Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1141/12.7TBBNV-F.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: ADJUDICAÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
DISPENSA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Sendo os adjudicatários dos bens também credores garantidos, gozam da faculdade reconhecida pelo artigo 815.º do CPC, aplicável ex vi da remissão operada pelo artigo 165.º do CIRE, de dispensa do depósito do preço.
II. Tendo aqueles credores procedido ao depósito do montante das despesas da massa então provisoriamente calculadas mas verificando-se, pelo mapa de rateio final, que o valor depositado é insuficiente, não cobrindo a totalidade da remuneração fixada ao Sr. AI, os credores adjudicatários terão de proceder ao depósito da quantia em falta, sob pena de obterem satisfação dos seus créditos para além do que lhes é devido, uma vez que as despesas da massa gozam de precipuidade no pagamento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1141/12.7TBBNV-F.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 1


I. Relatório
No apenso de liquidação do processo em que foi declarada a insolvência da sociedade (…) e (…), Lda., por requerimento de 15 de Janeiro de 2020 (Ref.ª 34548353) o Sr. AI veio informar que a liquidação se encontrava finda, uma vez que havia celebrado as escrituras formalizando os contratos de compra e venda das verbas n.ºs 2 e 3, resultando inviabilizada a venda da verba n.º 1, uma vez que fora vendida pela insolvente em 14 de Outubro de 2006, facto que só tardiamente foi conhecido no processo de insolvência, conforme certidão registal que juntou.

Em requerimento de 7 de abril de 2022 (Ref.ª 418933288), o mesmo Sr. AI veio requerer a junção aos autos de nova conta-corrente de receitas e despesas, incluindo já o pagamento da conta de custas, procedendo ainda ao cálculo da sua remuneração variável, mas não do mapa de rateio, dado que, conforme informou, “o saldo da conta da massa insolvente não se mostra suficiente para pagar a sua remuneração variável (€ 24.975,66), na qual incluiu a remuneração fixa com IVA (€ 2.460,00), que também ainda não lhe foi paga, sendo certo que o montante depositado pelos credores se mostra insuficiente para pagamento de todas as despesas do processo”.
Requereu, então, a notificação dos credores (…) e mulher, (…), para procederem ao depósito da quantia de € 5.840,27 e de (…) e mulher, (…), para depositarem € 9.679,98, perfazendo os € 15.520,25 em falta.

Em 11 de Maio de 2022 (Ref.ª 42207981) o Sr. AI juntou a proposta de mapa de rateio nos termos do artigo 182.º, n.º 3, do CIRE, a qual foi publicitada na área de Serviços Digitais dos Tribunais nessa mesma data.

Em 23-06-2022 [Ref.ª 90424651] foi proferido despacho a fixar a remuneração variável do Sr. AI, nele se tendo ainda ordenado que procedesse aos pagamentos de acordo com o mapa de rateio.

Em requerimento apresentado em 13 de Julho de 2022 (Ref.ª 42858799), o Sr. AI. “reiterando o já requerido em 7/4/2022 (Ref.ª 41893328)”, veio “requerer a notificação dos dois supra aludidos credores para que procedam, cada um deles, aos depósitos dos montantes correspondentes (€ 9.679,00), quanto ao credor (…) e mulher, (…), e € 5.840,27, quando ao credor (…) e mulher (…).

Notificados os credores, vieram (…) e mulher, em 26/9/2022 (Ref.ª 43364920), resposta a que aderiram os credores (…) e mulher (Ref.ª 43476556), pronunciar-se sobre o requerimento apresentado, tendo alegado, em síntese, que nos termos do artigo 51.º do CIRE as remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste são dívidas da massa insolvente e, como tal, não tendo o Sr. AI em funções nos autos salvaguardado o pagamento da sua remuneração, como devia, na falta ou insuficiência da massa deverá reclamar os valores em falta junto do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça. Mais alegaram que ainda existe um bem (verba n.º 1) cuja venda não se realizou, pelo que a liquidação não se encontra finda, tendo finalmente invocado a prescrição do direito do Sr. Administrador exigir dos demais credores qualquer importância.

Presentes os autos à Sr.ª juíza proferiu despacho em 19/12/2022 (Ref.ª 91844969) – decisão recorrida – a indeferir o requerido, determinando que os requerentes procedessem à reposição, no prazo de 10 dias, dos valores em falta.

Inconformados, apelaram os identificados credores e, tendo desenvolvido na alegação apresentada os fundamentos da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:
“a) Refere o douto despacho recorrido que “Compulsada a proposta de rateio apresentada pelo sr. AI em 11-05-2022 (90065708), verifica-se que da mesma consta a necessidade de devolução das quantias em causa pelos credores (…) e (…) e (…) e mulher (…), sendo que nenhum dos credores impugnou tal proposta de rateio...”.
b) Ora, os Recorrentes não foram notificados da Proposta de Rateio junta aos autos pelo AI em 11.05.2022.
c) Apenas foram notificados do termo de apreciação da proposta de rateio elaborado pelo Senhor Oficial de Justiça, da douta promoção da Digna Magistrada do Ministério Público, que aderiu à apreciação da secretaria e do douto despacho com a referência n.º 90424651, datado de 23.06.2022, através do qual o Tribunal fixou a remuneração variável do Sr. AI e ordenou que se procedesse aos pagamentos de acordo com o mapa de rateio.
d) Ou seja, a notificação do despacho que fixou a remuneração variável do Sr. AI, datado de 23.06.2022, não continha em anexo a Proposta de Rateio.
e) Pelo que os Recorrentes desconheciam o teor da Proposta de Rateio, razão pela qual não deduziram, após notificação daquele despacho, qualquer oposição, nem apresentaram recurso, porquanto o mesmo apenas se limitou a fixar a remuneração variável do Sr. AI e a ordenar os pagamentos de acordo com o mapa de rateio.
f) Razão pela qual o despacho recorrido padece de nulidade insanável, uma vez que, assentando em pressupostos errados, não cumpriu o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, ao impedir que os Recorrentes se pronunciem sobre a Proposta de Rateio apresentada pelo Sr. AI.
g) Face ao exposto deverá ser reconhecida e declarada a nulidade do despacho recorrido, com fundamento na preterição do princípio do contraditório, com as legais consequências, designadamente, a respectiva revogação e a sua substituição por outro que considere que os recorrentes apresentaram impugnação ao mapa de rateio dentro do prazo.
h) Dir-se-á, por outro lado, que da Proposta de Distribuição e de Rateio, datada de 11.05.2022, com a referência 42207981 (que não foi, repete-se, notificada aos credores), resulta que os ora Recorrentes terão a Receber em Rateio, e não a pagar, respectivamente, as quantias de € 5.840,27 e € 9.679,89.
i) Sendo certo que estes liquidaram à massa, aquando da adjudicação das Verbas n.ºs 3 e 2, as quantias de €. 11.199,93 e €. 17.085,78.
j) Razão pela qual não se vislumbra qual o fundamento legal para que os Recorrentes tenham de depositar a favor da massa as quantias que, de acordo com o Rateio Final, teriam a Receber.
k) Por outro lado, sempre se dirá que resulta do disposto no artigo 51.º do CIRE que “1. Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:
(...)
As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
(...)
2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa”.
l) E, de acordo com o n.º 3 do artigo 32.º do CIRE, “A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta” (o negrito e sublinhado são de nossa autoria).
m) Assim, salvo os casos previstos no artigo 30.º do Estatuto do Administrador Judicial e as situações previstas no n.º 4 do artigo 52.º e no n.º 7 do artigo 55.º do CIRE, a remuneração do administrador de insolvência e o reembolso das suas despesas constituem encargo da massa insolvente.
n) Pelo que, caso o Sr. AI não tenha salvaguardado o pagamento da sua remuneração variável e fixa, na falta, ou insuficiência, de meios financeiros da massa, deverá o mesmo reclamar junto do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça, o pagamento de tais encargos.
o) Porquanto inexiste qualquer fundamento legal que determine que a responsabilidade de tais encargos seja imputada aos credores, aqui Recorrentes.
p) Acresce frisar, que nos presentes autos ainda se encontra pendente a venda de um bem imóvel (Verba nº 1) e que a o Rateio Final só deverá ocorrer após a venda do aludido bem, uma vez que não se encontram, ainda, esgotados todos os meios para que a Massa possa dispor de liquidez suficiente para o pagamento da remuneração do Sr. AI.
q) Neste contexto, ao decidir em sentido contrário, a Mma. Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos preceitos legais supra enunciados.
r) Devendo, também por esta razão, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que declare procedente o requerido pelos recorrentes nos articulados datados de 26.09.2022 e 06.10.2022, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista à venda do imóvel correspondente à verba n.º 1.
s) E, em consequência, indeferir-se o requerido pelo Sr. AI no articulado datado de 13.07.2022, mediante o qual o mesmo pretende que seja ordenada “a notificação dos ora Recorrentes para depositarem as quantias de €. 9.679,90 e €. 5.840,27”.
Requerem, a final, que seja dado provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser declarado nulo, “e, em consequência, revogado e substituído por outro que considere procedentes os requerimentos apresentados pelos Recorrentes, respectivamente, em 26.09.2022 e em 06.10.2022 e improcedente o requerimento do Sr. AI de 13.07.2022”.

Contra alegou o Sr. AI, sustentando que a decisão recorrida deve ser mantida.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são questões a decidir: i. determinar se o despacho recorrido é nulo por violação do princípio do contraditório; ii. indagar se incorre em erro de interpretação e aplicação do artigo 51.º do CIRE, devendo a remuneração devida ao Sr. AI ser satisfeita pelo Instituto de Gestão Financeira.
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II. Fundamentação
De facto
À decisão importam os factos relatados em I e ainda o seguinte:
1. Encontra-se inscrito a favor de (…), casado com (…), pela Ap. (…), de 2006-10-13, por compra a (…) e (…), Lda., o prédio rústico composto de terreno de regadio, destinado a cultura hortícola com a área total de 5 000 m2, e edifício do rés do chão com a área coberta de 244,80 m2, inscritos na matriz sob os artigos n.º (…), da secção … (parte) e artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, freguesia de Benavente, sob o n.º …/19901210.
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De direito
Da nulidade da decisão
Os recorrentes dizem ser a sentença nula por não ter sido cumprido o contraditório no que respeita ao mapa de rateio elaborado pelo Sr. AI, motivo pelo qual não puderam pronunciar-se sobre ele, assentando assim, alegam, em errados pressupostos.
Pois bem, tendo-se os apelantes abstido de invocar o concreto vício que conduziria à nulidade da decisão, afigura-se estar em causa o excesso de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), na parte final.
É controvertida a questão de saber se eventual violação do princípio da proibição de decisões surpresa que decorre do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC configura nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, assim submetida ao regime previsto nos artigos 201.º e seguintes do citado diploma legal, devendo ser arguida no prazo de 10 dias e perante o Tribunal onde a irregularidade se verificou[1], sustentando outros, diferentemente, que a omissão de acto imposto pela lei vicia a decisão posteriormente proferida, determinando a sua nulidade por excesso de pronúncia, entendimento que tem vindo a registar crescente adesão[2]. Justifica-se este entendimento com o facto de «A violação da proibição da decisão-surpresa implica[r] um vício da própria decisão-surpresa. A decisão-surpresa é, em si mesma, um vício processual que nada tem a ver com a tramitação processual e, por isso, com as nulidades processuais. É uma nulidade de um ato processual, não uma nulidade (da tramitação) processual. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o tribunal conhece de matéria que, nas condições em que o fez, não podia conhecer.»[3]
Pois bem, seja qual for o entendimento que se perfilhe a este respeito, certo é, porém, que nos presentes autos não se verificou qualquer omissão de acto imposto pela lei antes do proferimento da decisão recorrida e que esta afectasse.
Com efeito, conforme resulta da tramitação seguida, apresentado pelo Sr. AI a proposta do mapa de rateio em cumprimento do disposto no artigo 182.º, n.º 3, em 11 de Maio de 2022 (ref.ª 42207981), a mesma foi publicitada na área de Serviços Digitais dos Tribunais nessa mesma data, não impondo a lei a sua notificação a cada um dos credores.
Por outro lado, considerando que os ora apelantes, conforme expressamente reconhecem, foram notificados do termo de apreciação da proposta de rateio elaborado pelo Senhor Oficial de Justiça, da douta promoção da Digna Magistrada do Ministério Público, na qual aderiu à apreciação da secretaria e do douto despacho com a referência n.º 90424651, datado de 23.06.2022, através do qual o Tribunal fixou a remuneração variável do Sr. AI e ordenou que se procedesse aos pagamentos de acordo com o mapa de rateio, tomaram necessariamente conhecimento de que o mapa havia sido apresentado e validado, mostrando-se cumprido o iter processual definido no artigo 182.º. Deste modo, a terem actuado com a devida diligência, tanto mais que se encontram patrocinados por Ilustres Advogados, a verificar-se omissão de acto prescrito na lei – o que, repete-se, não era o caso – sempre teriam que arguir a nulidade daí decorrente no prazo de 10 dias, conforme impõe o disposto no artigo 199.º, n.º 1, segunda parte, sendo extemporânea a sua arguição nas alegações de recurso.
Decorre do exposto que a decisão proferida não podia constituir qualquer surpresa para os apelantes, não padecendo de qualquer vício que afecte a sua validade, com o que se julga improcedente a arguição da nulidade.
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Do erro de interpretação e aplicação do artigo 51.º do CIRE.
Vistos os fundamentos de recurso, condensados nas conclusões, impõe-se previamente afirmar que não existe qualquer verba por vender, mostrando-se a liquidação encerrada, o que há muito se encontra esclarecido nos autos, pelo que só manifesta desatenção por banda dos apelantes justificará a insistência neste argumento.
Por outro lado, incorrem os recorrentes em lapso manifesto na leitura do mapa de rateio, pois dele resulta de forma clara que, ao invés do que alegam, nada têm a receber, antes são devedores à massa insolvente das quantias ali mencionadas, como resulta claro da aposição do sinal – (menos) que antecede os números (negativos, portanto), a assinalar que se trata de um débito.
Feitos tais prévios esclarecimentos, importa ainda precisar que não está em causa a remuneração atribuída ao Sr. AI, nas suas componentes fixa e variável, mostrando-se transitada em julgado a decisão que fixou esta última, restando pois determinar se, conforme se considerou na decisão recorrida, estão os apelantes obrigados a entregar à massa insolvente as quantias apuradas como necessárias para pagamento dos encargos respectivos. E a resposta é, antecipa-se, afirmativa, porquanto, tal como se considerou na decisão apelada e aí se encontra profusamente explicado, “(…) os Credores Garantidos a que alude o artigo 165.º do CIRE não estão dispensados de depositar o montante respeitante, não só aos créditos graduados à sua frente (…), mas também o montante respeitante às dívidas prováveis da massa insolvente, com cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 172.º do CIRE quanto às respectivas regras de imputação dessas dívidas”.
Em cumprimento da disposição legal citada, o Sr. AI procedera nos autos ao cálculo das dívidas prováveis da massa insolvente e à sua distribuição, tendo apurado o montante que previsivelmente teria de ser pago pelo produto da venda dos bens adjudicados aos agora apelantes, e na devida proporção, valores que estes depositaram então a favor da massa, tendo ficado dispensados de proceder ao depósito do restante. Não obstante, e tal como se advertiu no despacho exarado nos autos em 07-03-2019 [Ref.ª 80456753], tudo “sem prejuízo de, no final da liquidação, prestação de contas e rateio final, se poder apurar um valor diverso do efectivamente depositado, caso em que deverá ser restituída parte do valor depositado ou ser pago o remanescente em falta, o que dependerá do valor apurado, neste momento processual, ser por excesso ou por defeito, o que também se determina.” E assim sucedeu.
Com efeito, tal como os apelantes argumentam, resulta do disposto no artigo 51.º do CIRE que “As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores” são dívidas da massa insolvente (cfr. n.º 1, alínea b).
O artigo 172.º, por seu turno, impressivamente epigrafado de “Pagamento das dívidas da massa”, dispõe que:
“1- Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
2 – As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos”.
Resulta do preceito em análise que antes de efectuar pagamentos o Sr. AI terá de deduzir à massa os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, a imputar nos termos do n.º 2.
Ocorre, porém, que sendo os agora apelantes, adjudicatários dos bens, também credores garantidos, gozaram da faculdade reconhecida pelo artigo 815.º do CPC, aplicável ex vi da remissão operada pelo artigo 165.º do CIRE, de dispensa do depósito do preço, tendo depositado apenas o montante das despesas da massa então provisoriamente calculadas. Verificando-se, pelo mapa de rateio final, que o montante depositado se mostrava insuficiente para satisfazer todas as despesas, estando em causa especificamente parte da remuneração fixada ao Sr. AI, os credores adjudicatários terão de proceder ao depósito da quantia em falta, sob pena de obterem satisfação dos seus créditos para além do que lhes é devido, uma vez que as despesas da massa gozam de precipuidade no pagamento. Daí que seja de todo infundamentada a pretensão dos apelantes no sentido do pagamento da remuneração do sr. AI dever recair sobre os Cofres do Instituto de Gestão Financeira quando a massa insolvente dispõe de meios para satisfazer os seus encargos.
A decisão recorrida fez, pois, uma correcta e adequada interpretação da lei, sendo insubsistentes todos os fundamentos recursivos.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
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Sumário: (…)
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Évora, 30 de Março de 2023
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
José Manuel Barata
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[1] Cfr., neste preciso sentido, o aresto do STJ de 2/6/2020, processo n.º 496/13.0TVLSB.L1.S1, ainda que a propósito da violação do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, e o comentários crítico do Prof. M. Teixeira de Sousa no Blog do IPPC, entrada de 8/3/2021.
[2] Assim, o aresto do mesmo STJ de 13/10/2020, no processo n.º 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1, e o acórdão do TRG 19/3/2020, processo n.º 6760/19.8T8GMR-A.G1, este com anotação concordante do Prof. MTS – Blog IPPC, entrada de 8/9/2020 –, na esteira da opinião já antes ali expendida (cfr. ainda o comentário postado pelo mesmo Prof. no Blog em 12/10/2021).
[3] Prof. M. Teixeira de Sousa, CPC online, artigo 3.º, 9.