Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2910/18.0YLPRT-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DESPEJO
DEPÓSITO DE RENDAS
CAUÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em oposição ao procedimento de despejo por não pagamento de rendas, o depósito inicial da caução é condição ou pressuposto da sua admissibilidade, não tangendo com o fundo da questão, isto é, o direito à resolução, pelo que, na sua falta, a oposição tem-se por não deduzida.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2910/18.0YLPRT-A.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



(…) instaurou Pedido Especial de Despejo com fundamento na resolução do contrato por parte do senhorio contra (…) Ginásio Clube, relativamente ao contrato de arrendamento comercial que ambos celebraram referente à fração autónoma, designada pela letra A, do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 39, Faro, invocando falta de pagamento de rendas (tendo por referência o montante mensal de € 800,00) que na altura contabilizavam o montante de € 11.600,00.
A requerida veio deduzir oposição invocando no essencial que existiu posteriormente à celebração do contrato um alteração verbal do montante da renda, a qual passou a ser no valor mensal de € 600,00, tendo sempre pago a mesma, até ao momento em que lhe foi exigido e 2017, o pagamento dum montante superior (inicialmente acordado), recusando-se a senhoria em receber o montante que até então vinha recebendo, por pretender que lhe fosse pago o montante de €800,00.
Em face da oposição o processo foi remetido a Tribunal, passando a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local de Faro – Juiz 1, tendo, em 07/02/2019, sido proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos constata-se que não se encontra paga a caução no valor das rendas invocadas no requerimento de despejo, requerido com fundamento no n.º 3 do art.
1083.º do C.C., e que a requerida não goza de apoio judiciário.

Dispõem os n.º 3 e 4 do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006 de 27/02 que com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao
pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor
máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento,
nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e
que não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se
por não deduzida.

Em face do exposto, uma vez que não se mostra paga a caução no valor das rendas em atraso, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27/02 e no art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 1/2013, de 07/01 e para efeitos do artigo 15.º-E, n.º 1, b), da Lei n.º 6/2006, tem-se a oposição por não recebida.
Notifique.
Oportunamente, devolva-se ao B.N.A.”.
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Inconformada com esta decisão, interpôs a requerida o presente recurso de apelação, terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
a) Na Oposição, o Recorrente invocou “mora creditores ou accipiendi”, por recusa da Recorrida em receber a renda acordada de € 600,00, com a consequente recusa da continuação da emissão de recibos atinentes a pagamentos nesse valor, e a exigência de que a renda voltasse a ser a inicialmente ajustada (€ 800,00) – o que, se outra razão não houvesse (mas há) para considerar que a renda fora fixada em € 600,00 por mês, sempre constituiria abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.
b) Enquanto houver “mora creditoris” (como sucede no caso “sub judice”), o locatário pode, legitimamente, recusar-se a pagar as rendas.
c) O Recorrente não estava em mora quando a Recorrida interpôs o presente procedimento especial de despejo, pelo que não tinha quaisquer rendas atrasadas.
d) Os artºs 15.º-F, nº 3, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, e 1083.º, nºs 3 e 4, do Código Civil, reportam-se a casos de mora do arrendatário, com exclusão das situações de mora do locador.
e) A existência ou inexistência de rendas em atraso, bem como o valor da renda mensal nos meses referidos pela Recorrida, são questões que têm de ser decididas previamente à exigência da prestação de caução (ou em ação de despejo, ou em sede deste procedimento, depois de produzida prova e proferida decisão judicial a esse respeito), uma vez que são determinantes para aferir da possibilidade ou impossibilidade de instauração do presente procedimento.
f) Face à existência dessas questões controvertidas, o Recorrente não tinha de prestar caução.
g) Assim, não poderia o Meritíssimo Juiz “a quo” considerar não recebida a Oposição.
h) Entender os preceitos atrás citados (bem como o nº 4 do artigo 15º-F da falada Lei nº 6/2006) em sentido contrário ao ora proposto pelo Recorrente seria inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, dado que a exigência do pagamento de uma caução no valor de 6 rendas condiciona fortemente, de forma inadmissível num estado social (mesmo no caso de arrendamento para pequeno comércio), o direito de defesa do arrendatário, dado que tal medida é manifestamente excessiva ao bem que é necessário salvaguardar, que é o direito a permanecer no locado, para além de aumentar, de forma ainda mais intensa, a significativa vulnerabilidade do locatário perante a naturalmente maior robustez económica do locador.
i) O Julgador “a quo” violou ou fez errada interpretação e aplicação dos arts.º 15.º e 15.º-F, nºs 3 e 4, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, 1083.º, nºs 3 e 4, do CC, e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar circunscreve-se à verificação da obrigação de pagamento da caução prevista no artigo 15º-F nº 3, do NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012, de 14/08.

No conhecimento da questão há que ter e conta o circunstancialismo supra aludido no relatório, que nos dispensamos de transcrever de novo.
Atentemos, antes de mais, nas normas jurídicas reguladoras da matéria em discussão.
O artº 1083º do Código Civil, que institui os fundamentos da resolução, prescreve, além do mais, o seguinte:
“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais do direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
(…).
3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpeladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte.”
Por seu lado, o artº 15º-F do NRAU – Lei nº 6/2006 –, preceito aditado pela Lei nº 31/2012, de 14/08, com a epígrafe procedimento especial de despejo, dispõe:
“1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
(…)
3. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça.
4. Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.”
Temos, pois, que no caso dos presentes autos a recorrente não efetuou o depósito da caução conforme a lei determina, nomeadamente no artº 15º-F, nos seus nºs 3 e 4.
Alega a recorrente que na sua oposição invocou “mora creditores ou accipiendi”, por recusa da recorrida em receber a renda acordada de € 600,00 com a consequente recusa da continuação da emissão de recibos atinentes a pagamentos nesse valor, e a exigência de que a renda voltasse a ser a inicialmente ajustada de € 800,00.
Refere ainda que a existência ou inexistência de rendas em atraso, bem como o valor da renda mensal nos meses referidos pela recorrida, são questões que têm de ser decididas previamente à exigência da prestação de caução.
Em nossa opinião, não tem razão a recorrente. Pois, independentemente de no contrato constar a renda mensal de € 800,00, e posteriormente a senhoria consentir o pagamento de € 600,00, (conforme demonstra pelos recibos juntos), isso não era impeditivo de a recorrente depositar a caução que a lei determina pelo montante de € 600,00, sendo que a renda vinha sendo depositada em conta bancária, conforme se verifica dos recibos juntos ao processo em momento posterior à prolação do despacho de admissão do recurso.
No momento em que foi proferido o despacho recorrido não havia que apreciar a mora, uma vez que o pagamento da caução é condição ou “pressuposto admissibilidade da oposição, não tangendo o fundo da questão, isto é, o direito à resolução”, pelo que “na sua falta oposição tem-se por não deduzida” (v. RUI PINTO “O Novo Regime Processual Do Despejo”, Coimbra Editora, 1ª edição, 122,125, e António Menezes Cordeiro “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas”, Almedina, 2014, 441).
Mesmo que a recorrente tivesse um motivo legítimo para, temporalmente não pagar rendas, enquanto arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas. (v. Maria Olinda Garcia “Arrendamento Urbano Anotado”, 1ª edição, 201).
Refere a, recorrente que se violou o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, dado que a exigência do pagamento de uma caução no valor de seis rendas condiciona fortemente, de forma inadmissível num estado social, o direito de defesa do arrendatário, dado que tal medida é manifestamente excessiva ao bem que é necessário salvaguardar.
Não perfilhamos de tal entendimento, até porque não tendo a requerida pago quaisquer rendas desde Novembro de 2017, deixando de depositar qualquer montante, como vinha fazendo, a caução imposta, no caso, até, nem pode considerar-se abusiva, e violadora do princípios constitucionais inerentes ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consignados no artº 20º da CRP, uma vez que quando o procedimento foi instaurado, mesmo tendo em consideração a posição da requerida relativamente ao valor mensal da renda, o montante em dívida era muito superior ao montante da caução que lhe era exigido em conformidade com a imposição legal e, desde a data de instauração do mesmo já decorreram cerca de oito meses, o que, como é evidente, leva a concluir que a recorrente, efetivamente, não se mostra prejudicada com a aplicação das normas que põe em crise, alegando inconstitucionalidade em razão do sentido em que foi feita a sua aplicação.
Por isso, no caso em apreço, com a aplicação dos aludidos normativos nos temos aludidos, não existiu a alegada violação do artº 20º da CRP.
Assim, irrelevam as conclusões da recorrente, não se mostrando violadas as normas legais e constitucionais, cuja violação foi invocada, sendo de confirmar a decisão recorrida.
No que respeita às custas do recurso tendo a apelante ficado vencida, caberia responsabilizá-la pelo seu pagamento, na vertente de custas de parte. Mas como não foram apresentadas contra-alegações e, por isso, não houve dispêndios por parte da recorrida, não há que proceder à condenação da apelante, nessa vertente.


DECISÃO
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, decide-se confirmar a decisão recorrida.
Não são devidas custas.
Évora, 11 de Junho de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes