Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1516/19.0T8BJA.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
VALOR DA CAUSA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
CONTRATO DE TRABALHO
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tendo a sentença condenado a empregadora a reintegrar o trabalhador e a pagar as retribuições de tramitação, deverá o valor da causa ser fixado no montante equivalente à indemnização de antiguidade, por ser o sucedâneo da reintegração, acrescido do valor correspondente às retribuições devidas desde o despedimento até à sentença da 1.ª instância.
2. De acordo com o princípio da proporcionalidade das sanções disciplinares, o despedimento terá que corresponder a uma infracção grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser conservatória do vínculo laboral.
3. Ao empregador compete efectuar a prova da ocorrência dos factos e fundamentos que invocou para motivar o despedimento.
4. Se o empregador não logrou demonstrar a intenção apropriativa do trabalhador e a utilização por este de valores pertencentes aos clientes, em proveito próprio, não se pode concluir pela violação do dever de lealdade.
5. Demonstrado, apenas, que em cinco dias do mesmo mês, o trabalhador não procedeu à prestação diária de contas a que estava obrigado, entregando os valores cobrados aos clientes com alguns dias de atraso, este facto revela apenas atraso na prestação de contas.
6. Sendo uma infracção disciplinar, não impossibilita a subsistência da relação laboral, se igualmente se demonstra que o trabalhador se encontrava com alterações emocionais intensas e estado depressivo por eminência de perda de familiar próximo, podendo este facto ser motivo de desorientação, de desregulação de procedimentos, ou falta de paciência para executar determinadas tarefas, nomeadamente as associadas à prestação diária de contas. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Beja, J… impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pela empregadora C…, S.A..
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação do trabalhador.
Realizado o julgamento, a sentença declarou ilícito o despedimento, condenando a empregadora a reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, e ainda no pagamento das retribuições de tramitação.
O pedido de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais foi julgado improcedente.
Quanto ao valor da causa, foi fixado em € 37.091,80.

Inconformada, a empregadora recorreu, terminando as suas alegações com 78 conclusões, que não efectuam uma autêntica síntese dos fundamentos por que pede a alteração da decisão, como exigido pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
No entanto, é possível ali identificar as seguintes questões:
· o pedido de reintegração deve corresponder ao valor da alçada da 1.ª instância e mais um € 0,01, pelo que o valor da acção deve ser fixado em € 17.092,89;
· deve ser alterada a decisão dos pontos 60 e 63 dos factos provados;
· deve ser considerada provada a matéria constante das alíneas a), b), c), d) e e), do elenco de factos considerados não provados na sentença recorrida;
· deve ser declarada a justa causa de despedimento, por violação do dever de lealdade do trabalhador, ao apropriar-se temporariamente de quantias cobradas, usando-as como se lhe pertencessem, em prejuízo dos clientes e da empregadora.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, e consignando, desde já, que estão reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica (estão especificados os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, na opinião da Recorrente, impõem decisão diversa, e ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida acerca das questões de facto impugnadas), proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
Pontos 60 e 63 do elenco de factos provados:
Declarou a sentença recorrida provado que “60. Nos dias descritos na nota de culpa, o pai do A. encontrava-se internado com um quadro clínico grave”, e que “63. A situação do progenitor do A. era grave e este acabaria por falecer no dia 30 de Abril de 2019.”
A Recorrente entende que é conclusiva a referência ao “quadro clínico grave”, e que a prova recolhida não permite concluir sobre o estado de saúde do pai do trabalhador.
Está junta aos autos uma declaração, não impugnada, emitida pela Santa Casa da Misericórdia de S…, mencionando que o progenitor do trabalhador foi “admitido, como utente, na Unidade de Cuidados Continuados Integrados Senhora de G… – Unidade Média Duração e Reabilitação, em S… (…), no dia 16 de Janeiro de 2019 e teve alta desta instituição, por óbito, no dia 30 de Abril de 2019.”
Os factos imputados respeitam ao período de 8 a 24 de Abril de 2019 – coincidem, pois, com parte do último mês de internamento, vindo o pai do trabalhador a falecer alguns dias depois, a 30 de Abril, ainda internado naquela Unidade de Cuidados Continuados Integrados.
Está igualmente junta aos autos uma informação clínica, também não impugnada, emitida em 29.05.2019 por psicóloga do Centro de Saúde de S…, mencionando que o A. recorreu várias vezes à sua consulta no mês de Abril de 2019, por apresentar “alterações emocionais intensas reactivas a doença de familiar próximo.”
A nível documental, consta dos autos, ainda, o assento de óbito do pai do trabalhador, atestando que este faleceu na já mencionada data, com a idade de 83 anos.
No que concerne à prova gravada, considera-se relevante acerca desta matéria o depoimento do próprio trabalhador – tratava-se do seu pai, e não podia deixar de ter conhecimento directo do evoluir do seu estado de saúde, tanto mais que o visitava regularmente na Unidade onde se encontrava internado. E deste depoimento resulta evidente o agravamento do estado de saúde do seu pai, já na situação terminal que conduziu ao seu falecimento.
Releva igualmente o internamento do progenitor do trabalhador, durante vários meses, numa Unidade de Cuidados Continuados Integrados. Trata-se de um serviço destinado a “pessoas idosas com dependência funcional, de doentes com patologia crónica múltipla e de pessoas com doença incurável em estado avançado e em fase final de vida” – Preâmbulo do DL 101/2006, de 6 de Junho, que criou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.
Neste contexto, a referência ao quadro clínico grave do pai do trabalhador deve considerar-se demonstrada. Não sendo necessário descrever pormenorizadamente quais as patologias que o afectavam – não é esse o objecto desta acção – as regras da experiência comum, aliadas aos elementos probatórios recolhidos, permitem concluir nesse exacto sentido, pelo que nesta parte a impugnação fáctica vai desatendida.
Alíneas a), b), c), d) e e) do elenco de factos não provados:
A sentença recorrida declarou não provado o seguinte:
a) “O trabalhador apropriou-se, temporariamente, da totalidade dos valores descritos em numerário, que lhe foram entregues pelos destinatários dos objectos identificados, em montantes cobrados que oscilam entre os €20 e os €42 euros, quantias que usou em proveito próprio, como se lhe pertencessem.
b) O trabalhador agiu conforme descrito, nos períodos assinalados, com a intenção de fazer suas aquelas quantias que não lhe pertenciam, o que conseguiu, utilizando os valores pagos pelos destinatários num determinado dia, para prestar contas relativas a objectos entregues, com quantias cobradas em dias anteriores.
c) O trabalhador agiu com o intuito de procurar obter para si benefícios económicos, em prejuízo dos clientes, consequentemente da sua entidade empregadora, apropriando-se temporariamente de quantias entre os €20 e os €42.
d) Actuou de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado.
e) Ao proceder como supra descrito, agiu com a intenção manifesta de incumprir os seus deveres profissionais.”
A sentença recorrida, admitindo que a actuação do trabalhador poderia ser considerada usualmente indiciária da intenção apropriativa, concluiu que as circunstâncias associadas à doença terminal do seu pai e subsequentes alterações emocionais reactivas, poderiam justificar uma desregulação por parte do trabalhador dos procedimentos associados à prestação diária de contas. Em especial porque saía mais cedo do trabalho, a uma hora em que não se encontrava ainda presente o colega junto de quem deveria efectuar essa tarefa (matéria levada ao ponto 62 dos factos provados e não impugnada), e ainda pelo facto dos carteiros não disporem de um fundo de maneio atribuído pela empresa para efectuarem trocos, acabando por o fazer com o seu dinheiro pessoal.
A Recorrente argumenta que existiu apropriação, embora temporária, de valores pertencentes à empresa, que o trabalhador utilizou como se lhe pertencessem.
No seu entender, se o trabalhador recebeu quantias em numerário, em montantes situados entre os € 20 e os € 42, e não procedeu no próprio dia à prestação de contas, como lhe era imposto pelos seus deveres profissionais, tal demonstraria a intenção de apropriação de tais quantias, para proveito próprio.
No entanto, e após audição dos depoimentos prestados em julgamento e análise da prova documental reunida nos autos, não nos é possível obter a mesma conclusão.
É indubitável que em, em cinco datas do mês de Abril de 2019 – nos dias 8, 9, 12, 16 e 22 – o trabalhador procedeu à cobrança de valores monetários a clientes, e não os entregou à empregadora no próprio dia, vindo a proceder a essa entrega em datas posteriores – em três dias, após interpelação (cfr. os pontos 34, 39 e 44 do elenco fáctico, relativamente aos valores cobrados em 8, 9 e 12, entregues após interpelação a 9, 11 e 16, respectivamente) e em dois dias sem interpelação expressa (cfr. os pontos 49 e 54 do elenco fáctico, relativamente aos valores cobrados em 16 e 22, tendo o trabalhador deixado o dinheiro em cima da secretária do gabinete da gestora de loja de Serpa, nos dias 22 e 24, respectivamente, embora sem orientação superior para tal).
Mas certo é que nenhuma testemunha logrou confirmar a efectiva utilização de tais valores pelo trabalhador, em proveito próprio, nem este o confessou no seu depoimento. Algumas testemunhas fizeram suposições a esse respeito, como foi o caso da testemunha Jo…, admitindo um processo de roulement de valores, com base num registo disciplinar de 2009 e em comportamentos do trabalhador em meses anteriores, mas tal matéria, para além de não circunstanciada, também não foi levada à nota de culpa e à decisão disciplinar, pelo que aqui não pode ser valorada – arts. 357.º n.º 4 e 382.º n.º 2 al. d) do Código do Trabalho.
Mas para além dessas suposições, certo é que ninguém conhecia a concreta e efectiva utilização pelo trabalhador de valores cobrados aos clientes. Ademais, o processo de roulement de valores não está suficientemente concretizado, não apenas porque ocorreu uma interrupção no dia 11 – nesta data foi entregue o valor cobrado a 9 – mas também porque em duas ocasiões o trabalhador procedeu à entrega espontânea de valores devidos, como sucedeu nos dias 22 e 24.
As contas não foram prestadas atempadamente, em cinco datas do mês de Abril de 2019, mas o porquê de tal ter acontecido permanece na dúvida, em especial quando esta é adensada pelas circunstâncias pessoais do trabalhador, que tornam verosímil a hipótese de desregulação de procedimentos, face às “alterações emocionais intensas reactivas” à doença terminal do seu pai, chegando mesmo a carecer de acompanhamento psicológico, como está documentado nos autos.
Um ponto é indubitável: o trabalhador jamais ocultou a cobrança dos valores aos clientes.
Como consta dos pontos 32, 37, 42, 47 e 52 do elenco fáctico, em todas as cinco datas mencionadas na nota de culpa, “no final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador abateu o objecto, dando-o como entregue.”
Ou seja, o trabalhador deu atempado conhecimento da concretização das cobranças, e até documentou tais operações, identificando os clientes, mencionando a data e hora da cobrança, e fazendo os clientes assinar as provas de entrega dos valores cobrados – como se observa a fs. 14, 20, 25, 31 e 37 do procedimento disciplinar.
E porque o trabalhador comunicava a efectiva cobrança dos valores aos clientes, documentando-as com as respectivas provas de entrega, é que o colega conferente lograva verificar que, estando cobrados os valores, o trabalhador não os entregava na totalidade.
Se pretendesse apropriar-se dos valores cobrados, este procedimento não teria sido adoptado.
A experiência comum ensina que quem pretende subtrair coisas ou valores, tenta ocultar o acto, não informa o facto, e muito menos o faz à pessoa responsável pela respectiva guarda ou controlo – a não ser que exista conluio, o que não é o caso.
Outra circunstância faz duvidar da intenção de apropriação de valores por parte do trabalhador.
Em várias datas, havia vários objectos à cobrança, identificados nas listas de distribuição entregues ao trabalhador. No dia 8 existiam seis objectos à cobrança, no dia 9 dois objectos à cobrança, no dia 16 três objectos à cobrança, e no dia 22 dois objectos à cobrança – cfr. as listas de distribuição constantes de fs. 11 a 36 do procedimento disciplinar. Só no dia 12 existia apenas um objecto à cobrança.
Alguns objectos eram cobrados, outros não.
Mas quem prestou a informação de quais os objectos cobrados e de quais não cobrados, foi o trabalhador, e não está alegado que essa informação fosse infiel. E seria pouco coerente que o trabalhador, pretendendo apropriar-se de valores cobrados aos clientes, prestasse uma informação atempada e fiel de quais os valores efectivamente cobrados.
Enfim, ao contrário do que alega a Recorrente, a prova recolhida não é concludente no sentido de ocorrência de uma intenção de apropriação dos valores cobrados, e muito menos existe qualquer prova da utilização em proveito próprio daquelas quantias – o trabalhador não o confessou, e as testemunhas, em bom rigor, não o sabiam.
Afastada a impugnação relativa às alíneas a), b) e c) do elenco de factos não provados – por não demonstrada a intenção de apropriação das quantias cobradas, para proveito próprio – também se deverá considerar não provada a matéria lançada das alíneas d) e e).
Ao contrário do que afirma a Recorrente, a decisão de considerar não provada a matéria ali contida não é contraditória com os factos provados nos pontos 55, 56 e 57 – nestes está em causa a obrigação, conhecida pelo trabalhador, de prestar contas, diária e presencialmente no Centro de Distribuição Postal. Por seu turno, nas alíneas d) e e) do elenco de factos não provados está em causa o elemento subjectivo associado à intenção de apropriação das quantias cobradas, para proveito próprio, e essa matéria não ficou demonstrada.
Concluindo, a impugnação fáctica vai desatendida in totum.

A matéria de facto estabelecida na decisão recorrida, e que ora se confirma, é a que segue:
1. O trabalhador J… foi admitido para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da ré C… S.A., Sociedade Aberta, em 25-08-1995, como carteiro, tendo permanecido ao seu serviço até ao dia 26-08-2019.
2. À data do despedimento, o trabalhador auferia as seguintes remunerações:
a) Vencimento base, €909,80;
b) Diuturnidades, €76,42;
c) Diuturnidade especial, €13,11;
d) Subsídio de refeição por cada dia de trabalho, €9,01.
3. No âmbito da sua categoria profissional de carteiro (CRT), o trabalhador desenvolvia a sua actividade no Centro de Distribuição Postal (CDP -7830) Serpa.
Do procedimento disciplinar:
4. Ao trabalhador, foi instaurado processo disciplinar nº 20190213/AJD, que culminou no seu despedimento.
5. O processo disciplinar teve origem nos factos participados pelo AOPS6 H… à Assessoria Jurídico Disciplinar, decorrentes de factos que lhe foram participados por auto de notícia lavrado pelo Gestor do Centro de Distribuição Postal de Serpa, GCDP 7830 Serpa, Jo… nos seguintes termos:
“Em 2019/04/22, neste CDP, em Serpa, eu, Jo… TNG, GCDP do CDP Serpa, lavrei o presente auto de notícia para consignar o seguinte:
No dia 09-04-2019, pelas 18h00, foi informado pelo CRT J… nº871761, (responsável pela recepção das contas dos CRTs) que na prestação de contas do giro UB030, no dia 08-04-2019 e no dia 09-04-2019, o CRT J… nº951226 não prestou contas das seguintes cobranças:
No dia 08-04-2019 não prestou contas da cobrança OC209664095PT no valor de 23€.
No dia 09-04-2019 não prestou contas da cobrança OC215028059PT no valor de 20€.
No dia 09-04-2019, depois de confrontado novamente pelo CRT João Pereira pagou os 23€ que faltavam no dia anterior da cobrança OC209664095PT, no valor de 23€.
Confrontado novamente pelo CRT J… no dia 10-04-2019 e no dia 11-04-2019 para regularizar a situação da cobrança OC215028059PT o valor de 20€, o CRT J… só regularizou a situação no dia 12-04-2019.
No dia 12-04-2019 não prestou contas da cobrança OC213517006PT no valor de 30€.
Confrontado pelo GCDP no dia 15-04-2019 às 07:45h, disse que, tinha recebido o dinheiro do cliente, mas que se foi embora e se esqueceu de pagar.
Só regularizou a situação no dia 16-04-2019.
No dia 16-04-2019 não prestou contas da cobrança OC211539922PT no valor de 35€.
No dia 22-04-2019 prestou contas da cobrança OC211539922PT no valor de 35€.
No dia 22-04-2019 não prestou contas da cobrança OC180973102PT no valor de 42€.
Para constar lavrei o presente auto de notícia que vai ser assinado pelo CRT J…, que testemunhou os factos e, por mim, que o redigi…”.
6. Com base na referida participação, que deu entrada Assessoria Jurídico-Disciplinar no dia 23-04-2019 e nesse mesmo dia, a Dra. M…, Directora dos Serviços Jurídico Laborais, emitiu despacho no sentido de determinar “a abertura de procedimento disciplinar com vista ao apuramento de todas as circunstâncias de tempo modo e lugar que rodearam a prática dos factos participados e/ou de outros que possam vir a ser apurados”, tendo, nessa mesma data, nomeado como instrutor o Dr. F….
7. Junto a tal decisão do procedimento disciplinar consta documento designado DECLARAÇÃO emitido por Ma…, na qualidade de Secretária da ré empregadora, a certificar “que a trabalhadora da Sociedade, Dra. M…, na qualidade de Directora dos Serviços Jurídico-Laborais (JL), tem competência para assegurar o exercício da função disciplinar e, nomeadamente, ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares, bem como de tomar as respectivas decisões, incluindo de arquivamento dentro dos limites de competência estabelecidos em matéria disciplinar, em conformidade com o estabelecido nas Ordens de Serviço em vigor na empresa, que versam sobre competências, delegação de competências e estrutura orgânica”.
8. Em 20.04.2017 foi emitida a Ordem de Serviço OS00142017CE a regular a Delegação de Competências da Comissão Executiva nos membros da CE e directores dependentes da mesma, constando do ponto 2.4 do anexo III da referida Ordem de Serviço que regula sobre a delegação de Competências não Financeiras a possibilidade de Ordenar Inquéritos e mandar instaurar Processos Disciplinares, bem como tomar as respectivas decisões dentro dos limites de competência estabelecidos em matéria disciplinar.
9. A referida Ordem de Serviço não consta do processo disciplinar.
10. O Instrutor F… procedeu à realização de diligências instrutórias tendo, no dia 26 de Abril de 2019, elaborado parecer no sentido da suspensão preventiva do trabalhador, o qual veio a ser objecto de despacho proferido pela Directora dos Serviços Jurídico-Laborais na mesma data, que determinou a suspensão preventiva do trabalhador.
11. O mesmo instrutor, a 29 Abril de 2019, elaborou Relatório Preliminar com projecto de nota de culpa para apreciação e decisão da Comissão Executiva dos C… a qual mereceu a concordância da Directora dos Serviços Jurídico-Laborais.
12. No dia 08 de Maio de 2019, a Comissão Executiva dos CTT, em concordância com os fundamentos de facto e de direito da proposta dos Serviços Jurídico- Laborais, deliberou por Despacho (DE04282019CE), manifestando a intenção de proceder ao despedimento do CRT J…, em caso de confirmação dos factos que lhe são imputados na nota de culpa.
13. No dia 10 de Maio de 2019, foi deduzia a Nota de Culpa/Acusação, contra o trabalhador, com o seguinte teor:
“F…, Inspector mandatado pelos C…, S.A. – Sociedade Aberta, conforme despacho de nomeação da RH/JL, Dr.ª L…, datado de 21.01.2019, deduz contra J…, CRT, n.º mec. 0951226, a prestar serviço no Centro de Distribuição Postal (CDP) 7830 Serpa, a seguinte Nota de Culpa:
ÚNICO
O arguido, nos dias 08, 09, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 22 e 24.04.2019 teve a responsabilidade pela execução das tarefas inerentes ao giro UB030, tendo praticado o horário de trabalho compreendido entre as 07H30 e as 12H30 e entre as 13H30 e as 16H18.
Naquelas datas, o arguido, aproveitando-se do acesso que o exercício das suas funções de carteiro lhe facultava aos valores que lhe eram entregues pelos destinatários de vários objectos postais contra cobrança em numerário, nos dias acima referidos, cometeu os seguintes actos de forma contínua que se descrevem:
1) No dia 08.04.2019 – segunda-feira:
• No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado de entre outros para distribuição, o objecto postal à cobrança com o n.º OC209664095PT, cujo valor a cobrar era de 23 Euros;
• Naquele dia, o arguido entregou aquele objecto e cobrou do destinatário o valor de 23 Euros;
• No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o arguido prestou contas daquele objecto, abatendo-o como entregue.
• Contudo, o arguido não entregou ao CRT conferente, J…, o valor da sua cobrança (23€), que manteve na sua posse;
• O arguido só entregou aquele valor no dia seguinte, 09.04.2019 – terça-feira, após tal lhe ser pedido pelo CRT conferente, o que fez ao regressar ao CDP após as tarefas de distribuição postal domiciliária e aquando da prestação de contas desse dia.
2) Dia 09.04.2019 – terça-feira:
• No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição de entre outros, o objecto postal à cobrança com o n.º OC215028059PT, cujo valor a cobrar era de 20 Euros;
• Nesse dia, o arguido entregou aquele objecto e cobrou do destinatário o valor de 20 Euros;
• No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o arguido prestou contas daquele objecto, abatendo-o como entregue;
• Contudo, o arguido não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor da sua cobrança (20€), que manteve na sua posse;
• O arguido só entregou aquele valor dois dias depois, 11.04.2019 – quinta-feira, após tal lhe ser pedido pelo CRT conferente nos dias 10 e 11.04.2019, o que fez ao regressar ao CDP após as tarefas de distribuição postal domiciliária e aquando da prestação de contas desse mesmo dia 11.04.2019.
3) Dia 12.04.2019 – sexta-feira:
• No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição o objecto postal à cobrança com o n.º OC213517006PT, cujo valor a cobrar era de 30 Euros;
• Nesse dia, o arguido entregou aquele objecto e cobrou do destinatário o valor de 30 Euros;
• No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o arguido prestou contas daquele objecto, abatendo-o como entregue;
• Contudo, o arguido não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor da sua cobrança (30€), que manteve na sua posse;
• O arguido, mesmo tendo recebido no dia 15.04.2019 ordem do GCDP para entregar de imediato, nesse mesmo dia, aquele valor de 30 euros, não o fez e manteve-o na sua posse por mais um dia;
• O arguido só entregou aquele valor dois dias úteis após o ter entregado e cobrado, ou seja, dia 16.04.2019 – terça-feira, o que fez no início da manhã desse dia, deixando o montante em causa em cima da secretária da GLJ da Loja C… de Serpa.
4) Dia 16.04.2019 – terça-feira:
• No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição o objecto postal à cobrança com n.º OC211539922PT, cujo valor a cobrar era de 35 Euros;
• Nessa data, o arguido, nesse mesmo dia, entregou aquele objecto e cobrou do destinatário o valor de 35 Euros;
• No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o arguido prestou contas daquele objecto, abatendo-o como entregue;
• Contudo, o arguido não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor da sua cobrança (35€), que manteve na sua posse;
• O arguido só entregou aquele valor no início da manhã de dia 22.04.2019 – segunda-feira, tendo deixado, sem qualquer orientação para tal, os referidos 35 Euros em cima da secretária do gabinete da GLJ Serpa.
5) Dia 22.04.2019 – segunda-feira:
• No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição o objecto postal à cobrança com n.º OC180973102PT, cujo valor a cobrar era de 42 Euros;
• Neste dia, o arguido entregou aquele objecto e cobrou do destinatário o valor de 42 Euros;
• No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o arguido prestou contas daquele objecto, abatendo-o como entregue;
• Contudo, o arguido não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor da sua cobrança (42€), que manteve na sua posse;
• O arguido só entregou aquele valor no início da manhã de dia 24.04.2019 (dia 23.04.2019 foi feriado municipal em Serpa), tendo deixado, sem qualquer orientação para tal, os referidos 42 Euros em cima da secretária do gabinete da GLJ Serpa.
O arguido no período entre os dias 08 e 24.04.2019, bem sabendo que:
a) Tem de entregar obrigatoriamente no final dia, no momento em que presta de contas (presencialmente), junto do CRT responsável pela conferência e validação das contas dos vários carteiros do CDP 7830 Serpa, a totalidade dos valores cobrados, sejam eles em numerário ou em cheque bancário, assim não fez, e apropriou-se, temporariamente, da totalidade daqueles valores em numerário que lhe foram entregues pelos destinatários dos objectos identificados nos pretéritos pontos 1 a 5 nos montantes que oscilam entre os 20 e os 42 euros, que usou em proveito pessoal, como se lhe pertencessem.
O arguido agiu das formas descritas em todos aqueles dias, com a intenção de fazer seu o que lhe não pertencia, o que conseguiu.
O arguido actuou de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado, e que ao actuar nos moldes descritos violava culposa e gravemente o dever de lealdade, a que está obrigado por força do Contrato de Trabalho que o liga aos C…, S.A., dever aquele consignado na alínea f) do nº 1 do art. 128º do Código do Trabalho.
Os comportamentos dolosos (dolo directo) do arguido consubstanciam infracções disciplinares que, pela sua gravidade e consequências, comprometem de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, nos termos e ao abrigo do nº 1 do art. 351º do mesmo Código do Trabalho.
Assim, dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 353º do Código do Trabalho e com os fundamentos invocados, se comunica que é intenção da Empresa aplicar-lhe a pena de despedimento, conforme DESPACHO DA COMISSÃO EXECUTIVA nº DE04282019CE de 08 de Maio de 2019, porquanto se quebrou de forma irremediável a confiança necessária à subsistência da relação laboral.
Fixo ao arguido o prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da data em que receber cópia desta Nota de Culpa, para, querendo, examinar o processo e deduzir a sua defesa, nos termos do disposto no nº 1.º do art. 355º do Código do Trabalho.
Lisboa, 10 de Maio de 2019.”
14. Nota de Culpa que foi remetida ao trabalhador no dia 10 de Maio de 2019, por carta registada com aviso de recepção, juntamente com o despacho da Comissão Executiva, (DE04282019CE) no qual é manifestada a intenção de lhe aplicar a pena de despedimento.
15. Nessa mesma data a Nota de culpa deduzida contra o trabalhador, foi notificada à Comissão de Trabalhadores, por carta registada com aviso de recepção.
16. O trabalhador foi notificado da Nota de Culpa no dia 13 de Maio de 2019.
17. A Comissão de trabalhadores foi notificada da Nota de Culpa no dia 13 de Maio de 2019.
18. O trabalhador apresentou defesa no dia 04 de Junho de 2019.
19. Foram realizadas diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na Resposta à Nota de Culpa.
20. No dia 18 de Julho de 2019, findas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, o Sr. Instrutor elaborou relatório, no qual, considerando provados os factos constantes da acusação, propôs a aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação.
21. No dia 22 de Julho 2019, foi entregue cópia integral do PD à Comissão de Trabalhadores.
22. A Comissão de Trabalhadores, depois de analisar o processo, decidiu não emitir parecer.
23. A Comissão Executiva dos C…, em concordância com os fundamentos de facto e direito contidos na proposta da Direcção de Serviços Jurídico Laborais, deliberou, a 22-08-2019, aplicar ao trabalhador J…, a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação.
24. A qual foi comunicada ao trabalhador por escrito, contendo o referido Despacho e cópia do Relatório do Processo Disciplinar e Parecer da Comissão de Trabalhadores, remetido ao trabalhador no dia 22 de Agosto de 2019, por meio de carta registada com aviso de recepção.
25. A referida correspondência foi igualmente remetida por registo simples e depositada no receptáculo postal do trabalhador no dia 27 de Agosto de 2019.
26. No dia 22 de Agosto de 2019, todo o conteúdo da referida comunicação, foi remetida aos mandatários do Autor, Drs. Roque Laia, Filipe Costa Lamelas e Pedro Santos Rita, por carta registada com aviso de recepção, e por aqueles recebida no dia 23 de Agosto de 2019.
27. Informação que foi também enviada à Comissão de Trabalhadores dos CTT, por meio de carta registada com aviso de recepção, por aquela recebida no dia 26 de Agosto de 2019.
Da factualidade:
28. O trabalhador, nos dias 08, 09, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 22 e 24 todos de Abril de 2019, teve a responsabilidade pela execução das tarefas inerentes ao grupo profissional de carteiro na execução do giro UB030, com o horário de trabalho compreendido entre as 07H30 e as 12H30 e entre as 13H30 e as 16H18.
29. No âmbito das tarefas inerentes à execução daquele giro, competia-lhe entre outras tarefas inerentes à categoria profissional de carteiro, proceder à entrega de objectos postais à cobrança e respectiva prestação de contas diária relativa às quantias recebidas dos clientes.
30. Não obstante, no dia 08.04.2019 - segunda-feira - No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição, entre outros, o objecto postal à cobrança com o n.º OC209664095PT, cujo valor a cobrar era de €23,00 (vinte e três euros).
31. Nesse dia 8 de Abril de 2019, o trabalhador procedeu à entrega do objecto n.º OC209664095PT e cobrou do destinatário a respectiva quantia de €23,00 (vinte e três euros).
32. No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador abateu o objecto, dando-o como entregue.
33. Não obstante, o trabalhador não prestou contas do referido objecto, não entregou ao CRT conferente, João Pereira, o valor cobrado €23 (vinte e três euros).
34. No dia 09.04.2019 – terça-feira – só após tal lhe ser pedido pelo CRT conferente Jo…, é que o trabalhador procedeu à entrega da referida quantia, o que fez apenas ao regressar ao CDP, após as tarefas de distribuição postal domiciliária e aquando da prestação de contas desse dia.
35. No dia 09.04.2019 - terça-feira - No âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição, entre outros, o objecto postal à cobrança com o n.º OC215028059PT, com valor a cobrar de €20 (vinte euros).
36. Nesse dia, 9 de Abril de 2019, o trabalhador entregou aquele objecto n.º OC215028059PT e cobrou do destinatário o valor de €20 (vinte euros).
37. No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador abateu o objecto, dando-o como entregue.
38. Contudo, o trabalhador não prestou contas do mesmo, nem entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor daquela cobrança - €20 (vinte euros).
39. O trabalhador prestou contas daquele valor dois dias depois de ter recebido a quantia do destinatário, no dia 11.04.2019 - quinta-feira, após tal lhe ser solicitado pelo CRT conferente Jo…, nos dias 10 e 11.04.2019, e entregou a referida quantia aquando do regresso ao CDP, após as tarefas de distribuição postal domiciliária e aquando da prestação de contas desse mesmo dia 11.04.2019.
40. No dia 12.04.2019 – sexta-feira - no âmbito da execução do giro UB030, foi-lhe confiado para distribuição, entre outros, o objecto postal à cobrança com o n.º OC213517006PT, cujo valor a cobrar era de €30 (trinta euros).
41. Nesse dia, o trabalhador entregou aquele objecto n.º OC213517006PT, e cobrou do destinatário o valor de €30 (trinta euros).
42. No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador abateu o objecto, dando-o como entregue.
43. Não obstante, não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor da referida cobrança €30 (trinta euros).
44. No dia 15.04.2019, o trabalhador recebeu ordem do Gestor do Centro de Distribuição Postal- GCDP Jos…, para entregar de imediato a quantia em falta na prestação de contas - €30 euros, o que apenas veio a fazer no início da manhã do dia 16.04.2019 – terça-feira, deixando-a em cima da secretária da GLJ da Loja C… de Serpa.
45. No dia 16.04.2019 - terça-feira - no âmbito da execução do giro UB030, foi confiado ao trabalhador para distribuição, entre outros, o objecto postal à cobrança com n.º OC211539922PT, cujo valor a cobrar era de €35 (trinta e cinco euros).
46. Nesse dia, o trabalhador entregou o objecto n.º OC211539922PT e cobrou do destinatário o valor de €35 (trinta e cinco euros).
47. No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador abateu o objecto, dando-o como entregue.
48. Contudo, o trabalhador não prestou contas do mesmo, ou seja, não entregou ao CRT conferente, Jo…, o valor cobrado €35 (trinta e cinco euros).
49. No início da manhã de dia 22.04.2019 – segunda-feira, o trabalhador entregou a referida quantia, tendo-a deixado em cima da secretária do gabinete da GLJ Serpa, sem qualquer orientação para tal.
50. No dia 22.04.2019 – segunda-feira - no âmbito da execução do giro UB030, foi confiado ao trabalhador para distribuição o objecto postal à cobrança com n.º OC180973102PT, cujo valor a cobrar era de €42 (quarenta e dois euros).
51. Neste dia, o trabalhador entregou o objecto n.º OC180973102PT e cobrou do destinatário o respectivo valor à cobrança €42 (quarenta e dois euros).
52. No final desse mesmo dia, após ter concluído as tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador, abateu o objecto, dando-o como entregue.
53. Não obstante, não entregou em contas ao CRT conferente, Jo…, o valor que cobrou ao destinatário, €42(quarenta e dois euros).
54. O trabalhador prestou contas daquela quantia, no início da manhã do dia 24.04.2019 (dia 23.04.2019 foi feriado municipal em Serpa), deixando-a em cima da secretária do gabinete da GLJ Serpa, sem qualquer orientação superior para tal.
55. O trabalhador no período compreendido entre 08 e 24 de Abril de 2019, procedeu conforme supra descrito, bem sabendo que a prestação de contas é feita diariamente e presencialmente no Centro de Distribuição Postal.
56. Para além de dotado de experiência profissional o trabalhador frequentou acções de formação e esteve presente em várias reuniões de equipa realizadas no Centro de Distribuição Postal 7830, onde, entre outros, foram abordados assuntos relativos à prestação de contas diária, nomeadamente em reunião do dia 22-01-2019, onde o trabalhador esteve presente.
57. Do registo disciplinar do trabalhador consta a aplicação de uma sanção de 4 dias de suspensão por atraso na prestação de contas, reportada ao ano de 2009.
58. Os C… são uma empresa à qual foi confiado o serviço público universal de aceitação, transporte e distribuição de correspondências e o atraso na liquidação aos remetentes das correspondências à cobrança dos montantes cobrados aos destinatários é susceptível de abalar a confiança indispensável que os clientes depositam na empresa C… e prejudicar a sua imagem e a fiabilidade dos serviços prestados.
59. O A. é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações.
60. Nos dias descritos na nota de culpa, o pai do A. encontrava-se internado com um quadro clínico grave.
61. O que gerou perturbação e ansiedade no A., que recorreu várias vezes a consulta de psicologia no Centro de Saúde de Serpa e clínica geral durante aquele mês de Abril apresentando alterações emocionais intensas relativas à doença do progenitor e estado depressivo.
62. E foi motivo para que várias vezes, assim que terminava o giro, a sua preocupação fosse inteirar-se da situação clínica do seu pai e visitá-lo, para o que saía mais cedo, sendo que o colega responsável pela conferência de valores não se encontrava presente nessa altura.
63. A situação do progenitor do autor era grave e este acabaria por falecer no dia 30 de Abril de 2019.
64. O A. foi considerado em 2017 o 2.º melhor vendedor na zona do Alentejo.
65. Alguns colegas reputam-no como bom trabalhador e reconhecem-no como uma pessoa de tracto cordial e educado.
66. Alguns clientes apreciam a qualidade do trabalho por si prestado, considerando-o um bom trabalhador, simpático e diligente.
67. O A. sentiu-se injustiçado com o despedimento e porque dependia dos rendimentos do seu trabalho a perspectiva e posterior realidade de perder a sua fonte de sustento foram motivo de desgosto, stress e ansiedade para o mesmo.

APLICANDO O DIREITO
Do valor da causa
À causa foi atribuído o valor de € 37.091,80 – resultando da soma do valor das retribuições intercalares (€ 12.091,89) com o valor da indemnização de antiguidade como sucedâneo pecuniário da reintegração (€ 24.999,91).
A Recorrente pretende a alteração da causa, argumentando que a reintegração no posto de trabalho é um interesse imaterial não redutível a expressão pecuniária, devendo assim corresponder ao valor da alçada da 1.ª instância e mais € 0,01, invocando para o efeito a norma contida no art. 303.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Porém, para além desta norma atribuir às acções sobre interesses imateriais o valor equivalente à alçada da Relação (e não da alçada da 1.ª instância, como, certamente por lapso, afirma a Recorrente) e mais € 0,01, haverá a dizer que «versam especificamente sobre interesses imateriais as acções cujo objecto não tem valor pecuniário e que visam realizar um interesse não patrimonial, ou seja, cuja vantagem é insusceptível de se expressar em uma quantia monetária», e «não versam, porém, sobre interesses imateriais, ao invés do que algumas vezes foi decidido, as acções em que esteja em causa a apreciação da nulidade do acto de despedimento de trabalhadores ou a sua reintegração na empresa, nem aqueles em que seja pedida a declaração de que um trabalhador tem direito a exercer determinada actividade profissional.»[1]
Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, de forma consistente, não apenas que nas acções de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que como acessório do pedido principal de declaração de ilicitude do despedimento, se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no art. 300.º n.º 2, mas antes as regras gerais constantes do art. 297.º n.ºs 1 e 2, como ainda que, que no domínio do actual Código de Processo do Trabalho, tal como no de 1981, não há que atender, como direito subsidiário, ao critério da imaterialidade dos interesses do art. 303.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.[2][3]
Afastado este critério da imaterialidade de interesses, entendemos manter a jurisprudência já manifestada nesta Relação[4], segundo a qual, tendo a sentença condenado a empregadora a reintegrar o trabalhador e a pagar as retribuições de tramitação, o valor da causa deverá ser fixado no montante equivalente à indemnização de antiguidade, por ser o sucedâneo da reintegração, acrescido do valor correspondente às retribuições devidas desde o despedimento até à sentença da 1.ª instância.
Por a sentença recorrida ter respeitado este critério, resta confirmá-la nesta parte.

Da justa causa de despedimento
Como já tivemos a oportunidade de escrever repetidas vezes – a título meramente exemplificativo, mencionam-se os Acórdãos deste colectivo de 05.12.2019 (Proc. 2458/18.2T8EVR.E1)[5] e de 24.09.2020 (Proc. 1800/19.3T8EVR.E1)[6] – o despedimento com justa causa por falta disciplinar do trabalhador apenas pode ser decretado se ocorrer absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral.
A gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal. O art. 351.º n.º 3 do Código do Trabalho impõe que se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Está demonstrado que à empregadora foi confiado o serviço público universal de aceitação, transporte e distribuição de correspondências e que o atraso na liquidação aos remetentes das correspondências à cobrança dos montantes cobrados aos destinatários é susceptível de abalar a confiança indispensável que os clientes depositam na empresa e prejudicar a sua imagem e a fiabilidade dos serviços prestados – ponto 58 do elenco fáctico.
É inegável que, face a uma estrutura como aquela que a Recorrente explora, em que os seus trabalhadores lidam com bens e valores pertencentes a clientes, é essencial para a mesma deter uma mão-de-obra onde possa depositar a mais absoluta confiança, de modo que lhe seja possível realizar o seu objecto social.
A honestidade é um valor absoluto e indiscutível, que não admite qualquer espécie de graduação. Sob pena de anarquia e quebra do poder de direcção da entidade patronal, comportamentos violadores do dever de lealdade constituem grave quebra do espírito de confiança que devia reger a relação laboral, tornando impossível a manutenção da relação laboral.
Como já se afirmou no Supremo Tribunal de Justiça, “a subtracção de um objecto/bem ou valor do empregador, por parte de um seu trabalhador dependente, constitui violação do dever de lealdade, correspondente a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a boa fé, que tem subjacente o valor absoluto da honestidade, e, porque assim, em pouco ou nada releva o montante/valor concreto da apropriação. Daí que, como também em uníssono se entende, não releve o prejuízo efectivo no património do empregador. Determinante é, antes, a afectação, ofensa ou quebra da infrangível confiança na pessoa do trabalhador, cuja factualizada actuação fundamenta (…) a pertinente dúvida sobre a idoneidade da sua conduta futura.”[7]
A Recorrente argumenta que o trabalhador violou o dever de lealdade a que estava adstrito, ao apropriar-se temporariamente de quantias cobradas aos clientes, usando-as como se lhe pertencessem, em prejuízo dos clientes e da empregadora.
Concordamos que, se estivesse demonstrada a aludida apropriação, mesmo que temporária, a sanção de despedimento seria a única adequada, por violação do dever de lealdade do trabalhador, consignado no art. 128.º n.º 1 als. c) e f) do Código do Trabalho.
Em especial, no domínio de actividades que lidam com valores monetários pertencentes ao empregador ou a clientes, como é o caso dos correios, a fidelidade, a probidade e a honestidade dos trabalhadores é absolutamente essencial.
E daí que se concorde que “Integra justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que não prestando contas de imediato dos valores que lhe eram confiados, como impunham as regras estabelecidas pelo empregador, se apropria, ainda que temporariamente, de forma dolosa e em proveito próprio, de tais valores que não lhe pertenciam, defraudando dessa forma a confiança que nela era depositada pelo empregador” – Acórdão da Relação de Guimarães de 10.07.2018 (Proc. 220/17.9T8BGC.G1)[8], em que a empregadora era a mesma dos autos.
Os factos que estiveram em análise no referido aresto da Relação de Guimarães eram evidentes quanto à violação do dever de lealdade – envolveram a apropriação de valores pertencentes a clientes, que em alguns casos foram obrigados a proceder a pagamentos em duplicado e noutros perderam o acesso a serviços por alegada falta de pagamento, como também envolveram a adulteração dos registos relativos aos pagamentos recebidos.
A questão é que, nos autos, não está demonstrada a alegada apropriação pelo trabalhador das quantias cobradas aos clientes, ou sequer que este as tivesse usado como se lhe pertencessem, como igualmente não está demonstrada a adulteração dos registos das cobranças efectuadas – pelo contrário, como consta dos pontos 32, 37, 42, 47 e 52 do elenco fáctico, em todas as cinco datas mencionadas na nota de culpa, no final do próprio dia, após o termo das tarefas de distribuição postal domiciliária, o trabalhador procedeu ao abateu dos objectos, dando-os como entregues.
Reconhecendo que a situação envolve uma certa dificuldade na análise do comportamento do trabalhador, não pode deixar de ser notada a fidelidade dos registos por ele efectuados, informando diariamente e de forma atempada quais os objectos e valores cobrados. Por outro lado, a perspectiva do roulement de valores, em que uma falta de entrega de valores taparia a anterior, não se mostra compatível quer com a interrupção ocorrida a 11 – data em que foi pago o valor devido desde o dia 9 – quer com os pagamentos espontâneos efectuados a 22 e 24, data em que deixa de ser devido qualquer valor.
Note-se que compete à empregadora efectuar a prova da justa causa do despedimento, pois sendo este “um acto necessariamente vinculado, que só é permitido quando se verificarem as razões justificativas que a lei prevê, caberá sempre ao seu autor demonstrar a ocorrência dos factos e fundamentos que invocou para motivar a cessação do contrato de trabalho.”[9]
Porém, a Recorrente não logrou demonstrar o essencial da sua pretensão: a intenção apropriativa do trabalhador e a utilização por este dos valores pertencentes aos clientes, em proveito próprio.
O que os autos demonstram é, tão só, o atraso por parte do trabalhador na prestação de contas a que estava obrigado, acertando os saldos com alguns dias de diferença, quando o deveria fazer no próprio dia, como resulta das regras da empresa.
Se este comportamento, per se, constitui uma infracção às regras da empresa – que impõem a prestação de contas diária e presencial no Centro de Distribuição Postal – cabe aferir se importa na absoluta quebra de confiança entre a empregadora e o trabalhador, com comprometimento do futuro da relação laboral, tornando a sanção de despedimento a única possível.
Note-se que a exigência da gravidade da infracção decorre do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, consagrado no art. 330.º n.º 1 do Código do Trabalho: “sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infracção grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.”[10]
Tendo o trabalhador incorrido em atrasos na prestação de contas, acertando os saldos com alguns dias de diferença, será que se justifica a sanção máxima de despedimento?
Pois bem, para além de não estar demonstrada a exacta medida do prejuízo causado aos clientes – embora se admita que o comportamento do trabalhador tenha ocasionado atrasos na recepção dos valores que lhes eram destinados – somos de opinião que também não está demonstrada a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral.
Com efeito, os factos ocorreram a poucas semanas do falecimento do progenitor do trabalhador, o qual se encontra internado em estado terminal, facto que gerou perturbação e ansiedade ao A., recorrendo várias vezes a consulta de psicologia no Centro de Saúde de Serpa durante aquele mês de Abril, apresentando alterações emocionais intensas relativas à doença do progenitor e estado depressivo. E esta circunstância foi motivo para que várias vezes, assim que terminava o giro, a preocupação do trabalhador fosse inteirar-se da situação clínica do seu pai e visitá-lo, para o que saía mais cedo, sendo que o colega responsável pela conferência de valores não se encontrava presente nessa altura.
Está em causa uma circunstância excepcional. Os seres humanos não reagem de forma igual à eminência de perda de um familiar próximo, mas há a reconhecer não apenas que é natural o sofrimento intenso do A., como este facto pode ser motivo de desorientação, de desregulação de procedimentos, ou falta de paciência para executar determinadas tarefas, nomeadamente as associadas à prestação diária de contas.
Nestas circunstâncias específicas, não podemos concluir que os atrasos ocorridos na prestação de contas sejam de tal forma graves, que ocasionem no empregador a dúvida justificada sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador.
E se é certo que tinha um passado disciplinar, com a aplicação em 2009 de sanção de suspensão de quatro dias por atrasos na prestação de contas, não apenas este facto foi omitido na nota de culpa – e assim não pode ser considerado, face à regra que resulta dos arts. 357.º n.º 4 e 382.º n.º 2 al. d) do Código do Trabalho – como não está circunstanciado, ignorando-se a conexão entre comportamentos ocorridos com dez anos de intervalo.
Resumindo, aceitando-se que ocorreu comportamento relevante do ponto de vista disciplinar, a sanção máxima de despedimento mostra-se absolutamente desproporcionada, motivo pelo qual a sentença merece confirmação.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto pela empregadora, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela empregadora.
Évora, 11 de Fevereiro de 2021
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
_______________________________________________
[1] Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 2.ª ed., 1999, pág. 45.
[2] A título exemplificativo, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2017 (Proc. 519/14.6TTVFR.P1.S1), publicado em www.dgsi.pt, que elabora uma resenha da jurisprudência relevante sobre o tema.
[3] Ainda no mesmo sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 19.12.2018 (Proc. 101/18.9T8BRR-A.L1-4), também em www.dgsi.pt.
[4] Vide os Acórdãos desta Relação de Évora de 29.09.2016 (Proc. 251/14.0TTFAR.E2) e de 12.10.2017 (Proc. 1667/16.3T8STB.E1), ambos publicados na mesma base de dados.
[5] Publicado em www.dgsi.pt.
[6] Aguardando publicação.
[7] Acórdão de 02-12-2013 (Proc. 1445/08.3TTPRT.P2.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[8] Publicado em www.dgsi.pt.
[9] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 458.
[10] Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 806.