Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2311/21.2T8STR-E.1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
NULIDADE
ANULABILIDADE
PROCURAÇÃO FORENSE
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Face à menor gravidade das consequências, não viola o disposto no artigo 609.º, n.º 1, do CPC (limites da condenação), a sentença que, perante um pedido de declaração de nulidade, convola para o de anulabilidade.
2 - Constitui prática comum da vida societária a emissão de procuração a mandatário com poderes gerais para utilização em qualquer demanda que o imponha, sem necessidade de o especificar. E, sem prazo de validade o que, na imprevisibilidade do tempo de início e de duração dos atos de representação, se mostra justificado.
3 - Prevê a lei comercial (artigo 253.º/3, do CSC) que, sem prazo máximo estabelecido, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação da gerência plural ser regularizada, em processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 1053.º do CPC (nomeação judicial de titulares de órgãos sociais). Pelo que, faltando um dos gerentes, o restante subsiste em funções.
4 - Cabe aos demais sócios ou ao gerente em funções, caso a situação não seja extrajudicialmente regularizada nos 30 dias imediatos à ausência do gerente em falta, acautelar a substituição, pela via judicial ou, por alteração do contrato de sociedade, ou por deliberação de eleição dos gerentes, pondo esta termo à nomeação judicial que eventualmente tenha lugar.
5 - Não está previsto no regime das sociedades por quotas qualquer regulação quanto às reuniões de gerência, devendo atender-se à regra do artigo 2.º do CSC que estabelece o direito subsidiário, aplicando-se a tais reuniões, dada a analogia de situações entre conselho de administração e gerência, o regime das sociedades anónimas que prevê nos artigos 410.º a 412.º do CSC uma regulação para as reuniões e deliberações do conselho de administração.
6 - A invalidade das deliberações do Conselho de Administração (sociedades anónimas) está próxima da correspondente matéria prevista na parte geral do CSC para as deliberações dos sócios.
7 - A reunião de gerência pode e deve ocorrer sempre que um dos gerentes a tenha por necessária, sob o impulso de qualquer dos gerentes, à semelhança das reuniões do conselho de administração nas sociedades anónimas (artigo 410.º, n.º 1, do CSC).
8 - A ata seja particular ou notarial não corresponde a uma forma de deliberação mas, antes, a um meio exclusivo de prova.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2311/21.2T8STR-E.1

2ª secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
I

AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra BB, entretanto declarado parte ilegítima por decisão transitada e “E..., Lda.”, com vista à Declaração de Nulidade ou Anulação de Deliberações Sociais/Atos dos Sócios peticionando que:

a) – Seja declarada Inexistente e/ou Nula a convocatória para a denominada Reunião de Gerência ocorrida na data de 26 de setembro de 2014;

E, em consequência,

b) – Seja Declarada nula a própria reunião e também declaradas nulas todas as alegadas deliberações que o R. BB pretende terem resultado da referida reunião, devendo tais declarações de Nulidade reportar-se retroativamente à data de 26 de setembro de 2014;

Ainda que assim se não entenda:

c) – seja determinado que da tal reunião de gerência, avaliando exaustivamente a ata da mesma, não resultou qualquer deliberação, por ser a mesma completamente omissa relativamente à, indispensável, aprovação de uma única que fosse, das propostas ali apresentadas e algumas mesmo votadas;

d) – Deverá, sempre e em qualquer circunstância, determinar-se a nulidade, reportada à data da prática, promoção e/ou execução, de cada uma das decisões, ações, atos e factos praticados, promovidos, ordenados e/ou executados pelo (“R.”) BB e que o mesmo fundamentou em qualquer deliberação, alegadamente, emanada da referida reunião de gerência de 26 de setembro de 2014;

Designadamente:

1 – A retirada das funções de Diretor de Produção ao ora A. e a redução do vencimento deste em € 1.500,00 (Mil e Quinhentos Euros);

2 – A nomeação como Diretor de Produção da Sociedade do funcionário CC;

3 – O aumento do Ordenado base do próprio filho do (“R.”) DD, para € 1.500,00;

4 – A redução, unilateral, em 70% das rendas que a Sociedade pagava a ambos os Sócios pela exploração de blocos de pedra nos terrenos de propriedade comum destes, arrendados à Sociedade, em violação do estabelecido no Contrato de Concessão de Exploração de Pedreira;

5 – A decisão da concretização dos Novos Depósitos a Prazo;

6 – A abertura, com dinheiro da Sociedade, em nome Pessoal e como único titular, de uma Conta Bancária, no (…) Banco de ..., com número ...59;

7 – A decisão da aprovação unilateral dos orçamentos e a execução das obras na fábrica e demais instalações da Sociedade, de uma dimensão muito para além da necessária intervenção no telhado da fábrica e com custos muito superiores ao invocado orçamento que fora apresentado.

Para o efeito, o A. alegou, em síntese:

- que a convocatória de 16-9-2014, para a reunião de gerência de 26-9-2014, foi expedida apenas com uma antecedência de oito dias, violando o artigo 248.º/3, do CSC;

- não obstante o A. ter comunicado que estava impossibilitado de comparecer na data agendada para a reunião de gerência, propondo outra data para a realização da mesma, a reunião teve lugar no dia 26-9-2014;

- da ata da referida reunião não consta a aprovação, ou rejeição, de nenhuma das propostas em votação, pelo que todas as alterações baseadas na mesma são nulas.

Citada, a 2ª Ré E..., Lda. apresentou contestação onde se defendeu por exceção e por impugnação, invocando a caducidade do direito de ação, inutilidade e ineptidão da p.i., bem como a existência de abuso de direito do A. com a propositura da presente ação e pediu a condenação desta por litigância de má fé.

Citado, o 1º Réu BB contestou, invocando, entre o mais a sua ilegitimidade por inexistência de interesse em contradizer o pedido.

Em sede de resposta às defesas por exceção, o A. invocou a existência de Conflito de interesses entre o Il. Causídico subscritor da contestação da 2ª R. e todos os sócios da mesma, incluindo o A.; a irregularidade do mandato conferido pela 2ª R. ao Sr. Dr. EE, porquanto em 12-10-2018 (Procuração junta como doc. 6 da refer. ...42) a Procuração da 2ª Ré E..., Lda. foi assinada apenas pelo gerente BB, sendo que, à data da entrada da contestação, em 22-11-2021, a sociedade obrigava-se com a assinatura dos 2 gerentes.

Mais refutou a verificação da exceção de caducidade do direito de ação e de ineptidão da p.i..

Em 24-1-2022 o 1º Réu respondeu.

Em 26-1-2022, a 2ª Ré “E..., Lda.” pronunciou-se quanto à regularidade do Mandato e inexistência de conflito de interesses.

A pedido do Tribunal, foi junto em 13-6-2022 o Parecer do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados de 9-6-2022, a propósito da questão da existência de conflito de interesses entre os Srs. Drs. EE e ... e a vertente ação, tendo o mesmo concluído negativamente.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador sentença que julgou:

1. Não reconhecer a existência de Conflito de interesses entre os Ils. Mandatários dos RR. e os vertentes autos.

Com custas do incidente anómalo pelo A. que se fixam em 2 UC’s (1 UC por cada Mandatário a quem foi imputado o conflito de interesses).

2. Não reconhecer a existência de qualquer irregularidade ou falta de Mandato relativamente à Procuração junta aos autos pela 2ª Ré “E..., Lda.”, encontrando-se as partes devidamente representadas.

Com custas do incidente anómalo pelo A., que se fixam em 1 UC.

3. Procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do 1º Réu BB, absolvendo o mesmo da instância.

Custas do incidente anómalo pelo A., que se fixam em 1 UC.

4. Procedente, por provada, a exceção perentória extintiva de caducidade do direito de ação e, nessa medida, foi a Ré absolvida do pedido de anulação da convocatória para a reunião de gerência de 26-9-2014 e da consequente anulação das deliberações tomadas na mesma.

Custas pelo A., que se fixam em 1,5 UC’s.

5. E, relativamente ao pedido subsidiário deduzido pelo A., foi decidido que, a insuficiência de alguma menção na ata “in casu” não tem qualquer reflexo sobre a validade da deliberação, mas sim sobre a sua prova, pelo que, não se verifica a nulidade ou inexistência das deliberações que constitui o pedido subsidiário dos vertentes autos, tendo de improceder.

6. Por fim e relativamente à condenação por litigância de má fé pedida por ambas as partes, resultou o mesmo improcedente, com fundamento em que, a conduta das partes não revela indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, indeferindo-se a condenação por litigância de má-fé.

Com custas pelo A..

Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

1. A Procuração outorgada pela Ré E..., Lda., pelo punho do seu único gerente em exercício, o Réu BB, está datada, efetivamente, de 12 de Outubro de 2018;

2. Sendo como pode verificar-se, uma mera Procuração, com “poderes forenses gerais” que, conforme resulta do procedimento habitual e do senso comum, se outorga, regularmente, para um processo específico, no momento específico que exige a intervenção processual;

3. Não confere poderes intemporais, ad eternum, nem serve para conferir poderes vitalícios ao Ilustre mandatário;

4. Doutro modo teria de o referir especificamente, “para todos os processos, judiciais e afins, presentes e futuros, que venham a exigir a intervenção da Sociedade E..., Lda.;

5. Até porque, resulta, também da prática habitual e, essencialmente do senso comum, que os cargos e as funções societárias não são vitalícias, mudando frequentemente em função de eleições e/ou nomeações;

6. Alterando, frequentemente, os titulares dos necessários poderes para conferirem mandatos judiciais e/ou quaisquer outras responsabilidades;

7. Que foi, exatamente, o que ocorreu nos presentes autos, embora por razões circunstanciais, em consequência de douta Decisão judicial;

8. O mandante deixou de ter os Necessários Poderes, por si só, para conferir qualquer mandato judicial, em nome da Sociedade;

9. Sendo que a decisão judicial, nesse sentido, ocorreu por Acórdão de 15-4-2021 do Venerando Tribunal da Relação de Évora;

10. E, embora houvesse sido interposto Recurso de Revista de tal Douto Acórdão, no despacho de Admissão do Recurso foi fixado mero efeito devolutivo ao mesmo (Cfr. Notificação e Douto despacho que ora se juntam como docs. n.ºs 1 e 2 e se dão como integralmente reproduzidos);

11. Nunca foi, pois, suspensa a decisão de reativar o pacto Social, em vigor desde a notificação do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora;

12. E que impedia que o mandante em causa, pudesse, por si só, conferir mandato judicial em Nome da Sociedade ora Ré;

13. E sem que o mesmo mandante tomasse quaisquer providências para sanar essa situação, designadamente o recurso ao tribunal para a nomeação de um gerente;

14. Fosse nos trintas dias subsequentes à notificação do douto Acórdão Tribunal da Relação de Évora, fosse sequer nos trinta dias subsequentes ao Trânsito em Julgado do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a negar provimento à Revista;

15. Pelo que, e também por este motivo, se impugna a douta Decisão ora proferida que refere que, aquando da apresentação da Contestação, corria ainda o prazo para o recurso ao tribunal por parte do mandante e/ou da Sociedade para sanar a irregularidade do mandato;

16. Aliás, este douto fundamento, enferma de uma contradição sem si mesmo; Pois;

17. Se a Procuração era considerada adequada e cumpria os requisitos exigíveis para o mandato para quê a imperatividade do recurso ao tribunal para Sanar a irregularidade !? – Havia ou não havia irregularidade !?;

18. E se a sanação da irregularidade resultava da efetiva intervenção do Tribunal para a nomeação de novo gerente;

19. Porque se não exigiu ao mandante e à Ré, ou tão só à Ré que viesse demonstrar aos autos essa necessária intervenção, sanando a irregularidade que, salvo o devido respeito, se mantém até ao presente;

20. Para além de ser um absurdo, pretender-se que: Para um processo, para o qual se havia sido citada em 15 de Setembro de 2021, designadamente para a apresentação de contestação no mesmo, apresentada somente em 22 de Novembro de 2021, se venha invocar a conferência de um mandato efetivada em 12 de Outubro de 2018 – Sem qualquer referência à sua valência intemporal;

21. E isto quando se tinha alterado, por decisão judicial, a titularidade dos poderes de representação da sociedade, designadamente para conferir mandato judicial;

22. Alteração, essa, que tinha sido decidida por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15-4-2021, e que, embora sujeito a Recurso de Revista, não foi este sujeito a suspensão, por lhe ter sido fixado efeito meramente devolutivo, pelo douto despacho de Admissão;

23. E quando a douta Decisão de Revista, mantendo a reativação do pacto social da sociedade e, como tal a exigência da assinatura de dois gerentes para obrigar ou representar ou conferir mandato judicial em representação da Sociedade;

24. Se encontrava transitada em julgado, aquando da primeira intervenção do ilustre mandatário – apresentando a contestação – munido apenas do mandato de 12 de outubro de 2018, onde figurava a assinatura de apenas um gerente;

25. Justificando-se a validação da Procuração com a possibilidade conferida aos gerentes/sócios para, em 30 dias após as alterações dos poderes / competências, recorrerem ao tribunal para a nomeação de novo gerente;

26. Mas, também aqui, sem exigir ou sequer convidar, a parte para que viesse comprovar, em prazo, o exercício de tal recurso para sanar a irregularidade

27. E sem que, a própria parte, notificada da réplica produzida pelo A, viesse, por sua própria iniciativa, fosse de que forma fosse, sanar a invocada irregularidade do mandato;

28. Logo, entende-se pois que se mantém ad initio e até agora a irregularidade do mandato conferido ao ilustre Causídico que nestes autos representa a Ré E..., Lda.;

29. Estando, em face de tudo o que supra se expôs fora de tempo, a possibilidade de sanação de tal irregularidade;

30. Daqui resultando, sempre salvado o devido respeito, cair-se da alçada do estatuído no n.º 2 do artigo 48.º do CPC, ficando sem efeito tudo o que, nos presentes autos tenha sido praticado pelo Ilustre Mandatário da Ré E..., Lda.;

31. Com as devidas consequências, designadamente, o de ficar sem efeito a defesa apresentada, cfr. artigo 41.º do C.P.C.;

***

32. Atenta a factualidade, doutamente, dada como provada; Na verdade e sem qualquer dúvida, não houve convocatória válida e eficaz para a Reunião que ocorreu; Uma vez que;

33. Um dos Sócios gerentes, quando se encontravam ambos os gerentes e únicos Sócios da Sociedade E..., Lda., em plenitude de funções, imbuídos dos mesmos exatos poderes, competências e direitos, decide, completamente à revelia do outro; – convocar uma reunião de Gerência para determinada data e hora;

34. Não invocando, para tal, qualquer motivo urgente e/ou inadiável – Por um lado, que justificasse o envio de convocatória escrita, (quando em cerca de 20 anos da existência da sociedade tal nunca ocorrera), justificasse o curto período de tempo entre a convocatória e a data da reunião por fim justificasse a recusa da nova data sugerida pelo outro Sócio gerente, como Ele convocante, em plenitude de funções, poderes e direitos;

35. O outro, único sócio gerente, (AA), como o convocante, respondeu, também por escrito, por carta registada com A/R, recebida pelo convocante antes da data da reunião que resolvera agendar que comunicava ao autor da convocatória que vinha por aquele que não poderia estar presente na reunião que o primeiro solicitava…”; – Mais informava que todos os dias estava disponível para os assuntos de gestão corrente, tal como tinha acontecido ao longo dos anos da vigência da Sociedade. – E, relativamente aos assuntos que o convocante propunha debater, e dado o contexto dos mesmos, necessitava de algum tempo para se informar e tomar as necessárias decisões em conformidade.

36. E, enquanto o outro único Sócio gerente, imbuído dos mesmos poderes, competências e Direitos; propunha o agendamento da mesma reunião a partir do próximo dia 15 de Outubro do ano em curso;

37. Especificando, concretamente a mesma reunião;

38. Imbuído das mesmas competências, dos mesmos poderes e dos mesmos direitos; que o único outro Sócio gerente que propusera a Reunião;

39. Ora se frisando que para uma outra data a partir de 15 de Outubro – a decidir entre ambos e com o acordo de ambos, uma vez que nenhum deles tinha qualquer ascendente sobre o outro, relativamente à gestão e administração da Sociedade;

Considerando-se pois, em face das circunstâncias que;

40. O que o Sócio Gerente BB, endossou ao Outro único Sócio Gerente AA, foi isso sim, uma proposta, para a realização de uma reunião de Gerência da Sociedade;

41. E não uma convocatória – Pois não tinha poderes, funções e ou quaisquer competências, para determinar a realização de uma reunião de gerência à revelia e muito menos contra a vontade do outro único Sócio Gerente, como ele, no pleno Exercício de funções;

42. Pelo que, ainda que se reportemos ao artigo 410.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicado por analogia, cfr. refere a Douta Decisão ora impugnada; Comecemos logo pelo n.º 1 do referido artigo: «1 - O conselho de administração reúne sempre que for convocado pelo presidente ou por outros dois administradores…”;

43. Desde logo se constata, sem reservas que – O Sócio Gerente BB não é o presidente do “Conselho de Administração” – por analogia; e também não colmata a exigência legal da convocação feita por outros dois administradores; – Teria aqui, sempre, de envolver o outro Sócio Gerente – administrador por analogia;

44. O que ele BB pode é fazer uma proposta para uma data de reunião a acordar por ambos os Sócios gerentes; – o que não faz, ao contrário do Sócio Gerente AA na sua carta registada com A/R;

45. O sócio-gerente BB, promoveu, pois, e participou numa reunião não convocada ou cuja convocatória é nula, até por violação do, aplicado por analogia pela douta decisão, artigo 410.º do CSC;

46. Aconteceu ainda e porém que, tendo promovido e participado numa reunião nula por falta da convocatória;

47. Ainda violou os seguintes preceitos: artigo 410.º, n.º 4; “…4 - o conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros…”; pois um apenas nunca poderá ser a maioria de 2 (Dois únicos Sócios Gerentes);

48. É pois, também Nula toda e qualquer deliberação tomada por quem não pode deliberar;

49. E isto, para além das alegadas deliberações que tomou, respeitantes ao Seu próprio filho, havendo, salvo o devido respeito, também violado o artigo 410.º, n.º 6;

50. “…6 - O administrador não pode votar sobre assuntos em que tenha, por conta própria ou de terceiro, um interesse em conflito com o da sociedade; em caso de conflito, o administrador deve informar o presidente sobre ele…”;

51. Esta questão sim, admitindo-se que se tivesse havido a necessária e exigível legal convocatória seria passível de anulabilidade e não de Nulidade, embora, salvo o devido respeito, em face da Nulidade da Convocatória tal questão perca o relevo;

52. Também não se aceitando, pelo que se impugna a referência da Douta Decisão a: – “…Em anotação ao inciso legal transcrito escreveu J. M. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. VI, 2ª edição, Almedina, pág. 516, «Tendo em conta a urgência dos assuntos a tratar, a possibilidade de ser conseguida a comparência de todos os administradores e a prática seguida na sociedade. Dois ou três dias serão normalmente bastantes; para assuntos muito urgentes algumas horas poderão bastar.»…”; E ainda “…Por conseguinte, não só não está em causa uma assembleia geral para que possa ser aplicado o artigo 248.º/3, do CSC e a antecedência mínima de 15 dias para a convocatória exigida pelo mesmo, como a antecedência de 9 dias com que o A., enquanto gerente da sociedade, foi convocado para a reunião de gerência é superior à que doutrinariamente é considerada como uma antecedência adequada nos termos do artigo 410.º/3, do CSC…”;

53. E como supra se referiu, não havia quaisquer assuntos a tratar nem tal urgência foi, alguma vez, invocada; Logo, também aqui não se justificando o incumprimento do prazo para a elaboração de uma pretensa convocatória;

54. Ora, em face do supra exposto, não podemos deixar de considerar que é Nula toda e qualquer a Reunião que foi realizada sem a necessária e legal convocatória de acordo com a disponibilidade e vontade da maioria dos gestores;

55. Antes pelo contrário, foi-o contra a vontade expressa de um dos dois únicos sócios gerentes – pelo que, pelo menos, da metade dos legítimos decisores;

56. E isto, contrariamente ao que refere a Douta Decisão que ora se impugna, por maioria de razão, analogia e raciocínio subjacente à determinação da Nulidade, regulada no CSC para as deliberações tomadas em reunião não convocada; Seja a alínea a) do n.º 1 do artigo 411.º do CSC, - Relativas ao Conselho de Administração - Seja a alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do mesmo CSC - considerando que a douta decisão ora impugnada também se socorre do artigo 59.º, n.º 2, do CSC, para defender a sua tese da anulabilidade; relativas às Assembleias Gerais;

57. Sempre por maioria de razão, sendo as consequências nulas, tal resulta da nulidade da causa;

58. (…)

59. Estando, pois, em causa uma flagrante nulidade e não qualquer anulabilidade;

60. Logo e sempre salvado o devido respeito, não estando nós perante uma anulabilidade, mas sim perante uma nulidade;

61. Não podemos, em consequência, concordar com a decisão expressa de consubstanciar a situação em apreciação, porque intentada ação judicial, no âmbito e sob a alçada dos prazos regulados do artigo 59.º/2, do CSC;

62. Cuja Violação tempo consequência a caducidade do direito de ação, invocada pelos RR nos vertentes autos.

63. Assim julgo procedente, por provada, a exceção perentória extintiva de caducidade do direito de ação e, nessa medida, absolvo os RR do pedido de anulação da convocatória para a reunião de gerência de 26-9-2014 e da consequente anulação das deliberações tomadas na mesma (artigos 576.º/3, do CPC)…”;

64. Dado que as conclusões e decisão aqui doutamente expostas, apenas especificam e determinam as consequências relativas a anulabilidade e não à invocada nulidade; – Não se aplicando às Ações de determinação da Nulidade o invocado artigo 59.º do C.S.C.;

65. Sendo a invocação judicial de Nulidade de uma Convocatória e da Consequente Reunião / Conselho / Assembleia, possível a todo o tempo, como decorre da Lei Material, no tocante a qualquer Nulidade e ainda, por consequência, também dos artigos 56.º e 57.º e mesmo o artigo 59.º, todos “a contrario”, do C.S.C.;

66. Não sendo pois aplicável ao caso em apreço nos autos;

***

67. Para além do Pedido Principal da Declaração de Nulidade da Convocatória e da Própria Reunião de Gerência;

68. O A. ora recorrente formulou o seguinte Pedido:

69. Sempre terá de se considerar que, embora tendo ocorrido a referida reunião / assembleia (mesmo sem quórum e estando a mesma impedida de deliberar exatamente pela falta de quórum: - “…salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados…”), desta reunião não resultou qualquer deliberação, conforme se verifica da exaustiva leitura da Ata; Isto é da referida reunião que cumpriu determinada “ordem de trabalhos”, tendo sido apresentadas diversas propostas, umas votadas outras não, e foi encerrada sem qualquer declaração de Aprovação e/ou preceito deliberatório relativos a qualquer das propostas ali apresentadas e/ou mesmo votadas;

Não tendo resultado da referida reunião, exaustivamente lavrada em Ata, qualquer aprovação de deliberação, fosse sobre que assunto fosse;

86.º - Assim e porque todas as decisões, atos e/ou ações praticadas pelo R. BB, ou por sua determinação e por Este fundamentados nas alegadas deliberações tomadas na referida reunião / assembleia ocorrida na data de 26 de Setembro de 2014, são nulas por falta de competente deliberação que lhe conferisse qualquer suporte de legalidade na determinação e legitimação da promoção / execução dos ou das mesmas;

Nulidade essa que desde já se invoca, se requer seja decretada e retroaja ao momento da prática de tais atos e/ou ações;…”;

70. Sobre este Pedido Subsidiário pronunciou-se a Douta Decisão considerando existirem sobre tal matéria três correntes distintas, sendo as duas primeiras no sentido da necessidade de que as atas das reuniões / assembleias e afins tenham, forçosamente, que fazer referência/registo de todos os procedimentos e/ou menções relativas às deliberações; E a última, favorável à tese dos RR. e á qual a Douta Decisão aderiu, no sentido de que: – “a todas as menções nos seguintes termos. – “…Uma vez que este Tribunal segue este último entendimento, acompanhando a jurisprudência maioritária neste sentido, e dando aqui por reproduzidos os seus argumentos, a insuficiência de alguma menção na ata “in casu” não tem qualquer reflexo sobre a validade da deliberação, mas sim sobre a sua prova…”

71. Pelo que decidiu, a final: “…pelo que não se verifica a nulidade ou inexistência das deliberações que constitui o pedido subsidiário dos vertentes autos, tendo o mesmo de improceder…”;

72. Pelo que nada impede o A. ora recorrente de Aderir, quanto a esta matéria, às duas primeiras correntes enunciadas e, também, veiculadas pelo Douto Tribunal, comprovando-se que a questão em apreço não merece dos doutos jurisconsultos a uniformidade que impeça a discussão da matéria;

73. Ora se defendendo, ainda e de novo que da reunião promovida e realizada pelo R. BB não resultou qualquer deliberação, conforme se verifica da exaustiva leitura da Ata;

74. Pois, nesta alegada reunião que cumpriu determinada “ordem de trabalhos”, tendo sido apresentadas diversas propostas, umas votadas outras não;

75. Foi encerrada;

76. Sem qualquer declaração de Aprovação e/ou preceito deliberatório relativos a qualquer das propostas ali apresentadas e/ou mesmo votadas;

77. Não tendo resultado da referida reunião, lavrada em Ata, qualquer aprovação de deliberação, fosse sobre que assunto fosse;

78. Pelo que todas as decisões, atos e/ou ações praticadas pelo R. BB, ou por sua determinação e por Este fundamentados nas alegadas deliberações tomadas na referida reunião ocorrida na data de 26 de Setembro de 2014, são nulas por falta de competente deliberação que lhe conferisse qualquer suporte de legalidade na determinação e legitimação da promoção / execução, dos / ou das, mesmas;

79. Nulidade essa que se requer seja decretada e retroaja ao momento da prática de tais atos e/ou ações;

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80. Refere ainda, expressamente, a Douta decisão ora Impugnada:

“…Em face do exposto, julgo procedente, por provada, a exceção perentória extintiva de caducidade do direito de ação e, nessa medida, absolvo os RR do pedido de anulação da convocatória para a reunião de gerência de 26-9-2014 e da consequente anulação das deliberações tomadas na mesma (artigos 576.º/3, do CPC)…”;

81. Aconteceu porém que são os seguintes os Pedidos formulados pelo A. na sua Petição inicial, que até ao momento e salvado o devido respeito, não sofreu qualquer convolação e/ou alteração:

– Deve ser declarada Inexistente e/ou Nula a convocatória para a denominada Reunião de Gerência ocorrida na data de 26 de Setembro de 2014; e, em consequência;

– Ser de Declarada nula a própria reunião e também declaradas nulas todas as alegadas deliberações que o R. BB pretende terem resultado da referida reunião, devendo tais declarações de Nulidade reportar-se retroativamente à data de 26 de Setembro de 2014;

- Ainda que assim se não entenda; deverá determinar-se que da tal reunião de gerência, avaliando exaustivamente a ata da mesma, não resultou qualquer deliberação, por ser a mesma completamente omissa relativamente à, indispensável, aprovação de uma única que fosse, das propostas ali apresentadas e algumas mesmo votadas;

- Deverá, sempre e em qualquer circunstância, determinar-se a nulidade, reportada à data da prática, promoção e/ou execução, de cada uma das decisões, ações, atos e factos praticados, promovidos, ordenados e/ou executados pelo R. BB e que o mesmo fundamentou em qualquer deliberação, alegadamente, emanada da referida reunião de gerência de 26 de Setembro de 2014;

82. Pelo que em nenhum momento, o A. formulou qualquer Pedido nos autos para que fosse determinada a Anulabilidade quer da Convocatória, quer da ocorrida reunião de gerência quer das alegadas deliberações ali tomadas;

83. E não havendo ocorrido nos autos qualquer convolação e/ou alteração determinada pelo douto tribunal, notificando devidamente as partes para se pronunciarem sobre a mesma e/ou requerida ou promovida pelas Partes;

84. O facto do douto tribunal a quo se ter pronunciado, nos termos em que o fez, relativamente aos Pedidos Formulados pelo A. configura, salvo o devido respeito, um manifesto excesso de pronúncia, em violação do regulado no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do C.P.C.;

85. O que consubstancia uma causa de Nulidade da Sentença que ora se invoca, também;

***

E, o que é absolutamente questionável na perspetiva do A.

E absolutamente contraditório e Ilegal;

86. Havendo o A. formulado os seguintes Pedidos a título principal: - “…a) – Deve ser declarada Inexistente e/ou Nula a convocatória para a denominada Reunião de Gerência ocorrida na data de 26 de Setembro de 2014; E, em consequência;

– Ser de Declarada nula a própria reunião e também declaradas nulas todas as alegadas deliberações que o R. BB pretende terem resultado da referida reunião, devendo tais declarações de Nulidade reportar-se retroativamente à data de 26 de Setembro de 2014;…”;

87. Aconteceu, porém, que a Douta Decisão ora impugnada, em nenhum momento da sua prolação da matéria Decisória se pronunciou, concretamente, sobre a Procedência ou Improcedência destes concretos Pedidos;

88. Pelo que e consequentemente, para além das matérias decisórias sobre as quais se manifestou e decidiu serem improcedentes e/ou mesmo procedentes e das quais ora se recorre;

89. E que se perspetiva virem a ser objeto de alteração do douto tribunal da Relação e posteriormente a serem julgadas;

90. A presente ação terá, sempre, de prosseguir para apreciação e julgamento dos Pedidos Formulados pelo A. que não foram Decididos;

E, se tal não se Deferir;

91. Também por esta razão terá de se Declarar a Nulidade da presente ação, por violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.; agora por Omissão de pronúncia;

92. O que se requer seja decidido;

- Entende-se terem sido violados pela douta decisão que ora se impugna, os artigos 41.º e 48.º e ainda o artigo 615.º, todos do C.P.C.; Assim como os artigos 56.º, 57.º, 59.º, 410.º e 411.º, todos do Código das Sociedades Comerciais, alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

- Assim como os Princípios da Prossecução da Descoberta da Verdade Material, bem como o Princípio da Cooperação e Princípio do Inquisitório e ainda o artigo 411.º do C.P.C.;

A final requer se declare:

- A irregularidade do mandato judicial conferido pela Ré E..., Lda. ao seu Ilustre Mandatário, com as legais consequências;

- A revogação da decisão recorrida, quer quanto à declarada procedência da invocada caducidade do direito da ação no tocante à declaração de anulabilidade da reunião ocorrida em 26 de setembro de 2014; quer quanto à improcedência do pedido subsidiário;

Dando-se integral procedência, por provados aos pedidos formulados pelo autor;

Ou, doutro modo, ainda que se não considere a existência nos autos da matéria probatória; revogar-se, sempre, a douta decisão ora recorrida e, por consequência, determinar-se a prossecução dos autos para a produção da prova;

- Por último, se porventura não for dado provimento ao recurso, deverá ainda revogar-se a condenação em custas formulada na decisão, nos termos da reclamação já apresentada pelo A. ora Recorrente sob a ref.ª eletrónica n. º ...06;

Bem como, condenar-se a Ré Sociedade nas custas, incluindo as de parte.

A Recorrida sustentou a manutenção do julgado.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), são as seguintes as questões a decidir, sequenciadas de acordo com uma lógica de prejudicialidade jurídica:

1ª – Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia com ausência de contraditório e, por omissão de pronúncia.

2ª – Da invalidade da procuração junta pela Ré, por indefinição temporal e de objeto e, da irregularidade do mandato por falta de poderes do mandante para, por si só, conferir mandato judicial, em nome da Sociedade.

3ª – Da falta ou invalidade da convocatória implicando a nulidade das deliberações tomadas na reunião de gerentes de 26/09/2014, invalidando a declaração de caducidade do direito de ação.

4ª – Se não foi lavrada em ata qualquer deliberação, sendo, por consequência nulas todas as decisões, atos e/ou ações praticadas ou determinadas por BB, com fundamento nas mesmas “deliberações” tomadas na reunião de 26 de Setembro de 2014.

5ª – Se, negando-se provimento ao recurso, subsistem razões para revogar-se a condenação em custas formulada na decisão, nos termos da Reclamação apresentada pelo A. sob a ref.ª eletrónica n. º ...06.


III

É a seguinte a factualidade assente com relevância para as questões acima enunciadas:

1. A cláusula quinta do pacto social da “E..., Lda. expressa: «A gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme for deliberado em assembleia geral, pertence a ambos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes. Para obrigar validamente a sociedade, em qualquer ato ou contrato, em juízo ou fora dele, tornam-se necessárias as assinaturas dos dois sócios gerentes».

2. Por acórdão proferido em 21-4-2016 pelo Tribunal da Relação de Évora proferido no proc. n.º 171/15...., foi mantida a decisão da primeira instância de suspensão de AA das funções de gerente da E..., Lda. – certidão de fls. 288 e seguintes.

3. Por acórdão proferido em 15-4-2021 pelo Tribunal da Relação de Évora proferido no proc. n.º 171/15...., foi mantida a decisão da primeira instância de destituição de AA das funções de gerente da E..., Lda. e revogado o trecho da sentença que julgava caduca a cláusula (quinta) do pacto social que atribuía o exercício da gerência aos 2 únicos sócios e que exigia a assinatura de ambos para obrigar a sociedade – certidão de fls. 288 e ss.

4. Por acórdão de 19-10-2021, transitado em julgado em 4-11-2021, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no proc. n.º 171/15.... foi negada a Revista, confirmando-se o acórdão do TRE de 15-4-2021 – certidão de fls. 288 e seguintes.

5. Consta da Procuração junta aos autos em 21-11-2021 com a contestação da Ré E..., Lda. o seguinte texto:

«E..., Lda., NIPC ..., com sede em ..., freguesia ..., concelho ..., constitui seu mandatário judicial o Dr. EE, advogado, com escritório na Travessa ..., ..., em ..., a quem confere poderes forenses gerais.

..., 12 de Outubro de 2018.

O mandante E..., Lda., a gerência: BB».

6. Por missiva datada de 16 de setembro de 2014 e enviada no dia 17 de setembro de 2014, BB, na “qualidade de gerente da sociedade E..., Lda.”, convocou AA “para uma reunião de gerência, a realizar na sede social, no próximo dia 26/9/2014, pelas 17 horas, com a seguinte Ordem de Trabalhos:

1 – Abertura do Livro de Atas das reuniões de gerência;

2 – Designação do Gerente ou pessoa estranha à Gerência para secretariar a reunião e lavrar a ata da mesma;

3 – Análise e cessação dos contratos de arrendamento de terrenos para exploração da pedreira;

4 – Análise e reajustamento do organigrama da sociedade e das funções de chefia e direção;

5 – Análise e fixação do salário das Chefias/Direção e dos trabalhadores;

6 – Análise e ratificação dos atos praticados apenas por um dos gerentes, nomeadamente:

6.1 – Respeitantes à certificação de qualidade da sociedade;

6.2 – À movimentação de contas bancárias;

7 – Análise e aprovação dos orçamentos respeitantes aos trabalhados a realizar nas instalações fabris da sociedade;

8 – Análise e apreciação das perspetivas futuras da sociedade.

Se à hora marcada não estiverem presentes todos os Gerentes a reunião terá lugar meia hora mais tarde com os gerentes presentes” – doc. fls. 16 e 17.

7. AA, tendo recebido a referida convocatória, respondeu por carta datada de 22 de Setembro de 2014, enviada com Aviso de Receção no dia 24-9-2014, e recebida por BB na data de 25 de Setembro de 2014 – doc. fls. 17/v e 18.

8. Nessa comunicação, AA informava/comunicava ao autor da convocatória que vinha por aquele “(…) meio comunicar que por compromissos assumidos em nome da Sociedade não poderei estar presente na reunião que solicita.

Mais informo que todos os dias estou disponível para os assuntos de gestão corrente, tal como tem acontecido ao longo dos anos da vigência da Sociedade.

Relativamente aos assuntos que propõe debater, e dado o contexto dos mesmos necessito de algum tempo para me informar e tomar as necessárias decisões em conformidade.

Pelo que proponho o agendamento da mesma reunião a partir do próximo dia 15 de outubro do ano corrente” – doc. fls. 17/verso.

9. No dia 26/9/2014, pelas 17 horas e 30 minutos, teve lugar a reunião de gerência sem a comparência de AA.

10. Da ata da mesma foi feito constar: – doc. de fls. 19 e seguintes:

«Ponto 3:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta

(…)

Proponho que se reduza em 70% o valor da renda mensal paga, atualmente, pela sociedade aos sócios, pelo arrendamento dos terrenos respeitantes à exploração da Pedreira;

O Sócio, digo o Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 4:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta:

(…)

Proponho que o sócio AA deixe de constar do Organigrama da

Empresa como Diretor de Produção.

Que essa função de Diretor de Produção passe a ser exercida pelo trabalhador CC.

O Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 5:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta:

(…)

Proponho se reduza a retribuição atribuída ao Sócio gerente AA na parte respeitante às funções de Diretor de Produção, em € 1.500,00.

(…)

Proponho que o salário do referido trabalhador (DD) seja atualizado para € 1.500,00 no mês de Outubro de 2014.

O Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 6:

O Gerente BB efetuou a seguinte proposta:

- Quanto ao ponto 6.1:

a) – Propõe-se que a Gerência ratifique todos os atos de gestão praticados pelo Gerente BB em relação à certificação da Empresa, uma vez que o mesmo se viu obrigado a praticá-los, face à recusa do gerente AA, por se tratar de um procedimento que tem um percurso definido e é totalmente vantajoso ao futuro da Empresa;

b) - Propõe-se que seja ratificada a constituição de depósito a prazo, uma vez que a Sociedade não tem necessidade de manutenção de dinheiro à ordem, sendo vantajoso o ganho de juros;

- Quanto ao ponto 6.2:

(…)

- Proponho:

- Se conceda a FF autorização para, junto dos bancos proceder aos pagamentos correntes da Empresa, como vinha sucedendo e tendo em conta que faz parte da Direção Administrativa e Financeira;

- Que no final de cada mês a referida trabalhadora apresente à gerência um mapa identificativo dos pagamentos efetuados, do qual deve contar data, destinatário, montante, descrição sintética da causa do pagamento, com referência ao documento de suporte contabilístico;

O Gerente BB votou favoravelmente a proposta.

Ponto 7:

O gerente BB efetuou a seguinte proposta:

(…)

Tendo em conta que foi obtido orçamento para substituição do telhado no montante de € 245.000,00 e que seria vantajoso a instalação de sistema de ..., capaz de satisfazer as necessidades da Empresa, sendo o custo estimado de € 650.000,00;

Propõe-se:

Que se adjudiquem os trabalhos acima referidos;

O Gerente BB votou favoravelmente a proposta.

Ponto 8:

De seguida o gerente BB solicitou que fosse transcrita em ata a seguinte declaração:

(…)

Entende-se por isso que, apesar de difíceis, as expectativas futuras da sociedade não são sombrias, e os resultados, embora aquém de 2013, serão satisfatórios.

Nada mais havendo a tratar foi a presente reunião dada por encerrada.»


IV

Do mérito do recurso:

1- Da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia com ausência de contraditório e, por omissão de pronúncia

Importa apreciar em primeiro lugar da suscitada nulidade da sentença por excesso de pronuncia com ausência de contraditório e, por omissão de pronúncia, sendo estas questões aptas a inutilizar, ainda que parcialmente, o demais decidido.

Reage o A./apelante contra o facto de a sentença ter julgado procedente por provada, a exceção perentória extintiva de caducidade do direito de ação, assente no conhecimento e reconhecimento prévio de um vício de anulabilidade quer da convocatória, quer da reunião de gerência, quer das alegadas “deliberações” ali tomadas, vício esse que o A. não invocou, não foi objeto de convolação expressa nem sujeito a contraditório, o que contende com os limites do pedido e da causa de pedir. O A. se limitou-se a pedir a declaração de inexistência ou nulidade das: convocatória, reunião e alegadas deliberações nela tomadas. Pedidos que, segundo o apelante, ficaram sem resposta. Estaremos assim, simultaneamente, sob os apontados excesso e omissão de pronúncia.

Vejamos se assim é.

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando:

«(…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»

Importará aferir, por exclusão de partes, quais as questões de que o tribunal pode tomar conhecimento e qual o objeto do pedido, tendo presente um conjunto de princípios e normas que regem o processo civil.

O artigo 3.º do CPC que consagra o princípio da necessidade do pedido e da contradição dita:

«1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.

3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.»

Também o artigo 5.º do CPC que define o princípio do dispositivo e os poderes de cognição do tribunal, refere:

«1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.»

Da conjugação destas normas resulta que as questões de que o tribunal pode/deve tomar conhecimento são todas aquelas que as partes (autor e réu) trouxeram ao processo como causa de pedir e como exceções, cabendo às partes a sua alegação articulada como factos essenciais, mas, podendo o juiz considerar ainda factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, ou seja, do probatório com contraditório proporcionado, bem como factos notórios, ou seja, aqueles que são do conhecimento geral (artigo 412.º), não estando o tribunal sujeito à vontade das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Expostos os contornos e limites do poder/dever de conhecimento e pronúncia vejamos o que foi pelas partes carreado para os autos como causa de pedir:

Na petição o Autor articula factos que dão conta da realização de uma “reunião de gerência” no dia 26 de Setembro de 2014, convocada em desrespeito de determinada antecedência temporal, o que compromete a validade e eficácia das alegadas deliberações nela tomadas, sem quórum, sendo estas por isso mesmo, nulas, na interpretação e aplicação que o Autor faz do direito. E, sendo nula a convocatória, nula a reunião, nulas as deliberações, nulos são também todos os atos praticados pelo Sócio Gerente BB com fundamento nas alegadas deliberações.

Acrescenta o Autor na sua petição (artigos 83.º e 84.º da p.i.) que:

“Acontecendo ainda e porém e sem prescindir que;

Se tais, alegadas, deliberações não forem consideradas Nulas (…)

Sempre terá de se considerar que, embora tendo ocorrido a referida reunião/assembleia, (mesmo sem quórum e estando a mesma impedida de deliberar exatamente pela falta de quórum: - “…salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados…”), desta reunião não resultou qualquer deliberação, conforme se verifica da exaustiva leitura da Ata;”

Temos pois que:

O A. articulou como causa de pedir determinada realidade factual (convocatória / prazo de convocação / realização de reunião / ausência de quórum / ausência de deliberação em ata), que juridicamente qualificou como de nulidade, o que, pelo n.º 3 do artigo 5.º do CPC não vincula o tribunal, mas que o próprio Autor na mesma peça admitiu, secundariamente, poder o tribunal afastar para dar lugar a um vício menor.

Em coerência com essa interpretação alargada, sempre possível ao tribunal, o Autor no cabeçalho da petição inicial identificou a ação como «Acção Declarativa em Processo Comum, com vista à Declaração de Nulidade ou Anulação de Deliberações Sociais/Atos dos Sócios» (sublinhados nossos).

Assim, da mera análise da petição inicial podemos com segurança afastar a existência de excesso de pronúncia ao ter a sentença conhecido e reconhecido o vício de anulabilidade quer da convocatória, quer da reunião de gerência, quer das alegadas “deliberações” ali tomadas, em vez do vício de nulidade ou inexistência das mesmas, fundamento do pedido principal.

Estamos no âmbito da qualificação jurídica e ainda que o não estivéssemos, foi respeitado o princípio do dispositivo.

Vejamos ainda o que trouxe a Ré à ação a título de exceção e que, conformando a causa de pedir confere ao tribunal o poder/dever do seu conhecimento e pronúncia.

Lê-se na contestação (artigos 20º a 31º):

“ Apenas são nulas as deliberações do conselho de administração:

a) Tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência;

b) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração;

c) Cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos (artigo 411.º, n.º 1, do CPC);

- Por seu turno, expressa o artigo 412.º, n.º 1, do CSC que “O próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer acionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação.”

- Há muito que se mostra decorrido, quer o prazo de 1 ano após o conhecimento, quer o próprio prazo de 3 anos a que se alude no artigo 412.º, n.º 1, do CSC;

- O que configura caducidade do direito, caducidade que desde já se vem arguir com as legais consequências;

- Ainda que assim se não entenda e se entenda que ao prazo para convocar à reunião de gerência é aplicável o prazo para a convocatória das assembleias gerais;

- Apenas estaríamos perante uma mera anulabilidade e nunca uma nulidade;

- O Código das Sociedades Comerciais, nos artigos 56º a 59º, refere-se às duas qualificações de deliberações inválidas em sentido lato, regulando no artigo 58º as deliberações nulas e no artigo 59º as deliberações sociais anuláveis.

- Ao contrário do regime previsto no Código Civil, em que a regra tendencial é a de considerar a nulidade dos atos que violem a lei (artigo 280.º do C.C.), no Código das Sociedades Comerciais o regime-regra é o da mera anulabilidade.

(…)

- A solução da nulidade apenas se justifica quando a deliberação, pelo seu conteúdo e consequentemente, padecendo deste vício, atenta contra normas imperativas,

- Já assim não será quando a deliberação padecer de vício de procedimento, caso em que apenas é sancionada com a anulabilidade”.

Desta exposição resulta que a consequência da anulabilidade foi invocada pela parte contrária, como integrando a exceção perentória de caducidade do direito de ação, tendo sido dada ao Autor o direito de resposta através do despacho de 06/01/2022[1], que exerceu no seu requerimento entrado em 24/01/2022 (artigos 33.º e seguintes).

O que igualmente legitima e obriga ao seu conhecimento por parte do tribunal.

Não estava o tribunal impedido de julgar procedente o vício de anulabilidade relativamente a qualquer dos atos alegadamente viciados, caso os pressupostos substantivos e temporais o permitissem.

Não se impondo qualquer convolação expressa para uma outra realidade quando a parte pôde exercer o contraditório de forma completa e tal convolação resulta inequivocamente implícita da fundamentação.

De resto, face à menor gravidade das consequências, não viola o disposto no artigo 609.º, n.º 1, do CPC (limites da condenação), a sentença que, perante um pedido de declaração de nulidade convola para o de anulabilidade (em sentido idêntico, o Ac. STJ de 23/09/1999, Proc. 99B510, in www.dgsi.pt.)

Daí que, quando a sentença conhece e decide:

“Em face disto, não só a convocatória para a reunião de gerência de 26-9-2014 é juridicamente existente como não padece de qualquer vício, seja ele de nulidade ou de anulabilidade.

(…)

Não obstante, admitindo-se que pudesse estar aqui em causa uma anulabilidade decorrente da reunião de gerência ter tido lugar na data e hora para as quais havia sido convocada, quando o gerente AA tinha comunicado a sua impossibilidade de comparência na mesma, há que ter em consideração os artigos 412.º do CSC «1 - O próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer acionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação. 2 - Os prazos referidos no número anterior não se aplicam quando se trate de apreciação pela assembleia geral de atos de administradores, podendo então a assembleia deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, mesmo que o assunto não conste da convocatória. 3 - A assembleia geral dos acionistas pode, contudo, ratificar qualquer deliberação anulável do conselho de administração ou substituir por uma deliberação sua a deliberação nula, desde que esta não verse sobre matéria da exclusiva competência do conselho de administração. 4 - Os administradores não devem executar ou consentir que sejam executadas deliberações nulas» e 59.º/2, do CSC, já que a arguição da invalidade foi feita por meio de ação judicial.

Nos termos do artigo 59.º/2, do CSC «2 - O prazo para a proposição da ação de anulação é de 30 dias contados a partir: a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral; b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito; c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória.».

A consequência da violação destes prazos é a caducidade do direito de ação, caducidade essa invocada expressamente pelos RR nos vertentes autos.

Porquanto a reunião de gerência teve lugar em 26-9-2014 e a vertente ação apenas foi proposta em 9-9-2021, estão os prazos legalmente previstos para a propositura da ação de anulação largamente ultrapassados.

Em face do exposto, julgo procedente, por provada, a exceção perentória extintiva de caducidade do direito de ação e, nessa medida, absolvo os RR do pedido de anulação da convocatória para a reunião de gerência de 26-9-2014 e da consequente anulação das deliberações tomadas na mesma (artigos 576.º/3, do CPC).»

Fá-lo com respeito pelos princípios do dispositivo e do contraditório, no respeito pela causa de pedir e pedido, não ocorrendo excesso de pronúncia (ao reconhecer a anulabilidade geradora de caducidade), nem omissão de pronúncia (porquanto a nulidade foi afastada na fundamentação, não produzindo efeitos, não havendo que o repetir).

Passemos a apreciar da segunda questão do recurso:

2 - Da invalidade da procuração junta pela Ré, por indefinição temporal e de objeto e, da irregularidade do mandato por falta de poderes do mandante para, por si só, conferir mandato judicial, em nome da Sociedade.

Mantém o Autor/apelante verificar-se irregularidade no mandato conferido ao ilustre Causídico que nestes autos representa a Ré E..., Lda., o que a sentença não reconheceu.

Irregularidade essa assente na seguinte alegação: a procuração não é válida porque data de 12-10-2018 e foi apresentada em 22-11-2021 sem qualquer especificação de objeto; é prática habitual e do senso comum a outorga de procuração ser efetuada para um processo específico, no momento em que se exige a intervenção processual; de outro modo a procuração teria de referir especificamente, “para todos os processos, judiciais e afins, presentes e futuros, que venham a exigir a intervenção da Sociedade E..., Lda.; além disso, a procuração mostra-se assinada pelo punho de um único gerente em exercício mas a sociedade apenas se obriga mediante a assinatura de dois sócios gerentes; por Acórdão de 15-4-2021 do Tribunal da Relação de Évora, o mandante BB deixou de ter os necessários poderes para, por si só, conferir qualquer mandato judicial, em nome da Sociedade, sendo que, ao recurso de Revista desse acórdão foi atribuído efeito devolutivo, logo era exequível, não tendo o mandante poderes para representar a sociedade na emissão a procuração em causa.

Vejamos, então, da (in)validade da procuração emitida pela Ré E..., Lda. ao seu ilustre causídico, em razão do seu inexistente alcance temporal e indefinição de objeto.

A procuração foi emitida 3 anos antes da sua utilização no presente processo. Utilização motivada pela necessidade de assegurar em sede de contestação o patrocínio judicial obrigatório.

Questiona-se se a mesma tem de ser atualizada e individualizada.

“Diz-se procuração o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”, assim dispõe o artigo 262.º, n.º 1, do CC.

A procuração é um ato unilateral que pode ter subjacente um contrato de mandato.

Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (artigo 1157.º do CC).

A procuração representa a exteriorização do poder negocial que é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato.

Dispondo o artigo 265.º do CC que:

“1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base exceto se outra for, neste caso, a vontade do representado.

2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.”

E o artigo 227.º que:

“1. O representante deve restituir o documento de onde constem os seus poderes, logo que a procuração tiver caducado.”

Daqui se extrai que a procuração a mandatário pode ter um prazo de validade ou um objeto determinado a cumprir, após o que esgotado ou cumprido caduca, podendo também extinguir-se por renúncia do procurador ou revogação do representado.

À semelhança do regime do mandato cuja revogabilidade (artigo 1170.º do CC) e caducidade (geral) se apoia nos mesmos pressupostos.

Mas tal prazo ou determinação de objeto constitui apenas uma faculdade. A lei a tal não obriga.

Com exceção de procurações cujo prazo de validade seja determinado por lei, em geral as procurações têm validade por tempo indeterminado, salvo quando seja explícito no seu texto, a pedido do(s) outorgante(s), o seu prazo de validade.

A procuração outorgada não tem, assim, de possuir prazo de validade nem tem de fazer referência expressa à demanda ou demandas onde será integrada.

Constitui prática comum da vida societária a emissão de procuração a mandatário com poderes gerais para utilização em qualquer demanda que o imponha, sem necessidade de o especificar. E, sem prazo de validade o que, na imprevisibilidade do tempo de início e de duração dos atos de representação, se mostra justificado.

Impõe-se assim considerar válida a procuração outorgada pela parte ao seu patrono ainda que tenha sido lavrada três anos antes, por inexistir no ordenamento jurídico norma que determine prazo de validade da procuração para fins de propositura ou de contestação de ação judicial.

E válida também para os autos a que é junta, uma vez direcionada aos mesmos, ainda que o não mencione expressamente.

Importa ainda apurar se à data de 22/11/2021, data da entrada em juízo da contestação com a referida procuração, BB que assinou na qualidade de gerente da Ré Sociedade, podia fazê-lo, ficando esta obrigada apenas com a sua assinatura.

De acordo com o pacto social a sociedade obrigava-se e obriga-se mediante a assinatura dos dois sócios gerentes.

Na ação de destituição de órgãos sociais que o sócio gerente BB intentou contra o sócio gerente AA, ora Autor/apelante, e que correu termos com o nº 171/15.... foi decidido, em 1ª instância, julgar procedente a ação e destituir o Requerido AA das funções de gerente da sociedade E..., Lda. e, julgar caduca a cláusula 5ª do pacto social da referida sociedade, na parte referente à existência duma gerência plural.

Em recurso para esta Relação, com efeito devolutivo, foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença na parte em que julgou caduca a cláusula 5ª do pacto social da mesma sociedade, mantendo-se a sentença quanto ao mais decidido, ou seja, quanto à suspensão das funções de gerente por parte de AA.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2021, foi decidido negar a Revista, tendo esta igualmente efeito devolutivo, confirmando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

Assim, à data de 22/11/2021, quando a contestação foi junta com a procuração ora contestada, AA estava destituído das funções de gerente da sociedade e, simultaneamente, esta mantinha válida a cláusula 5ª do pacto social na parte referente à existência duma gerência plural.

Entendeu o tribunal a quo que, ainda assim, BB único gerente em funções emitiu validamente a declaração que subjaz à procuração, em nome da gerência da sociedade.

Lê-se na sentença:

“[q]uando a Procuração foi emitida em 12-10-2018 (Procuração junta como doc. 6 da refer. ...42) pela 2ª Ré ‘E..., Lda.’, assinada apenas pelo gerente BB, era apenas este que geria a sociedade, estando AA suspenso do exercício da gerência. E aquando da data da entrada da contestação, em 22-11-2021, ainda que a sociedade se obrigasse com a assinatura de 2 gerentes, AA não era gerente da mesma, já havia sido definitivamente destituído de tais funções.

Por via da aplicação do artigo 253.º/2, do CSC, nos 30 dias subsequentes ao trânsito do acórdão do STJ, período onde foi apresentada a contestação, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao Tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada.

‘Ergo’, durante este período pode a sociedade funcionar com um gerente apenas, sem que os atos praticados no interesse da mesma estejam viciados.

Por conseguinte, não se reconhece a existência de qualquer irregularidade ou falta de Mandato relativamente à Procuração junta aos autos pela 2ª Ré E..., Lda.”.

Vejamos, se assim é.

Dispõe o artigo 253.º do Código das Sociedades Comerciais, alusivo à substituição de gerentes nas sociedades por quotas que:

«1 - Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.

2 - O disposto no número anterior é também aplicável no caso de falta temporária de todos os gerentes, tratando-se de ato que não possa esperar pela cessação da falta.

3 - Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação ser regularizada, nos termos do contrato ou da lei.

4 - Os gerentes judicialmente nomeados têm direito à indemnização das despesas razoáveis que fizerem e à remuneração da sua atividade; na falta de acordo com a sociedade, a indemnização e a remuneração são fixadas pelo tribunal.»

Estando a situação dos autos contemplada na 2ª parte do n.º 3 deste artigo: no caso a exigência da intervenção de um segundo gerente não é nominal, como fundamentou o Acórdão da Relação que revogou a sentença na parte em que julgou caduca a cláusula 5ª do pacto social da mesma sociedade, precisamente, com base no facto de a gerência não ser nominal. Confirmado em recurso de revista.

Por sua vez lê-se no Acórdão de Revista:

“Contudo, não se exigiu que a gerência apenas fosse exercida por aqueles dois específicos sócios, nem se excluiu a possibilidade de a gerência ser assumida por outras pessoas estranhas à sociedade, aliás de harmonia com o preceituado no artigo 252.º, n.º 1, do CSComerciais, nem se antolha que naquela cláusula se tivesse consignado algum direito especial, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do mesmo diploma, maxime, estabelecendo, quiçá, a imposição de que a gerência da sociedade E..., Lda., apenas tivesse sido cometida àqueles ad aeternum, sem possibilidade de intervenção de outrem, sendo que esta interpretação é a que tem correspondência com o texto do documento, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, do C.Civil.”

Assim, não há dúvidas que a gerência não é nominal, falta definitivamente um gerente para representar a sociedade nos termos do contrato uma vez que se mantém válida a cláusula societária que o prevê e, a vaga não foi preenchida no prazo de 30 dias.

Prevê a lei comercial (artigo 253.º/3, CSC) que, sem prazo máximo estabelecido pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente até a situação da gerência plural ser regularizada, em processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 1053.º do CPC (nomeação judicial de titulares de órgãos sociais).

Tal significa que faltando um dos gerentes, o restante subsiste em funções, aguardando a substituição do faltoso, por iniciativa do próprio ou dos demais sócios.

Cabe aos demais sócios (recorrente, inclusive) ou ao gerente em funções, caso a situação não seja extrajudicialmente regularizada nos 30 dias imediatos à ausência do gerente em falta, acautelar a substituição, pela via judicial ou, por alteração do contrato de sociedade, ou por deliberação de eleição dos gerentes, pondo esta termo à nomeação judicial que eventualmente tenha lugar.

Enquanto tal não acontece a sociedade não pode parar, há pagamentos a efetuar, nomeadamente a trabalhadores e fornecedores, compromissos a respeitar, pelo que, como bem decidiu a sentença: durante este período pode a sociedade funcionar com um gerente apenas, sem que os atos praticados no interesse da mesma estejam viciados. E esse período não se esgota na dilação de 30 dias após o início da ausência de um dos gerentes. Esse período inicia-se após essa dilação, estando na disponibilidade dos sócios (o apelante inclusive) ou dos demais gerentes pedir ao tribunal a regularização da gerência plural ou fazê-lo extrajudicialmente mobilizando os instrumentos e órgãos societários.

Não havia assim, falta de poderes do gerente BB para em nome da gerência da sociedade emitir a procuração datada de 12-10-2018. Em tal data era apenas este que geria a sociedade, estando AA suspenso de funções. E em 22-11-2021 essa situação mantinha-se. O mandato judicial impunha-se como obrigatório no ato de contestação da ação, pelo que, seria desproporcionadamente excessivo e sem apoio legal pretender que se atualizasse ou direcionasse a procuração em causa.

Assim, concluímos como a sentença em não reconhecer a existência de qualquer irregularidade ou falta de Mandato relativamente à Procuração junta aos autos pela 2ª Ré “E..., Lda.”.

Improcedendo as respetivas alegações de recurso.

Passemos a apreciar:

3ª - Da falta ou invalidade da convocatória implicando a nulidade das deliberações tomadas na reunião de gerentes de 26/09/2014 e, invalidando a declaração de caducidade do direito de ação.

Invoca o apelante que não houve convocatória válida e eficaz para a Reunião, uma vez que a convocatória enviada proveio da iniciativa de um dos sócios gerentes à revelia do outro, estando ambos em plenitude de funções, sem invocação de urgência que justificasse a realização da mesma em tão curto espaço de tempo. E, sem ter sido atendida a impossibilidade do convocado em estar presente, comunicada por este que apresentou uma data alternativa para a reunião. Desse modo, defende, a reunião que dali surgiu constitui uma reunião não convocada ou cuja convocatória é nula. Sendo igualmente nula qualquer deliberação ali tomada, por provinda por quem não pode deliberar.

Considerando os factos provados elencados em 6 e 9 importa definir que existiu uma convocatória (física) para a reunião de gerência de 26-9-2014, afastando, assim a inexistência (física) de convocatória.

O que importa aferir é se as apontadas irregularidades, em abstrato, são suscetíveis de integrar o vício de nulidade, como pretende o apelante, ou antes o de anulabilidade, como defendeu a apelada e a sentença reconheceu.

Foi convocada uma reunião de gerência, não uma assembleia geral de sócios.

Não está previsto no regime das sociedades por quotas qualquer regulação quanto às reuniões de gerência, pelo que importa atender à regra do artigo 2.º do CSC que estabelece o direito subsidiário:

«Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adotado.»

Deve assim aplicar-se o regime das sociedades anónimas que prevê nos artigos 410.º a 412.º do CSC uma regulação para as reuniões e deliberações do conselho de administração, dada a analogia de situações entre conselho de administração e gerência.

Dispondo tais normas, na parte que importa que:

Artigo 410.º

«Reuniões e deliberações do conselho

1 - O conselho de administração reúne sempre que for convocado pelo presidente ou por outros dois administradores.

2 - O conselho deve reunir, pelo menos, uma vez em cada mês, salvo disposição diversa do contrato de sociedade.

3 - Os administradores devem ser convocados por escrito, com a antecedência adequada, salvo quando o contrato de sociedade preveja a reunião em datas prefixadas ou outra forma de convocação.

4 - O conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros.

(…).»

Artigo 411.º

«(Invalidade de deliberações)

1 - São nulas as deliberações do conselho de administração:

a) Tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência;

b) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração;

c) Cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos.

2 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 56

3 - São anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, quer do contrato de sociedade.»

Artigo 412.º

«Arguição da invalidade de deliberações

1 - O próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer acionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação.

(…).»

Deve ainda atender-se à remissão feita para os números 2 e 3 do artigo 56.º do CSC, previsto na parte geral:

Artigo 56.º

(Deliberações nulas)

1 - São nulas as deliberações dos sócios:

a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;

(…)

2 - Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso.

3 - A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.

Bem como ao regime que complementa este normativo, integrado na mesma parte geral do CSC:

Artigo 58.º

(Deliberações anuláveis)

1 - São anuláveis as deliberações que:

a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;

b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;

c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

2 - Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados diretamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º

3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.

4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:

a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;

b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.

Artigo 59.º

(Ação de anulação)

1 - A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.

2 - O prazo para a proposição da ação de anulação é de 30 dias contados a partir:

a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral;

b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;

c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória.»

A invalidade das deliberações do Conselho de Administração (sociedades anónimas) está próxima da correspondente matéria prevista na parte geral do CSC para as deliberações dos sócios.

Como se lê no Código das Sociedades Comerciais Anotado, 4ª ed., Coordenação de António Menezes Cordeiro, na anotação ao artigo 411.º: “Todavia, há que ponderar sempre, ponto por ponto, cada problema e a sua solução. Na base, temos a nulidade e a anulabilidade, sendo que, ao contrário do que sucede no Direito civil, esta última figura é a residual, aplicando-se sempre que a lei não determine a nulidade. É o favor societis, destinado a não fragilizar o porte-económico das sociedades”.

Dissemos já que ocorreu convocatória física da reunião de gerência. Essa reunião pode e deve ocorrer sempre que um dos gerentes a tenha por necessária, sob o impulso de qualquer dos gerentes, à semelhança das reuniões do conselho de administração nas sociedades anónimas (artigo 410.º, n.º 1, do CSC).

Podemos ainda assentar que a reunião em causa, do ponto de vista de direito, foi convocada, não se verificando qualquer dos vícios previstos nos artigos 56.º e 411.º, n.º 1, do CSC e que seriam: aviso convocatório não assinado por quem não tenha essa competência ou, aviso convocatório do qual não constem o dia, hora e local da reunião. Por sua vez a reunião não ocorreu em local diferente daquele que constava da convocatória.

O que afasta a nulidade das deliberações prevista nos artigos 56.º, n.º 1 e 411.º, n.º 1, alínea a), ambos do CSC, que tem como pressuposto uma reunião não convocada.

Na falta de demonstração dos demais fundamentos legais suscetíveis de conduzir à nulidade das deliberações e previstos nos mesmos artigos, subsiste a possibilidade da sua afetação por anulabilidade, nos termos do atrás transcrito artigo 58.º do CSC.

Ora, este artigo da parte geral do Código Comercial que prevê como vícios: a contrariedade à lei (ampla) ou aos estatutos; o abuso de um dos sócios; a violação do dever de informação, tem um desenvolvimento no artigo 59.º do CSC que estabelece o prazo de 30 dias para interposição da ação de anulação, contados: a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral; b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito; c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre assunto que não constava da convocatória. O que estaria manifestamente excedido relativamente à presente ação.

Entendeu a sentença e bem, que o prazo a considerar é o previsto no artigo 412.º do CSC aplicável supletivamente às reuniões de gerência – “dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação”.

Mas também de acordo com esta previsão, o prazo para arguir a anulabilidade das deliberações se mostra manifestamente excedido, pois que, a reunião de gerência teve lugar em 26-09-2014 e a presente ação foi proposta apenas em 09-09-2021.

Dispõe o artigo 298.º, n.º 2, do CC que: “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”

Ora, a consequência da violação deste prazo para exercer o direito de anulação é a caducidade do direito de ação, caducidade que foi invocada pela Ré, podendo por isso, o tribunal conhecê-la (artigo 333.º, n.º 2, do CC).

Assim, verificada a caducidade extinguiu-se o direito de ação pelo decurso do tempo.

Ponderando a questão concreta, caducou o direito do apelante em invocar a invalidade da convocatória e a invalidade das deliberações tomadas na reunião de gerentes de 26/09/2014.

Improcedendo, por consequência, a terceira questão do recurso.

Passemos à questão seguinte:

4ª – Se não foi lavrada em ata qualquer deliberação, sendo, por consequência nulas todas as decisões, atos e/ou ações praticadas ou determinadas por BB, com fundamento nas mesmas “deliberações” tomadas na reunião de 26 de Setembro de 2014.

Para além do pedido principal da declaração de nulidade da convocatória e da própria reunião de gerência, o apelante formulou ainda o seguinte pedido: admitindo que tenha ocorrido a referida reunião/assembleia, desta reunião não resultou qualquer deliberação, conforme se verifica da exaustiva leitura da Ata; Isto é da referida reunião que cumpriu determinada “ordem de trabalhos”, tendo sido apresentadas diversas propostas, umas votadas outras não, e foi encerrada sem qualquer declaração de Aprovação e/ou preceito deliberatório relativos a qualquer das propostas ali apresentadas e/ou mesmo votadas. Assim, todas as decisões e ações praticadas por BB, fundamentadas nas alegadas deliberações tomadas na referida reunião são nulas por falta de competente deliberação que lhe conferisse qualquer suporte de legalidade e legitimação. Nulidade que requer seja decretada e retroaja ao momento da prática de tais atos.

Importa atender aos seguintes factos provados:

“9. No dia 26/9/2014, pelas 17 horas e 30 minutos, teve lugar a reunião de gerência sem a comparência de AA.

10. Da ata da mesma foi feito constar: - doc. fls. 19 e seguintes.

«Ponto 3:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta

(…)

Proponho que se reduza em 70% o valor da renda mensal paga, atualmente, pela sociedade aos sócios, pelo arrendamento dos terrenos respeitantes à exploração da Pedreira;

O Sócio, digo o Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 4:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta:

(…)

Proponho que o sócio AA deixe de constar do Organigrama da

Empresa como Diretor de Produção.

Que essa função de Diretor de Produção passe a ser exercida pelo trabalhador CC.

O Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 5:

O gerente BB apresentou a seguinte proposta:

(…)

Proponho se reduza a retribuição atribuída ao Sócio gerente AA na parte respeitante às funções de Diretor de Produção, em € 1.500,00.

(…)

Proponho que o salário do referido trabalhador (DD) seja atualizado para € 1.500,00 no mês de Outubro de 2014.

O Gerente BB votou favoravelmente esta proposta.

Ponto 6:

O Gerente BB efetuou a seguinte proposta:

- Quanto ao ponto 6.1:

a) – Propõe-se que a Gerência ratifique todos os atos de gestão praticados pelo Gerente BB em relação à certificação da Empresa, uma vez que o mesmo se viu obrigado a praticá-los, face à recusa do gerente AA, por se tratar de um procedimento que tem um percurso definido e é totalmente vantajoso ao futuro da Empresa;

b) - Propõe-se que seja ratificada a constituição de depósito a prazo, uma vez que a Sociedade não tem necessidade de manutenção de dinheiro à ordem, sendo vantajoso o ganho de juros;

- Quanto ao ponto 6.2:

(…)

- Proponho:

- Se conceda a FF autorização para, junto dos bancos proceder aos pagamentos correntes da Empresa, como vinha sucedendo e tendo em conta que faz parte da Direção Administrativa e Financeira;

- Que no final de cada mês a referida trabalhadora apresente à gerência um mapa identificativo dos pagamentos efetuados, do qual deve contar data, destinatário, montante, descrição sintética da causa do pagamento, com referência ao documento de suporte contabilístico;

O Gerente BB votou favoravelmente a proposta.

Ponto 7:

O gerente BB efetuou a seguinte proposta:

(…)

Tendo em conta que foi obtido orçamento para substituição do telhado no montante de € 245.000,00 e que seria vantajoso a instalação de sistema de Energia Fotovoltaica, capaz de satisfazer as necessidades da Empresa, sendo o custo estimado de € 650.000,00;

Propõe-se:

Que se adjudiquem os trabalhos acima referidos;

O Gerente BB votou favoravelmente a proposta.

Ponto 8:

De seguida o gerente BB solicitou que fosse transcrita em ata a seguinte declaração:

(…)

Entende-se por isso que, apesar de difíceis, as expectativas futuras da sociedade não são sombrias, e os resultados, embora aquém de 2013, serão satisfatórios.

Nada mais havendo a tratar foi a presente reunião dada por encerrada.»

Dispõe o artigo 63.º do CSC respeitante às atas das assembleias de sócios, que:

«Artigo 63.º

Atas

1 - As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.

2 - A ata deve conter, pelo menos:

a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;

b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;

c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à ata;

d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à ata;

e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;

f) O teor das deliberações tomadas;

g) Os resultados das votações;

h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

(…)

6 - As atas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com cinco dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais.

7 - As atas apenas constantes de documentos particulares avulsos constituem princípio de prova embora estejam assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia.

(…).»

A ata constitui, pois, um documento escrito que deve exarar o conteúdo mínimo dos factos elencados nas alíneas do artigo 63.º, n.º 2, do CSC.

A ata particular, ou seja, a ata não notarial, constituem a regra, dependendo a ata notarial da disponibilidade da assembleia ou de ser requerida no início da mesma.

A ata seja particular ou notarial não corresponde a uma forma de deliberação mas, antes, a um meio exclusivo de prova. Neste sentido, entre outros o Ac. TRP de 19-05-2014, Proc. 502/10.0TBVFR.P1 (Soares de Oliveira) in www.dgsi.pt.

A força probatória plena da ata apenas abrange as deliberações dos sócios nos termos do artigo 63.º, n.º 1, do CSC. Assim, também, o Ac. TRC de 21-05-2013, Proc. 160/08.2TBPMS.C1 (José Avelino Gonçalves) no mesmo site.

Faltando requisitos o seu poder probatório é livremente apreciado pelo tribunal.

No mesmo sentido, António de Menezes Cordeiro in Código das Sociedade Comerciais Anotado, 4ª ed. , em anotação ao artigo 63.º : “A ata é uma formalidade ad probationem que completa as deliberações, dando-lhes eficácia. Pode ser afastada por falsidade sem que, para tanto, o Direito limite os meios de prova. As “atas” sem requisitos legais, designadamente as constantes de documentos particulares avulsos (artigo 63.º/7) constituem mero princípio de prova”

Ora, definida a natureza da ata enquanto formalidade probatória, a mesma deve expressar para efeitos probatórios o que ocorreu na reunião de 26/9/2014, não de sócios mas gerentes, sendo que apenas um esteve presente e assim, apenas a expressão da sua vontade se fixou , analisado conteúdo da mesma (facto 10) podemos, com segurança afirmar que a ata em causa é idónea a espelhar (provar) o que se passou nessa reunião, tendo sido apresentadas várias propostas que foram, todas, aprovadas pelo gerente que as apresentou.

Esse o sentido que se retira do seu conteúdo à luz das regras de interpretação e integração da declaração negocial prevista no artigo 236.º do Código Civil: «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.»

A ata não enferma assim, de qualquer vício que afete o processo deliberatório em causa porque essa não é a sua função.

E ainda que pudesse ocorrer alguma insuficiência de menção da ata, o que não se demonstra, essa insuficiência, como disse e bem o tribunal a quo, não tem qualquer reflexo sobre a validade da deliberação, mas sim sobre a sua prova.

Não se verifica, assim, qualquer nulidade ou inexistência das deliberações por não terem as mesmas sido consignadas em ata.

Improcede, também, tal questão do recurso.

Considerando a improcedência total das antecedentes questões de recurso, importa decidir a questão subsidiária, assim sintetizada:

5ª – Se, negando-se provimento ao recurso, subsistem razões para revogar-se a condenação em custas formulada na decisão, nos termos da Reclamação apresentada pelo A. sob a ref. ª eletrónica n. º ...06.

Por requerimento entrado em 17/11/2022 veio o Autor reclamar/pedir a retificação e reforma da sua condenação em custas decidida no saneador/ sentença, alegando que o decidido omitiu integralmente, quanto às custas, (…encargos das ações…), o regulado no artigo 60.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais; Sendo que, não existindo, in casu, órgão de fiscalização, nem gerente em funções, (para além daquele que tinha tomado as deliberações aqui impugnadas), esta disponibilidade legal caberá ao, (outro) único sócio, detentor de 50% das quotas da Sociedade; Logo, as custas processuais e/ou outras, que constituem sem dúvidas, encargos das ações propostas, deveriam ter sido imputadas à Sociedade Ré E..., Lda. e não ao A. AA.

Reclamação que não foi atendida em 1ª instância.

Dispõe o artigo 60.º/3, do CSC que: «A sociedade suportará todos os encargos das ações propostas pelo órgão de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer gerente, ainda que sejam julgadas improcedentes.».

O apelante AA intentou a ação contra BB, e E..., Lda., com vista à Declaração de Nulidade ou Anulação de Deliberações Sociais/Atos dos Sócios.

O Réu BB foi declarado parte ilegítima.

A 2ª Ré é uma sociedade por quotas que como resulta da certidão permanente junta com a referência ...63 tem como gerente BB.

Pela AP. ...27 da certidão permanente da Ré sociedade foi registada a decisão que suspendeu AA das suas funções de gerente e determinou que a gerência da sociedade passasse a ser exercida singularmente por BB, decisão transitada em julgado em 2016-09-30.

Pela AP. ...16 da referida certidão permanente, AA foi destituído judicialmente das funções de gerente a partir de 2021-11-04 (data do trânsito em julgado da sentença de destituição).

A presente ação foi proposta em 09/09/2021 por um sócio não gerente.

Não foi proposta nem pelo órgão de fiscalização da Ré, nem por gerente em funções da mesma, pois o A. encontrava-se judicialmente suspenso de tais funções desde 30/9/2016.

Assim, decidiu e bem o tribunal a quo, não se verificarem os requisitos de aplicação da norma especial do artigo 60.º, n.º 3, do CSC, sendo de aplicar a norma geral de responsabilidade por custas invocada na sentença proferida.

Improcede, assim, tal questão do recurso.

Síntese conclusiva:

(…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 30/03/2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)

__________________________________________________

[1] «Notifique o A. para, querendo, em 10 dias pronunciar-se quanto às exceções alegadas nas contestações, as quais estão devidamente individualizadas nos articulados em questão, precludindo o seu direito a fazê-lo posteriormente – artigo 6.º/1, do CPC.»