Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO RENDA COMUNICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | - O artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU, conjugado com o artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, consagra um título executivo complexo, integrado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, com vista à execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário; - Essa comunicação, porém, há-de operar-se nos termos do regime decorrente dos artigos 9.º e 10.º do NRAU; - Inexiste título executivo se a carta registada enviada por a/r foi recusada, não reclamada ou se o a/r foi assinado por pessoa diferente do destinatário sem que tenha sido enviada nova carta registada com a/r decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data de envio daquela carta. (Sumário da Relatora | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Embargada: (…) Recorridos / Embargantes: (…) e (…) No âmbito da ação executiva que (…) move a (…) e (…) com vista ao pagamento da quantia de € 7.460,00, alicerçada num contrato de arrendamento acompanhado de cópias das cartas enviadas exigindo o pagamento de rendas em dívida, apresentaram-se os executados a deduzir oposição à execução, invocando a inexistência de título executivo e a inexistência da dívida, pugnando pela consequente extinção da execução. II – O Objeto do Recurso Foi proferido saneador sentença julgando a procedente a oposição por falta de requisitos do título executivo, determinando, em consequência, a extinção da execução. Inconformada, a Embargada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete o prosseguimento da execução. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: «- O contrato de arrendamento em causa foi celebrado pela exequente com os executados sem qualquer objeção. - Os executados, devido a questões pessoais, abandonaram o locado e deixaram de cumprir com as suas legais obrigações, designadamente da falta atempada do pagamento da renda. - A exequente notificou os executados para o locado, advertindo-os das consequências desse incumprimento, tendo o AR sido assinado pela (…). - O contrato foi autenticado. - Posteriormente, a exequente renotificou os executados várias vezes do montante em dívida e da sua liquidação; e para cumprirem. - Os executados tomaram conhecimento dessas notificações, e nada disseram. Nem cumpriram! - o fim que a lei visa é assegurar que os executados tomem conhecimento do conteúdo das comunicações que lhes são feitas (ad probationem). - Os executados não só não negam, como até admitem terem tido conhecimento desse conteúdo. - Nem que, à revelia da exequente, hajam esventrado o locado em questão. - O pedido do pagamento de tais rendas pode e deve configurar-se de indemnização para cumprimento integral do contrato em questão até ao fim dos dois anos previstos para a sua duração. - Pelo que a douta sentença aqui trazida, Senhores Desembargadores, à vossa excelsa apreciação, não ponderou, nem decidiu, de modo adequado tal questão, e daí que se requeira a sua revogação.» Os Recorridos, em sede de contra-alegações, pugnam pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Cumpre apreciar se a execução se mostra provida de título executivo que a sustente. III – Fundamentos A – Dados fixados em 1.ª Instância Consta do requerimento executivo o seguinte: 1. “Cobrança de rendas de habitação por incumprimento do contrato de arrendamento relativo à fração J correspondente ao 3.º andar Frente, do prédio sito na Rua (…), n.º 16, 2900-089 Setúbal, inscrito na respetiva matriz sob o art. n.º (…), celebrado pelo período de 2 anos com início a 01/01/2018. Contrato esse que os executados intentaram pretender fazer cessar sem fundamento e de modo ilegal a 10/05/2018. A tal se tendo oposto a exequente por carta registada c/ AR que lhes dirigiu a 15/05/2018; carta através da qual lhes comunicou o montante em dívida, o qual ascendia a € 7.460,00, liquidados do modo seguinte: 01.06 a 31.12.2018 = 7 meses a € 380,00 = € 2.660,00; 01.01.2019 a 31.12.2019 = 12 meses a € 400,00 = 4.800,00. Tendo nessa mesma comunicação a exequente instado/notificado os executados ao pagamento voluntário e imediato da verba aqui dada à execução. Contudo, até ao momento tal pagamento ainda não ocorreu apesar da exequente já ter renotificado os executados mais 2 vezes, a 17.09.2018 e a 04.10.2018, para cumprirem com essa sua obrigação”. 2. A exequente baseia a execução em contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de dois anos assinado pelos executados, os primeiros enquanto inquilinos, acompanhado de carta datada de 15/05/2018 enviada aos executados para a morada do locado sendo o A/R respeitante ao executado (…) assinado pela executada (…) por estes onde consta assinaladamente o seguinte: “Ass: Invocada cessação do contrato de arrendamento da mora supra celebrado a 18/12/2017. Com início a 01/01/218 (…) Sirvo-me da presente para refutar, rejeitar a invocada cessação do contrato designadamente por serem infundados os argumentos invocados (…). Pelo que as consequências de fazer cessar unilateralmente o contrato implica o pagamento imediato das rendas ou duma indemnização correspondente, emergente do efeito da cessação até final do contrato. Ou seja: até 31 de Dezembro de 2019 se o mesmo, ainda assim, não for renovado, importando por isso o montante de € 7.460,00 (…).”. 3. Por cartas datadas de 17/09/2018 enviadas registadas com A/R ao executado para a seguinte morada: Rua dos (…), n.º 10 – 2.º, Esq., 2900-654 Setúbal e Av. (…), n.º 17-6º, Dto., 2900-407 Setúbal e à executada para a seguinte morada: Rua General (…), n.º 6-3.º, Dto., 2900-343 Setúbal, a exequente pediu o pagamento da quantia de € 7.460,00 euros respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 até 31/12/2019. 4. As referidas cartas dirigidas ao executado foram devolvidas com as menções “recusada” e “objeto não reclamado”. 5. A carta dirigida à executada foi rececionada e o A/R assinado por terceiro em 18.09.2018. 6. A exequente enviou carta registada simples, sem A/R, datada de 04.10.2018 ao executado para a seguinte morada: Av. (…), n.º 17-6.º, Dto., 2900-407 Setúbal e Município de Setúbal – Praça do (…). 7. As cartas referidas de 3 a 6 dos factos assentes reportam-se a tentativas de notificação feitas em moradas distintas das que constam do contrato de arrendamento. B – O Direito Em 1.ª Instância considerou-se que a instância executiva não contempla título executivo porquanto inexiste comprovativo da comunicação aos arrendatários/executados do montante de rendas em dívida, nos moldes exigidos no artigo 14.º-A do NRAU conjugadamente com os artigos 9.º e 10.º do mesmo diploma. Ora, a Recorrente sustenta que notificou os executados para o locado, advertindo-os para as consequências do incumprimento, tendo a executada assinado o a/r; que os executados foram renotificados do montante em dívida e tomaram conhecimento dessas notificações, como admitem. Cumpre, assim, apreciar se foram cumpridos os requisitos legais atinentes à comunicação aos arrendatários/executados do montante de rendas em dívida.[1] Ora vejamos. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º-A do NRAU, o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário. Trata-se de título executivo complexo, composto por dois elementos – o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação – pelo que, faltando um deles, ou ambos, não haverá título.[2] No que respeita à comunicação, importa levar em linha de conta o regime estabelecido nos artigos 9.º e 10.º do NRAU. Quanto à forma da comunicação, consta do art. 9.º o seguinte: 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. O art. 10.º, por seu turno, reporta-se às vicissitudes que podem ocorrer na materialização dessa comunicação, conforme segue: 1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. No caso em apreço, tal como admitem os Recorridos na decorrência da apreciação dos documentos juntos com a citação para a execução[3], foram remetidas pela Recorrente (senhoria) aos Recorridos (arrendatários) as seguintes cartas: - carta datada de 15/05/2018 enviada por correio registado com a/r aos Recorridos para a morada do locado fazendo menção de refutar e rejeitar a invocada cessação do contrato pelos arrendatários, alertando que as consequências dessa cessação implicam o pagamento imediato das rendas ou de indemnização até 31/12/2019, importando o montante de € 7.460,00; o a/r foi assinado pela Recorrida; - duas cartas datadas de 17/09/2018 enviadas por correio registado com a/r ao Recorrido para duas moradas diversas do locado por via das quais foi solicitado o pagamento de € 7.460,00 respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 e 31/12/2019; cartas estas que foram devolvidas com menção recusada e objeto não reclamado; - carta datada de 17/09/2018 enviada por correio registado com a/r à Recorrida para morada diversa do locado por via da qual foi solicitado o pagamento de € 7.460,00 respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 e 31/12/2019; a carta foi rececionada, tendo o a/r sido assinado por terceira pessoa; - carta datada de 04/10/2018 enviada com registo simples ao Recorrido para morada diversa do locado. A carta datada de 15/05/2018 configura, tal como sustentam os Recorrentes[4], a advertência das consequências em que incorriam os Recorridos por cessarem antecipadamente o contrato de arrendamento, cessação essa que nessa carta se rejeita e refuta. Por conseguinte, e não obstante ali se enuncie que a cessação unilateral do contrato implique no pagamento de € 7.460,00 por rendas devidas até final do contrato, certo é que não constitui instrumento através do qual se comunique o concreto montante que esteja em dívida. As duas cartas datadas de 17/09/2018 enviadas ao Recorrido e, bem assim, a carta enviada naquela mesma data à Recorrida não são aptas a constituir comunicação válida para efeitos do disposto no art. 14.º-A, n.º 1, do NRAU por via do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. b), do NRAU (cfr. ainda als. a) e b) do n.º 1 do citado art. 10.º), dado que, tendo sido recusada/não reclamada/recebida por pessoa diversa do destinatário (respetivamente), não foi enviada nova carta registada com aviso de receção, entre 30 a 60 dias sobre a data do envio daquelas cartas – cfr. n.º 3 da citada disposição legal. A carta datada de 04/10/2018 enviada ao Recorrido, desde logo por ter seguido com registo simples, também não é apta a constituir comunicação válida para efeitos do disposto no artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU. Termos em que se conclui que, por falta de comprovativo da comunicação a que alude o artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU, inexiste título executivo que sustente a execução para pagamento da quantia reclamada. Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação do recurso. As custas recaem sobre a Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC. Concluindo: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Évora, 7 de novembro de 2019 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Alves Simões Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] O objeto do presente recurso não contende com a questão de saber se o vocábulo rendas abrange a indemnização prevista no art. 1045.º, n.ºs 1 e 2, do CC; donde, não assume qualquer relevância o Ac. do TRC datado de 04/05/2019 que a Recorrente transcreve integralmente no corpo da alegação do recurso. [2] Ac. TRL de 06/03/2010 (Rosário Gonçalves). [3] Cfr. art. 15.º da oposição; logo, inexiste fundamento para acolher a alegação da Recorrente no sentido de que os Recorridos admitem ter tomado conhecimento das missivas que lhes foram enviadas. [4] Cfr. o 3.º item das conclusões da alegação do recurso. |