Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1609/16.6T8STR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Viola o dever de informação e constitui-o em responsabilidade contratual, a conduta de um Banco que, na comercialização de produtos financeiros, presta aos seus clientes informação errónea, afirmando que garantia o capital investido e que o restituiria logo que solicitado, assim levando-os a subscrever aqueles produtos.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1609/16.6T8STR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


(…) e (…) intentaram a presente ação declarativa de condenação, ora sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., referindo, em suma, que o Autor procedeu à aplicação de uma verba de € 250.000,00 num produto comercializado pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A., a 13 de abril de 2006, que julgava equivalente a um depósito a prazo, mas que redundou na subscrição de obrigações subordinadas “SLN – 2006”, sem que os Autores tivessem sido devidamente informados das condições contratuais a que se estavam a vincular, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 275.000,00, equivalente ao capital e juros vencidos desde a data da mora, a que acrescem os vencidos desde a citação, e subsidiariamente a nulidade do contrato de adesão com a condenação em igual pagamento do montante de € 275.000,00, e sempre devendo a Ré ser outrossim condenada no pagamento de uma verba de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais.
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A Ré contestou, arguindo a ineptidão da petição inicial, a incompetência em razão do território e bem assim a exceção perentória de prescrição.
No mais, impugnou a versão dos factos alegada pelos AA..
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Foi proferido despacho saneador que logo declarou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de incompetência territorial, relegando a apreciação da prescrição para momento ulterior.
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Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a presente ação parcialmente procedente, condenou a ré Banco BIC Português, S.A. a pagar aos autores (…) e (…) a quantia de € 250.000,00, acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo banco e devidamente clausulados, durante o período de tempo em que durou a aplicação, descontando-se os juros já percebidos, a tudo acrescendo os juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, indo no mais absolvida do pedido.
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Deste sentença recorre o R. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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Os AA. contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Os recorridos defendem que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não estar conforme com o disposto no art.º 640.º, n.º 2, al. a), Cód. Proc. Civil, porquanto das conclusões da alegação (que definem o objecto do recurso) não consta a indicação dos meios de prova oferecidos para alterar a decisão.
Não têm razão.
Nem tudo tem de estar nas conclusões ou estas não seriam o que devem ser e que o seu próprio nome indica.
O recorrente indica claramente os factos sobre que incide a sua impugnação nas conclusões. Sendo este o objecto do recurso, é óbvio que não faltava mais nada que indicar exaustivamente também os meios de provas nas mesmas conclusões!
O objecto do recurso está definido; depois, procura-se nas alegações os argumentos para a conclusão tirada pelo recorrente.
Assim, não há razão para rejeitar a impugnação da matéria de facto.
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O recorrente não concorda com os factos descritos nos pontos K), e M) [embora faça referência à al. Q) nas alegações, o certo é que nada alega sobre ela nem nada indica nas conclusões] com base no depoimento da testemunha (…), testemunha esta que foi a única que afirmou e demonstrou ter estado presente no momento da contratação em causa uma vez que foi este funcionário quem vendeu as Obrigações SLN ao Autor.
Os factos são estes:
K) O Autor desconhecia a natureza subordinada das obrigações que adquiriu e que o risco, afinal, não seria assumido pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A..
M) (…) E não o teria subscrito se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade Lusa de Negócios e que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A.. *
Temos que ver a prova num contexto mais amplo que um só depoimento; e temos também de ter em conta o contexto nacional deste problema. Este último não define a solução probatória mas não pode ser arredado da discussão uma vez que, como é facto público e notório, o problema é geral, no sentido de que abrange muitos mais pessoas que os AA. e em iguais circunstâncias.
O que a testemunha afirma é que esclareceu que era um produto garantido. O que significa, para um comum declaratário, que é algo seguro, algo que será devolvido integralmente e acrescido dos juros que couberem.
Verificaram os AA., afinal, que a segurança era nula.
Por isso, não obstante a afirmação de esclarecimento que a testemunha afirma ter prestado, cabe perguntar se tem algum sentido comum pessoas como os AA. investirem num produto de risco; e mais ainda quando o que pretendiam era uma poupança (como se sabe, o português médio prefere poupar a investir). O A. soube que estava a comprar dívida de uma sociedade financeira (a SLN) mas não percebeu o alcance disto (como se nota na sentença, a pág. 16, «não por acaso o logotipo do BPN assume maior peso no documento do que o da SLN».
Não basta informar; é preciso que o declaratário fique informado e o depoimento em questão, independentemente da sua clareza verbal, não leva à conclusão que aquele resultado tenha sido alcançado. A testemunha afirma que disse ao A. que estava a comprar dívida de terceiro mas terá o A. percebido isto mesmo? Estaria o A. disposto a tal acto caso estivesse realmente esclarecido ou preferiria, como afirmou, fazer antes um depósito de poupança?
Outro elemento nos conduz no mesmo sentido.
Quando um membro da Direção Coordenadora de Empresas Centro do Banco Réu escreve que não vê diferença entre um depósito a prazo e a compra de um risco do BPN [al. P)], cremos que está tudo dito.
Estas dúvidas levam-nos a concluir que o depoimento não é convincente e a concluir que o A. não ficou cabalmente informado e esclarecido sobre o que estava a comprar, fruto talvez da política de venda agressiva descrita na al. P) dos factos provados.
Assim, não vemos que o depoimento da testemunha (…) imponha [como o art.º 640.º, n.º 1, al. b), Cód. Proc. Civil, exige] decisão diferente sobre os factos, designadamente, os das als. K) e M).
O recorrente socorre-se ainda do depoimento da testemunha (…); mas esta apenas emite uma opinião.
Assim, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
A) No dia 13 de abril de 2006, o Autor apôs a sua assinatura num documento denominado “SLN 2006 – Boletim de Subscrição”, datado de 13 de abril de 2006, contendo no canto superior esquerdo o logotipo do BPN e constando, designadamente, o seguinte: “Emissão de obrigações subordinadas. Natureza da emissão: Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma (…). Prazo e reembolso: o prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. Remuneração: (cupões) 1.º Semestre; 9 cupões seguintes; restantes semestres; (taxa anual nominal bruta) 4,5%; Euribor 6 meses + 1,15%; Euribor 6 meses + 1,50% (…).”.
B) (…) Tendo o Autor subscrito cinco obrigações, no montante total de € 250.000,00.
C) (…) E declarado conhecer e aceitar as condições da emissão, tal como definidas no respetivo prospeto, disponível nas agências do BPN.
D) (…) Que não solicitou nem lhe foi disponibilizado.
E) Os Autores, a 13 de Abril de 2006, eram titulares, junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., da conta de depósitos à ordem com o número (…).
F) (…) Tendo a mesma sido debitada da importância de € 250.000,00 no dia 8 de Maio de 2006.
G) O Autor subscreveu as obrigações, na sequência de contacto promocional efetuado pela agência bancária.
H) Os Autores tinham confiança nos funcionários da agência, designadamente (…) e (…).
I) O Autor era um cliente conservador, disponível para investir em produtos de baixo risco.
J) (…) Sendo tal facto conhecido dos funcionários da agência. K) O Autor desconhecia a natureza subordinada das obrigações que adquiriu e que o risco, afinal, não seria assumido pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A..
L) (…) Ficando convencido que estava a adquirir um produto com capital garantido e rentabilidade assegurada.
M) (…) E não o teria subscrito se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade Lusa de Negócios e que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A..
N) O Autor, com 69 anos, exerceu ao longo da sua vida a atividade de construtor civil.
O) O Autor possuía outras aplicações em valores mobiliários, nomeadamente fundos de investimento.
P) A 26 de julho de 2008, o Dr. (…), elemento da Direção Coordenadora de Empresas Centro do banco Réu, enviou aos trabalhadores do banco Réu correio eletrónico, no qual, a propósito da "emissão de papel comercial da SLN Valor, SGPS, S.A.", escreve o seguinte: "Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Acionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes últimos 2 anos, a lutar, ou seja, Profissionalismo, Atitude, e fundamentalmente, Honestidade Profissional e Reconhecimento pela Casa, o (BPN). Independentemente dos objetivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a Todos que, logo a partir das 08h30m de 2a feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição. Relembro que a SLN VALOR, é a maior acionista da SLN GPS (31 %), que por sua vez detém 100% do BPN, ou seja, na prática, estamos a "vender" o equivalente a um DP, com uma excelente taxa, (...). Quando o cliente efetua um DP está a comprar "risco" BPN. Não vejo diferenças. Escuso-me de vos reiterar a importância que, pessoalmente e para todos nós atribuo a uma boa "performance" (no mínimo arrasar, logo na 2a feira, o objetivo que venha a ser fixado), com seguimento diário, hora a hora, minuto a minuto que esta operação vai ter, com todos os "olhos" nela focados. Obrigado a Todos pelo excelente trabalho que, tenho a certeza, vamos realizar, e que será para todos nós motivo de orgulho e afirmação no futuro".
Q) A 9 de Julho de 2009 um grupo não concretamente identificado de funcionários do banco Réu enviou para a rede comercial do banco Réu e para os funcionários do banco Réu que se encontram identificados no mail de fls. 86 verso sob a menção "Para", o referido mail de fls. 86 verso, onde se lê: "Assunto: Papel Comercial e Obrigações do Grupo SLN. Aos trabalhadores do BPN, Chegou a hora de resolver o problema ou, pelo menos, minimizar as consequências para a nossa integridade física e psicológica, bem como, da nossa credibilidade junto dos clientes. Pelo que temos visto esta Administração nada tem feito para nos ajudar a encontrar uma solução, pelo contrário, empurra-nos para a SLN. Tudo o que fizemos (vender papel comercial e obrigações do Grupo SLN) foi com orientação da Administração e Direções à data, em que claramente era assumido, internamente e junto dos clientes, a segurança dos produtos (idêntica à de um depósito a prazo). Nunca quisemos enganar ninguém, muito menos os nossos clientes. Mas nada melhor para confirmar o que dizemos, como o mail que anexamos, de um Diretor à data e atualmente Administrador do BPN, Dr. (…). Foi nesta base que vendemos os produtos da SLN. E agora ninguém quer saber (?). Já percebemos que a Administração nada vai fazer para solucionar esta situação. O único caminho que nos resta é salvaguardar a nossa posição: de forma anónima e confidencial imprimam os mails que temos enviado, principalmente este, e enviem para todos os vossos clientes que têm produtos (papel comercial e obrigações) do Grupo SLN. Nós já o fizemos. Dessa forma os nossos clientes ficam com elementos que qualquer tribunal não terá dúvidas em lhes dar razão. Em paralelo os clientes terão a certeza que somos nós, os Trabalhadores do BPN, os únicos que queremos resolver a situação".
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As oito primeiras conclusões da alegação do recorrente referem-se à matéria de facto pelo que agora não serão tidas em conta.
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O cerne da alegação diz respeito ao conteúdo do dever de informação do intermediário financeiro.
Mas notaremos, em primeiro lugar, que o recorrente não põe em crise a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição. Sendo assim, esta parte da sentença transitou e não mais pode ser discutida. Referimo-nos a isto porque o decurso do prazo de dois anos (que faz prescrever a responsabilidade) apenas se aplica aos casos em que não haja dolo ou culpa grave do intermediário financeiro. Não afirmamos, claro, que o recorrente entenda expressamente que houve dolo ou culpa grave neste caso; apenas notamos a restrição do objecto do recurso.
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Estando em vigor, à data dos factos, o CMVM anterior à redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, defende o recorrente que a obrigação de informar quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro e o risco de perda da totalidade do investimento não existia no momento em que o contrato dos autos foi celebrado (2006) e só foram estabelecidas por intermédio daquele diploma.
Salvo o devido respeito, não tem razão.
E não a tem porque a obrigação de informação foi sempre uma informação ampla: todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312.º, n.º 1). Como acima se disse, não basta informar; é preciso que o destinatário fique informado. Por isso, a alteração legislativa de 2007 não criou um dever novo ou um conteúdo novo de um dever. Concretizou o dever amplamente descrito acrescentando casos específicos do dever aqui em causa. Como se escreve no ac. desta Relação, de 11 de Janeiro de 2018, a «alteração normativa não incorpora matéria inovatória que não estivesse provisionada na esfera de protecção das regras atinentes à responsabilidade contratual e dos princípios gerais do direito positivo no domínio do cumprimento obrigacional». Por isso, e como igualmente se escreve no mesmo acórdão, «também no domínio da legislação do pretérito, os funcionários bancários dotados de poderes de direcção e representativos estavam vinculados a agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral»; a obrigação de informação abrangia já o que incidisse sobre os riscos associados ao instrumento financeiro e o risco de perda da totalidade do investimento.
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Defende o recorrente que são de três tipos os deveres que sobre o Réu impendiam (itálico nosso): i)- de protecção dos legítimos interesses dos clientes, ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, para concluir que nenhum deste deveres foi violado pelo Banco Recorrente.
Mas resulta já do que se disse que, sendo o dever amplo de informação, aliado à boa fé substantiva (o ac. do STJ, de 10 de Janeiro de 2013, proferido num caso igual, do mesmo Banco, fala em «elevado padrão de diligência, lealdade e transparência») – para mais numa matéria tão sensível como esta – e à necessidade de o interlocutor ficar informado (escusamos de acrescentar «cabalmente»), o recorrente não se exime da obrigação de indemnização decorrente da violação do dever indicado.
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Analisando a matéria de facto provada, temos de concluir que (1.º) houve violação do dever de informação e que (2.º) o recorrente não ilidiu a presunção de culpa (estabelecida no art.º 314.º, n.º 2, CMVM) que impende sobre os intermediários financeiros.
Com efeito, o A., cliente conservador, subscreveu as obrigações, na sequência de contacto promocional efetuado pela agência bancária em cujos funcionários, tal como a A., confiava. Confiou que a informação que lhe foi fornecida era certa e que o produto (chamemos-lhe assim porque, afinal, não se tratava de um mero depósito a prazo) era seguro. Por isso, ficou convencido que estava a adquirir um produto com capital garantido e rentabilidade assegurada. E não teria subscrito as cinco obrigações se soubesse que estava a comprar dívida da Sociedade Lusa de Negócios e que a garantia de capital era prestada por esta entidade e não pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A., ou seja, não estava totalmente esclarecido.
Daqui decorre que o A. não estava cabalmente esclarecido quando subscreveu as obrigações; e o fundamental, tal como em qualquer declaração negocial, é que a sua vontade fosse formada livre e esclarecidamente.
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O que mais consta das alegações assenta na pretendida alteração da matéria de facto ou não são de molde a colocar em crise a decisão recorrida e os seus fundamentos.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 22 de Março de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho