Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8677/18.4T8STB-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
RENDA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - O artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU, conjugado com o artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, consagra um título executivo complexo, integrado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, com vista à execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário;
- Essa comunicação, porém, há-de operar-se nos termos do regime decorrente dos artigos 9.º e 10.º do NRAU;
- Inexiste título executivo se a carta registada enviada por a/r foi recusada, não reclamada ou se o a/r foi assinado por pessoa diferente do destinatário sem que tenha sido enviada nova carta registada com a/r decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data de envio daquela carta.
(Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargada: (…)

Recorridos / Embargantes: (…) e (…)

No âmbito da ação executiva que (…) move a (…) e (…) com vista ao pagamento da quantia de € 7.460,00, alicerçada num contrato de arrendamento acompanhado de cópias das cartas enviadas exigindo o pagamento de rendas em dívida, apresentaram-se os executados a deduzir oposição à execução, invocando a inexistência de título executivo e a inexistência da dívida, pugnando pela consequente extinção da execução.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido saneador sentença julgando a procedente a oposição por falta de requisitos do título executivo, determinando, em consequência, a extinção da execução.
Inconformada, a Embargada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete o prosseguimento da execução. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«- O contrato de arrendamento em causa foi celebrado pela exequente com os executados sem qualquer objeção.
- Os executados, devido a questões pessoais, abandonaram o locado e deixaram de cumprir com as suas legais obrigações, designadamente da falta atempada do pagamento da renda.
- A exequente notificou os executados para o locado, advertindo-os das consequências desse incumprimento, tendo o AR sido assinado pela (…).
- O contrato foi autenticado.
- Posteriormente, a exequente renotificou os executados várias vezes do montante em dívida e da sua liquidação; e para cumprirem.
- Os executados tomaram conhecimento dessas notificações, e nada disseram. Nem cumpriram!
- o fim que a lei visa é assegurar que os executados tomem conhecimento do conteúdo das comunicações que lhes são feitas (ad probationem).
- Os executados não só não negam, como até admitem terem tido conhecimento desse conteúdo.
- Nem que, à revelia da exequente, hajam esventrado o locado em questão. - O pedido do pagamento de tais rendas pode e deve configurar-se de indemnização para cumprimento integral do contrato em questão até ao fim dos dois anos previstos para a sua duração.
- Pelo que a douta sentença aqui trazida, Senhores Desembargadores, à vossa excelsa apreciação, não ponderou, nem decidiu, de modo adequado tal questão, e daí que se requeira a sua revogação.»

Os Recorridos, em sede de contra-alegações, pugnam pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Cumpre apreciar se a execução se mostra provida de título executivo que a sustente.

III – Fundamentos
A – Dados fixados em 1.ª Instância
Consta do requerimento executivo o seguinte:
1. “Cobrança de rendas de habitação por incumprimento do contrato de arrendamento relativo à fração J correspondente ao 3.º andar Frente, do prédio sito na Rua (…), n.º 16, 2900-089 Setúbal, inscrito na respetiva matriz sob o art. n.º (…), celebrado pelo período de 2 anos com início a 01/01/2018.
Contrato esse que os executados intentaram pretender fazer cessar sem fundamento e de modo ilegal a 10/05/2018.
A tal se tendo oposto a exequente por carta registada c/ AR que lhes dirigiu a 15/05/2018; carta através da qual lhes comunicou o montante em dívida, o qual ascendia a € 7.460,00, liquidados do modo seguinte: 01.06 a 31.12.2018 = 7 meses a € 380,00 = € 2.660,00; 01.01.2019 a 31.12.2019 = 12 meses a € 400,00 = 4.800,00.
Tendo nessa mesma comunicação a exequente instado/notificado os executados ao pagamento voluntário e imediato da verba aqui dada à execução.
Contudo, até ao momento tal pagamento ainda não ocorreu apesar da exequente já ter renotificado os executados mais 2 vezes, a 17.09.2018 e a 04.10.2018, para cumprirem com essa sua obrigação”.
2. A exequente baseia a execução em contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de dois anos assinado pelos executados, os primeiros enquanto inquilinos, acompanhado de carta datada de 15/05/2018 enviada aos executados para a morada do locado sendo o A/R respeitante ao executado (…) assinado pela executada (…) por estes onde consta assinaladamente o seguinte: “Ass: Invocada cessação do contrato de arrendamento da mora supra celebrado a 18/12/2017. Com início a 01/01/218 (…) Sirvo-me da presente para refutar, rejeitar a invocada cessação do contrato designadamente por serem infundados os argumentos invocados (…). Pelo que as consequências de fazer cessar unilateralmente o contrato implica o pagamento imediato das rendas ou duma indemnização correspondente, emergente do efeito da cessação até final do contrato. Ou seja: até 31 de Dezembro de 2019 se o mesmo, ainda assim, não for renovado, importando por isso o montante de € 7.460,00 (…).”.
3. Por cartas datadas de 17/09/2018 enviadas registadas com A/R ao executado para a seguinte morada: Rua dos (…), n.º 10 – 2.º, Esq., 2900-654 Setúbal e Av. (…), n.º 17-6º, Dto., 2900-407 Setúbal e à executada para a seguinte morada: Rua General (…), n.º 6-3.º, Dto., 2900-343 Setúbal, a exequente pediu o pagamento da quantia de € 7.460,00 euros respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 até 31/12/2019.
4. As referidas cartas dirigidas ao executado foram devolvidas com as menções “recusada” e “objeto não reclamado”.
5. A carta dirigida à executada foi rececionada e o A/R assinado por terceiro em 18.09.2018.
6. A exequente enviou carta registada simples, sem A/R, datada de 04.10.2018 ao executado para a seguinte morada: Av. (…), n.º 17-6.º, Dto., 2900-407 Setúbal e Município de Setúbal – Praça do (…).
7. As cartas referidas de 3 a 6 dos factos assentes reportam-se a tentativas de notificação feitas em moradas distintas das que constam do contrato de arrendamento.

B – O Direito

Em 1.ª Instância considerou-se que a instância executiva não contempla título executivo porquanto inexiste comprovativo da comunicação aos arrendatários/executados do montante de rendas em dívida, nos moldes exigidos no artigo 14.º-A do NRAU conjugadamente com os artigos 9.º e 10.º do mesmo diploma.
Ora, a Recorrente sustenta que notificou os executados para o locado, advertindo-os para as consequências do incumprimento, tendo a executada assinado o a/r; que os executados foram renotificados do montante em dívida e tomaram conhecimento dessas notificações, como admitem.
Cumpre, assim, apreciar se foram cumpridos os requisitos legais atinentes à comunicação aos arrendatários/executados do montante de rendas em dívida.[1]
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º-A do NRAU, o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário. Trata-se de título executivo complexo, composto por dois elementos – o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação – pelo que, faltando um deles, ou ambos, não haverá título.[2]
No que respeita à comunicação, importa levar em linha de conta o regime estabelecido nos artigos 9.º e 10.º do NRAU.
Quanto à forma da comunicação, consta do art. 9.º o seguinte:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
O art. 10.º, por seu turno, reporta-se às vicissitudes que podem ocorrer na materialização dessa comunicação, conforme segue:
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:

a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
No caso em apreço, tal como admitem os Recorridos na decorrência da apreciação dos documentos juntos com a citação para a execução[3], foram remetidas pela Recorrente (senhoria) aos Recorridos (arrendatários) as seguintes cartas:
- carta datada de 15/05/2018 enviada por correio registado com a/r aos Recorridos para a morada do locado fazendo menção de refutar e rejeitar a invocada cessação do contrato pelos arrendatários, alertando que as consequências dessa cessação implicam o pagamento imediato das rendas ou de indemnização até 31/12/2019, importando o montante de € 7.460,00; o a/r foi assinado pela Recorrida;
- duas cartas datadas de 17/09/2018 enviadas por correio registado com a/r ao Recorrido para duas moradas diversas do locado por via das quais foi solicitado o pagamento de € 7.460,00 respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 e 31/12/2019; cartas estas que foram devolvidas com menção recusada e objeto não reclamado;
- carta datada de 17/09/2018 enviada por correio registado com a/r à Recorrida para morada diversa do locado por via da qual foi solicitado o pagamento de € 7.460,00 respeitante às rendas compreendidas entre 01/06/2018 e 31/12/2019; a carta foi rececionada, tendo o a/r sido assinado por terceira pessoa;
- carta datada de 04/10/2018 enviada com registo simples ao Recorrido para morada diversa do locado.
A carta datada de 15/05/2018 configura, tal como sustentam os Recorrentes[4], a advertência das consequências em que incorriam os Recorridos por cessarem antecipadamente o contrato de arrendamento, cessação essa que nessa carta se rejeita e refuta. Por conseguinte, e não obstante ali se enuncie que a cessação unilateral do contrato implique no pagamento de € 7.460,00 por rendas devidas até final do contrato, certo é que não constitui instrumento através do qual se comunique o concreto montante que esteja em dívida.
As duas cartas datadas de 17/09/2018 enviadas ao Recorrido e, bem assim, a carta enviada naquela mesma data à Recorrida não são aptas a constituir comunicação válida para efeitos do disposto no art. 14.º-A, n.º 1, do NRAU por via do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. b), do NRAU (cfr. ainda als. a) e b) do n.º 1 do citado art. 10.º), dado que, tendo sido recusada/não reclamada/recebida por pessoa diversa do destinatário (respetivamente), não foi enviada nova carta registada com aviso de receção, entre 30 a 60 dias sobre a data do envio daquelas cartas – cfr. n.º 3 da citada disposição legal.
A carta datada de 04/10/2018 enviada ao Recorrido, desde logo por ter seguido com registo simples, também não é apta a constituir comunicação válida para efeitos do disposto no artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU.

Termos em que se conclui que, por falta de comprovativo da comunicação a que alude o artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU, inexiste título executivo que sustente a execução para pagamento da quantia reclamada.
Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação do recurso.

As custas recaem sobre a Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 7 de novembro de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
__________________________________________________
[1] O objeto do presente recurso não contende com a questão de saber se o vocábulo rendas abrange a indemnização prevista no art. 1045.º, n.ºs 1 e 2, do CC; donde, não assume qualquer relevância o Ac. do TRC datado de 04/05/2019 que a Recorrente transcreve integralmente no corpo da alegação do recurso.
[2] Ac. TRL de 06/03/2010 (Rosário Gonçalves).
[3] Cfr. art. 15.º da oposição; logo, inexiste fundamento para acolher a alegação da Recorrente no sentido de que os Recorridos admitem ter tomado conhecimento das missivas que lhes foram enviadas.
[4] Cfr. o 3.º item das conclusões da alegação do recurso.