Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
517/22.6T8BJA.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
TERMO
JUSTIFICAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
NECESSIDADE TEMPORÁRIA DA EMPRESA
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. É vaga, imprecisa e genérica a motivação aposta ao contrato de trabalho temporário que invoca como motivo uma “tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, fundada num contrato celebrado pela utilizadora para prestar serviços a uma empresa cliente, mas do qual não se alcança que essa actividade seja efectivamente ocasional e não duradoura.
2. Apurando-se que a actividade celebrada com a cliente não é uma “tarefa ocasional”, nem é um serviço definido e não duradouro, deve considerar-se o trabalho prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 180.º n.º 2 e 181.º n.º 2 do Código do Trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Beja, AA, com o patrocínio do Ministério Público, demandou:
1.º LUSO TEMP – Empresa de Trabalho Temporário, S.A.;
2.º KNOWER PROJECTS, S.A.; e,
3.º BB.
Formulou pedidos associados ao reconhecimento da nulidade do termo aposto ao seu contrato de trabalho e à ilicitude do despedimento.
Após contestação, realizou-se julgamento e a sentença proferiu o seguinte dispositivo (após despacho de rectificação de erro material):
A) “Condeno a 1.ª Ré e, subsidiariamente, a 2.ª Ré e o 3.º Réu, a pagarem à Autora a quantia de € 1.422,98 (…), a título de retribuição por férias não gozadas e subsídio de férias dos anos de 2019 e 2021 e subsídio de Natal do ano de 2021, a que acrescem juros de mora desde a data da cessação do contrato (09.05.2021) até efectivo e integral pagamento;
B) Declaro convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato celebrado entre a Autora e a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. a 17/10/2019.
C) Condeno os réus a reconhecer que a Autora desempenhou para a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A., ininterruptamente a sua actividade profissional de assistente de costumer care, mediante contrato de trabalho sem termo, no período compreendido entre 17/10/2019 e 09/05/2021.
D) Declarado ilícito o despedimento da Autora por parte da Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. e consequentemente:
a. Condeno a 1.ª Ré e, subsidiariamente, a 2.ª Ré e o 3.º Réu, a pagarem à autora uma indemnização que fixo em 40 (quarenta) dias de retribuição base, no valor de € 886,67 (…) por cada ano completo ou fracção de antiguidade desde o início do contrato de trabalho até ao trânsito em julgado da presente decisão, o que, tendo por base a antiguidade de três anos e três meses da autora até dia 17 do mês corrente, perfaz o valor de € 2.881,68 (…) e correspondentes juros de mora à taxa cível vencidos desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento;
b. Condeno a 1.ª ré e, subsidiariamente, a 2.ª Ré e o 3.º Réu, a pagarem à autora as retribuições intercalares, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo subsídios de férias e de Natal vencidos, sem prejuízo dos descontos referidos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do 390.º do Código do Trabalho, a liquidar em execução de sentença e considerando, além do mais, que a presente acção deu entrada neste Juízo em 07-04-2022, ou seja, mais de 30 dias após o despedimento, e correspondentes juros de mora à taxa cível (quanto às retribuições vencidas desde a data do despedimento até à da presente sentença) vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.”

Introduzem os RR. a instância recursiva e formulam as seguintes conclusões:
A) O presente recurso interposto da douta Sentença de fls… dos autos, que julgou procedente a acção intentada pela aqui Recorrida, representada pelo MP e que, nessa medida, considerou a cessação do contrato da mesma como um despedimento ilícito, com todas as consequências legais daí resultantes, ao invés de se ter considerado a cessação do contrato por caducidade, conforme os Recorrentes devidamente haviam comunicado.
B) A decisão quanto à celebração do contrato por tempo indeterminado assentou na alegação do carácter vago e genérico da justificação escrita no contrato, não cumprindo a sua função face ao legalmente exigido pelo artigo 140º do CT e na manutenção do contrato de prestação de serviços entre a entidade utilizadora e a PT após a data de cessação do contrato, indicando que a necessidade da contratação se mantinha em vigor.
C) A Cláusula contratual justificativa do termo do contrato dispõe que: (…)
D) Tendo em conta o seu conteúdo textual, a primeira questão a colocar e responder é a de se, efectivamente, se trata de um texto vago e genérico que não permite a concretização da necessidade temporária em causa?
E) Contrariamente ao constante na decisão recorrida, não se trata de uma cláusula com teor vago e genérico que não permite a concretização da necessidade temporária em causa.
F) Não estamos perante um contrato com ausência de justificação ou com mera remissão para a nomenclatura legal, sendo certo que, efectivamente, as partes fizeram constar do contrato verdadeiras motivações relacionadas com a actividade prestada e factos concretos dessa prestação.
G) O seu teor corresponde, como assim deve ser, ao que efectivamente também consta no contrato de utilização de trabalho temporário celebrado, devendo este, como se sabe, ser o condutor e regente do efectivo conteúdo da prestação material a efectuar pelo trabalhador temporário.
H) Basta atender ao texto do contrato para, em primeiro lugar, se aferir e verificar que a tarefa determinada e definida está devidamente concretizada e identificada, ou seja, é devidamente identificado um contrato e projecto que será temporário, sendo que a própria linha da TAP em questão tem essa natureza, daí se justificar que a própria PT presta esse serviço em regime de outsorcing.
I) Resulta ainda do teor da Cláusula que a actividade apresenta oscilações totalmente imprevisíveis que não se poderão evidentemente coadunar com a contratação por tempo indeterminado, até porque poderia dar azo a verdadeiras extinções do posto de trabalho.
J) Pela natureza da prestação e da actividade relativa à TAP, os meios humanos necessários em cada momento são necessariamente diferentes, pelo que a prestação em causa, para além de necessariamente temporária é ainda indeterminável quanto à sua verdadeira duração e necessidade.
K) Basta que esteja em causa um termo incerto para que se tenha que admitir que a duração da necessidade é por natureza indeterminada, pelo que, desde logo, não se pode ter uma interpretação literal da alínea g) do nº 2 do artigo 140.º do CT.
L) O nº 3 desse mesmo artigo admite a contratação a termo incerto nas situações da mencionada alínea g) porque a determinação da sua duração não tem que ser certa e determinada, sob pena de estarmos perante a estrita necessidade de aposição de um termo certo, o que, como se vê, legalmente não ocorre.
M) Deve ser admissível a prestação de trabalho a termo incerto em serviço precisamente definido e não duradouro, com a interpretação de que será a tarefa em causa e o carácter temporário da sua necessidade que deverão estar concretamente definidos e não a sua efectiva duração, como parece fazer crer a decisão recorrida.
N) Os factos concretos apresentados para a justificação do termo são enquadráveis no âmbito da mencionada alínea g), com as especificidades que para a mesma resultam no âmbito da contratação a termo incerto.
O) É fundamental ter em consideração que, pese embora a excepcionalidade legal conferida à contratação a termo, a sua existência não deixa de estar legalmente admitida, pelo que, necessariamente, a interpretação das cláusulas deve ser feita segundo um critério de razoabilidade e possibilidade.
P) É necessário ter em consideração que a aposição de justificação no contrato é feita ab initio, ou seja, necessariamente não se podendo prever a duração da necessidade, as oscilações que venham a ocorrer e as actualizações ou adaptações necessárias.
Q) O que apenas deve resultar é a concretização da actividade em si e percepção, para os contratantes ou qualquer aplicador daquele contrato de que a natureza da prestação é temporária e que visa a satisfação de necessidades temporárias.
R) Do elemento literal da cláusula em causa resulta evidente que para o trabalhador, como para o próprio julgador, resulta perceptível qual a motivação de que resulta a impossibilidade (ou inconveniência) de o contrato ser celebrado sem termo, sendo certo que não é legítimo pensar que o trabalhador podia justificadamente desconhecer as mesmas.
S) O trabalhador sabe o serviço e tarefa concreta para que é contratado, sabe que a sua existência é limitada no tempo e sabe que a satisfação dessa necessidade é temporária em razão das oscilações da actividade e dos recursos humanos afectos à mesma, apenas não sabe, por se tratar de termo incerto, qual a duração efectiva da sua prestação.
T) Resulta ainda claro do contrato que este não pode durar por mais de dois anos face a imposição legal nesse sentido.
U) Conforme resulta da doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa de 04/05/2016, pese embora a excepcionalidade da contratação a termo, não pode significar para o empregador a obrigação de as motivações do termo serem de tal forma detalhadas que se poderia tornar impossível a sua descrição, obedecendo a um critério de razoabilidade.
V) O nº 2 do artigo 140º e a suas alíneas configuram meras situações exemplificativas e que devem, obrigatoriamente, passar pelo crivo do disposto no nº 1 do mesmo artigo: (…)
W) Daqui resulta que sempre poderão estar em causa outras situações que não as constantes das alíneas do nº 2 desde que consubstanciem a satisfação de necessidades temporárias pelo tempo de período necessário para o efeito.
X) O critério a atender é o de aferir, e só reportando ao conteúdo literal da cláusula, se da mesma resulta o carácter temporário da prestação e se o próprio trabalhador e os observadores externos assim o compreendem.
Y) A lei pretende garantir que aos olhos de quem observa exteriormente o contrato seja compreensível que, tendo em consideração as especificidades próprias da contratação a termo incerto, se compreenda qual é a necessidade temporária efectivamente em causa.
Z) A necessidade temporária para esse efeito é o que a lei considera como admissível para esta contratação, ou seja, no caso do termo incerto, uma necessidade que dure até 4 anos (prazo máximo actual) nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 140º do CT.
AA) Na presente situação, e especificamente para o contrato de trabalho temporário, a Lei considera, pela especial precaridade do vínculo e condições próprios do recurso a esta figura especial, que a duração do contrato não pode exceder os dois anos.
BB) Pese embora a Lei imponha a cessação do contrato, tal não implica que a necessidade da contratação não se mantenha e que apesar disso continue a ser temporária como se viu.
CC) A estipulação de um prazo reduzido admissível de contratação, mesmo um contrato a termo incerto, não configura, por nenhuma forma uma medida da temporaneidade legalmente admissível, conforme ocorre com o disposto no nº 4 do artigo 148º do CT, mas apenas uma excepção ao seu limite máximo, ainda que a necessidade legalmente perdure.
DD) A Recorrente fez constar da sua comunicação de caducidade do contrato que a cessação não ocorreu em razão da previsão da verificação do termo do contrato, mas, apenas, e de forma imperativa, pela verificação da duração máxima do contrato, quer por duração da sua vigência quer por duração do contrato de utilização.
EE) A necessidade que esteve na base da contratação não cessou, o que ocorreu é que o contrato conforme foi celebrado não poderia não cessar, estando a empresa de trabalho temporário, aqui Recorrente, obrigada a comunicar a sua caducidade como fez.
FF) Não se logra por nenhuma forma compreender qual a relevância da argumentação da decisão recorrida ao mencionar que a necessidade não cessou e que o trabalho podia continuar a ser prestado, tanto que até foi feita a proposta de contratação à trabalhadora.
GG) O contrato em causa, conforme existia, nunca poderia continuar a sua vigência e a comunicação de caducidade tinha obrigatoriamente de ser realizada, tal como foi.
HH) A necessidade da prestação durar mais do que o prazo legal de vigência do contrato de trabalho temporário, não determina, como acima se demonstrou, que não existisse e continue a existir uma necessidade temporária válida para a celebração ab initio desse contrato.
II) Ter ocorrido uma proposta de contratação apenas se coaduna com esta realidade, ou seja, com a manutenção da necessidade que esteve na base da contratação, mas por outra forma que fosse legalmente permitida, ou seja, a contratação directa a termo incerto entre a entidade utilizadora, aqui também Recorrente, e a trabalhadora e cujos limites legais, comos e viu, se estendem até 4 anos de duração máxima.
JJ) Resultou não provado, porque efectivamente não ocorreu, que outro contrato de utilização de trabalho temporário tivesse sido celebrado, o que demonstra a impossibilidade de manutenção deste tipo de contratação.
KK) A cessação do contrato, nos termos e com os fundamentos em que ocorreu, em nenhum momento está dependente da existência ou não da necessidade que esteve na base da contratação, nem a Lei faz depender essa cessação da verificação ou não dessa necessidade.
LL) Do facto concreto de que a decisão recorrida fez depender a sua decisão, o da manutenção necessidade da prestação em causa pese embora a cessação do contrato, não pode resultar a conclusão, nem presunção diga-se, de que a necessidade em causa não tinha carácter temporário atendível para a celebração de contrato de trabalho a termo incerto.
MM) Resulta dos factos concretamente apurados é que o contrato cessou por imperatividade legal nos termos e para os efeitos dos artigos 178º/2 e 182º 1 e 4 do CT, sem que tal consubstancie a necessidade de a necessidade temporária também ter cessado.
NN) Dos factos em apreço resulta, outrossim, uma prestação que resulta notoriamente temporária e que, necessariamente, importa a afectação de diferente número de postos de trabalho em diversos períodos diferentes, pelo que o empregador tem de, obrigatoriamente, dispor de ferramentas que lhe permitam aumentar ou diminuir o número de recursos humanos disponíveis segundo a necessidade.
OO) A questão prende-se com a variabilidade da afectação humana a essa prestação em cada período e não com a existência ou não da prestação em causa.
PP) A actividade aérea consubstancia uma sazonalidade evidente absolutamente condicionada aos fluxos de oferta e procura.
QQ) O período do contrato em causa correspondeu às variações brutais provocadas pela situação pandémica, sendo os transportes aéreos especialmente afectados, pelo que seria manifestamente impensável a afectação de recursos humanos de forma temporalmente indeterminada.
RR) A decisão recorrida não assentou em qualquer falta da prova dos factos por parte do empregador face à conexão entre a justificação do termo e a situação material que lhe é subjacente, tanto que nenhum desses factos é dado como não provado, mas, apenas, no carácter vago e indefinido da própria cláusula contratual sendo que, como se sabe, o seu conteúdo se apresenta como “ad substantiam” e não “ad probationem”.
SS) O termo incerto constante do trabalho de trabalho temporário celebrado entre as partes configura-se como legalmente válido, pelo que, em consequência, se configura também como válida a cessação do contrato operada em razão da sua caducidade legal.
TT) Deve a presente decisão ser revogada no que concerne às injunções resultantes da verificação de despedimento ilícito em razão da conversão do contrato de trabalho temporário a termo incerto em contrato de trabalho sem termo celebrado com a primeira Recorrente, nomeadamente o disposto em B) a D) do ponto V da decisão recorrida.
Termos em que deve (…) ser dado ao provimento ao presente recurso, revogando-se os pontos decisórios B) a D) da Douta sentença recorrida no sentido de ser declaração a cessação lícita do contrato de trabalho temporário celebrado, com todas as consequências legais daí resultantes.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Cumpre-nos decidir.

Ficou assim estabelecida na sentença a matéria de facto provada:
1. A Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. tem como objecto social a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, recursos humanos, selecção, orientação e formação profissional.
2. A Ré Knower Projects, S. A. tem como objecto social, designadamente, a prestação de serviços a empresas dos sectores primário, secundário, terciário, incluindo sem limites as áreas de telecomunicações.
3. A Ré Knower Projects, S. A., até 20/5/2021, denominava-se Talenter – Gestão de Projectos, S.A..
4. As Rés integram o mesmo grupo, com a denominação Talenter, sendo os respectivos conselhos de administração constituídos, simultaneamente, pelo Réu BB, como presidente, por CC, como vogal, e ..., ..., SROC, Ld.ª, como fiscal único.
5. No dia 17/10/2019, a Autora e a 1ª Ré subscreveram um documento escrito denominado “contrato de trabalho temporário a termo incerto”, no qual a 2ª Ré, então com a denominação Talenter – Gestão de Projectos, Ld.ª, é identificada como empresa utilizadora da trabalhadora.
6. Nos termos do referido acordo, a Autora foi “admitida ao serviço” da 1ª Ré, mediante retribuição desta, para trabalhar sob as ordens e direcção da 2ª Ré, para desempenhar as funções inerentes à categoria de assistente de customer care.
7. Da cláusula terceira do referido documento consta: “o contrato a termo é celebrado” para «execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro», mais se referindo que «o motivo subjacente à outorga do presente contrato ocorre para fazer face a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da empresa utilizadora Talenter – Gestão de Projectos, Ld.ª, resultante de um contrato de prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as directrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afectos ao presente projecto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de actividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de actividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recurso à contratação sem termo.».
8. Ficou estabelecido que o contrato de trabalho tinha início a 17/10/2019 e duração incerta, destinando-se a vigorar enquanto se mantivesse a causa justificativa da sua celebração.
9. Ficou acordado que a 1ª Ré iria pagar à Autora o salário base mensal de 630€, sendo de 40 horas semanais o período normal de trabalho.
10. A Autora passou a prestar trabalho para a 2ª Ré, nas instalações da PT, sitas em Beja, cumprindo o período normal de trabalho acordado.
11. A Autora trabalhava efectuando atendimento ao público, como assistente operacional, por meio de telemarketing, efectuando a venda de produtos da TAP Welcome Call.
12. A 1ª e 2ª rés celebraram um acordo que reduziram a escrito nos seguintes termos: (…).
13. O acordo de utilização celebrado entre as rés cessou em 09/05/2021 e não foi celebrado qualquer outro acordo entre a 1ª R. e a 2ª R. com vista à prestação desses mesmos serviços.
14. Em Dezembro de 2020 e Abril de 2021, as Rés propuseram à Autora a revogação do contrato de trabalho e a assinatura de novo contrato de trabalho, a termo incerto, em que o empregador seria a Ré Knower Projects, S. A., então designada, Talenter – Gestão de Projectos, Ld.ª, visando ainda a «…prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as directrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afectos ao presente projecto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de actividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de actividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recurso à contratação sem termo.».
15. A Autora não concordou com o que lhe foi proposto, por não lhe ser assegurada a sua antiguidade e ter que assinar uma declaração com renúncia de eventuais créditos, e não assinou nenhum dos documentos.
16. Por carta datada de 7/4/2021, a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. comunicou à Autora a cessação das suas funções, alegando “caducidade” do contrato de trabalho, com efeitos a 9/5/2021 e invocando o «terminus do contrato de utilização com a empresa Talenter – Gestão de Projectos, Ld.ª…».
17. A 2ª Ré mantém o contrato de prestação de serviços com a PT Pro, agora designada Meo – Serviços de Comunicação e Multimédia, S. A. e com a TAP Welcome, continuando a contratar trabalhadores para desempenhar as funções anteriormente atribuídas à Autora, nas instalações da PT em Beja.
18. A 1ª ré não pagou à autora o subsídio de férias de 2019 [confissão].
19. A 1ª Ré permitiu à Autora gozar 4 dias de férias relativas ao trabalho prestado em 2019.
20. Em 2021, a Autora gozou 4 dias úteis férias de 4 de Maio até 9 de Maio de 2021.
21. A Autora auferia, ultimamente, o salário base mensal de 665€.
22. Em 2021, a Ré Lusotemp, S.A. pagou à Autora 166,17€, a título de férias não gozadas; 250,24€, a título de subsídio de férias e 120,70€, a título de subsídio de Natal.
23. Em Junho de 2021 a referida ré pagou à autora € 149,36 a título de subsídio de Natal, férias não gozadas e subsídio de férias.

APLICANDO O DIREITO
Da motivação do termo
Impõe o art. 181.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, na celebração de contrato de trabalho temporário, o dever de indicação do “motivo que justifica a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário”.
A lei não se basta, assim, com a mera descrição de conceitos de direito, ou fórmulas genéricas, sob pena da exigência legal de justificação da motivo de celebração do contrato de trabalho temporário poder ser facilmente iludida e proporcionar a precarização da relação laboral. Exige-se que a motivação permita a verificação externa da conformidade da situação concreta com uma efectiva necessidade temporária da empresa, bem como a adequação da justificação invocada face à duração estipulada para o contrato.[1]
A sentença julgou inválida a motivação aposta no contrato, porquanto “da leitura dos motivos invocados não é possível concluir pela duração precisa e limitada do contrato de prestação de serviços celebrado entre a EUTT e a PT e que motiva a contratação temporária da autora, sendo certo que, apesar da caducidade do contrato de utilização, se mantiveram as necessidades que motivaram a contratação da autora, mantendo-se em vigor o contrato de prestação de serviços celebrado entre a empresa utilizadora e a PT, cliente da segunda ré, tanto mais que a 2ª ré contactou a autora para celebrar um novo contrato a termo para se manter em funções, invocando os mesmos factos. Não estamos, assim, perante uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro nem os termos genéricos utilizados na justificação é suficiente para se julgar suficientemente justificado o recurso ao trabalho temporário a termo incerto.”
Concordamos com este raciocínio: a cláusula justificativa é vaga e genérica, na medida que não permite determinar os específicos motivos de contratação temporária da trabalhadora a termo incerto.
Foi invocado, como motivo de celebração do contrato, a “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, nos termos do art. 140.º n.º 2 al. g) e 175.º n.º 1 do Código do Trabalho, mas certo é que a actividade contratada com a cliente PT Pro, não se enquadra naquele critério, pois nem é uma “tarefa ocasional”, nem é um serviço definido e não duradouro, bem pelo contrário, apresenta-se como o seu padrão normal e duradouro de actividade.
O carácter não ocasional da actividade é demonstrado pela circunstância desta se manter, pelo menos, entre Outubro de 2019 e Abril de 2021, data em que foi proposta à A. a celebração de contrato com motivação semelhante, embora com perda de antiguidade e renúncia a eventuais créditos, o que revela a intenção de continuação da actividade.
Ora, como bem se aponta no Acórdão da Relação do Porto de 03.10.2022, “na celebração de contratos de prestação de serviços temporários, no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, por natureza temporários, tem o empregador que demonstrar a razão porque, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade a justificar a necessidade, para a sua satisfação, da contratação a termo certo do trabalhador.”[2]
Considerando-se vaga, imprecisa e genérica a motivação aposta ao contrato de trabalho temporário, para além de desconforme à realidade, deve considerar-se o trabalho prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 180.º n.º 2 e 181.º n.º 2 do Código do Trabalho, pelo que bem decidiu a primeira instância ao julgar o despedimento ilícito, por não precedido do respectivo procedimento.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Évora, 20 de Abril de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Vide, a propósito, o Acórdão desta Relação de Évora de 13.02.2014 (Proc. 628/12.6TTSTB.E1), publicado em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no Proc. 4622/20.5T8MTS.P1 e publicado em www.dgsi.pt.