalho. O texto da cláusula acentua de forma inequívoca o elemento assiduidade ao trabalho na concessão da diuturnidade, independentemente das causas que a possam impedir. Esta última conclusão extrai-se também a partir da alínea c). Nesta alínea estabelece-se de forma genérica como causa excludente da atribuição da diuturnidade a suspensão do contrato de trabalho.
A dúvida na interpretação da alínea c) da cláusula 7.ª do RR reside na expressão “entre o piloto e a CC”.
O trabalhador interpreta a alínea c) no sentido restrito de a suspensão do contrato de trabalho só excluir o direito nos casos em que esta é negociada e acordada entre a CC e o trabalhador.
Não nos parece que tal interpretação encontre correspondência no texto da cláusula em análise. Trata-se de um Acordo de Empresa em que os outorgantes são os trabalhadores, através dos seus representantes, e a própria empresa. Quando firmam as cláusulas as partes falam de si próprias e não de terceiros.
Observe-se que o proémio do n.º 2 da cláusula 7.ª do RR diz: “Não será atribuída diuturnidade nos anos que”. No ano em que se verificar alguma das situações mencionadas a diuturnidade não será atribuída e entre elas encontra-se a suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a CC.
Em parte alguma se restringe a noção de suspensão do contrato de trabalho. A expressão “entre o piloto e a CC” é um acrescento que nos parece que tem a ver com as condições específicas da relação de trabalho entre os pilotos e a ré CC. Se porventura o AE fosse aplicável a outras entidades, por adesão ou Portaria de Extensão, a diuturnidade só não seria atribuída em caso de suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a CC. Se o AE fosse aplicável a outro trabalhador que não fosse da CC, já a suspensão do contrato de trabalho não constituiria obstáculo à atribuição da diuturnidade. As partes parecem ter querido reforçar e deixar bem claro que as diuturnidades são atribuídas a trabalhadores da CC nos termos definidos. Fica claro que em caso de suspensão do contrato de trabalho entre o piloto trabalhador e a CC, tal exclui a atribuição da diuturnidade.
As faltas justificadas por doença do trabalhador que que se prolonguem por mais de um mês determinam a suspensão do contrato de trabalho (art.º 296.º n.º 1 do CT)
Resulta dos factos provados que o trabalhador, aqui autor, esteve de baixa médica por doença desde 2 de outubro de 2015 até 12 de abril de 2016. Não é colocada em causa a sua justificação, a qual, aliás, é pressuposta pelas partes nas suas alegações.
É, assim, inequívoco, que o seu contrato de trabalho esteve suspenso durante este tempo, uma vez que se prolongou por um período de tempo superior a 30 dias.
O art.º 255.º do CT prescreve que a falta justificada, como é o caso, não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto no número seguinte (n.º 1).
Analisadas as alíneas do número seguinte deste artigo, em parte alguma se pode extrair a conclusão de que a suspensão do contrato de trabalho gerada por doença superior a 30 dias implica perda de antiguidade.
Aliás, o art.º 295.º n.º 2 do CT, prescreve expressamente que o tempo de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.
No caso concreto, a antiguidade reporta-se a um período de tempo anual de serviço com vista a atribuir uma prestação pecuniária acordada pelas partes em sede de AE, se estiverem preenchidos determinados pressupostos. Não se trata de definir o que é a antiguidade para efeito de aplicação do regime geral do CT, mas sim de definir os pressupostos para a atribuição de uma prestação pecuniária, fixada e pensada pelos outorgantes do AE, nos termos por si definidos.
O art.º 262.º n.º 2 alínea b) do CT define o que se entende por diuturnidade, mas não sobre as condições da sua atribuição. Estas são, no caso concreto, as negociadas entre as partes e constantes do AE.
O art.º 250.º do CT prescreve que as disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo em relação a situação prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo anterior e desde que em sentido mais favorável ao trabalhador, ou por contrato de trabalho.
Esta norma jurídica do CT restringe o âmbito de imperatividade apenas às matérias relativas aos motivos das faltas e à sua duração, que não podem ser reguladas de forma diferente pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
A diuturnidade prevista na cláusula 7.ª do RR constitui um direito acordado entre a empregadora e os seus trabalhadores, desde que preenchidos os requisitos aí previstos, e não derroga o regime previsto no CT.
As convenções coletivas de trabalho partilham com as leis gerais da República as caraterísticas da generalidade e abstração, na medida em que se destinam a um universo relativamente indeterminado de pessoas singulares e coletivas e não visam regular apenas uma relação de trabalho concreta.
O seu caráter é misto. A par dessa caraterística que as aproxima das leis da República, contêm outras de natureza privada: a sua fonte é privada e diz respeito a um universo relativamente pequeno de sujeitos, com regulação direta do conteúdo das relações individuais de trabalho, que as inspira e orienta.
A interpretação das cláusulas contratuais coletivas obedece ao melhor do mundo jurídico da interpretação da lei geral – art.º 9.º do Código Civil – e da interpretação e integração dos negócios jurídicos - art.ºs 236.º a 239.º do mesmo diploma legal.
A lei geral é de natureza e ordem pública e mesmo quando regula questões muito específicas e particulares da vida fá-lo sempre sob o manto do interesse público geral, que acautela. O interesse particular só é satisfeito na medida em que não prejudique o interesse geral dos cidadãos. Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não têm essa preocupação. Têm apenas em vista regular e acautelar os interesses particulares dos subscritores. O único limite à negociação são as normas jurídicas imperativas emanadas do poder legislativo da República que limitam a liberdade negocial e a conformação do seu conteúdo, daí a similitude com os negócios jurídicos – art.º 405.º do CC.
Neste contexto, da análise global dos números 1 e 2 da cláusula 7.ª resulta que:
A diuturnidade é atribuída por cada ano de serviço, desde que não tenha havido qualquer suspensão do contrato de trabalho gerada pela aplicação de sanção disciplinar que a implique, faltas injustificadas ou faltas justificadas.
A diuturnidade é uma prestação prevista no AE e é atribuída em cada ano de antiguidade de serviço, após 18 meses de serviço (cláusula 7.ª n.º 3), desde que não exista qualquer uma das causas que excluam a sua atribuição. Trata-se de uma prestação negociada livremente pelas partes, que acresce à retribuição base e que só é atribuída se estiverem verificados os requisitos que já referimos.
Daí que a suspensão do contrato de trabalho entre o piloto e a CC, devida a faltas por doença justificadas de 2 de outubro de 2015 até 12 de abril de 2016, afasta o direito à atribuição da diuturnidade, nos termos da alínea c) do n.º 2 da cláusula 7.ª do RR, anexo ao AE.

B2.2) O valor do seguro
As diuturnidades a que o autor teria direito, se preenchesse os requisitos previstos na cláusula 7.ª n.ºs 1 e 2 do RR, não foram atribuídas nos anos de 2011 a 2015, em virtude da Lei do Orçamento do Estado para esses anos ter imposto reduções retributivas.
Se a empregadora deste caso não fosse uma empresa do setor público do Estado não poderia deixar de atribuir a diuturnidade nos termos previstos no Acordo de Empresa, sob pena dos trabalhadores recorrerem ao Tribunal para a obrigarem a cumprir.
O n.º 1 da cláusula 7.ª do RR, estipula que os elementos do Pessoal Navegante Técnico terão direito a auferir o valor correspondente a uma diuturnidade, no valor constante da Tabela Salarial que, em cada momento, seja aplicável, por cada ano de antiguidade de serviço.
A cláusula 13.ª, por sua vez, estipula que a CC garantirá aos Pilotos, enquanto se mantiverem ao seu serviço, ou aos beneficiários por eles indicados, um seguro cobrindo os riscos de morte, incapacidade permanente ou perda de licença de voo, reconhecida pela autoridade aeronáutica competente, resultante de doença ou acidente, inerente ou não à prestação de trabalho, de acordo com os valores correspondentes previstos nas tabelas constantes nos Anexos A1 e A2 (n.º 1) e, caso a Apólice de seguro contratada contenha limites máximos de indemnização, a CC suportará o diferencial entre aquele limite e o valor resultante da aplicação do número anterior.
O que está em causa nesta questão é apurar qual o valor do capital a atribuir ao piloto, aqui autor, em virtude de doença que levou à perda da licença de voo, no âmbito do seguro.
O valor da indemnização a receber é calculado nos termos das tabelas constantes dos Anexos A1 e A2, ou seja, tem-se em conta a soma do vencimento base, diuturnidades, vencimento de comandante sénior, multiplicado por um fator, que neste caso é o fator 20, pois à data da cessação do contrato de trabalho o A. tinha 51 anos de idade.
Em 12.04.2016, de acordo com os factos provados, o trabalhador não tinha auferido qualquer diuturnidade nos anos de 2011 a 2015. Como se viu, o cálculo do valor do seguro a receber funda-se nas quantias efetivamente auferidas pelo piloto. Não foram atribuídas ao autor as diuturnidades relativas aos anos de 2011 a 2015, por imposição do Estado, pelo que o valor do seguro não pode ser calculado como se tivessem sido pagas.
O cálculo do valor do seguro a receber objetiva-se através da retribuição prevista no RR, onde se inclui a proveniente das diuturnidades. As diuturnidades relativas aos anos de 2011 a 2015 seriam apenas recuperadas à cadência de uma por cada ano, nos anos seguintes, caso o trabalhador continuasse em funções. No momento em que se venceu o direito e foi efetuado o cálculo da indemnização a receber, o trabalhador não auferia as diuturnidades relativas àqueles anos, pelo que não podem entrar na base de cálculo respetiva.
Está provado que: “em 22 de dezembro de 2015 o Presidente da DD e da ré, transmitiu através de documento denominado “MENSAGEM DO PRESIDENTE” que iria repor as Diuturnidades/Senioridades suspensas entre 2011 e 2015, à cadência de uma por ano até perfazer os 5 anos não contabilizados.
A ré no âmbito de seus poderes gestionários, e sem que nada a obrigasse, decidiu, num primeiro momento, repor gradualmente e para o futuro, as diuturnidades não vencidas.
A ré a partir do momento em que decidiu, e nada a obrigava a fazer, repôs para o futuro, e nos termos definidos na referida Circular, as diuturnidades não vencidas, decidiu de igual modo os termos e as condições dessa reposição.
Já em 2016, acordou com o SPAC, Sindicato do qual o autor é filiado, a regulamentação da integração das diuturnidades não vencidas e, bem assim, as condições de pagamento para o futuro, uma vez que essa reposição não se deu de imediato.
A ideia subjacente ao Memorando foi o da integração em cada ano das diuturnidades não vencidas de 2011 a 2015, e a previsão de uma modelo de pagamento gradual.
Relativamente ao primeiro aspeto, prevê-se no Ponto I do Grupo I que “A CC integrará na retribuição mensal dos seus pilotos uma diuturnidade adicional em cada ano, a qual acrescerá à que se venceu nesse ano pelo decurso do tempo”.
Também no Grupo III do Memorando em causa, se estabelece o decurso do tempo – cada ano – como requisito essencial para aquisição ao direito ao pagamento de cada diuturnidade reposta.
A ré considerou, retroagindo os efeitos do Memorando, uma anuidade em janeiro de 2016.
A ré liquidou ao autor o montante de € 1 500, correspondente à reposição da diuturnidade nos termos do Anexo B ao Memorando em causa”.
Resulta dos factos provados que a empresa decidiu atribuir e pagar aos pilotos as diuturnidades não atribuídas e não pagas nos anos de 2011 a 2015, mas de forma gradual nos anos seguintes.
No momento em que se venceu o seguro previsto na cláusula 13.ª do RR, o autor não auferia as diuturnidades dos meses mencionados, razão pela qual não integram a base de cálculo do valor a receber. O seguro tem por base a retribuição do trabalhador e é com base nela que é calculado o risco assumido e o valor do capital, caso se verifique o evento que dá lugar ao seu pagamento.
Neste contexto, julga-se o recurso de apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.

Sumário: i) as convenções coletivas de trabalho partilham algumas caraterísticas das leis gerais e dos negócios jurídicos, pelo que na interpretação das suas cláusulas é lícito recorrer aos critérios previstos no art.º 9.º do Código Civil para interpretação das leis e aos previstos nos art.ºs 236.º a 239.º do mesmo diploma legal para interpretação e integração dos negócios jurídicos.
ii) a noção de antiguidade prevista no CT não se confunde com os pressupostos para a atribuição de uma diuturnidade previstos na cláusula de um Acordo de Empresa, donde resulta o pagamento de uma prestação pecuniária.
iii) daí que se nos termos da cláusula do AE a atribuição da diuturnidade depende de certas qualidades durante o decurso do ano a que respeita, tal não viola a norma legal imperativa que prescreve que a suspensão do contrato de trabalho conta para efeitos de antiguidade, pois não está em causa a antiguidade, mas sim a verificação dos requisitos para a sua atribuição.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de julho de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço